O Instituto de Radioproteção e Dosimetrias (IRD),
da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), comemora 52 anos de fundação
como Ponto Nacional de Alerta (PNA) para a Convenção de Pronta Notificação de
Acidentes Nucleares. Também compõe o Sistema Internacional de Monitoramento da Organização
para o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBTO).
Atuou nas atividades radiológicas dos
acidentes de Chernobyl (1986), Fukushima (2011) e agora, na usina de Zaporithzia;
além da tragédia com o césio-137, em Goiânia (1987). É imenso o roteiro de atividades relevantes do IRD, sediado em
área verde da Avenida Salvador Allende, 3773 - Barra da Tijuca. Entre eles, como
alavancar um banco de dados de radioatividade no Brasil e participar de mapeamento
de radiação nos solos brasileiros, parceria com o Serviço Geológico do Brasil. “Os
estudos são feitos principalmente por alunos de doutorado, e até o momento já
foram mapeados os estados de Pernambuco, Espírito Santo, Alagoas e o
arquipélago de Fernando de Noronha. Estão em andamento estudos sobre os estados
do Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Sergipe e Rio
Grande do Norte. “O país possui condições geológicas favoráveis à ocorrência de
urânio e tório. Já temos depósitos de urânio mapeados, como o do Rio Cristalino
no estado do Amazonas e Pitinga no estado
do Pará. Cabe ressaltar que o Brasil, com apenas 25% do território nacional
mapeado para urânio, está entre as 10 maiores reservas identificadas no mundo.”
São algumas das informações do diretor do IRD, André Quadros, em entrevista exclusiva ao
BLOG. Carioca de Lins de Vasconcelos, viveu parte de seus 52 anos no Méier. Foi perito da Agência Internacional de Energia Atonia (AIEA), com sede em
Viena, na Áustria; tem mestrado e doutorado na área de informação técnico-cientifica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ingressou na CNEN por
concurso público e se orgulha do que faz, comandando 150 funcionários, mas faz
um alerta. “Esse numero por si só já é aquém das necessidades do Instituto. Porém,
o dado é ainda mais preocupante se considerarmos que cerca de 80 desses
servidores atendem a critérios legais para aposentadoria imediata, fato que
pode levar o instituto a perder conhecimento e capacidade técnicos fundamentais
para o país”. Eis a entrevista:
BLOG:
A Direção do IRD considerou “natural”
reunir em um único evento a comemoração do Dia da Proteção Radiológica e do
Aniversário do Instituto, que tem na proteção radiológica a sua principal área
de competência, ao lado da dosimetria e da metrologia das radiações ionizantes.
Como está sendo realizada a proteção radiológica no Brasil? Como o IRD vem
atuando?
ANDRÉ QUADROS: A
proteção radiológica está estruturada em um sistema destinado a proteger as
pessoas e o meio ambiente dos efeitos adversos da exposição às radiações
ionizantes. No Brasil, o sistema de proteção radiológica é conduzido por normas
e regulamentos estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN),
órgão responsável por regular e fiscalizar as atividades nucleares no país.
Esse arcabouço regulatório visa garantir que as atividades nucleares sejam
conduzidas de forma segura e em conformidade com padrões internacionais. Além
disso, a CNEN realiza inspeções regulares para garantir o cumprimento dessas
regulamentações.
BLOG: Muito complexo.
ANDRÉ QUADROS:
Sim. No entanto, devido à complexidade envolvida nestas atividades, a CNEN
reconhece a importância de contar na sua tomada de decisão com as organizações
de apoio técnico e científico (TSO) para melhoria da segurança nuclear. É neste
contexto que se insere o IRD, organização de suporte técnico científico da
CNEN, único em sua área de atuação no país.
BLOG: Relate mais um pouco
sobre o desenvolvimento da pesquisa.
