terça-feira, 31 de maio de 2022

Angra 1: defeito em válvula desliga a usina nuclear

 


Um defeito na válvula de segurança do pressurizador obrigou a Eletronuclear a desligar a usina nuclear Angra 1, às 00h12 minutos de domingo (29/5). O equipamento está sendo substituído. A estimativa é de que a usina, localizada no município de Angra dos Reis, (RJ), volte a operar em junho. Angra 1 é uma central atômica norte americana comprada da Westinghouse, na década de 70. 

O desligamento de Angra 1 pode adiar os planos da Eletronuclear de realizar a parada de Angra 2, programada para o início de junho, para a troca de combustível (urânio enriquecido) produzido pela Indústria Nucleares do Brasil (INB), em Resende (RJ). Uma parte do enriquecimento é feito pela Urenco (consórcio de empresas da Inglaterra, Alemanha e Holanda). 

Angra 2 foi inaugurada em 2001 e produz 1356 MW quando funciona com 100% de sua capacidade, o que ocorre agora. É a primeira usina em funcionamento comprada no pacote do acordo nuclear Brasil-Alemanha, assinado pelo general Ernesto Geisel, em 27 de junho de 1975, que previa a construção de oito usinas.  A segunda, Angra 3, está em obras desde 1984.   

A MAIS RECENTE PARADA DE ANGRA 1 - 

A companhia ainda não informou o prejuízos causados pelo desligamento de Angra 1, que tem capacidade para produzir 656 MW, cerca de 10% da energia elétrica consumida na cidade do Rio de Janeiro, mas a sua produção faz parte do sistema interligado nacional. A usina foi inaugurada em 1981, ou seja, nove anos depois do início de sua construção.  

Há cerca de duas décadas, a projeção era de que a usina funcionasse até 2018, mas a intenção do governo é de que Angra 1 tenha mais 20 anos de vida útil. 

FOTO: Acervo Eletronuclear – 

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quinta-feira, 26 de maio de 2022

Brasil forma, mas não retém recursos humanos em Engenharia Nuclear no País, por Aquilino Senra. Exclusivo para o blog.

 


Há muitos exemplos de desenvolvimentos tecnológicos feitos no Brasil que resultaram em relevantes contribuições para o país. Alguns se tornaram referência mundial, com grande repercussão no mercado internacional. Entre eles, destacam-se: os avanços que tornaram o Brasil líder na exploração e produção de óleo e gás em águas profundas, alcançando a autossuficiência na produção de petróleo; e a criação de uma indústria aeronáutica nacional, cujos projetos de construção de aeronaves para uso civil e militar têm obtido ótimo desempenho no mercado mundial.

Vale ressaltar também o domínio autônomo da tecnologia para enriquecimento isotópico do urânio, que colocou o país no seleto clube de onze países que dominam essa tecnologia estratégica; a produção de biocombustíveis, como alternativa energética que contribui para a melhoria da qualidade ambiental e para a valorização das atividades rurais, que tem merecido a atenção de países interessados em reduzir a dependência do petróleo ou atender aos compromissos internacionais assumidos para redução da emissão de gases causadores do efeito estufa.

Todos os exemplos citados têm dois pontos em comum: a capacidade da engenharia de transformar os conhecimentos das ciências básicas em tecnologias avançadas, que impulsionam o desenvolvimento econômico e contribuem para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Outro ponto é a natureza multidisciplinar dos projetos, envolvendo áreas distintas do conhecimento, inclusive no âmbito da própria Engenharia. Todos esses avanços foram conquistados com forte interação entre profissionais e pesquisadores de empresas, institutos de pesquisa e das universidades.

As universidades desempenham papel primordial na formação de recursos humanos, em nível de graduação e pós-graduação, e contribuem ativamente no desenvolvimento de projetos tecnológicos demandados pelas empresas. A formação da necessária quantidade de engenheiros com sólida formação é, portanto, o primeiro grande desafio para a ampliação da capacidade tecnológica do país. 

Atualmente apesar de todas as mazelas a economia brasileira ocupa a 13ª posição no ranking das economias mundiais. De forma consistente ocupa a 13ª posição no número de publicações científicas em revistas indexadas de circulação internacional, principalmente pelas relevantes pesquisas desenvolvidas nas universidades públicas do país. No entanto, ocupa a triste 57ª posição no ranking de inovação tecnológica. A conclusão científica é que o Brasil necessita com urgência transformar o conhecimento científico em produtos tecnológicos inovadores. E nesta atividade o engenheiro desempenha um papel importante. 

Há diferentes motivos para tal situação, mas dois se destacam: a desindustrialização crescente ano após ano no país e a recente desconstrução de empresas de engenharia, empreiteiras e empresas estatais. Esta última principalmente em consequência da operação Lava Jato que jogou fora a água do banho com o bebê junto, ao punir aqueles que cometeram algum desvio de recursos, mas não preservando as empresas nacionais e seus trabalhadores. Especificamente, no setor nuclear observa-se a redução da capacidade produtiva dos institutos de pesquisa, com uma perda significativa de mais de 50% dos quadros de profissionais altamente especializados em relação à média histórica. Ainda que em menor escala, o mesmo ocorre com as empresas estatais do setor nuclear e as universidades que formam recursos humanos para esse setor. 

A situação parece piorar a cada dia com pouquíssima oferta de empregos para os jovens engenheiros nucleares no país, com a exceção da Amazul, empresa estatal responsável pelo desenvolvimento de projetos de engenharia das atividades nucleares da Marinha do Brasil. As demais empresas e instituições não têm aberto concursos públicos e quando abrem os números de vagas disponíveis para contratação imediata não são significativos. Isto desestimula os egressos dos cursos de engenharia nuclear e frustra os professores, que investiram muito do seu tempo e esforços na criação e manutenção desses cursos. 

Apenas, para exemplificar, em 2010 a Escola Politécnica da UFRJ de forma pioneira criou o curso de graduação em Engenharia Nuclear, visando formar um engenheiro com uma sólida base técnica, científica e profissional, com capacidade para absorver e desenvolver novas tecnologias da energia nuclear. O curso também estimula a atuação crítica e criativa dos estudantes na identificação e solução de problemas de engenharia, incentivando fortemente a inovação tecnológica. 

Transcorridos 12 anos desde a criação do curso de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ se verifica que a maioria dos egressos está sendo contratada por instituições fora do setor nuclear brasileiro e do país. Estão sendo contratados por empresas no exterior, em empresas nacionais sem qualquer vinculação com cadeia produtiva do setor nuclear, nas instituições do setor financeiro ou se inscrevendo e sendo aceitos em cursos de pós-graduação de universidades estrangeiras, visando ampliar o leque de oportunidades futuras. 

O curioso é que o Programa Nuclear Brasileiro, aprovado através do Decreto No 9.600 de 5/12/2018, explicita em alguns dos seus artigos o incentivo e fomento a formação continuada de recursos humanos necessários para o desenvolvimento da tecnologia nuclear e a sua fixação nesse setor. 

Para não ser letra morta, é necessário criar um programa especial de contratação de engenheiros nucleares formados nas universidades brasileiras. Caso contrário, acabarão saindo do país ou sendo contratados por empresas fora do setor nuclear. 

O futuro do uso da energia nuclear para geração de eletricidade e aplicações de radioisótopos nos mais diferentes segmentos da sociedade brasileira depende fortemente da capacidade de atração e retenção de jovens talentos no setor nuclear do país. 

PERFIL:

Aquilino Sena é doutor em Ciências da Engenharia Nuclear e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lotado desde 1977 no Programa de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ. É Pesquisador Nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Foi membro dos Comitês Assessores do CNPQ (1988-1990 e 1993-1996) e da CAPES (1989-1993), Editor da Revista Brasileira de Engenharia Nuclear (1986-1994), presidente do Conselho de Administração da Fundação COPPETEC (2002-2004), do Conselho Deliberativo da COPPE/UFRJ (2002-2005); membro do Conselho Superior da FAPERJ (2006-1012), vice-diretor da COPPE/UFRJ (2007-2012). 

