A Eletronuclear publicou nesta quinta-feira (25/02), no Diário Oficial da União, o edital de contratação da empresa que retomará a obra civil de Angra 3 e realizará parte da montagem eletromecânica da usina nuclear. O objetivo é adiantar algumas atividades de construção antes mesmo de se contratar a empreiteira que irá empreender a obra global e concluirá a construção da usina. A expectativa é de que o contrato seja assinado até maio, conforme a subsidiária da Eletrobras divulgou hoje.
Desde que assumiu o governo, o presidente Jair Bolsonaro manifestou várias vezes a intenção de concluir Angra 3, uma obra que há décadas vem sendo palco de muitos problemas.
A história da usina começou nas décadas de 70 e 80, época do apogeu da energia nuclear no Brasil, por conta das pressões e dos boicotes norte-americanas contra o país.
Para se ter ideia, até o ex-presidente Juscelino Kubitschek pediu a amigos que transmitissem felicitações ao general Ernesto Geisel, quando o presidente assinou o acordo nuclear Brasil-Alemanha, em Bom, no dia 27 de junho de 1975. Em carta, escrita de próprio punho, datada de 8 de julho de 1975, Kubitschek registrou que considerava o ato o mais importante praticado pela Revolução nos últimos dez anos. Foi assinando o acordo que o Brasil, entre outros negócios, comprava oito usinas da Alemanha, uma delas, batizada de Angra 3.
O mundo nuclear não era para principiantes e envolvia grandes jogadas: depois de vender Angra 1 para o Brasil, os EUA se negaram a fornecer o combustível (urânio enriquecido) para alimentar o reator fabricado pela norte-americana Westinghouse. Diante da crise, o Brasil fez a compra da África do Sul, enquanto o nacionalismo fervilhava. Cientistas defendiam que o Brasil deveria projetar o seu próprio reator comercial, mas foram vencidos. O acordo estava assinado.
Na Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro, eclodiam os mais veementes discursos em prol da ditatura nuclear brasileira. Em 1978 ainda havia muito otimismo em torno do “negócio do século”, pois as obras da primeira usina fruto do acordo, Angra 2, estavam em andamento. Na Europa, porém, havia um forte movimento contra o programa nuclear brasileiro. Aqui, houve até Comissão Parlamentar de Inquerido (CPI), que acabou em “pizza”.
A SAGA DE ANGRA 3 -
Mais de quatro décadas se passaram, e parece que a saga de Angra 3 chegou ao fim.
Para resgatar mais um pouco essa história, dados oficiais informam que as obras civis de Angra 3 tiveram início em 1984; sendo interrompidas em 1986. Nesse período, foram realizados cortes na rocha, abertura de cavas para a colocação de blocos de fundação e a preparação parcial do sítio. O governo também executou instalações parciais de infraestrutura do canteiro de obras. O material procedente da escavação foi utilizado para a construção do molhe de proteção da Baia de Itaorna, em frente à central nuclear de Angra.
A Eletronuclear reconhece que a paralisação das obras de Angra 3 ocorreu por fatores políticos e econômicos, principalmente nas décadas de 1980 e 1990. Só depois da entrada em operação de Angra 2 – a primeira usina o acordo com a Alemanha – a construção de Angra 3 voltou à pauta. Problemas diversos foram entravando a continuidade das obras, que se arrastaram até 2015.
O ano de 2015 marcou a mais recente parada das obras da usina, após denúncias de corrupção do então presidente da Eletronuclear, contra-almirante Othon Luiz Pinheiro, que acabou sendo preso. Até o ex-presidente da República, Michel Temer, e executivos da estatal, acusados de corrupção, também foram presos. Todos soltos, depois.
FESTA NO CANTEIRO -
Agora, com a publicação do edital para a retomada das obras, a indústria nuclear se movimenta aliviada para alavancar um processo que até bem pouco tempo, muitos duvidavam.
Em outubro, provavelmente, haverá festa no canteiro de obras da usina: será colocado o primeiro concreto – marco da retomada das obras de Angra 3. Técnicos do setor acham que o momento será de festa no canteiro. A contratação da empreiteira está prevista para o segundo semestre de 2022. Por fim, a entrada em operação programada para 2026.
A Sociedade Angrense de Proteção Ambiental (SAPÊ) lamenta a falta de diálogo com moradores e comunidades indígenas, originais daquelas terras.
Defensores de Angra 3 ressaltam que as obras não podem parar, porque Angra 3 já consumiu R$ 7 bilhões e agora, com o edital, terá como obter os R$ 15 bilhões necessários para a sua conclusão. Argumentam também Angra 3 terá capacidade para gerar 1.350 Megawatts (MW), quando funcionar 100% sincronizada ao Sistema Integrado Nacional SIN), e que poderá atender ao consumo de uma cidade de 2 milhões de habitantes, como Belo Horizonte.
Ambientalistas alertam sobre os perigos de acidentes radioativos, que provocaram milhões de mortes em todo o mundo. Membros da SAPÊ e da Articulação Antinuclear, que reúne dezenas de entidades civis no país, protestam. Cobram que ainda hoje não há um plano de emergência aprovado por todas as partes para a retirada da população em caso de acidente com radiação.
A Eletronuclear garante que a instalação nuclear é segura. E anuncia a criação de sete mil empregos por conta da retomada das obras de Angra 3. O prefeito reeleito de Angra, Fernando Jordão, tem participado de reuniões com a Eletronuclear visando obter recursos para a cidade, relativos às contrapartidas negociadas anteriormente. Ele disse que confia.
(Carta - Reprodução dos livros da autora)