ANDRÉ QUADROS: Para
contribuir com a segurança nuclear, o IRD precisa desenvolver pesquisa
científica e tecnológica de qualidade, além de estar atualizado com as melhores
práticas e avanços internacionais na área de proteção radiológica. O
conhecimento técnico-científico do IRD deve ser mantido no nível mais elevado
possível, permitindo ao instituto fornecer as melhores respostas para as
questões apresentadas pela sociedade brasileira. Essa é a grande contribuição
do IRD, ser um repositório de conhecimento e soluções, gerando e disseminando
conhecimento e tecnologia para que o uso das aplicações nucleares no país
aconteça dentro de um elevado nível de proteção radiológica. Por isso,
comemorar o aniversário do IRD no Dia da Proteção Radiológica, com a realização
do seminário técnico-científico, intitulado “Proteção Radiológica, Segurança e
Sustentabilidade nas Aplicações de Tecnologias Nucleares”, foi um ato natural,
mas também um momento importante e muito especial. O seminário
técnico-científico abordou temas relevantes e desafiadores para a área de
Proteção Radiológica, e contou com a participação de especialistas nacionais e
internacionais, autoridades do setor, servidores, alunos, representantes de
empresas e instituições e outros interessados no tema. Como sabemos o
aniversário do IRD acontece no dia 21 de março, mas, o evento deste ano nos
permitiu confirmar que a comemoração no dia 15 de abril, Dia da Proteção
Radiológica, faz todo sentido e esperamos repetir essa dobradinha nos próximos
anos.
BLOG: Como o Brasil está posicionado nesta área no mundo?
ANDRÉ
QUADROS: De maneira geral, é possível afirmar que a proteção
radiológica no Brasil segue padrões internacionais e é focada na prevenção de
riscos dos efeitos estocásticos e no controle para que os efeitos
determinísticos sejam evitados. Outro aspecto importante na implementação do
Sistema de Proteção Radiológica no país é a promoção da cultura de segurança em
todas as atividades que envolvem exposição à radiação ionizante. Então, a meu
ver, o IRD é um ator importante nesse processo sendo responsável pela aplicação
e disseminação dos princípios e práticas da proteção radiológica.
BLOG:
Na comemoração oficial o Sr. disse que o “evento marca uma nova fase do IRD, que
busca reforçar o seu papel histórico como referência na capacitação, na
pesquisa e nas ações de proteção radiológica, dosimetria e metrologia das
radiações ionizantes, atuando cada vez mais como organização de suporte-técnico
científico de instituições e órgãos de Governo, no que se refere a questões
envolvendo as radiações ionizantes.” O que representa a nova fase? O orçamento
é suficiente?
ANDRÉ QUADROS: O IRD foi criado em 1972 e até 2008
atuou como unidade de suporte técnico-científico da atual Diretoria de
Radioproteção e Segurança Nuclear (DRS) da CNEN, responsável pela regulação e
fiscalização de instalações radiativas e nucleares e atividades relacionadas ao
uso das radiações ionizantes. A partir
de 2008 (Portaria CNEN/PR nº 01/2008), o IRD passou a estar subordinado a
Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD), retornando a DRS em 2016
(Resolução CD/CNEN 210/2016) e novamente voltando à DPD em 2018 (Resolução
CD/CNEN 232/2018), permanecendo nessa diretoria até o momento.
BLOG:
Como ficará o IRD com a oficialização da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear
(ANSN)?
ANDRÉ QUADROS: Instituída pela Lei 14.222/2021 e o
Decreto 11.142/2022, que aprova a estrutura regimental dessa nova autarquia, o IRD será integralmente incorporado a ANSN
como uma organização de suporte técnico-científico (Sigla em inglês TSO),
seguindo modelo semelhante ao empregado nos EUA, Canadá e Japão e previsto em documentos
da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), como o TECDOC 1835. O IRD,
como TSO Interno da ANSN, irá permitir que o regulador tenha capacidade técnica
e analítica disponível, emitindo pareceres técnicos, subsidiando a tomada de
decisão durante os processos de licenciamento e controle.
BLOG:
Fará muita diferença? De que forma?
