A retomada da produção de urânio na mina do Engenho,
em Caetité (BA), a construção de pelo menos quatro usinas nucleares no Nordeste;
entre outros temas polêmicos, são comentados pelo físico Heitor Scalambrini
Costa, doutor em Energética, pela Universidade de Marselha/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França. Um dos mais respeitados protagonistas do
movimento antinuclear no Brasil, Scalambrini alerta que a decisão “viola os
reais interesses das populações que vivem no entorno da mina, colocado em risco
a vida das pessoas e de todo o ecossistema”.
A contaminação por radiação provoca câncer, entre outras graves doenças, lembrou. Graduado em Física pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP/SP), com mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), Scalambrini afirma que as decisões tomadas pelo
setor no país “sofrem um
déficit de participação
popular e de democracia”. E completa: “Assim, a soberba prevalece e os interesses
econômicos estão representados fortemente, ofuscando os legítimos interesses da
sociedade”. Eis a entrevista:
BLOG - O governo está retomando a exploração
da mina de urânio do Engenho, em Caetité, na Bahia. Sua opinião?
SCALAMBRINI:
O histórico da mineração e o trato de material radioativo no país não são nada
abonadores. Ao contrário. A memória das populações locais e os registros dos
meios de comunicação não permitem o esquecimento diante das sequelas provocadas
pela radiação, dos problemas ambientais causados pela mineração, e da inadequada
fiscalização e controle de materiais radioativos. A única mineração de urânio
em atividade está situada no município de Caetité (BA), na Unidade de
Concentração de Urânio, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estava paralisada
desde 2015. E os trabalhos da INB em Caetité são marcados por críticas,
denúncias, mobilizações da população, e processos judiciais contra a empresa. Bem
próximo do local da mineração existem moradores de pequenas comunidades rurais. Segundo
a Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador do governo da Bahia,
existe uma incidência muito alta de câncer em Caetité, sendo alguns tipos possivelmente
ligados à mineração de urânio - como câncer de tireoide e de pulmão, mais
prováveis graças à emissão de gases tóxicos da mina.
BLOG – Agora a INB têm licença.
SCALAMBRINI: A licença
concedida recentemente pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é para
o início das operações na mina do Engenho, que é parte da usina de beneficiamento
nuclear da INB em Caetité. Ato que viola os reais interesses das populações que
vivem no entorno da mina, colocando em risco a vida das pessoas e de todo
ecossistema. Em
função desta herança maldita na área nuclear, e dos reais perigos e riscos que
podem causar, a única maneira de evita-los e assim preservar vidas, é de abandonar
de vez a mineração do urânio, criando áreas livres da mineração.
BLOG - Qual a sua opinião sobre o Consórcio
Santa Quitéria, parceria da INB com a Galvani, para a exploração de urânio e
fosfato, em Itataia, no Ceará?
SCALAMBRINI: A mineração de urânio, hoje,
é um monopólio estatal, segundo a Constituição Federal de 1988. No artigo 177,
inciso V, fica estabelecido que constitui monopólio da União “a pesquisa, a
lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de
minérios e minerais nucleares e seus derivados (…)”. Ainda, no artigo 21 da
Constituição, em seu inciso XXIII, afirma expressamente ser competência da
União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e
exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus
derivados (…)”. Portanto, a constituição do Consórcio Santa Quitéria, entre a
empresa privada Galvani Indústria Comércio e Serviços S.A (controlada pela
mineradora norueguesa Yara) e a INB, com a finalidade de implantação de um
complexo minero-industrial no Ceará, explorando urânio e fosfato, nada mais é
que uma tentativa de burlar a Constituição, de quebrar o monopólio estatal.
BLOG
– São muitos os riscos? E a questão da água?
