O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN)
da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), na Ilha do Fundão (RJ) comemora
60 anos de fundação nesta quinta-feira (5/5) realizando o workshop
“Reatores de Pesquisa e de Potência no Brasil e no mundo e as Perspectivas da
Energia Nuclear no País”. As apresentações terão a participação de
especialistas da Eletronuclear, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Westinghouse, entre outros. O
diretor do IEN, Fabio Staude, conversou com o BLOG sobre a produção dos radioisótopos e a quebra do monopólio; pesquisa sobre reator nacional; reprocessamento de combustível nuclear e trabalho pioneiro para tratamento de rejeitos radioativos líquidos. Isso, mesmo tendo
perdido cerca de 120 servidores nos últimos anos, a maioria por aposentadoria.
Eis a entrevista: BLOG: O que o motivou
a seguir a carreira na Engenharia? Por que não cursou a Nuclear?
FABIO STAUDE: Meu
interesse pela Engenharia surgiu durante o 2º grau. Após a conclusão do curso
de técnico em mecânica pelo CEFET-RJ, cursar Engenharia Mecânica, na época,
parecia ser uma excelente opção para dar continuidade à minha formação
acadêmica.
BLOG: Está na CNEN desde
quando? Como ingressou? Fez concurso?
STAUDE: Estou na CNEN desde 1995. O meu
último estágio durante a faculdade de engenharia mecânica na UERJ foi na área
de garantia da qualidade nuclear, na época em que a Eletronuclear ainda era uma
diretoria na estrutura organizacional de Furnas Centrais Elétricas. Como
estagiário, eu tive a oportunidade de acompanhar, com admiração, algumas
inspeções realizadas pelos servidores da área de regulação nuclear da CNEN.
Para a minha sorte, a abertura do primeiro concurso público da Instituição
coincidiu com o meu último ano de engenharia. Fui aprovado no concurso logo
após o término da faculdade, o que permitiu que a CNEN fosse a minha primeira e
única empregadora formal até hoje.
BLOG: Quando ingressou no IEN? É diretor desde
2016, ou seja, ingressou no governo anterior ao atual. Isso pode representar
que a sua gestão transcende a política?
STAUDE: A minha vinda para o IEN foi a
partir de um convite do Dr. Paulo Berquó, diretor do IEN na época, para exercer
as funções de chefe da Divisão de Gestão e Infraestrutura e de diretor
substituto. Com a sua saída da Direção, em 2016, continuei como diretor em
exercício até o final de 2019, quando fui selecionado por um comitê de busca
para mandato de quatro anos como diretor do Instituto. Mesmo considerando que a
seleção por meio de comitê de buscas pode inibir a interferência política no
processo de preenchimento de cargos, é interessante observar que, desde que o
Instituto passou a fazer parte da estrutura da CNEN, em 1979, todos os
profissionais que ocuparam a Direção do IEN foram servidores pertencentes ao
quadro de servidores da CNEN.
BLOG:
Quais foram as maiores dificuldades e desafios quando assumiu?
STAUDE: Mesmo
parecendo lugar-comum, acho que os maiores desafios estavam associados à falta
de “dinheiro e gente”, além de uma infraestrutura laboratorial, em parte,
subutilizada ou obsoleta. Por outro lado, sempre ficou transparente que
teríamos durante toda a nossa gestão pouca ou nenhuma recomposição do quadro de
pessoal do Instituto. Em função disso, o maior desafio, nesse caso, seria
ampliar a participação do IEN em redes de cooperação, fortalecendo nossas
parcerias e buscando novos parceiros. Considerando que o sucesso das nossas
entregas à sociedade está associado à nossa capacidade de articulação com
outras instituições públicas e privadas, a estratégia priorizada pelo Instituto
está sendo investir na modernização de parte de sua infraestrutura
laboratorial, com a finalidade de aumentar a atratividade das nossas instalações
e laboratórios junto aos parceiros atuais e potenciais e, por consequência,
ampliar a participação do IEN em redes de cooperação.