ANDRÉ QUADROS: Não menos importante, o IRD como TSO interno
é uma garantia de que não haverá conflito de interesse nas demandas do
regulador encaminhadas ao Instituto, visto que, diferente de outras unidades da
CNEN, o IRD não prestará serviço para empresas e instituições reguladas. Na
ANSN, sendo subordinado ao seu Diretor-Presidente (QUE AINDA NÃO FOI
NOMEADO – NOTA DO BLOG) - o IRD não precisará celebrar acordos de
cooperação ou qualquer outro tipo de instrumento para dar suporte ao regulador.
Esse modelo também irá fazer com que o IRD opere sistemas e utilize os mesmos procedimentos
adotados pelo regulador.
BLOG: Outros benefícios?
ANDRÉ
QUADROS: Assim, penso que nesse novo modelo será disponibilizada uma
maior capacidade técnico-científica ao regulador, permitindo maior agilidade
nas respostas, sem conflito de interesses e maior transparência, promovendo
melhores condições para a garantia da segurança das atividades e instalações do
setor nuclear. Neste momento, em que pese o IRD ainda estar subordinado a DPD,
com autorização do Presidente da CNEN, estamos provendo o alinhamento e o
aumento gradual da participação do Instituto no suporte à DRS. Como exemplo,
cito a participação do IRD na recém aprovada revisão da principal norma do
setor nuclear brasileiro, Norma 3.01, e no suporte técnico na avaliação da
documentação exigida no licenciamento de instalações, como por exemplo às
relacionadas ao Projeto Santa Quitéria (PARA EXTRAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO, NO CEARÁ) .
BLOG: Voltamos à questão
do orçamento.
ANDRÉ QUADROS: Frente aos desafios impostos ao IRD,
não podemos considerar o orçamento suficiente. Porém, estamos em transição para
compor a estrutura orçamentária da DRS, que tem sua origem na arrecadação da
Taxa de Licenciamento e Controle. Assim, esperamos no próximo ano a expansão do
nosso orçamento para patamares mais condizentes com as necessidades do
Instituto, visando a capacitação continuada de nossos servidores, atualização de
equipamentos frente às novas tecnologias e reforma da infraestrutura
laboratorial.
BLOG: Qual o valor social do IRD?
ANDRÉ
QUADROS: O IRD tem como missão atuar com excelência nas áreas de
radioproteção, dosimetria e metrologia, gerando e disseminando conhecimento e
tecnologia para o uso seguro das radiações ionizantes, visando a melhoria da
qualidade de vida no país. Como instituto singular na área proteção radiológica,
desenvolve pesquisas e mantém cursos de curta duração e programas de
pós-graduação, lato e strictu sensu com cerca de 260 teses e dissertações
apresentadas, gerando e disseminando conhecimento, contribuindo para a
sociedade com a formação de mão de obra qualificada. Além disso, como Centro
Regional de Treinamento da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA),
recebe em seu curso de Pós-graduação lato-sensu, com bolsa da AIEA, alunos de
língua portuguesa oriundos de países do continente africano. Para os
brasileiros disponibiliza bolsas de estudos, por meio de programas da CAPES e
da CNEN, visando contribuir para a formação especializada no país.
BLOG:
O que mais?
ANDRÉ QUADROS: O IRD realiza treinamento de equipes de
órgãos como Defesa Civil, Forças Armadas, Bombeiros, Visas, Polícia Federal e
outros, e atua na preparação e resposta a emergências radiológicas e nucleares.
Ao fornecer rastreabilidade metrológica ao Sistema Internacional de Referência
(SIR/BIPM), possibilita a calibração de instrumentos e o fornece fontes radioativas
certificadas, assim, o IRD possibilita que pacientes submetidos a procedimentos
com uso de radioisótopos recebam a dose adequada e trabalhadores recebam as
menores doses possíveis de radiação. Entendo
também que o IRD tem um papel tranquilizador e orientador no que se refere a
segurança nas diversas situações de exposição às radiações ionizantes. Para
tanto, vemos a realização de pesquisas como algo fundamental e a transparência nas
nossas ações e análises um compromisso com a sociedade.
BLOG: Como está o projeto da Comissão
Preparatória da Organização para o Tratado de Proibição Completa dos Testes
Nucleares (CTBTO) para monitorar radionuclídeos na atmosfera e detectar
precocemente a realização de qualquer teste nuclear?