Atuou também na Academic Representative of the Executive Board of The China–Brazil Center for Climate Change and Energy Technology Innovation (2009–2013 e 2016-2019), coordenou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Inovadores (2009-2011), foi membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República (2010–2014) e presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de (2013-2016). 

Entre outros, recebeu os seguintes prêmios: Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio Lobo Carneiro de Mérito Acadêmico, Medalha Almirante Tamandaré e LAS/ANS Personalidade do Ano.

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terça-feira, 24 de maio de 2022

Engenharia nuclear: prestes a se formar, Eduardo Lima, da UFRJ, admite mercado de trabalho restrito; mas aposta nos próximos concursos

 


O carioca Eduardo Lima, de 25 anos, está prestes a se formar em engenheiro nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas admite que o mercado de trabalho está muito restrito. A Eletronuclear ofertou uma vaga de Engenheiro Nuclear no último concurso e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), nenhuma, no concurso realizado em 2018. Com passagens pelas áreas de robótica e iniciação cientifica em laboratório que une programação com inteligência artificial, Eduardo faz parte da Comissão de Orientação e Acompanhamento Acadêmico (COAA), da Universidade. Embora trabalhe como programador na área de tecnologia da informação, ele aposta que terá chances de exercer a profissão e vai aguardar os próximos concursos. A chave, acredita, é descobrir desde cedo com o que mais se identifica e apostar na escolha. Eduardo sonha com uma oportunidade de trabalho em planta nuclear. E acha que pode contribuir para melhorar a divulgação do setor. Eis a entrevista: 

BLOG: Por que escolheu Engenharia Nuclear? 

EDUARDO LIMA: Foi em 2016, quando eu estava prestando o ENEM. Nessa época, havia uma promessa muito grande de reaquecimento do mercado, com a retomada das obras de construção da usina nuclear Angra 3, e da abertura de novos concursos. Além disso, já havia mantido algum contato inicial com a área durante o ensino médio, o que despertou bastante o meu interesse. 

BLOG: Começou, então, em 2016? 

EDUARDO: Sim. E na universidade passei por experiências dentro e fora. Participei de uma equipe de robótica, fiz iniciação cientifica em um laboratório de nuclear, que une programação com inteligência artificial, atuei na seção estudantil do curso e sou representante da Comissão de Orientação e Acompanhamento Acadêmico (COAA), que representa os alunos frente à universidade. Fora da universidade, fiz estágio em análise de dados, e, programação e atualmente trabalho como programador e consultor de TI. 

BLOG: Acertou a escolha? 

EDUARDO: Infelizmente a promessa de reaquecimento do mercado não se concretizou e temos poucos concursos, mas não me arrependo por realmente gostar e me interessar pela área. 

BLOG: Na Engenharia Nuclear, o que mais atrai? 

EDUARDO: A área de engenharia nuclear é mais ampla que a maioria pensa. Além de podermos atuar como engenheiros nucleares em instalações nucleares, podemos também atuar na agricultura, em hospitais e empresas focadas em Medicina Nuclear, em módulos espaciais, indústria farmacêutica e diversas outras sub áreas. 

BLOG: Faria novamente? 

EDUARDO: Faria, mesmo sabendo dos riscos de quando formado. Me formo nos próximos meses, só estou pendente de entregar o trabalho de conclusão de curso. 

BLOG: Já trabalha na área? 

EDUARDO: Não. Trabalho como programador na área de Tecnologia da Informação. 

BLOG: A Eletronuclear abriu edital. O que achou? Tem perspectiva? 

EDUARDO: Pelo edital, qualquer engenheiro nuclear formado na UFRJ tem total competência para exercer a função. Infelizmente, só foi aberta uma vaga. 

BLOG: O que acha do mercado de trabalho na área nuclear hoje no Brasil? 

EDUARDO: O mercado de trabalho no Brasil é muito restrito. A principal empregadora é a Marinha, tanto na parte civil quanto na parte militar. O concurso da Amazul, a parte civil da Marinha, acontece geralmente com um espaçamento de três a quatro anos e o da Marinha militar acontece todo ano, mas nem sempre com vagas para Engenheiro Nuclear. Esse ano além de dois, da Marinha, tivemos uma vaga da Eletronuclear. 

BLOG: Além disso? 

EDUARDO: Fora isso, temos Oportunidades para quem quer seguir a carreira acadêmica, fazendo mestrado e doutorado e trabalhando com pesquisas. 

BLOG: O mercado tem futuro no Brasil? 

EDUARDO: O futuro ainda é incerto, ainda mais com a troca constante de filosofia política do governo federal. 

BLOG: Hoje? 

EDUARDO: O governo atual, no geral, aposta na indústria e vê a energia nuclear como uma ótima alternativa para o futuro do país. 

BLOG: O que busca para o seu futuro profissional? 

EDUARDO: Como não me vejo na área acadêmica e as vagas para área são escassas, seguirei na área de Tecnologia da Informação, mas fazendo os próximos concursos. 

BLOG: Com as exigências mundiais de novos conhecimentos, mudanças tecnológicas, etc, acredita que o estudante de Engenharia Nuclear pode apostar nesse mercado brasileiro nos próximos anos? 

EDUARDO: Como já dito nas respostas anteriores, é fundamental que o estudante saiba os riscos e suas opções. Há muitos engenheiros trabalhando fora da área, assim como há engenheiros trabalhando na área. No geral, eu diria que depende mais de você e do quanto está disposto a se arriscar. 

BLOG: Que mensagem mandaria para quem sonha com o curso? 

EDUARDO: Procure conhecer a área desde o início do curso ou até antes de entrar nele. Saiba suas opções e os caminhos que pode trilhar. A área é extremamente interessante, mas um bom planejamento é a chave. 

BLOG: Qual o segredo da chave? 

EDUARDO: É tentar achar, desde o início, a área de engenharia nuclear com a qual você mais se identifica e mergulhar de cabeça. Lá na frente, isso fará muita diferença. 

BLOG: Assim pretende ingressar na carreira de engenharia nuclear? 

EDUARDO: Como já dito, nossas oportunidades no mercado de trabalho profissional são através de concurso, caminho que pretendo tentar. Não fiz os concursos recentes, mas pretendo fazer os próximos que serão abertos. 

BLOG: O que mais pretende no futuro na engenharia nuclear? Vai tentar doutorado no exterior?  

EDUARDO: Não pretendo buscar o doutorado, embora haja muitas oportunidades. Também não gosto muito da área de pesquisa, então gostaria de trabalhar em uma planta nuclear, pois tenho muita vontade de obter o conhecimento sobre usinas o que só é possível na prática. 

BLOG: Qual o seu maior sonho profissional na engenharia nuclear? 

EDUARDO: O meu maior sonho caminha com a minha visão de futuro. Gostaria de trabalhar dentro de uma planta nuclear e contribuir para o mercado de nuclear no Brasil, tanto espalhando informação, quanto corrigindo desinformação, que é muito abundante atualmente no país sobre nosso setor. 

BLOG: Espalhar a informação, de que forma? 

EDUARDO: Promovendo eventos que tratem da energia nuclear de forma correta, com embasamento cientifico. Tanto partindo de nós mesmos estudantes, quanto fazendo divulgação de eventos feitos por terceiros.      

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quinta-feira, 19 de maio de 2022

Engenharia nuclear: coordenadora de pós graduação da UFRJ abre evento hoje; fala sobre desafios profissionais, mercado de trabalho e futuro

 


Presidente da Comissão de Eventos de “Egressos do Programa de Engenharia Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)”, que começa nesta quinta-feira (19/5), a professora Inayá Corrêa Barbosa Lima, conversou com o blog sobre a carreira, as dificuldades dos recém formados, desafios profissionais e muito mais. Bacharel em Física pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear, é também coordenadora do Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ e vice- chefe do departamento de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ.  No mercado predominantemente masculino, admite que sofreu assédio, mas não se abateu. Eis a entrevista. 