BLOG: Quais os maiores
desafios hoje?
STAUDE: Os maiores desafios continuam associados ao atual
esforço de modernização da infraestrutura laboratorial do Instituto e ao
fortalecimento da participação do IEN nas redes de cooperação estabelecidas na
área nuclear. Outro grande desafio é a consolidação de mecanismos que permitam
uma melhor articulação dos nossos pesquisadores com a iniciativa privada,
visando facilitar o desenvolvimento conjunto ou a transferência de tecnologia
às empresas, ou demonstrar a viabilidade de novas aplicações. Trata-se de uma
relação de causa e efeito. Apostamos que, com a modernização e adequação da infraestrutura
de P&D nas nossas principais competências, conseguiremos atrair mais
parceiros e ampliar a nossa participação nessas redes, o que pode favorecer a
aproximação do IEN com empresas interessadas no desenvolvimento ou na
transferência de tecnologia desenvolvida por nossos pesquisadores.
BLOG: E
metas e projetos?
STAUDE: Todas as nossas metas estão associadas ao
fortalecimento de parcerias, com a consequente abertura dos nossos laboratórios
e instalações para a comunidade envolvida com o ensino e com o desenvolvimento
das atividades nucleares do país. Estamos concluindo o projeto de modernização
e adequação das instalações do Reator Argonauta (FOTO) e laboratórios associados, com
orçamento de cerca de R$ 9 milhões, com o objetivo de aperfeiçoar as atividades
já existentes e abrir novas áreas de P&D. Queremos tornar as instalações do
Instituto mais adequadas para os pesquisadores e mais atrativas para as demais
instituições de ensino, pesquisa e outras do setor produtivo. Para garantir a
expansão de sua utilização, o projeto prevê o aumento da participação de
instituições parceiras nas atividades desenvolvidas no Instituto, a partir da
criação de uma rede de usuários focada em P&D e ensino, envolvendo
pesquisadores, estudantes e profissionais de várias instituições.
BLOG: Outras
novidades?
STAUDE: Também está em fase de finalização a reforma e modernização
das instalações do Laboratório de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) do IEN,
que é uma das mais bem equipadas instalações no Rio de Janeiro para o ensino e
a pesquisa de qualidade na área de termo-hidráulica experimental. O LTE também
está se reposicionando como instalação multiusuário. Atualmente, além das
atividades de pesquisa voltadas ao desenvolvimento de técnicas experimentais
avançadas, que permitem a realização de estudos sobre o escoamento do fluido
refrigerante de reatores nucleares de pesquisa e de potência, são realizadas
aulas práticas para estudantes dos cursos de graduação em engenharia da UFRJ e
dos programas de pós-graduação em engenharia nuclear do IEN/CNEN e da
COPPE/UFRJ. A ideia é ampliar o uso do laboratório, abrindo as suas portas para
novos usuários. Ainda com o objetivo de trazer novos atores para as nossas
instalações, estamos iniciando em 2022 a oferta de cursos associados ao novo
Centro de Capacitação e Treinamento do IEN, voltado para o setor nuclear. A
ideia é aproveitar nossa peculiar infraestrutura laboratorial (reator, cíclotron
e seus diversos laboratórios), bem como a competência técnica existente no
Instituto e nas instituições parceiras, para contribuir na capacitação e
treinamento de recursos humanos. O Programa de Capacitação conta atualmente com
o portifólio de 17 cursos a serem oferecidos entre 2022 e 2023.
BLOG: Parcerias
com o setor privado?
STAUDE: Sim. Outra prioridade nossa é fortalecer e ampliar
a transferência de tecnologia para o setor produtivo. Como exemplo de sucesso
da aproximação das nossas pesquisas com o setor privado, temos acordo de
cooperação com uma empresa privada para o desenvolvimento de metodologia para
detecção e localização de pontos de vazamento em permutadores de calor, com o
uso de radiotraçadores. No âmbito deste projeto, foram investidos pela
Petrobrás cerca de R$ 2 milhões, envolvendo, além do financiamento da pesquisa,
o repasse de recursos para a modernização do laboratório de radiotraçadores do
IEN.