ANDRÉ QUADROS:
A Comissão Preparatória da Organização para o Tratado de Proibição Completa dos
Testes Nucleares (CTBTO) tem o objetivo de preparar a entrada em vigor desse
Tratado, inclusive mediante a construção de um sofisticado Sistema
Internacional de Monitoramento. Como parte desse sistema, o IRD opera desde
2003 uma estação de monitoração de radionuclídeos em particulado (RN-11), denominado
RASA, de origem norte-americana, e outra para medição de gases nobres,
denominada SAUNA, de fabricação sueca. Na semana anterior a comemoração do
aniversário do IRD e Dia da Proteção Radiológica, comissão do CTBTO visitou o
Centro Regional de Ciências do Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), unidade de
pesquisa da CNEN, para realização de avaliações visando a implantação no país de
uma segunda estação de monitoramento de radionuclídeos (RN-12).
BLOG:
Sabemos que houve uma visita no local.
ANDRÉ QUADROS: Na semana do dia 15/3 o IRD também recebeu a
visita dessa mesma comissão para avançar no processo de certificação do
Laboratório de Radiometria Ambiental do Instituto (RL-04), para que esse componha
a rede de laboratórios de análises do CTBTO. Essas ações são contribuições
efetivas do Brasil para a operacionalização do Tratado e permitem que o país
tenha acesso aos dados produzidos por toda a rede de monitoramento do CTBTO, que
deverá ser composta por 321 estações de monitoração e 16 laboratórios localizados
em diversos países.
BLOG: Quantas atividades executa e para quais
clientes nacionais e internacionais?
ANDRÉ QUADROS: O IRD está
gradativamente retrocedendo na prestação de serviço para que possa atuar como
uma autêntica organização de suporte técnico-científico (TSO). Queremos cada
vez mais difundir nossos conhecimentos e transferir tecnologias, fomentando o
surgimento de novas empresas para prestação de serviços de qualidade nas áreas
de atuação do IRD. Não devemos concorrer com os laboratórios prestadores de
serviços da área de radiações ionizantes. Somente seria razoável o IRD manter
serviços em áreas onde não há atuação de outras empresas e instituições ou
quando não for possível o atendimento da demanda nacional. Até porque o IRD é responsável pela autorização
e acompanhamento do desempenho desses laboratórios por meio do Comitê de
Avaliação de Ensaio e Serviços de Calibração (CASEC/IRD).
BLOG:
Pode exemplificar?
ANDRÉ QUADROS: Por exemplo, na metrologia das
radiações ionizantes, uma de nossas prioridades é o provimento de
rastreabilidade metrológica aos laboratórios de calibração com radiação
ionizante e que dependem da nossa atuação para se manterem rastreados ao
Sistema Internacional de Medidas (SI). Neste ano, o IRD suspendeu a prestação
de serviço de calibração de dosímetros clínicos utilizados em radioterapia. Esse
serviço, que já era realizado por laboratório do IPEN/CNEN – SP, agora passa também
a ser realizado por um laboratório privado. Por outro lado, o IRD deseja
disponibilizar serviços especializados não só para a CNEN, ou para a futura
ANSN, mas também para outros órgãos do Estado, mediante acordos de cooperação
ou instrumentos similares, algo semelhante a parceria histórica que já realiza
com o Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), mediante Termo de Designação. Nesse
sentido, é com bastante otimismo que vemos a possibilidade de colaborar cada
vez mais com órgãos como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
Ministério da Saúde, Secretaria Naval de Segurança Nuclear e Qualidade
(SecNSNQ/Marinha) e outros.
BLOG: O que há sobre radioatividade ambiental no
Brasil?
ANDRÉ QUADROS: A presença de radionuclídeos no meio ambiente
pode ter duas origens, uma de fonte natural e outra proveniente de atividades
humanas. Alguns radionuclídeos antropogênicos são produzidos principalmente por
testes de bombas na atmosfera, descargas de centrais nucleares e acidentes
nucleares, que podem se constituir em problemas ambientais em escala local.