BLOG: Há quando tempo leciona Engenharia Nuclear na UFRJ? 

INAYÁ: Sou docente concursada na UFRJ desde 2011, porém já lecionei na UERJ, na Politécnica de Nova Friburgo na Engenharia Mecânica que possui ênfase em Nuclear. Assim, leciono há quase 15 anos no setor nuclear.  

BLOG: Quando começou? 

INAYÁ: Assim que terminei a graduação de bacharel em física pela UFF em 1999. Fiz Mestrado e Doutorado em Engenharia Nuclear pelo PEN/COPPE/UFRJ. E depois pós-Doutorado na UERJ, no Instituto Politécnico de Nova Friburgo em Ciência e Tecnologia de Materiais. 

BLOG: Por que se interessou? 

INAYÁ: Em um primeiro momento eu me interessei na praticidade das aplicações que a engenharia nuclear pode trazer em benefício à sociedade. Como bacharel em física, eu não via perspectivas de trabalho prático, a não ser lecionar, pois não via perspectivas nem de pesquisa na Física Experimental da UFF. Quando terminei a graduação em Bacharel em Física queria aplicar o que aprendi. E essa possibilidade veio através da pós-graduação em Engenharia Nuclear. Hoje, com um pouquinho mais de experiência, além da pesquisa e ensino vem a extensão que nos aproxima da sociedade e assim, difundir cientificamente a desmistificação da área perante nossa comunidade. 

BLOG: Alguma influência? 


INAYÁ: Sim. Não posso deixar de mencionar os ombros dos gigantes Albert Einstein e Marie Curie. 

BLOG: Como avalia a sua participação no mercado da Engenharia Nuclear? 

INAYÁ: No Brasil, a Engenharia Nuclear se iniciou através da pós graduação na Era Vargas. Éramos basicamente físicos com mestrado e doutorado em engenharia nuclear. Em 2010, criamos, na escola politécnica da UFRJ, o primeiro curso de graduação. Considero que a participação no mercado de trabalho da engenharia nuclear é bastante ativa, nos três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Além, claro, na parte administrativa. Ministro aulas tanto na graduação quanto na pós-graduação, tenho um grupo de pesquisas que consegue trazer resultados diretos para a sociedade, faz parte da equipe do Laboratório de Análises Ambientais e Simulação Computacional (LAASC). E faço bastante projeto de extensão para difundir nossa área perante a sociedade brasileira. Na parte administrativa atuei e atuo tanto na graduação quanto na pós e hoje me encontro no cargo de coordenadora do Programa de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ, e também vice chefe do Departamento e de Comissões (Núcleo Docente Estruturante da Engenharia Nuclear e da Comissão de Projeto Final de Curso). 

BLOG: É um mercado predominantemente masculino, certo? Sofreu assédio? 

INAYÁ: Realmente é um mercado predominante masculino, mas esse perfil aos poucos tem modificado. Principalmente dependendo da área de concentração da Nuclear. Mas infelizmente não temos uma representatividade entre nossos pares, na Nuclear da UFRJ. Infelizmente não posso negar que existe preconceito e que sofri assédio no meio, entretanto não me abati e continuo na luta pela igualdade de oportunidades, em especial no setor de gestão. Por exemplo, hoje, no corpo docente da Engenharia Nuclear da UFRJ, dos 17 professores permanentes, somos apenas duas mulheres. Quando entrei em 1999, tínhamos apenas uma única professora na Nuclear. Em 2011 nos tornamos duas, porém pouco tempo depois a Profa. Virgínia Crispim se aposentou. Fiquei sendo a única docente mulher por bons anos, quando há três anos atrás nos tornamos novaste duas mulheres, com a incorporação de mais uma professora. 

BLOG: Se considera raridade? 

INAYÁ: No Brasil temos um uma Organização chamada WIN- Women in Nuclear – capítulo Brasil. Fazemos várias ações afirmativas no setor, o que enriquece a troca de conhecimentos. Não me sinto uma raridade, acho uma palavra muito forte. Mas sinto que faço parte do que podemos chamar de grupo de minorias dentro da área acadêmica nuclear. Mas mesmo assim procuro sempre atuar em prol do bem estar da comunidade, do fortalecimento do meu Programa de pós-graduação se tornando um centro de excelência e além de tudo estimulando os alunos e alunas em suas escolhas. O acolhimento e a escuta é base de qualquer gestão humanizada. 

BLOG: Como foi a sua trajetória profissional até chegar à UFRJ. 

INAYÁ? Não tem nada de especial na minha trajetória. Sempre tive em mente que só a educação me faria ser uma cidadã consciente. Estudei em escolas particulares até fazer a Faculdade de Física na UFF. Logo após o término, em 04 anos, procurei a engenharia para fazer mestrado e entre elas a nuclear e a biomédica. Optei pela nuclear, pois me encantei com o Programa que existia na minha época de um Curso Preparatório para o Mestrado, o CPM. Na graduação de física não tínhamos, na nossa grade de matérias, conhecimentos profundos acerca do setor nuclear. Fiz o CPM durante os meses de janeiro e fevereiro e obtive uma excelente colocação, podendo escolher a área de concentração e ser agraciada com bolsa de fomento do Governo Federal. 

BLOG: E depois? 

INAYÁ: A partir de então nunca mais deixei de pesquisar e aplicar os conhecimentos atômicos nucleares. Sempre quis fazer pós-doutorado, pois minha opção sempre foi entrar para Universidade como docente. Em 2006, quando terminei o doutorado na UFRJ, não podíamos aplicar para bolsa de pós-doutorado na mesma Instituição do doutorado. Então, através da FAPERJ, apliquei para a UERJ, no Instituto Politécnico de Nova Friburgo. 

BLOG: permaneceu na área? 

INAYÁ: Foi um tempo meio sombrio para os pesquisadores, uma vez que não tínhamos perspectivas sermos agraciados com bolsas de fomento.  Sendo assim, após o mestrado e doutorado, fui trabalhar no INMETRO, como pesquisadora, na divisão DIMAT, recém criada, em Xerém. Comecei fora na minha área, mas acabei me alocando na área de fluorescência de raios X, uma das técnicas que utilizamos no setor. Pouco tempo depois, saiu a bolsa de fomento da FAPERJ e fui fazer pós doc na UERJ/POLI-Nova Friburgo, lugar em que posteriormente tive o orgulho em assumir a vaga de docência. Entretanto, quando tive a oportunidade em voltar ao PEN/DNC o fiz sem pestanejar e assumi como professora adjunta em 2011. 

BLOG: O que acha do mercado profissional para quem está se formando em Engenheiro Nuclear? 

INAYÁ: Infelizmente, atualmente não temos políticas públicas para absorver nossos formandos em sua totalidade. E alguns alunos, ao terminarem suas graduações vão para o exterior, principalmente os primeiros engenheiros nucleares formados. Entretanto, temos algumas perspectivas de trabalho com a nova Autarquia Nuclear, uma cisão da CNEN e até mesmo nas forças armadas. Sem falar na carreira do magistério superior. Posso afirmar que 95% dos nossos egressos da pós-graduação estão empregados no setor nuclear. Precisamos ter em mente que temos uma graduação em Engenharia Nuclear muito jovem. A 1ª Engenheira Nuclear formada aconteceu em 2013, somente 03 anos após o início do curso. Isso porque ela já havia cursado parte da grade curricular em física pela Unicamp. Mas, se ordinariamente teríamos a 1ª turma apenas em 2015. Ou seja, um grupo de engenheiros nucleares completamente novo para o mercado de trabalho brasileiro que sempre absorveu mestres e doutores em engenharia nuclear e não, Graduados em Engenharia Nuclear. 