BLOG: O IEN tem quantos funcionários? Este número é suficiente?
STAUDE: Atualmente
o IEN possui em seu quadro de servidores 142 profissionais extremamente bem
qualificados. Possuía 265 servidores em 2010, o que representa a perda de quase
a metade de seu corpo técnico em um período de 12 anos. Essa redução acarretou
na perda de várias competências essenciais à manutenção das atividades
realizadas pelo IEN, limitando as nossas entregas em algumas das nossas áreas
de atuação, além de comprometer a prestação de parte dos serviços de ensaios e
análises. Apesar de todo o esforço da gestão da CNEN visando a autorização de
um novo concurso público, junto ao MCTI e Ministério da Economia, sabemos que
não existe, a curto prazo, a perspectiva de recomposição do quadro de pessoal
da CNEN.
BLOG: Qual a alternativa?
STAUDE: Este cenário contribui para o entendimento
de que devemos priorizar a criação de espaços de interação com novos atores do
sistema de C&T, destacadamente em áreas de conhecimento do interesse de
nossos pesquisadores. Precisamos abrir as portas do Instituto e fortalecer o
relacionamento com os parceiros atuais, como UFRJ, IME, Institutos da CNEN e
outras unidades de pesquisa do MCTI, e criar novas parcerias com outros órgãos
e empresas públicas e privadas.
BLOG: O IEN tem ou terá parcerias
internacionais? Quais as mais significativas?
STAUDE: No final de abril
assinamos um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia
Atômica – AIEA para a realização de um curso de pós-graduação inédito na área
de Direito Nuclear, com a primeira turma prevista já para o segundo semestre de
2022. Na área de salvaguardas de materiais nucleares, alguns servidores do IEN
participam do programa de inspeções da Agência Brasileiro - Argentina de
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), contribuindo para o
fortalecimento da competência do Instituto na área de verificação do uso
pacífico da energia nuclear. Temos também, há cerca de 20 anos, uma parceria
internacional significativa com o Forschungszentrum Karlsruhe (FZK), da
Alemanha, intermediada pela AIEA, para a instalação no IEN, por doação, do
sistema KIPROS de produção do radioisótopo iodo-123. Essa parceria com o grupo
desenvolvedor do KIPROS perdura até os dias atuais para a garantia de
fornecimento de peças e assistência técnica.
BLOG: O que o IEN realiza hoje na
área de rejeitos?
STAUDE: O IEN possui dois depósitos de rejeitos, ambos ainda
em fase de licenciamento pela autoridade reguladora brasileira, viabilizando a
prestação de serviço de armazenamento de rejeitos radioativos de baixa e média
atividade gerados pelas diversas aplicações das radiações ionizantes na saúde,
indústria, agricultura e meio ambiente, a fim de minimizar os riscos de
contaminação do meio ambiente e da população. Esses rejeitos são fontes
radioativas sem mais utilidade, resultantes de atividades de pesquisa e das
diversas aplicações da energia nuclear, como detectores de fumaça, para-raios e
fontes radioativas de aplicações na medicina e indústria. Entre 2015 e 2019,
por exemplo, foram armazenados mais de 3 mil itens nos depósitos de rejeitos do
IEN, provenientes basicamente dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Em 2020, a atividade de recebimento foi suspensa e redirecionada para o CDTN,
unidade da CNEN em Belo Horizonte, para a realização de avaliação das condições
de segurança no armazenamento e eventuais adequações nos depósitos, solicitadas
pelo órgão regulador.
BLOG: Soluções para os rejeitos?
STAUDE: Em 2019, foi
iniciada pesquisa visando desenvolver uma técnica inovadora para o tratamento
de rejeitos líquidos utilizando nanopartículas de grafeno. (LEIA ABAIXO). No
momento, a prioridade do IEN é dar continuidade ao licenciamento de suas
instalações de rejeitos, bem como ao desenvolvimento de soluções para
tratamento de rejeitos com o uso de grafeno.