Porém, em termos globais, a fonte natural é a principal contribuição para a
radioatividade no planeta. No Brasil, existem áreas com radioatividade natural
elevada, como no planalto de Poços de Caldas/MG ou nas areias monazíticas de
Guarapari/ES.
BLOG: O que temos hoje sobre mapeamentos no País?
ANDRÉ
QUADROS: O país possui condições geológicas favoráveis à ocorrência de
urânio e tório. Já temos depósitos uraníferos mapeados, como o do Rio
Cristalino no estado do Amazonas e Pitinga no estado do Pará. Cabe ressaltar
que o Brasil, com apenas 25% do território nacional mapeado para urânio, está
entre as 10 maiores reservas identificadas no mundo. A exposição à radiação
natural é a principal fonte de exposição para a população mundial.
BLOG:
E no Brasil?
ANDRÉ QUADROS: No Brasil, os estudos de caracterização
da radioatividade são ainda insuficientes tendo em vista a dimensão continental
do país. Visando contribuir com a caracterização da radioatividade, o IRD em
2013 iniciou o projeto GEORAD (Banco de dados de Radioatividade no Brasil) com
o objetivo de integrar os dados de radioatividade no país por meio de um banco
de dados georreferenciado, que reúne dados obtidos de levantamentos
bibliográficos ou fornecidos por instituições de pesquisa e universidades. Outro
projeto importante é o MAPRAD (Mapeamento da radioatividade nos solos
brasileiros), desenvolvido em parceria com o Serviço Geológico do Brasil (SGB,
antiga CPRM), que objetiva mapear a distribuição de elementos radioativos
naturais e Cs-137 nos solos brasileiros. Os estudos são feitos principalmente
por alunos de doutorado, e até o momento já foram mapeados os estados de
Pernambuco, Espírito Santo, Alagoas e o arquipélago de Fernando de Noronha.
Estão em andamento estudos sobre os estados do Ceará, Goiás, Mato Grosso do
Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Sergipe e Rio Grande do Norte.
BLOG: Conte
sobre a experiência em relação ao acidente de Goiânia?
ANDRÉ QUADROS:
O IRD teve participação fundamental na resposta ao acidente radiológico de
Goiânia, ocorrido em 1987, principalmente nos aspectos de radioproteção.
Podemos citar: a monitoração de pacientes e o controle ocupacional nos
hospitais de Goiânia e no Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD), a
descontaminação dos pacientes e a estimativa de doses de radiação (monitoração
individual externa e interna, dosimetria citogenética e reconstrução de doses).
O acidente radiológico de Goiânia foi e continua sendo o ponto de inflexão na
área de preparação e resposta a emergências de origem nuclear e radiológica no
mundo. As lições lá identificadas influenciaram as bases das recomendações
internacionais sobre o tema.
BLOG: Guerras também mobilizam o IRD; em relação
à usina de Zaporizhzhia, na Ucrânia, há algum trabalho?
ANDRÉ QUADROS
- O IRD acompanha a situação na usina de Zaporithzia, na Ucrânia, por meio dos
informes periódicos emitidos pela AIEA e estamos prontos a colaborar com as
autoridades governamentais caso sejam encaminhadas eventuais solicitações de prestação
de assistência na área de proteção radiológica. É importante comentar que os
efeitos deste conflito levaram a AIEA a intensificar e fortalecer ainda mais o
seu trabalho técnico na Ucrânia, com o objetivo de estabilizar a situação e
prevenir incidentes ou acidentes nucleares naquele país. Para alcançar esse
objetivo a AIEA tem enviado pessoal técnico para atividades nas instalações
nucleares da Ucrânia. Os participantes desta força tarefa, que trabalham nas
ações de presença contínua aquele país, foram recrutados nos estados membros e
se somam ao staff permanente da Agência, cumprindo missões que duram de 25 a 40
dias. Os participantes são especialistas e peritos, reconhecidos mundialmente e
trabalham na observação e elaboração de relatórios que subsidiam os informes
emitidos pelo Diretor Geral da AIEA.
BLOG: Algum brasileiro?