BLOG: Muitos alunos estão buscando oportunidades no exterior ... 

INAYÁ: Sim é verdade. Mas não é a maioria.  Se fizermos uma base de comparação com a Engenharia Civil no Brasil, por exemplo, uma das mais antigas, que teve iniciou em 1792, salvo engano, a nossa engenharia ainda está engatinhando. Temos acompanhado os nossos Egressos, tanto na graduação quanto na pós. Hoje, depois de 12 anos de início do curso de graduação, temos aproximadamente, 69 Engenheiros Nucleares formados no Brasil. Dentre esse quantitativo temos muitos no Brasil atuando nas Forças Armadas e tantos outros realizando doutorado em Engenharia Nuclear. Segundo o CREA, o Brasil tem atualmente quase 370 mil engenheiros civis. Essa base de comparação, seja na civil ou em outras engenharias tradicionais, é importante para falarmos de mercado de trabalho brasileiro para o Engenheiro Nuclear. Mesmo olhando as engenharias mais recentes, como a Acústica, 1ª turma foi 2014 na Universidade Federal de Santa Maria, tem-se um mercado de trabalho muito mais amplo que o nosso. O desejável seria que esses 69 Engenheiros Nucleares estivessem atuando no setor e em especial no Brasil. Mas, infelizmente, o que almejamos, não é a realidade brasileira nem para os nossos sequer para as outras profissões. 

BLOG: Qual a situação nos últimos anos? 

INAYÁ: Na pós-graduação, ano passado, fizemos um levantamento dos últimos 10 anos nossos Egressos e verificamos que mais de 95% estão empregados no setor. Hoje, inclusive (9/5) iniciamos o primeiro encontro presencial com duas mesas redondas (uma apenas de mulheres e outra de homens) de egressos advindos da graduação e também da pós graduação para evidenciar as oportunidades dentro do nosso país e também, por consequência, as parcerias que podem ser realizadas após o término do curso. 

BLOG: O que precisa melhorar no mercado para que essa mão de obra tão qualificada possa ser absorvida? 

INAYÁ: Políticas públicas de inserção do engenheiro nuclear e do pós graduado em engenharia nuclear no mercado de trabalho, como, por exemplo, a retomada das obras de construção da usina nuclear Angra 3. 

BLOG: O que mais? 

INAYÁ: Além disso, com as competências do Engenheiro Nuclear, muitas dessas competências eram da engenharia química, por exemplo, as empresas (setores públicos e ouriçados) precisam não só abrir concursos, mas também aumentar o número de vagas para que seja possível absorver nossa mão de obra tão bem qualificada. Hoje estamos muito dependentes desses concursos públicos, o que dificulta essa absorção, provocando evasão para o exterior. Mas vale ressaltar, que muitos que optam pelo exterior, vão direto para o doutorado e não diretamente para o mercado de trabalho. Ou seja, a pós-graduação continua a exercer um papel importante na formação do Engenheiro Nuclear. 

BLOG: o que acha da questão de um curso altamente qualificado para estudantes sem oportunidades?

INAYÁ: Não diria que é curso para estudantes sem oportunidades de emprego. Pelo contrário. Podemos atuar em diversos setores da sociedade. Porém é realmente um curso altamente qualificado, sem reconhecimento de base salarial adequada. Mas independente do que o engenheiro nuclear busca fazer após sua formação, não podemos deixar de falar que a pós-graduação continua a ser um diferencial na formação. Mais uma vez reforço que somos um curso novo com 12 anos de existência, porém com apenas 69 engenheiros nucleares formados. Se não tivesse campo para esse tipo de engenharia no Brasil, não teríamos a USP, por exemplo, com uma ênfase em Engenharia Nuclear, iniciada este ano. Lá, a partir de 2021, o aluno começou na graduação de Metalurgia e Materiais e três anos depois vai poder optar pela especialização em Nuclear, apoiada pelo IPEN/CNEN. Existe uma necessidade de renovação no setor Nuclear, justamente por ele ter se iniciado na pós-graduação, em especial nas áreas biomédicas, agrícolas, indústrias e, claro, nas instalações nucleares. 

BLOG: De qualquer forma, o Brasil estaria desperdiçando esse potencial de conhecimento? 

INAYÁ: Com toda certeza. O que mais temos é capital intelectual formado na UFRJ e em todo país no setor nuclear. Hoje, com a nossa graduação, muitos se formam ainda muito jovens. E uma característica dessa idade é a inquietude e a busca direta por um emprego para poderem colocar em prática tudo aquilo que aprenderam. Como em qualquer outro curso.  Entretanto, os concursos públicos, por exemplo, quando acontecem, ofertam poucas vagas para a graduação em Engenharia Nuclear. Mas nem por isso, os nossos 69 Engenheiros Nucleares estão sem mercado. Ou estão no Brasil ou estão no exterior, mas praticamente todos inseridos no setor, seja direto na indústria, nas forças armadas ou fazendo pós-graduação na área Nuclear. A cultura para mais vagas para o Engenheiro Nuclear ainda é embrionária, até mesmo no recente concurso da Eletrobras Eletronuclear Edital 01/2022 que alocou apenas uma única vaga para a graduação em engenharia nuclear, o que revoltou toda comunidade do setor. BLOG: Conte um pouco sobre a sua origem familiar. 

BLOG: Sou carioca, meus pais fizeram ciências contábeis. Meu pai tem formação acadêmica, porém tem empresa própria. Tenho dois primos mais novos que enveredaram para academia. Um, inclusive, fez engenharia química na UFRJ com mestrado e doutorado. O outro fez física/matemática. Posso dizer que tenho uma família da área exata. BLOG: Hoje, leciona hoje para quantos alunos? Já lecionou para muitos? 

INAYÁ: No início da carreira, como docente, lecionava para mais de 50 alunos nas matérias básicas comuns a todas as Engenharias da UFRJ. Hoje, depois de alguns anos, tenho lecionado mais no ciclo profissional, nas disciplinas que correspondem à minha área de concentração, que é física nuclear aplicada. Temos nesse caso, em torno de 6-10 alunos. Nas turmas de mestrado e de doutorado com um quantitativo de até 18 alunos, a depender do ano (varia muito). Entretanto, em especial em 2022, talvez devido ao afastamento que a pandemia do COVID-19 nos impôs, voltei ao ciclo básico, ministrando uma matéria básica para calouros, com turmas maiores. Mas como disse no início, no nosso Programa e Departamento, temos acompanhado os nossos Egressos e, inclusive hoje, muitos colaboram conosco em pesquisas, orientações conjuntas, consultorias etc. 

BLOG: O que teria a dizer para o mercado nuclear brasileiro? E para quem tem interesse em estudar Engenharia Nuclear? 

INAYÁ: Além do “venha”, digo que a nuclear abre os horizontes de uma tal forma que nunca sequer podemos imaginar antes de entrar nesse mundo. Existem diversos campos desde tecnologia de reatores até aplicações biomédicas, agricultura perpassando por Fatores Humanos, física e análise de segurança nuclear. Portanto, quem tem interesse, venha para o setor. Mas prepare-se para estudar pois com certeza para sair “canudo” na mão terá que estudar. Mas com certeza será um profissional de excelência numa Universidade de excelência, como é a UFRJ. 