BLOG: Qual a sua opinião sobre o
destino final dos rejeitos no Brasil?
STAUDE: Um dos projetos prioritários da
CNEN é a implementação de uma nova unidade de pesquisa, o CENTENA – Centro
Tecnológico Nuclear e Ambiental, que, além de desenvolver pesquisas na área de
meio ambiente, representará uma alternativa para a deposição segura dos
rejeitos radioativos de baixo e médio níveis, gerados em território nacional.
BLOG:
A questão mais complicada são os de alta atividades.
STAUDE: Em relação aos
rejeitos radioativos de alta atividade, aqueles gerados a partir da queima dos
combustíveis das usinas nucleares de Angra, precisamos considerar que o volume
associado a esses rejeitos é muito pequeno. Na minha opinião, esses rejeitos
devem continuar armazenados temporariamente com segurança na própria usina, até
que o seu reaproveitamento seja viável economicamente, a partir do
desenvolvimento de novas tecnologias de reprocessamento. Atualmente, o urânio
reciclado é bem mais caro que o natural. Assim, não faz sentido reaproveitar o
combustível se esse procedimento não for economicamente viável, como também não
faz sentido armazenar definitivamente uma fonte de energia que poderá ser
reaproveitada no futuro. Além disso, o reprocessamento do combustível nuclear é
visto com desconfiança por outros países, porque podem gerar material para a
fabricação de bombas nucleares, no caso, o plutônio. Talvez por esses motivos
não exista até hoje, no mundo, um único depósito definitivo e permanente de
rejeito de combustível queimado de reator.
BLOG: O que o IEN realiza hoje no
campo dos radioisótopos?
STAUDE: Desenvolve pesquisas para a produção de
radioisótopos como o iodo-124 e actínio-211, para aplicações na área da saúde;
cobalto-57 e xenônio-127 para aplicações de radiotraçadores; além de produzir
iodo-123, cobalto-56 e flúor-18, sob demanda, para pesquisa, desenvolvimento e
ensino, em parceria com instituições como IF/UFRJ e COPPE/UFRJ. Na área da
saúde o IEN busca estabelecer parcerias com o INCA e o HUCFF/UFRJ no
desenvolvimento de pesquisas para a marcação de moléculas específicas de
interesse para o diagnóstico e terapia de doenças oncológicas. A demanda para
pesquisa e desenvolvimento é da ordem de 200 mCi/ano. O atendimento à área de
rádiotraçadores para desenvolvimento e aplicações de técnicas nucleares na
indústria e preservação do ecossistema tem uma demanda estimada de 500 mCi/ano.
Já para a área de ensino e pesquisa a demanda é da ordem de 100 mCi/ano. O
investimento previsto para a produção de radioisótopos com o acelerador CV-28
do IEN no ano de 2022 é de cerca de 1,2 milhões de reais. Esse valor cobre as
necessidades do setor para o ano.
BLOG: O IEN domina toda essa tecnologia? Caso
positivo, há possibilidade de ampliação para aumento da produção?
STAUDE: O Instituto está buscando
o desenvolvimento de uma nova planta de produção de radiofármacos, a ser equipada com um acelerador
de médio porte capaz de produzir em larga escala radiofármacos emissores de
partículas alfas, como o astatínio-211, e garantir o fornecimento de
radioisótopos de meia-vida curta, como o iodo-123. É nosso entendimento que o
Brasil deve investir na manutenção e aprimoramento de sua capacidade de
produzir radiofármacos que atendam às demandas por novos produtos, além de
garantir o fornecimento daqueles produtos que não despertem o interesse da
iniciativa privada, em razão da baixa demanda, embora seu uso tenha forte apelo
social, como o uso pediátrico do iodo-123.
BLOG: O que acha sobre a quebra do
monopólio da produção de radioisótopos?
