terça-feira, 9 de novembro de 2021

Caldas enfrenta a INB contra depósito de material radioativo. No passado, a operação era clandestina

 


No passado, para transferir material radioativo (Torta II e rejeitos) produzidos em São Paulo para serem armazenados em Minas Gerais, clandestinamente, a estratégia era a seguinte: agentes do governo enganavam os trabalhadores que levavam caminhões carregados com materiais radioativos da Usina de Santo Amaro (Usam), da Nuclemon, no bairro paulista de Brooklin, até a unidade de exploração de urânio em Caldas, Sul de Minas, onde eram despejados. Tudo foi feito na calada da noite. Hoje, embora tente terminar o serviço, a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), sucessora da Nuclemon (extinta em 1992), enfrenta várias barreiras. 

A população, políticos locais e ambientalistas estão mobilizados para impedir que o restante da herança maldita, principalmente a que permanece no depósito da Usina de Interlagos (USIN), da INB, seja transferida para Caldas. A INB ameniza o problema, tenta se livrar do lixão radioativo, para que possa vender o terreno da USIN, como fez com o da Nuclemon, anos atrás. 

O blog consultou corretores de imóveis e segundo eles, a Lei de Zoneamento do município de São Paulo, aponta que o terreno de 60 mil metros quadrados da USIN tem capacidade para a construção de até 120 mil metros quadrados de área construída. O gabarito de altura é de até 28 metros. Poderiam, por exemplo, erguer 2.400 apartamentos, com valor de mercado de R$ 300 mil cada unidade, rendendo cerca de R$ 700 milhões aos cofres da construtora que comprar o terreno. Caso aconteça, será um negócio muito rentável. Mas nem tudo são flores nesse campo radioativo, até bem pouco tempo, repleto de plantações de goiabas e taiobas. 

No registro de imóveis da Prefeitura de São Paulo, o local consta como “área contaminada”, o que engessa qualquer venda para construtora. Além disso, precisa de um laudo da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), informando todas as condições do terreno. Eles lembraram que a área abarca parte de lençol freático certamente contaminado, um grande complicador. Mas dependendo das negociações, alertaram, o mercado pode se interessar pelo imóvel. 

Enquanto os entraves relativos ao terreno não se desenrolam, a estatal se depara com outros obstáculos: a mobilização política de Caldas, que se amplia e fortalece contra os planos de transferência dos rejeitos para a cidade. 

PROJETO DE LEI - 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta terça-feira (09/11) o parecer pela constitucionalidade, juridicidade e legalidade do Projeto de Lei 3152/2021, de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que proíbe a entrada do rejeito radioativo e a instalação de depósito de lixo atômico no território de Minas Gerais. 

O PL foi apresentado após grande audiência promovida pela Comissão de Administração Pública (21/09/21), que debateu a decisão de transferência do lixão. Na reunião, representantes de seis prefeituras e de três câmaras municipais fizeram apelo unânime contra o depósito, que atingiria toda a região.

 AUDIÊNCIA PÚBLICA -

 Nesta quarta-feira (10/11), às 15hs, a Câmara dos Vereadores de Caldas realiza mais uma audiência Pública para discutir as questões relacionadas a intenção da INB de transferir os rejeitos para o Planalto de Poços de Caldas, transformando Caldas em depósito de rejeito de material radioativo. A audiência foi proposta pela vereadora Regina Cioffi (PP – Caldas), uma das lideranças à frente de luta contra depósito em Caldas.

 Foram convidados representantes da INB, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e a auditora fiscal Fernanda Giannasi, que trabalha no caso desde o início, tendo sido a profissional que mais fiscalizou e autuou a INB. 

Na audiência anterior, em 20/10, o superintendente de desenvolvimento da Diretoria de Recursos Minerais da INB, Diógenes Salgado Alves, disse que não estava esgotada a possibilidade de Caldas se tornar depósito definitivo para o lixo radioativo produzido em São Paulo, acirrando o embate sobre o caso. Depois, ele recuou e afirmou que tudo estava em estudo. 

“Atualmente a solução proposta para remediar a situação é o armazenamento de toda a Torta II em novos galpões. Nessa proposta todos os tambores e bombonas deverão ser reembalados. O que está a granel deverá também ser acondicionado em tambores. Mas continuará sendo uma solução intermediária”, afirmou o superintendente. Durante a audiência, ele também informou planos para contratação se serviços em 2022, e ações em 2023. 

As ações em curso para o armazenamento da Torta II, segundo ele, são: remediação da situação de 1.100 tambores e 400 bombonas, com prazo de abril de 2022, a troca das coberturas dos silos; contratação do projeto executivo do novo Ponto de controle, estudos para a identificação de local preferencial  para a alternativa de armazenamento de longo prazo. E mais:  reembalar os tambores metálicos deteriorados até dezembro de 2023, por exemplo. 

“BANHO MARIA” - A discussão sobre a transferência da torta II de São Paulo para Caldas nunca saiu da mídia. Estava sendo levada em “banho Maria”, até voltar à tona no dia 27/8, quando o blog divulgou a intenção da estatal de fazer a transferência. No dia seguinte, a empresa confirmou estar dialogando sobre o assunto com o Ministério Público Federal de São Paulo e de Pouso Alegre. A ideia, confirmou, era transferir mais Torta II para a sua unidade em Caldas. O material radioativo sairia da USIN e de sua unidade de Estocagem de Botuxim (UEB), que fica numa área de 300 mil metros quadrados, no Sítio São Bento, município de Itu, onde abriga 3.500 toneladas de Torta II, armazenadas em sete silos. O material é também proveniente da USAM/Nuclemon.

 ANTPEN RESISTE - 

Os rejeitos radioativos fazem parte do estoque acumulado durante mais de 20 anos da Nuclemon. A longa história gerou prejuízos materiais e humanos incalculáveis, como a contaminação de trabalhadores da empresa, que durante décadas, sem saber, manusearam materiais radioativos. Inclusive aqueles que trabalharam carregando e descarregando o material radioativo, em caminhões, levados clandestinamente. na calada da noite, de São Paulo para Caldas. 

Até hoje o caso  da radiação na Nuclemon revolta os ex-trabalhadores, que sobreviveram ao fechamento da empresa, em 1992. Abandonados pelo poder público, as vítimas e familiares – pois muitos já morreram-, em 2006, fundaram a ANTPEN (Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear), para lutar pela causa. São dezenas de pedidos de indenização na Justiça Paulista. Até hoje, o máximo que as vítimas conseguiram foi o pagamento de um plano de saúde. Plano de Saúde que a INB tem lutado para retirar das vítimas, conforme tem sido denunciado pelo blog. 

FOTOS: Tambores com Torta II - Caldas - 

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