FOTO: ARQUIVO PESSOAL – 

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sexta-feira, 13 de maio de 2022

Formados em Engenharia Nuclear, sem mercado de trabalho no Brasil, estudantes buscam outras alternativas

 


Recém formado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudante Erik Hisahara, 24 anos, já está de malas prontas para embarcar para os Estados Unidos. Lá, foi aprovado para cursar doutorado na Universidade Estadual da Pensilvânia. Aqui, as oportunidades praticamente não existem. A Eletronuclear, uma das maiores empresas do setor, disponibilizou uma vaga para Engenheiro Nuclear em recente concurso. Já outra grande empresa, a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em concurso de 2018, não contemplou sequer uma vaga.  Esse “banho de água fria” na área está levando estudantes a buscar o futuro em outras partes do mundo.  Eis a primeira entrevista da série: 

BLOG: Conte um pouco de sua história.

 ERIK HISAHARA: Sou brasileiro nato, apesar de ter nascido no Japão, pois meus pais são brasileiros. Nasci e cresci no Japão até os 13 anos. Vim para o Rio de Janeiro um mês antes dos tsunamis que causaram o acidente de Fukushima, e aqui permaneci desde então. Minha mãe é consultora de planos de saúde e meu pai é operário no Japão. 

BLOG:  Como foi a descoberta da Engenharia Nuclear da UFRJ? 

ERIK: O meu primeiro contato com o curso foi no ano de vestibular, quando me vi diante da notícia sobre uma aluna do curso vencendo a Olímpiada Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Acabei optando por cursar a graduação em Licenciatura em Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), porém logo decidi mudar de curso. 

BLOG: Como foi a mudança? 

ERIK: Durante o processo decisório me deparei com a Engenharia Nuclear, e nesse momento relembrei da notícia da aluna, e passei a buscar mais sobre a história da energia nuclear no Brasil e no mundo. Optei por trocar de curso, saindo da Licenciatura em Física na UFRJ, e realizando a prova de transferência para a Engenharia Nuclear, onde encontrei a minha vocação. 

BLOG: Conte sobre a vocação? 

ERIK:  Sempre busquei unir as minhas paixões com as atividades que desempenhava na faculdade, durante os últimos três anos da graduação fui bolsista de iniciação científica na área de Engenharia de Reatores, e também fui professor voluntário de Física no pré-vestibular social Samora Machel. Desde que entrei no curso, tentei sempre participar ativamente dos eventos acadêmicos, atuando como staff e membro da Seção Estudantil de Engenharia Nuclear, e no último ano da graduação me tornei representante discente. 

BLOG: O que mais o motivou? 

ERIK: Foi o desejo do setor nuclear como um todo de desenvolver novas tecnologias que sejam mais seguras para prover uma fonte de energia limpa. 

BLOG: Acertou a escolha? 

ERIK: Com certeza fiz a escolha certa. O curso enfrenta diversas barreiras com relação à inserção no mercado de engenharia, mas para mim é extremamente gratificante aprender sobre engenharia nuclear e me especializar cada vez mais. 

BLOG: Qual o maior atrativo? 

ERIK: Uma das coisas que mais me atrai na área é a vontade que todos os profissionais têm em mostrar para a sociedade que a energia nuclear é benéfica quando usada de forma segura. No momento não me vejo seguindo outra carreira. 

BLOG: A Eletronuclear abriu edital. O que achou? Tem perspectiva? 

ERIK: A Eletronuclear é uma das principais empresas do nosso setor e desde a criação da graduação em Engenharia Nuclear em 2010 comenta-se sobre a renovação do quadro de profissionais da empresa. O concurso da Eletronuclear era algo muito aguardado pelos estudantes. No entanto, foi uma surpresa o edital constar apenas uma única vaga para engenheiros nucleares. 

BLOG: Foi um balde de água fria? 

ERIK: Me preocupou bastante o fato de a Eletronuclear não considerar ofertar mais vagas, uma vez que somos profissionais preparados desde o início da graduação para trabalhar no setor. 

BLOG: Como está mercado de trabalho brasileiro na área nuclear? 

ERIK: O setor nuclear é bem diverso e vai além da geração de energia, existem também aplicações industriais e na medicina; porém, é uma indústria bastante restrita e a maior parte das contratações tem sido realizada através de concursos públicos.  Nós do curso de Engenharia Nuclear da UFRJ possuímos uma grande preocupação com relação a essa dependência de concursos, pois quase nenhuma empresa do setor privado nos oferece oportunidades, e os editais de concurso surgem depois de vários anos, sendo que muitas vezes não somos contemplados nas vagas. Exemplos disso são os editais para concurso da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de 2018, que não possuía vagas para engenheiro nuclear, e o edital deste ano da Eletronuclear com apenas uma vaga. 

BLOG: Há perspectivas? 

ERIK: Atualmente o setor nuclear passa por um momento forte de inovação, com desenvolvimento de novas tecnologias e principalmente dos reatores modulares pequenos, que são mais competitivos no mercado de energia, além disso, o setor tem se alinhado bastante com o movimento ecológico por apresentar uma fonte limpa de energia. O Brasil por outro lado tem adotado nos últimos anos uma postura mais conservadora, porém acredito que com a conclusão das obras de Angra 3, do desenvolvimento do submarino nuclear da Marinha e também do Reator Multipropósito Brasileiro, o mercado de trabalho como um todo irá alavancar, porque será necessário ter uma mão de obra especializada e que tenha enraizada, desde o início de sua formação, a cultura de segurança que é tão importante nesses empreendimentos. 

BLOG:  Com as exigências mundiais de novos conhecimentos, mudanças tecnológicas, etc, acredita que o estudante de Engenharia Nuclear possa apostar nesse mercado brasileiro nos próximos anos? 

ERIK: O setor nuclear possui um grande foco principalmente em Pesquisa e Desenvolvimento; com isso, o estudante que quiser seguir a carreira acadêmica terá bastante espaço no futuro. No entanto, tenho minhas preocupações sobre a inserção no mercado de trabalho do aluno que não quiser seguir na pesquisa, e sim atuar diretamente na indústria. 

BLOG: O curso é bem divulgado? 

ERIK: Como a graduação em Engenharia Nuclear da UFRJ é a única do país, e temos pouco mais de uma década desde a sua criação, muitas das empresas ou departamentos não possuem conhecimento de que nós existimos e quais são as nossas capacidades técnicas. Isso se reflete não só no momento de o estudante buscar oportunidades de emprego, mas também na hora de procurarmos estágio na área, que são bem pouco ofertados. 

BLOG: Pode exemplificar? 

ERIK: Um exemplo disso está presente no próprio site da Eletronuclear, na página de Estágio consta uma lista com a relação dos cursos que a empresa oferece vagas, porém não há Engenharia Nuclear dentro dessa lista. Certa vez quando estava buscando estágio, liguei para o setor responsável e quando informei esse fato à pessoa que me atendia, a resposta foi de surpresa também, “Como não consta Engenharia Nuclear? Afinal é nuclear, deveria estar ali”. 

BLOG: Melhoras no futuro? 

ERIK: Eu acredito bastante no potencial dos estudantes que são formados no curso da UFRJ e torço que nos próximos cinco ou dez anos, nossos engenheiros formados tenham mais oportunidades no setor. Temos uma formação multidisciplinar e completa, porém, além das barreiras que impedem o setor, também existem aquelas que o próprio setor nos impõe. Na minha opinião, as empresas precisam dar uma atenção maior a essa nova mão de obra que está sendo formada. 

BLOG: Que mensagem mandaria para quem sonha com o curso? 

ERIK: O curso possui as suas dificuldades, mas se você é uma pessoa empolgada por energia nuclear e suas aplicações, dê o seu melhor e aproveite tudo que o curso e a UFRJ têm a lhe oferecer. Um dia as oportunidades irão aparecer e você será recompensado. 

BLOG: Como está agora? 

ERIK: Agora estou me formando e o próximo passo é começar o doutorado na Universidade Estadual da Pensilvânia, e agosto. Um dos meus grandes sonhos é um dia retornar ao Brasil e atuar como professor no Programa de Engenharia Nuclear da UFRJ, afinal nesse departamento fui bem recebido, e tratado pelos professores mais como um futuro colega do que como um aluno. Sou muito grato por todas as experiências que vivi e gostaria de um dia retribuir à comunidade.