ANDRÉ
QUADROS: Sim. Dentre estes especialistas, um deles é servidor de
carreira do IRD, com mais de 27 anos de experiência em monitoração gama
ambiental, análise e coletas de amostras ambientais, atendimento e resposta a
emergências de origem nuclear e radiológica e em detectores de radiação.
BLOG:
O IRD atuou de alguma forma no
acidente de Chernobyl?
ANDRÉ QUADROS: Sim. Após acidentes
nucleares severos como Chernobyl e Fukushima, onde extensas áreas agrícolas e
de pastagem são afetadas, é importante o estabelecimento de controles
sanitários para verificação de contaminação radioativa nas importações
provenientes dos países afetados. No
caso de Chernobyl, o IRD foi acionado para verificar um carregamento de carne
congelada vinda de um país europeu. A contaminação radioativa foi confirmada e
o carregamento embargado. O mesmo tipo de verificação sanitária foi
estabelecido no Brasil após o acidente de Fukushima, com a verificação de
produtos provenientes do Japão, nos anos posteriores ao acidente. As análises
foram realizadas no IRD e no IPEN. Destacamos que o instituto é o Ponto
Nacional de Alerta (PNA) para a Convenção de Pronta Notificação de Acidentes Nucleares.
Essa Convenção foi criada em 1986, no âmbito da AIEA, justamente como resposta
à ausência de notificação do acidente nuclear de Chernobyl à comunidade
internacional. O Brasil aderiu imediatamente à mesma, tendo sido ratificada
pelo Congresso Nacional em 1991.
BLOG: Como atua hoje em relação
às Agência Internacional de Energia Atômica?
ANDRÉ QUADROS: O IRD é uma fonte de especialistas, que
participam de diversas missões e reuniões técnicas, e também de instrutores
para treinamentos da Agência. Além disso, o Instituto incentiva que seus
servidores participem dos cursos técnicos disponibilizados pela AIEA, com o
objetivo de manter seus quadros atualizados. O próprio IRD hospeda cursos
coordenados pela AIEA. Como exemplo,
cito o curso que aconteceu na semana da comemoração do aniversário do IRD, que
teve como objetivo formar avaliadores oriundos da America Latina e Caribe para
atuarem no serviço de avaliação de proteção radiológica ocupacional
(ORPAS/AIEA). O Instituto também mantém o curso de Pós-graduação lato-sensu em
parceria com a AIEA, para países de língua portuguesa. Em decorrência dessa
parceria, o IRD receberá em junho deste ano a missão EduTA/AIEA, a partir da
qual a Agência irá avaliar o nosso Centro Regional de Treinamento em
Radioproteção.
BLOG: IRD trabalha
com resposta à emergência?
ANDRÉ QUADROS: O IRD realiza uma grande
quantidade de atividades, por exemplo, atua nas áreas de radioproteção
ocupacional, ambiental e do paciente, fundamentais no processo de
licenciamento, fiscalização e desenvolvimento do arcabouço regulatório do setor
nuclear. Além disso, atua também na área de dosimetria, realizando atividades
de monitoração interna e externa e mantém o cadastro nacional de doses
ocupacionais. Realiza investigação relacionada à exposição a doses elevadas.
Mantém equipes de averiguação de ocorrência e resposta a emergência. Por
designação do INMETRO, o IRD é o responsável pelo padrão de referência nacional
para a metrologia das radiações ionizantes, nas áreas de nêutrons,
radionuclídeos e dosimetria. O Instituto realiza atividades de pesquisa e
mantem cursos de curta duração e programa de pós-graduação lato e strictu
sensu. Para que essas atividades possam ser executadas, o IRD conta ainda com
as áreas de administração, recursos humanos, tecnologia da informação, proteção
radiológica e segurança do trabalho, mecânica, eletrônica e gestão da
qualidade.
BLOG: Quantos funcionários? É o Suficiente?
ANDRÉ
QUADROS: Para realizar todas essas atividades, o IRD conta hoje com cerca
de 150 servidores. Esse número por si só já é aquém das necessidades do
instituto. Porém, esse dado é ainda mais preocupante se considerarmos que cerca
de 80 desses servidores atendem os critérios legais para aposentadoria imediata.