SCALAMBRINI: O urânio tem características bastante especiais, em
particular pela sua radioatividade, e suas graves consequências para à saúde e à
vida. As nossas preocupações devem ser redobradas, na intenção de privatização
da mineração do urânio, principalmente pelos últimos episódios catastróficos
protagonizados pela iniciativa privada em Mariana e Brumadinho. Os números não
desmentem. Um exemplo que mostra claramente a insustentabilidade socioambiental
deste empreendimento é a injustiça hídrica provocada pelo Projeto Santa
Quitéria. A previsão é de utilização de 1 milhão e 100 mil litros de água por
hora (125 carros-pipa/hora) no complexo minero-industrial. Para isso, o governo
do Ceará se dispõem construir uma adutora para transportar a água do Açude
Edson Queiroz até a jazida, o que levaria a um aumento da demanda desse açude
em 400%, caso o empreendimento entre em operação, levará a uma disputa desproporcional
pela água entre a mineração e as comunidades e os assentados do entorno da mina
que consomem, segundo dados de 2012, o equivalente a 14 carros-pipa/mês.
BLOG: O Governo também paneja construir outras usinas
nucleares no Nordeste. O que acha?
SCALAMBRINI: O Plano Decenal de
Energia–PDE 2029, trouxe pela primeira vez a indicação de que novas usinas
nucleares poderiam serem construídas no país, além de Angra 3. O que verificamos
nas declarações de membros do atual governo, e que é inadmissível, é a entrega
do setor nuclear ao capital internacional, não somente a mineração, mas também
a geração de energia. Sob o ponto de vista econômico, os custos da energia
gerada são os mais caros e certamente incidirá no aumento da conta de energia
para o consumidor final em todo país. A chamada modicidade tarifária, desejada
pela política energética, definitivamente será enterrada. A insanidade do atual
governo de propor a construção de novas centrais nucleares é tanta que não é
levado em conta o fato da energia nuclear ser perigosa, cara e suja.
BLOG - O governo pretende concluir as obras
da usina nuclear Angra 3, paralisadas desde 2015, que se arrastam há 30 anos.
Para concluir, precisa de R$ 15 bilhões e se não concluir, perderia R$ 12
bilhões. Qual a sua opinião?
SCALAMBRINI: Com um histórico de corrupção, lavagem de
dinheiro e evasão de divisas na execução do projeto, tais crimes, segundo as
investigações, acabaram condenando o contra-almirante Othon Luiz Pinheiro da
Silva, ex-presidente da Eletronuclear, a 43 anos de prisão, teriam que injetar
mais R$ 15 bilhões para concluir a usina. Diante das inúmeras opções de fontes
energéticas renováveis abundantes no país, é desnecessário investir em uma
fonte geradora com tantas controvérsias, polêmicas, representando real risco e perigo
a vida das pessoas e da preservação ambiental. Um escapamento, fuga de material
radioativo, quando acontece, do interior de um reator é um desastre, uma
tragédia sem comparação. Então porque correr o risco? Concluir Angra 3 e expandir a geração nuclear, com
a construção de novas usinas, é seguir um caminho contrário ao que o mundo
atual almeja. Diante de tantas prioridades necessárias e urgentes, investir em
usinas nucleares represente mau uso do dinheiro público.
BLOG - A usina Angra 1 já
deveria estar sendo desmontada... mas a Eletronuclear contratou a Westinghouse
para projeto de prorrogação da vida útil da usina por mais 20 anos. Qual a sua
avaliação?
SCALAMBRINI: Em novembro de 2019 a Eletronuclear, empresa
estatal que controla as usinas em Angra dos Reis (RJ), solicitou formalmente à
CNEN a extensão de vida útil de Angra 1, de 40 para 60 anos. Seus 40 anos
de atividade, portanto, se completam no ano de 2024. Com a obra contratada
junto a Westinghouse, a vida útil de Angra 1 será estendida até 2044. Deve-se
levar em conta que os processos de envelhecimento são de difícil detecção
porque geralmente ocorrem no nível microscópico da estrutura interna dos
materiais. Eles frequentemente se tornam aparentes somente depois da falha de
um componente, por exemplo, quando ocorre o rompimento de uma tubulação. Neste
caso a prevenção torna uma tarefa mais difícil.
É previsível o aumento do
número de incidentes e eventos em uma usina que teve sua vida útil estendida –
pequenos vazamentos, rachaduras, curtos-circuitos por falhas em cabos etc. O
processo de envelhecimento levará ao enfraquecimento gradual de materiais que
poderiam causar falhas catastróficas de certos componentes, com subsequentes
liberações radioativas severas. Os programas de aumentar a vida útil de uma
usina priorizam os aspectos econômicos em detrimento da segurança. Sem dúvida aumentar
a vida útil de uma usina nuclear representa aumentar o risco de acidentes que
não podem ser previstos.