 NOTA: Eletronuclear e INB - A Eletronuclear não respondeu às perguntas ao Blog. A INB respondeu admitindo que o último concurso em 2018 não contemplou vagas para Engenheiro Nuclear. 

FOTO: Arquivo pessoal Erik Hisahara – 

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quarta-feira, 4 de maio de 2022

Instituto de Engenharia Nuclear (IEN-CNEN) faz 60 anos. Fabio Staude, diretor, conversa com o blog sobre depósitos para rejeitos radioativos, produção de radioisótopos, reator nacional e muito mais.

 


O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), na Ilha do Fundão (RJ) comemora 60 anos de fundação nesta quinta-feira (5/5) realizando o workshop “Reatores de Pesquisa e de Potência no Brasil e no mundo e as Perspectivas da Energia Nuclear no País”. As apresentações terão a participação de especialistas da Eletronuclear, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Westinghouse, entre outros. O diretor do IEN, Fabio Staude, conversou com o BLOG sobre a produção dos radioisótopos e a quebra do monopólio; pesquisa sobre reator nacional; reprocessamento de combustível nuclear e trabalho pioneiro para tratamento de rejeitos radioativos líquidos. Isso, mesmo tendo perdido cerca de 120 servidores nos últimos anos, a maioria por aposentadoria. Eis a entrevista:  

BLOG: O que o motivou a seguir a carreira na Engenharia? Por que não cursou a Nuclear? 

FABIO STAUDE: Meu interesse pela Engenharia surgiu durante o 2º grau. Após a conclusão do curso de técnico em mecânica pelo CEFET-RJ, cursar Engenharia Mecânica, na época, parecia ser uma excelente opção para dar continuidade à minha formação acadêmica. 

BLOG:  Está na CNEN desde quando? Como ingressou? Fez concurso? 

STAUDE: Estou na CNEN desde 1995. O meu último estágio durante a faculdade de engenharia mecânica na UERJ foi na área de garantia da qualidade nuclear, na época em que a Eletronuclear ainda era uma diretoria na estrutura organizacional de Furnas Centrais Elétricas. Como estagiário, eu tive a oportunidade de acompanhar, com admiração, algumas inspeções realizadas pelos servidores da área de regulação nuclear da CNEN. Para a minha sorte, a abertura do primeiro concurso público da Instituição coincidiu com o meu último ano de engenharia. Fui aprovado no concurso logo após o término da faculdade, o que permitiu que a CNEN fosse a minha primeira e única empregadora formal até hoje.

BLOG: Quando ingressou no IEN? É diretor desde 2016, ou seja, ingressou no governo anterior ao atual. Isso pode representar que a sua gestão transcende a política? 

STAUDE: A minha vinda para o IEN foi a partir de um convite do Dr. Paulo Berquó, diretor do IEN na época, para exercer as funções de chefe da Divisão de Gestão e Infraestrutura e de diretor substituto. Com a sua saída da Direção, em 2016, continuei como diretor em exercício até o final de 2019, quando fui selecionado por um comitê de busca para mandato de quatro anos como diretor do Instituto. Mesmo considerando que a seleção por meio de comitê de buscas pode inibir a interferência política no processo de preenchimento de cargos, é interessante observar que, desde que o Instituto passou a fazer parte da estrutura da CNEN, em 1979, todos os profissionais que ocuparam a Direção do IEN foram servidores pertencentes ao quadro de servidores da CNEN. 

BLOG:  Quais foram as maiores dificuldades e desafios quando assumiu? 

STAUDE: Mesmo parecendo lugar-comum, acho que os maiores desafios estavam associados à falta de “dinheiro e gente”, além de uma infraestrutura laboratorial, em parte, subutilizada ou obsoleta. Por outro lado, sempre ficou transparente que teríamos durante toda a nossa gestão pouca ou nenhuma recomposição do quadro de pessoal do Instituto. Em função disso, o maior desafio, nesse caso, seria ampliar a participação do IEN em redes de cooperação, fortalecendo nossas parcerias e buscando novos parceiros. Considerando que o sucesso das nossas entregas à sociedade está associado à nossa capacidade de articulação com outras instituições públicas e privadas, a estratégia priorizada pelo Instituto está sendo investir na modernização de parte de sua infraestrutura laboratorial, com a finalidade de aumentar a atratividade das nossas instalações e laboratórios junto aos parceiros atuais e potenciais e, por consequência, ampliar a participação do IEN em redes de cooperação. 

BLOG: Quais os maiores desafios hoje? 

STAUDE: Os maiores desafios continuam associados ao atual esforço de modernização da infraestrutura laboratorial do Instituto e ao fortalecimento da participação do IEN nas redes de cooperação estabelecidas na área nuclear. Outro grande desafio é a consolidação de mecanismos que permitam uma melhor articulação dos nossos pesquisadores com a iniciativa privada, visando facilitar o desenvolvimento conjunto ou a transferência de tecnologia às empresas, ou demonstrar a viabilidade de novas aplicações. Trata-se de uma relação de causa e efeito. Apostamos que, com a modernização e adequação da infraestrutura de P&D nas nossas principais competências, conseguiremos atrair mais parceiros e ampliar a nossa participação nessas redes, o que pode favorecer a aproximação do IEN com empresas interessadas no desenvolvimento ou na transferência de tecnologia desenvolvida por nossos pesquisadores. 

BLOG: E metas e projetos? 

STAUDE: Todas as nossas metas estão associadas ao fortalecimento de parcerias, com a consequente abertura dos nossos laboratórios e instalações para a comunidade envolvida com o ensino e com o desenvolvimento das atividades nucleares do país. Estamos concluindo o projeto de modernização e adequação das instalações do Reator Argonauta (FOTO) e laboratórios associados, com orçamento de cerca de R$ 9 milhões, com o objetivo de aperfeiçoar as atividades já existentes e abrir novas áreas de P&D. Queremos tornar as instalações do Instituto mais adequadas para os pesquisadores e mais atrativas para as demais instituições de ensino, pesquisa e outras do setor produtivo. Para garantir a expansão de sua utilização, o projeto prevê o aumento da participação de instituições parceiras nas atividades desenvolvidas no Instituto, a partir da criação de uma rede de usuários focada em P&D e ensino, envolvendo pesquisadores, estudantes e profissionais de várias instituições. 

BLOG: Outras novidades? 

STAUDE: Também está em fase de finalização a reforma e modernização das instalações do Laboratório de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) do IEN, que é uma das mais bem equipadas instalações no Rio de Janeiro para o ensino e a pesquisa de qualidade na área de termo-hidráulica experimental. O LTE também está se reposicionando como instalação multiusuário. Atualmente, além das atividades de pesquisa voltadas ao desenvolvimento de técnicas experimentais avançadas, que permitem a realização de estudos sobre o escoamento do fluido refrigerante de reatores nucleares de pesquisa e de potência, são realizadas aulas práticas para estudantes dos cursos de graduação em engenharia da UFRJ e dos programas de pós-graduação em engenharia nuclear do IEN/CNEN e da COPPE/UFRJ. A ideia é ampliar o uso do laboratório, abrindo as suas portas para novos usuários. Ainda com o objetivo de trazer novos atores para as nossas instalações, estamos iniciando em 2022 a oferta de cursos associados ao novo Centro de Capacitação e Treinamento do IEN, voltado para o setor nuclear. A ideia é aproveitar nossa peculiar infraestrutura laboratorial (reator, cíclotron e seus diversos laboratórios), bem como a competência técnica existente no Instituto e nas instituições parceiras, para contribuir na capacitação e treinamento de recursos humanos. O Programa de Capacitação conta atualmente com o portifólio de 17 cursos a serem oferecidos entre 2022 e 2023. 