STAUDE: Causa preocupação o risco de um
possível desmantelamento da capacidade dos institutos da CNEN de produzirem
radiofármacos em curto prazo. É fundamental garantir pelo menos o atual nível
de investimento em nossas instituições e instalações, especialmente
considerando as questões abordadas na resposta anterior. Também há de se
considerar os possíveis impactos no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema
no Brasil. A tendência dos grandes laboratórios multinacionais é de fazer esse
investimento em países desenvolvidos, e a maioria dos laboratórios nacionais de
menor porte priorizam investimentos naquilo que já está consolidado e,
portanto, pode garantir um retorno imediato do capital investido.
BLOG: Qual a
sua opinião sobre o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro
(RMB)?
STAUDE: Acho estratégico para o Brasil garantir a independência na
produção e fornecimento de tecnécio-99, abrindo perspectivas de exportação
desse insumo tão importante para a medicina nuclear. Com o perfil
multipropósito do reator, poderemos conciliar esse aspecto estratégico com a
necessidade que a Marinha do Brasil tem de fazer testes específicos em
componentes do reator para propulsão naval que desenvolve. O IEN vem
participando, desde o início, do projeto dos sistemas de instrumentação e
controle do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Em parceria com a Amazônia
Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), tem participado da avaliação do projeto
detalhado de todos os subsistemas de instrumentação e controle do reator, que
envolvem instrumentação neutrônica, instrumentação de radioproteção,
instrumentação de processos, sistemas de controle e supervisão e sistema de
sala de controle.
BLOG: No campo dos reatores, o que se pode apresentar hoje ao
público no IEN, além do Argonauta? O reator do primeiro submarino nuclear que a
Marinha está construindo conta com alguma colaboração do IEN? A Marinha pegou
alguma “cola” na experiência do IEN?
STAUDE: Nas próximas décadas a energia
nuclear deverá desempenhar papel ainda mais importante na produção de
eletricidade. Muitos países estão buscando fontes eficientes, confiáveis, de
baixa emissão e localizadas próximas aos consumidores. Os reatores modulares
pequenos – ou SMRs, como são conhecidos em inglês – são vistos pela indústria
de energia nuclear como solução promissora, porque reduzem problemas de
segurança de usinas muito maiores, além de exigirem menor investimento de
capital e tempo de construção, arranjo compacto, modularidade e possibilidade
de operação em diferentes tipos de redes. Assim, os SMRs se configuram como uma
opção no cumprimento dos novos requisitos do setor.
BLOG: Outras parcerias? E a
Marinha?
STAUDE: Estamos realizando estudos, em colaboração com os outros
Institutos da CNEN, universidades (UFRJ, UFMG, UFPE), AMAZUL e CTMSP, com o
objetivo de propor um novo reator modular otimizado para a cogeração de água
potável e eletricidade. O experimento, conhecido como Projeto DESSAL, deve ser
desenvolvido com tecnologia nacional, tendo como ponto de partida o projeto do
LABGENE, protótipo do reator de propulsão naval (reator do submarino) da
Marinha do Brasil. Por ser um reator pequeno, pode ser colocado em localidades
remotas para prover infraestrutura de eletricidade e água para o desenvolvimento
local. Os estudos em andamento envolvem o desenvolvimento de tecnologia para
reatores que atendam aos requisitos da Geração III e pós-Fukushima, sendo
buscadas inovações no projeto do sistema, tanto no processo de dessalinização
em si, quanto no acoplamento entre o circuito secundário do reator e a unidade
de dessalinização.
BLOG: Qual o
futuro do IEN?
STAUDE: O Instituto possui competência técnica e uma
infraestrutura laboratorial diferenciada. Estamos priorizando a modernização e
a adequação de algumas das nossas instalações para funcionarem como
laboratórios multiusuários, com destaque para as instalações do Reator Argonauta
(único reator nuclear de pesquisa no estado do Rio de Janeiro), do Laboratório
de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) e da radiofarmácia, que estão sendo
preparadas para receberem novos parceiros. Esperamos que com essa estratégia
seja possível abrir as portas do IEN para a comunidade, transformando o nosso
Instituto em ponto de encontro dos atores que desenvolvem tecnologia nuclear no
País, seja para capacitação e treinamento de recursos humanos para o setor, ou
para o desenvolvimento de soluções para a nossa sociedade.