BLOG - O
Brasil precisa de fato de energia nuclear? De que forma?
SCALAMBRINI: Para
responder a perguntar acima, eis outras perguntas necessárias de serem
respondidas: “Por que vamos correr o risco de um acidente nuclear com vazamento
de radiação no rio São Francisco, se não precisamos para atender nossa demanda
por energia elétrica, e que hoje o nuclear somente contribui com menos de 3% de
toda potência elétrica instalada no país?”; “Por que recorrer a uma fonte de
energia no mínimo polêmica, com alto grau de periculosidade, se dispomos em
abundância de outras fontes fornecidas pela natureza, como Sol, vento, água e
matéria orgânica (biomassa)?”; “Por que recorrer a uma fonte que produz energia
cara, que vai provocar mais ainda o aumento da fatura para o consumidor final?”;
“Por que deixar para as gerações futuras o problema que ainda hoje é insolúvel,
o que fazer com os resíduos, criados nas usinas nucleares, com elementos
químicos que podem continuar emitindo altas doses de radiação por milhares de
anos. Além das usinas criarem artificialmente um isótopo do elemento
químico plutônio, considerado o mais nocivo, o mais tóxico de tudo que existe
no mundo?”; “Se a energia nuclear é cara, perigosa e poluente, qual o motivo
para instalar estas usinas em nosso país, no Nordeste brasileiro, ao lado do
rio São Francisco?”; “A quem interessa um investimento projetado de US$ 30
bilhões (com câmbio atual: valor próximo a 180 bilhões de reais) para a construção
do Complexo Nuclear de Itacuruba (6 usinas até 2050), diante de tantas outras
necessidades mais urgentes e prioritária para a população nordestina,
brasileira?”.
nfim são algumas das questões
levantadas sobre a instalação de novas usinas nucleares no país, que precisamos
discutir amplamente, com participação da sociedade, e menos movida aos
interesses econômicos que acabam contaminando o debate. Afinal a energia
nuclear não é um assunto somente para técnicos. Quanto as outras aplicações de
materiais radioativos para medicina, agricultura, engenharia são assuntos, que
a princípio não tem nada a ver com a produção de energia elétrica. Devemos sim
aprofundar também esta discussão.
BLOG: De
que forma o Brasil poderia investir em energias alternativas para o
desenvolvimento do país?
SCALAMBRINI: Discutir fontes energéticas é
responder a três questões básicas: Energia para quê? Energia para quem? E como
produzir? Para uma matriz sustentável, diversificada e complementar, a energia
solar, a eólica, a biomassa, a energia das hidroelétricas, entre outras, se
apresentam como as melhores candidatas. Sem, obviamente contar com a energia
nuclear, cujas desvantagens são muito maiores comparadas as fontes renováveis
de energia. Todavia, o crescimento das fontes solar e eólica na matriz elétrica
está acontecendo no país de forma desordenada, nem planejada, provocando sérias
consequências socioambientais. As usinas solares e os parques eólicos,
concentram em grandes superfícies placas solares e aerogeradores.
As
instalações no litoral ou no interior tem provocados inúmeros impactos
diretamente nas populações que vivem em seu entorno, e aos ecossistemas.
Problemas estudados pelas universidades, centros de pesquisa e organizações não
governamentais tem relatado em trabalhos, teses, comunicações, os inúmeros transtornos
provocados por estas grandes instalações, que geram grandes pacotes de energia,
que são transmitidos para os centros consumidores. Mesmo hoje, com a transição
energética ocorrendo no mundo, com a substituição dos combustíveis fosseis
(carvão mineral, derivados do petróleo e gás natural), maiores emissores de
gases de efeito estufa, pelas fontes renováveis de energia (sol, vento,
biomassa, água, ...), várias críticas são necessárias com relação ao modo de
produção destas fontes de energia.