BLOG: Parcerias com o setor privado?

STAUDE: Sim. Outra prioridade nossa é fortalecer e ampliar a transferência de tecnologia para o setor produtivo. Como exemplo de sucesso da aproximação das nossas pesquisas com o setor privado, temos acordo de cooperação com uma empresa privada para o desenvolvimento de metodologia para detecção e localização de pontos de vazamento em permutadores de calor, com o uso de radiotraçadores. No âmbito deste projeto, foram investidos pela Petrobrás cerca de R$ 2 milhões, envolvendo, além do financiamento da pesquisa, o repasse de recursos para a modernização do laboratório de radiotraçadores do IEN. 

BLOG: O IEN tem quantos funcionários? Este número é suficiente? 

STAUDE: Atualmente o IEN possui em seu quadro de servidores 142 profissionais extremamente bem qualificados. Possuía 265 servidores em 2010, o que representa a perda de quase a metade de seu corpo técnico em um período de 12 anos. Essa redução acarretou na perda de várias competências essenciais à manutenção das atividades realizadas pelo IEN, limitando as nossas entregas em algumas das nossas áreas de atuação, além de comprometer a prestação de parte dos serviços de ensaios e análises. Apesar de todo o esforço da gestão da CNEN visando a autorização de um novo concurso público, junto ao MCTI e Ministério da Economia, sabemos que não existe, a curto prazo, a perspectiva de recomposição do quadro de pessoal da CNEN. 

BLOG: Qual a alternativa? 

STAUDE: Este cenário contribui para o entendimento de que devemos priorizar a criação de espaços de interação com novos atores do sistema de C&T, destacadamente em áreas de conhecimento do interesse de nossos pesquisadores. Precisamos abrir as portas do Instituto e fortalecer o relacionamento com os parceiros atuais, como UFRJ, IME, Institutos da CNEN e outras unidades de pesquisa do MCTI, e criar novas parcerias com outros órgãos e empresas públicas e privadas. 

BLOG: O IEN tem ou terá parcerias internacionais? Quais as mais significativas? 

STAUDE: No final de abril assinamos um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA para a realização de um curso de pós-graduação inédito na área de Direito Nuclear, com a primeira turma prevista já para o segundo semestre de 2022. Na área de salvaguardas de materiais nucleares, alguns servidores do IEN participam do programa de inspeções da Agência Brasileiro - Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), contribuindo para o fortalecimento da competência do Instituto na área de verificação do uso pacífico da energia nuclear. Temos também, há cerca de 20 anos, uma parceria internacional significativa com o Forschungszentrum Karlsruhe (FZK), da Alemanha, intermediada pela AIEA, para a instalação no IEN, por doação, do sistema KIPROS de produção do radioisótopo iodo-123. Essa parceria com o grupo desenvolvedor do KIPROS perdura até os dias atuais para a garantia de fornecimento de peças e assistência técnica. 

BLOG: O que o IEN realiza hoje na área de rejeitos? 

STAUDE: O IEN possui dois depósitos de rejeitos, ambos ainda em fase de licenciamento pela autoridade reguladora brasileira, viabilizando a prestação de serviço de armazenamento de rejeitos radioativos de baixa e média atividade gerados pelas diversas aplicações das radiações ionizantes na saúde, indústria, agricultura e meio ambiente, a fim de minimizar os riscos de contaminação do meio ambiente e da população. Esses rejeitos são fontes radioativas sem mais utilidade, resultantes de atividades de pesquisa e das diversas aplicações da energia nuclear, como detectores de fumaça, para-raios e fontes radioativas de aplicações na medicina e indústria. Entre 2015 e 2019, por exemplo, foram armazenados mais de 3 mil itens nos depósitos de rejeitos do IEN, provenientes basicamente dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em 2020, a atividade de recebimento foi suspensa e redirecionada para o CDTN, unidade da CNEN em Belo Horizonte, para a realização de avaliação das condições de segurança no armazenamento e eventuais adequações nos depósitos, solicitadas pelo órgão regulador. 

BLOG: Soluções para os rejeitos? 

STAUDE: Em 2019, foi iniciada pesquisa visando desenvolver uma técnica inovadora para o tratamento de rejeitos líquidos utilizando nanopartículas de grafeno. (LEIA ABAIXO). No momento, a prioridade do IEN é dar continuidade ao licenciamento de suas instalações de rejeitos, bem como ao desenvolvimento de soluções para tratamento de rejeitos com o uso de grafeno. 

BLOG: Qual a sua opinião sobre o destino final dos rejeitos no Brasil? 

STAUDE: Um dos projetos prioritários da CNEN é a implementação de uma nova unidade de pesquisa, o CENTENA – Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental, que, além de desenvolver pesquisas na área de meio ambiente, representará uma alternativa para a deposição segura dos rejeitos radioativos de baixo e médio níveis, gerados em território nacional.

 BLOG: A questão mais complicada são os de alta atividades.

STAUDE: Em relação aos rejeitos radioativos de alta atividade, aqueles gerados a partir da queima dos combustíveis das usinas nucleares de Angra, precisamos considerar que o volume associado a esses rejeitos é muito pequeno. Na minha opinião, esses rejeitos devem continuar armazenados temporariamente com segurança na própria usina, até que o seu reaproveitamento seja viável economicamente, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias de reprocessamento. Atualmente, o urânio reciclado é bem mais caro que o natural. Assim, não faz sentido reaproveitar o combustível se esse procedimento não for economicamente viável, como também não faz sentido armazenar definitivamente uma fonte de energia que poderá ser reaproveitada no futuro. Além disso, o reprocessamento do combustível nuclear é visto com desconfiança por outros países, porque podem gerar material para a fabricação de bombas nucleares, no caso, o plutônio. Talvez por esses motivos não exista até hoje, no mundo, um único depósito definitivo e permanente de rejeito de combustível queimado de reator. 

BLOG: O que o IEN realiza hoje no campo dos radioisótopos? 

STAUDE: Desenvolve pesquisas para a produção de radioisótopos como o iodo-124 e actínio-211, para aplicações na área da saúde; cobalto-57 e xenônio-127 para aplicações de radiotraçadores; além de produzir iodo-123, cobalto-56 e flúor-18, sob demanda, para pesquisa, desenvolvimento e ensino, em parceria com instituições como IF/UFRJ e COPPE/UFRJ. Na área da saúde o IEN busca estabelecer parcerias com o INCA e o HUCFF/UFRJ no desenvolvimento de pesquisas para a marcação de moléculas específicas de interesse para o diagnóstico e terapia de doenças oncológicas. A demanda para pesquisa e desenvolvimento é da ordem de 200 mCi/ano. O atendimento à área de rádiotraçadores para desenvolvimento e aplicações de técnicas nucleares na indústria e preservação do ecossistema tem uma demanda estimada de 500 mCi/ano. Já para a área de ensino e pesquisa a demanda é da ordem de 100 mCi/ano. O investimento previsto para a produção de radioisótopos com o acelerador CV-28 do IEN no ano de 2022 é de cerca de 1,2 milhões de reais. Esse valor cobre as necessidades do setor para o ano. 

BLOG: O IEN domina toda essa tecnologia? Caso positivo, há possibilidade de ampliação para aumento da produção? 

STAUDE: O Instituto está buscando o desenvolvimento de uma nova planta de produção de radiofármacos, a ser equipada com um acelerador de médio porte capaz de produzir em larga escala radiofármacos emissores de partículas alfas, como o astatínio-211, e garantir o fornecimento de radioisótopos de meia-vida curta, como o iodo-123. É nosso entendimento que o Brasil deve investir na manutenção e aprimoramento de sua capacidade de produzir radiofármacos que atendam às demandas por novos produtos, além de garantir o fornecimento daqueles produtos que não despertem o interesse da iniciativa privada, em razão da baixa demanda, embora seu uso tenha forte apelo social, como o uso pediátrico do iodo-123. 