PESQUISA INÉDITA
PARA TRATAMENTO DE REJEITOS RADIOATIVOS
O IEN está realizando pesquisa inédita sobre o tratamento de rejeitos radioativos líquidos
orgânicos com o uso de grafeno. O experimento surgiu de uma demanda do setor de
rejeitos do IEN, que tem sob sua reponsabilidade o armazenamento de quase cinco
mil litros de rejeitos radioativos líquidos, dos quais 500 litros são de
soluções com presença de material orgânico. Sob coordenação do professor do IEN
Ralph Santos-Oliveira, a pesquisa teve participação de Maria Isabel Barbosa da
Silva, tecnologista da área de rejeitos do Instituto, e a colaboração de
professores de outras instituições. “Existem protocolos de tratamento para
rejeitos inorgânicos, mas os orgânicos não são tratados”, explica Isabel. O
objetivo da pesquisa, informa Santos-Oliveira, é otimizar o armazenamento
desses rejeitos, que ocupam muito espaço nos depósitos. “Com essa técnica,
podemos reduzir o volume final do rejeito em até 90%”.
Na pesquisa foi
utilizado grafeno na forma “quantum dots”, ou pontos quânticos, que são
partículas de semicondutores com tamanho nanométrico. Com alta capacidade de
adsorção, o GQD (Graphene Quantum Dot) consegue extrair boa parte das
partículas em suspensão no meio líquido, inclusive os elementos radioativos
urânio e tório, alvos do tratamento. Isso porque um grama do grafeno utilizado
(em partículas de 160 a 220 nanômetros) equivale a uma área superficial
adsorvente de até 500 m². No experimento, foram adsorvidos 40% do urânio
presente na amostra.
Há outra vantagem na técnica, conta o radiofarmacêutico: o
rejeito líquido é uma solução complexa, mistura frações orgânicas e
inorgânicas, e como o grafeno é solúvel em qualquer meio, não é preciso
realizar o processo químico de separação. Além disso, o líquido que sobra pode
passar por secagem, reduzindo drasticamente o volume e o risco de vazamentos. Segundo
o coordenador Santos-Oliveira, a técnica é potencialmente aplicável a rejeitos
líquidos com diversas características e pode beneficiar centros de pesquisa,
hospitais e a indústria nuclear.
O grafeno é um cristal formado por uma única
camada de átomos de carbono, com estrutura organizada em hexágonos. É como uma
folha plana extremamente fina e quase transparente, uma placa bidimensional do
grafite - que é composto por várias camadas de carbono –, mas com
características diferentes. Considerado um excelente condutor de calor e
eletricidade, o grafeno é o material mais fino (espessura de um átomo), mais
leve e mais resistente (mais que o diamante) que existe. É também flexível e impermeável.
Todas essas propriedades fazem dele o novo material revolucionário, depois do
plástico e do sílicio.
A estrutura do grafeno é conhecida desde os anos 1960,
mas as pesquisas sobre ele ganharam impulso a partir de 2004, quando os
cientistas russos Geim e Novoselov, da Universidade de Manchester, conseguiram
obtê-lo retirando camadas de uma placa de grafite usando fita adesiva
(esfoliação mecânica) e passaram a estudar suas propriedades. Por seu trabalho
a dupla recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2010. Desde então, novos métodos de
obtenção de grafeno foram desenvolvidos, e surgiram inúmeras possibilidades de
aplicação, da indústria à medicina.
FONTE: IEN/CNEN - Ana Paula Saint'Clair - Assessoria de Imprensa.
Informações pesquisa grafite - Valéria Campelo - FOTOS: acervo IEN/CNEN e fotos do Reator Argonauta - Alex
Krusemark.
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