Como não existe energia 100% limpa, mesmo as
fontes renováveis acabam contribuindo para o desmatamento, devastação da
vegetação e a mudança nos modos de vida de populações ribeirinhas, pescadores,
agricultores rurais, populações indígenas e quilombolas. Pequenas unidades de
potência, minimizam impactos e são mais apropriadas para atender as
necessidades energéticas de residências, pequenos comércios, prédios públicos,
etc. A questão fundamental é o papel estratégico da energia no contexto de um
desenvolvimento integral e sustentável, que inclua as pessoas, que não
concentre renda, nem gere desigualdades sociais, e respeite a natureza.
BLOG – Estamos, assim, na contramão mundial?
SCALAMBRINI:
Os atuais padrões de produção e consumo de energia estão apoiados nas fontes
fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral), o que geram emissões de
poluentes locais, gases de efeito estufa e põem em risco o suprimento a longo
prazo do planeta, por serem finitas. É preciso mudar esses padrões, incentivar
a economia e uso eficiente de energia, e estimular o uso das energias
renováveis (solar, eólica, hidroelétricas, biomassa, ...). Nesse sentido, o
Brasil apresenta uma condição bastante favorável em relação ao resto do mundo. Não
existe uma fonte de energia que só tenha vantagens.
Não há produção de energia
sem controvérsias, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer
vazamento de radiação, não deve ser utilizada para produzir eletricidade, ao
menos em nosso país, onde existem tantas outras opções. Vários países do mundo,
Alemanha, Suíça, Suécia, Bélgica, Itália; depois das tragédias de Chernobil e
Fukushima, decidiram recuar, ou mesmo abandonar progressivamente a energia
atômica para geração de energia elétrica. Outros como o Japão, têm um
importante movimento de resistência, composto por setores da sociedade
japonesa, que se opõem a construção de novas usinas no arquipélago.
BLOG: OS recursos
do setor estimulam o mercado...
SCALAMBINI: Os negócios do nuclear são
poderosíssimos, envolvendo em torno de US$ 5 bilhões por cada usina de 1.300
MW. Além dos interesses militares que rondam, e estão associados diretamente a
energia nuclear, desde seus primórdios. Principalmente diante da possibilidade
de construção de artefatos nucleares. Tecnologia para a construção da bomba o
país detém, assim como a matéria prima. Diante da forte investida destas
corporações, de grupos econômicos, de militares que alçaram posições de poder
na burocracia federal, aliados a políticos que são cooptados para a causa
nuclear; verifica-se uma mudança substancial na postura do atual governo em
relação ao seu apoio explícito a expansão do programa de construção de novas usinas
nucleares no país, e de outras aplicações, como a construção de submarinos
nucleares.
A rejeição das usinas nucleares para produção de energia elétrica
deve ser vista sob diferentes aspectos: Segurança
energética, aspectos econômicos, questão ambiental, Riscos, Proliferação e
militarização nuclear, sustentabilidade energética, democracia. O Brasil
precisa erradicar a geração núcleo-elétrica de sua matriz energética. Não é
possível que somente interesses econômicos prevaleçam em uma discussão que
envolve a vida, como a conhecemos.
BLOG - Como avalia a questão do lixo atômico,
ou rejeitos radioativos, no Brasil? A questão do armazenamento do urânio
irradiado também.
SCALAMBRINI: Os rejeitos
radioativos de uma usina nuclear têm diferentes níveis de atividade. Os papéis,
panos de limpeza, vestuários, entre outros, utilizados na usina são
classificados como rejeitos de baixa atividade. São geralmente compactados
para redução de volume ou incinerados antes da disposição final. As resinas iônicas,
lamas químicas, revestimentos metálicos etc., de média atividade, na maioria
das vezes, são enterrados em baixa profundidade. No caso de Angra 1 e Angra 2,
esses rejeitos estão guardados em área reservada, dentro da própria área da usina.
Já os rejeitos de alta atividade, que resultam do tratamento químico do
combustível já irradiado que é descarregado do reator após produzir energia,
são altamente radioativos. Têm atividade de vida longa, geram quantidades
consideráveis de calor e necessitam ser resfriados por 20 a 50 anos – período
que coincide com o tempo de vida útil da própria usina – antes da disposição
final. No caso de Angra 1 e Angra 2, esses rejeitos são mantidos encapsulados
dentro de piscinas com 15 metros de profundidade, no interior da própria usina.
