O Ministério Público Federal
(MPF) obteve da Justiça Federal de Uruaçu (GO) em ação civil
pública (ACP), a concessão de tutela de urgência que determina a suspensão
imediata das atividades de extração, exploração, beneficiamento, comercialização,
transporte e exportação de amianto crisotila (produto
cancerígeno) pela empresa Sama S.A Minerações Associadas, subsidiária da
Eternit S.A., sediada em Minaçu (GO).
Além disso, a suspensão, também
imediata, dos efeitos das autorizações da Agência Nacional de Mineração (ANM),
concedidas por meio do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para
pesquisa, lavra e beneficiamento de amianto, concedidas às empresas para
exploração e beneficiamento do mineral naquele município. A
decisão foi divulgada no site do MPF nesta segunda-feira (16/8).
“Esperamos
que esta importante decisão tenha impacto positivo sobre os ministros do STF,
que finalmente pautaram para o próximo dia 15/9 o julgamento de todos os
recursos (chamados Embargos de Declaração) impetrados pela SAMA do grupo
ETERNIT para adiar ainda mais o banimento do amianto; última chance de obterem
algum tempo adicional na chamada modulação de efeitos, que é o tempo concedido
para a transição da conversão industrial sem grandes impactos, especialmente
socioeconômicos”, declarou Fernanda Giannasi, uma das fundadoras
da ABREA- Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto.
A ABREA-, disse
ela, espera que os Ministros da Suprema Corte Constitucional do Brasil se
inspirem neste julgado e ignorem os tais recursos, considerando que já
transcorreram quase quatro anos de sua decisão pró-banimento.
“Tempo mais do que suficiente para pararem a produção do amianto,
recuperarem a degradação ambiental e promoverem a transição segura dos
empregados para outras unidades industriais do conglomerado ETERNIT”.
CONHECIMENTO CIENTÍFICO -
De acordo com a ACP,
a empresa Sama, uma das maiores mineradoras de amianto do mundo,
exercia na cidade de Minaçu, havia mais de 40 anos, a atividade
de extração e beneficiamento do amianto. No entanto, no ano de
2017, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF)
em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) reconheceram expressamente
a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal nº
9.055/95, que permitia a extração, o beneficiamento, o transporte, a industrialização
e a exportação do amianto da variedade crisotila.
As decisões reconheceram,
ainda, o conhecimento científico consolidado há décadas a respeito da
lesividade do amianto em todas as suas variedades; a inexistência de limites
seguros para a exposição ao referido minério; a existência de riscos elevados
de contaminação não apenas para os trabalhadores inseridos na cadeia
produtiva, mas também para seus familiares, para as populações circunvizinhas
às minas e às fábricas e para os consumidores em geral; e a impossibilidade
fática quanto à implementação de medidas de controle destinadas a eliminar o
contato com a substância. As decisões do STF levaram à
paralisação das atividades da Sama em Minaçu.
Ocorre que, no âmbito
do estado de Goiás, foi editada a Lei nº 20.514, de 16 de julho de 2019, que
autorizou a extração e o beneficiamento do amianto da variedade crisotila em
todo o território goiano. Em razão disso, a Eternit S.A anunciou,
em fevereiro de 2020, a retomada do processamento do minério em Minaçu,
por meio de sua subsidiária, a Sama. Assim, em 17 de novembro de
2020, a Sama anunciou a retomada de escavações para extração do amianto
para exportação, amparada na lei estadual. A empresa já
estava explorando, desde fevereiro do mesmo ano, o amianto exposto,
porém, dali em diante, seria feita a retirada das camadas de terra que cobrem o
mineral para que houvesse continuidade da exploração. Consultada,
a Gerência Regional da ANM em Goiás esclareceu que não deve
tomar nenhuma providência para impedir eventual atividade
da Sama enquanto a lei estadual estiver produzindo
regularmente seus efeitos.
Para o procurador da República em Anapólis, José
Ricardo Teixeira Alves, autor da ACP, da situação pode-se concluir que houve
ofensa às decisões do STF e grave violação às leis nacionais e à Constituição
Federal, na medida em que se viabilizou a subsistência da extração do amianto
crisotila no território goiano por tempo indeterminado, bem como de seu
beneficiamento para fins de exportação. Em caso de descumprimento da decisão
judicial, a Justiça Federal fixou a aplicação de multa diária no
valor de cinco por cento do rendimento mensal da empresa quando em atividade.
BANIMENTO
DO AMIANTO É LUTA ANTIGA -
“A luta pelo banimento no Brasil se iniciou mais
efetivamente após o evento da conferência das Nações Unidas (ONU), a UNCED,
popularmente conhecida como a Rio/92, onde tivemos a oportunidade de
conhecer e interagir com movimentos sociais internacionais na luta para a
eliminação dos produtos tóxicos, os quais incluía o amianto, a tecnologia
nuclear, entre outros”, relembra Fernanda Giannasi.
Ela reforça a
informação de que a empresa de mineração Sama parou a produção logo após a
decisão do STF, por alguns meses, apenas como forma de pressão, até
obter uma liminar, em 2017. Após isto, continuou a explorar e
exportar impunemente. Isto está declarado pela própria empresa em release de
sua assessoria de imprensa, assinala Giannasi.
“Atualmente só a
mineração de amianto, em Minaçu, continua a explorar a fibra cancerígena. As
demais fábricas substituíram esta matéria-prima reconhecidamente nociva para a
saúde dos seres humanos. Na mineração, atualmente, trabalham 280 empregados na
mina de Cana Brava, da Sama, em Minaçu, no Estado de Goiás”, acrescenta.
Segundo
ela, a cidade tem ainda uma dependência econômica muito grande desta
empresa, que é a maior atividade produtiva do local, o que faz com que a
população tenha estabelecido um pacto de silêncio, negando fortemente a
nocividade de sua principal riqueza local. Inclusive se auto intitula
orgulhosamente de a “capital nacional do amianto”, como podemos ver no pórtico
de entrada da cidade.
Outros equipamentos públicos e privados de Minaçu têm a
marca registrada do poderio econômico exercido pela atividade de exploração do
minério de amianto, como pode-se ver na decoração do principal hotel da cidade,
que tem o sugestivo nome de CRISOTILA (o amianto branco explorado em Minaçu)
Palace Hotel, e na porta do fórum, ambos ostentando enormes pedras do
minério in natura.
A especialista reitera que muito pouco tem sido
feito pelos órgãos de saúde e trabalho, em geral, no país, com raríssimas e
notórias exceções como O INCOR em São Paulo e a Fiocruz no Rio de Janeiro,
que realizam os diagnósticos das doenças relacionadas ao amianto dos
ex-empregados expostos.
“As fiscalizações praticamente estão paralisadas pelo
desmonte de órgãos como o Ministério do Trabalho, restando apenas sabidamente a
vigilância sanitária do estado de São Paulo e do município do Rio de Janeiro,
que têm realizado diligências nos estabelecimentos comerciais, apreendendo
materiais, que ainda estão sendo vendidos para a população de baixa renda,
contendo amianto, que são de estoques remanescentes”.
Para Giannasi, além
da sentença agora divulgada e a de banimento do amianto pelo STF, em 2017, “necessitamos
de celeridade no julgamento de dos recursos pelo plenário colegiado,
confirmando a proibição em todo o território nacional, independente de leis
estaduais”. Foto: Fernanda Giannasi - Engenheira civil e de Segurança do Trabalho .