BLOG: O que acha sobre a quebra do monopólio da produção de radioisótopos? 

STAUDE: Causa preocupação o risco de um possível desmantelamento da capacidade dos institutos da CNEN de produzirem radiofármacos em curto prazo. É fundamental garantir pelo menos o atual nível de investimento em nossas instituições e instalações, especialmente considerando as questões abordadas na resposta anterior. Também há de se considerar os possíveis impactos no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema no Brasil. A tendência dos grandes laboratórios multinacionais é de fazer esse investimento em países desenvolvidos, e a maioria dos laboratórios nacionais de menor porte priorizam investimentos naquilo que já está consolidado e, portanto, pode garantir um retorno imediato do capital investido. 

BLOG: Qual a sua opinião sobre o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB)? 

STAUDE: Acho estratégico para o Brasil garantir a independência na produção e fornecimento de tecnécio-99, abrindo perspectivas de exportação desse insumo tão importante para a medicina nuclear. Com o perfil multipropósito do reator, poderemos conciliar esse aspecto estratégico com a necessidade que a Marinha do Brasil tem de fazer testes específicos em componentes do reator para propulsão naval que desenvolve. O IEN vem participando, desde o início, do projeto dos sistemas de instrumentação e controle do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Em parceria com a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), tem participado da avaliação do projeto detalhado de todos os subsistemas de instrumentação e controle do reator, que envolvem instrumentação neutrônica, instrumentação de radioproteção, instrumentação de processos, sistemas de controle e supervisão e sistema de sala de controle. 

BLOG: No campo dos reatores, o que se pode apresentar hoje ao público no IEN, além do Argonauta? O reator do primeiro submarino nuclear que a Marinha está construindo conta com alguma colaboração do IEN? A Marinha pegou alguma “cola” na experiência do IEN? 

STAUDE: Nas próximas décadas a energia nuclear deverá desempenhar papel ainda mais importante na produção de eletricidade. Muitos países estão buscando fontes eficientes, confiáveis, de baixa emissão e localizadas próximas aos consumidores. Os reatores modulares pequenos – ou SMRs, como são conhecidos em inglês – são vistos pela indústria de energia nuclear como solução promissora, porque reduzem problemas de segurança de usinas muito maiores, além de exigirem menor investimento de capital e tempo de construção, arranjo compacto, modularidade e possibilidade de operação em diferentes tipos de redes. Assim, os SMRs se configuram como uma opção no cumprimento dos novos requisitos do setor. 

BLOG: Outras parcerias? E a Marinha? 

STAUDE: Estamos realizando estudos, em colaboração com os outros Institutos da CNEN, universidades (UFRJ, UFMG, UFPE), AMAZUL e CTMSP, com o objetivo de propor um novo reator modular otimizado para a cogeração de água potável e eletricidade. O experimento, conhecido como Projeto DESSAL, deve ser desenvolvido com tecnologia nacional, tendo como ponto de partida o projeto do LABGENE, protótipo do reator de propulsão naval (reator do submarino) da Marinha do Brasil. Por ser um reator pequeno, pode ser colocado em localidades remotas para prover infraestrutura de eletricidade e água para o desenvolvimento local. Os estudos em andamento envolvem o desenvolvimento de tecnologia para reatores que atendam aos requisitos da Geração III e pós-Fukushima, sendo buscadas inovações no projeto do sistema, tanto no processo de dessalinização em si, quanto no acoplamento entre o circuito secundário do reator e a unidade de dessalinização. 

BLOG:  Qual o futuro do IEN? 

STAUDE: O Instituto possui competência técnica e uma infraestrutura laboratorial diferenciada. Estamos priorizando a modernização e a adequação de algumas das nossas instalações para funcionarem como laboratórios multiusuários, com destaque para as instalações do Reator Argonauta (único reator nuclear de pesquisa no estado do Rio de Janeiro), do Laboratório de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) e da radiofarmácia, que estão sendo preparadas para receberem novos parceiros. Esperamos que com essa estratégia seja possível abrir as portas do IEN para a comunidade, transformando o nosso Instituto em ponto de encontro dos atores que desenvolvem tecnologia nuclear no País, seja para capacitação e treinamento de recursos humanos para o setor, ou para o desenvolvimento de soluções para a nossa sociedade. 


 

PESQUISA INÉDITA PARA TRATAMENTO DE REJEITOS RADIOATIVOS 

O IEN está realizando pesquisa inédita sobre o tratamento de rejeitos radioativos líquidos orgânicos com o uso de grafeno. O experimento surgiu de uma demanda do setor de rejeitos do IEN, que tem sob sua reponsabilidade o armazenamento de quase cinco mil litros de rejeitos radioativos líquidos, dos quais 500 litros são de soluções com presença de material orgânico. Sob coordenação do professor do IEN Ralph Santos-Oliveira, a pesquisa teve participação de Maria Isabel Barbosa da Silva, tecnologista da área de rejeitos do Instituto, e a colaboração de professores de outras instituições. “Existem protocolos de tratamento para rejeitos inorgânicos, mas os orgânicos não são tratados”, explica Isabel. O objetivo da pesquisa, informa Santos-Oliveira, é otimizar o armazenamento desses rejeitos, que ocupam muito espaço nos depósitos.  “Com essa técnica, podemos reduzir o volume final do rejeito em até 90%”. 

Na pesquisa foi utilizado grafeno na forma “quantum dots”, ou pontos quânticos, que são partículas de semicondutores com tamanho nanométrico. Com alta capacidade de adsorção, o GQD (Graphene Quantum Dot) consegue extrair boa parte das partículas em suspensão no meio líquido, inclusive os elementos radioativos urânio e tório, alvos do tratamento. Isso porque um grama do grafeno utilizado (em partículas de 160 a 220 nanômetros) equivale a uma área superficial adsorvente de até 500 m². No experimento, foram adsorvidos 40% do urânio presente na amostra. 

Há outra vantagem na técnica, conta o radiofarmacêutico: o rejeito líquido é uma solução complexa, mistura frações orgânicas e inorgânicas, e como o grafeno é solúvel em qualquer meio, não é preciso realizar o processo químico de separação. Além disso, o líquido que sobra pode passar por secagem, reduzindo drasticamente o volume e o risco de vazamentos. Segundo o coordenador Santos-Oliveira, a técnica é potencialmente aplicável a rejeitos líquidos com diversas características e pode beneficiar centros de pesquisa, hospitais e a indústria nuclear. 

O grafeno é um cristal formado por uma única camada de átomos de carbono, com estrutura organizada em hexágonos. É como uma folha plana extremamente fina e quase transparente, uma placa bidimensional do grafite - que é composto por várias camadas de carbono –, mas com características diferentes. Considerado um excelente condutor de calor e eletricidade, o grafeno é o material mais fino (espessura de um átomo), mais leve e mais resistente (mais que o diamante) que existe. É também flexível e impermeável. Todas essas propriedades fazem dele o novo material revolucionário, depois do plástico e do sílicio. 

A estrutura do grafeno é conhecida desde os anos 1960, mas as pesquisas sobre ele ganharam impulso a partir de 2004, quando os cientistas russos Geim e Novoselov, da Universidade de Manchester, conseguiram obtê-lo retirando camadas de uma placa de grafite usando fita adesiva (esfoliação mecânica) e passaram a estudar suas propriedades. Por seu trabalho a dupla recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2010. Desde então, novos métodos de obtenção de grafeno foram desenvolvidos, e surgiram inúmeras possibilidades de aplicação, da indústria à medicina. 

FONTE: IEN/CNEN - Ana Paula Saint'Clair - Assessoria de Imprensa.  

Informações pesquisa grafite - Valéria Campelo - FOTOS: acervo IEN/CNEN e fotos do Reator Argonauta - Alex Krusemark. 

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