BLOG: Como é no exterior?
SCALAMBRINI: Países como a França, Alemanha e Suíça
reprocessam esses resíduos para reduzir ao máximo a sua atividade. Outros
países estão desenvolvendo tecnologias para dispor esses resíduos em depósitos
subterrâneos de 200 a mil metros de profundidade, em formações geológicas
milenarmente estáveis, como as de Yuka Montain, em Nevada, nos Estados
Unidos. Já existem depósitos subterrâneos semelhantes na Finlândia e na
Suécia. Todavia estas soluções técnicas desenvolvidas não são consideradas
soluções duradoras e seguras, visto que a atividade desses resíduos pode
resistir por milhões de anos. Por exemplo, a meia-vida do plutônio, produzido
artificialmente, é de 25 mil anos. Trata-se de uma ordem de tempo maior que a
história da humanidade. Será que vale a pena submetermos a este risco? Ao mesmo
tempo é ético deixar como herança as gerações futuras este “presente”? No caso
da usina de Angra 1, desde o início de operação, estima-se que já produziu 3.166
m3 de rejeitos sólidos (de baixa e média radioatividade) guardados
em tambores e caixas metálicas. Por sua vez Angra 2 desde que começou a
funcionar produziu 201 m3 de rejeitos sólidos (de baixa e alta
radioatividade).
BLOG: Está sendo construída a Unidade de Armazenamento a Seco
(UAS).
SCALAMBRINI: Até porque com sua capacidade de armazenamento de rejeitos
saturada, a UAS servirá de depósito para os
elementos combustíveis usados. É considerada um armazenamento complementar ao
das piscinas existentes dentro das usinas. Os rejeitos de baixa e média
atividade serão armazenados nestes locais. Esta solução está sendo adotada em
alguns países, mas tem recebido muitas críticas.
BLOG: Diante de tantas críticas, por que ampliar o
número de usinas e abrir novas minas?
SCALAMBRINI:
Existe uma estratégia clara dos defensores da energia nuclear, para produção de
energia elétrica, em minimizar os acidentes que podem ocorrer nas indústrias
envolvidas no chamado ciclo do combustível nuclear, em particular nas usinas
núcleo-elétricas. Querem nos fazer crer que a segurança das centrais nucleares
é infalível, e que acidentes com a liberação de material radioativo não
acontecem, e nem acontecerão. Além de tentarem desqualificar aqueles que são
contrários a utilização desta fonte de energia.
O discurso da infalibilidade de
usinas nucleares é recorrente, como se fosse possível - risco zero - acontecer
um acidente. O desastre em Fukushima mostrou ao mundo, que mesmo em um país de
grande conhecimento e domínio tecnológico, a natureza está fora do domínio do
homem. E que acidentes podem sim acontecer, e quando acontecem são
catastróficos.
Acidentes em usinas nucleares acontecem com muita mais
frequência do que os conhecidos, e divulgados. Geralmente não chegam ao domínio
público, não são revelados a população. E diferentemente de um acidente, por
exemplo de avião, que atinge diretamente os passageiros, terminando no local e
no instante que ocorrem; um acidente em uma usina nuclear com liberação de
material radioativo, começa no instante e no local, mas depois centenas e mesmo
milhares de pessoas em territórios inteiros sofrerão as consequências
provocadas pela radiação. E anos depois crianças nascerão com aberrações cromossômicas
e desenvolverão leucemia, causadas pela absorção, por seus pais, de doses de
radiação acima do tolerável.
BLOG: São muitos os interesses?
SCALAMBRINI: Não é
muito difícil apontar os grandes interessados pela expansão das usinas
nucleares em nosso país. Apesar dos percalços, seguir o dinheiro” ainda é a
maneira mais indicada. Logo, “Follow the Money – Siga o dinheiro”. As
empreiteiras são grandes interessadas nas obras civis deste complexo. Os
fornecedores (players) de equipamentos e outros serviços, alguns acadêmicos que
se beneficiam com projetos financiados pelo governo federal e outras
instituições, grupos de políticos que ganham benefícios e participam dos grupos
lobistas que existem em defesa desta causa. E, sem dúvida alguma, setores
militares, que sonham com o Brasil-Grande detentor de artefatos nucleares. Por
outro lado, existe todo um discurso vazio, já “cansado”, que é o do
desenvolvimento (?), a geração de empregos, e de renda. Essa ladainha que já
não convence mais os homens e mulheres de bom senso, de boa vontade, que escutam
essa mesma ladainha para justificar empreendimentos que só beneficiam alguns
(os de sempre) e trazem sérios prejuízos à maioria. O Brasil não precisa
da energia nuclear.
BLOG: Como avalia a comunicação do setor nuclear
oficial com a sociedade?
SCALAMBRINI: Nem se pode afirmar que existem
falhas nos processos de comunicação pública no setor nuclear. O que existe de
fato é uma estratégia deliberada de desinformação, de informação inadequada e
insuficiente. Inexiste o fornecimento de informações, nem a escuta, e nem o
atendimento da população em suas preocupações, inclusive a de possuir a opção
de recusar o projeto. As decisões tomadas pelo setor elétrico/energético no
país sofrem um déficit de participação popular, um déficit de democracia. Quem
decide a política energética são as 10 a 12 pessoas que compõem o Conselho
Nacional de Política Energética (CNPE), em sua maioria funcionários do
executivo, ministros de Estado. A sociedade civil nem tem voz e nem acento
neste órgão de assessoramento da presidência. Assim a soberba prevalece, e os
interesses econômicos estão representados fortemente, ofuscando as decisões ali
tomadas, que acabam não representando os legítimos interesses da sociedade. As
atividades de divulgação da área nuclear são formas de influenciar e não de
informar a população. Este problema se acentua ainda mais por algumas razões,
como: a falta de participação da população no processo de tomada de decisão
sobre esta fonte de energia; a oposição crescente à energia nuclear por uma
parte significativa da sociedade diante das tragédias de Chernobyl, Fukushima,
desastre de Goiânia, ...; a divulgação de informações fragmentadas, insuficientes,
facilita o surgimento de boatos, que nada contribui a um debate sério e responsável
sobre o tema.
BLOG: Como avalia a
mobilização da sociedade civil em relação ao programa nuclear brasileiro?
SCALAMBRINI: Atualmente observa-se em
quase toda parte do mundo que a energia nuclear é objeto de contestação e de resistência
a sua implantação. Diante das enormes dificuldades que o país atravessa o tema
das usinas nucleares não está na ordem do dia. As desigualdades sociais, o
“apartheid” na sociedade brasileira ganha proporções alarmantes. A pobreza
extrema e a fome retornaram a serem discutidas diante de políticas econômicas
excludentes.
O ressurgimento do programa nuclear brasileiro na década de 90,
incluindo a construção de novas usinas colocou em alerta setores da sociedade
brasileira. Em todo território onde se concentram atividades nucleares surgiram
movimentos antinuclear: no Ceará (Santa Quitéria) e na Bahia (Caetité), com a
mineração do urânio; em Minas Gerais (Caldas) com a barragem de rejeitos
radioativos; em São Paulo, com o processamento e rejeitos de areia monazítica;
em Pernambuco (Itacuruba) construção de novas usinas; e no Rio de Janeiro
(Angra dos Reis), com o complexo de Angra 1 e 2, e a retomada de Angra 3. Estes
grupos contrários à mineração, a construção de novas usinas, a favor do fechamento
das já existentes; tem atuado de maneira pedagógica, de formação e organização destas
populações diretamente atingidas.
A informação juntamente com a participação
das populações envolvidas nos debates, e nas diferentes atividades locais tem
sido nosso objetivo comum. Estes movimentos não só dizem não, mas apresentam
opções e soluções no campo da energia, mas também a necessidade do Estado em
implementar políticas públicas que potencializam atividades econômicas locais. Estes
movimentos integrados na Articulação Antinuclear Brasileira e na Coalizão por
um Brasil Livre de Usinas Nucleares tem crescido muito nos últimos 10 anos. (Foto - Arquivo pessoal Heitor Scalambrini).