Esse fato, pode levar o instituto a perder conhecimento e capacidades técnicas
fundamentais para o país.
BLOG: O IRD estava
participando de um consórcio internacional para a elaboração de programa de
mestrado em Descomissionamento e Remediação Ambiental. O projeto contava
com a participação de instituições de Portugal, Bélgica, Noruega, e EUA, e foi
apresentado para financiamento, pelo programa Erasmus da Comunidade Europeia.? Aconteceu?
ANDRÉ QUADROS: É verdade. O IRD disponibiliza bolsas de estudo
para seus alunos de pós-graduação, por meio de programas da CAPES e da própria
CNEN. A implementação do Minder, Programa de Mestrado Internacional em
Descomissionamento e Remediação Ambiental, será uma importante contribuição do
IRD para o Brasil e demais países. Atualmente, em processo de avaliação pela
CAPES, o Minder irá permitir que brasileiros assistam disciplinas nos diversos
países participantes, por meio de bolsas de estudos concedidas no âmbito do
programa Erasmus, mantido pela Comunidade Europeia. Em contrapartida, o IRD irá ministrar
disciplinas na sua área de atuação recebendo alunos de outros países, sendo
essa uma grande oportunidade de aprendizado, mas também de intercâmbio
cultural. É importante também lembrar que o Brasil tem um programa nuclear com
cerca de 60 anos e, assim, possui instalações que começam a chegar ao final do
seu ciclo de vida. Por isso, ganha em importância a formação de especialistas
no país na área de descomissionamento e remediação ambiental.
BLOG: A
sua mensagem para quem deseja se especializar em radioproteção?
ANDRÉ
QUADROS: A proteção radiológica é uma área multidisciplinar e como tal
está aberta a profissionais com formação básica em áreas diversas do
conhecimento, em nível técnico e superior. No Brasil, existe um importante mercado para
esse tipo de profissional, valendo lembrar que, atualmente, o país possui cerca
de 3.500 instalações radiativas e nucleares ativas. Esse número cresceu
aproximadamente 5% desde 2018. Para a segurança das aplicações da energia
nuclear na medicina, indústria, serviços, pesquisa, segurança, geração de
energia elétrica ou outras, faz-se necessária a atuação de profissionais da
área de proteção radiológica. Esse mercado de trabalho em expansão está acessível
para profissionais aptos e ávidos por trilhar o caminho do conhecimento e da
aplicação das técnicas de proteção radiológica em prol da segurança da
sociedade.
PERFIL:
ANDRÉ QUADROS: Carioca, nascido em Lins de Vasconcelos, bairro da
Zona Norte do Rio; passou grande parte no Meier, na mesma região. “Minha mãe é formada em Ciências Contábeis e
meu pai é oficial reformado do Exército, formado em Farmácia e Medicina pela
UFRJ. É curioso e motivo de felicidade adicional saber que ele possui
pós-graduação lato sensu em radioisótopos, pela UERJ, e, em 1983, recebeu
autorização da CNEN para uso laboratorial de radioisótopos in vitro”,
comentou. Servidor concursado da CNEN, tecnologista sênior, tendo tomado posse
em fevereiro de 1997. Formado em Ciência da Computação, com mestrado e
doutorado na área de informação técnico-científica, pelo IBICT / UFRJ, com tese
na área de planejamento de emergências nucleares.
Na CNEN, exerceu cargos
comissionados nas três Diretorias Executivas (DGI, DPD e DRS) e no Gabinete da presidência
da Comissão. Antes de assumir a Direção do IRD, exercia o cargo de Assessor da
Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear. “No IRD, como servidor, tive a
satisfação de colaborar na área de Metrologia das Radiações Ionizantes. Já
atuei como perito da AIEA e consultor de Tecnologia da Informação do Foro
Iberoamericano de Organismos Reguladores Nucleares”, comentou. Está na Direção
do IRD desde em novembro de 2023. Tem 52 anos, sendo 32 anos dedicados ao
serviço público e 27 desses trabalhando na CNEN.
(FONTES: ASCOM CNEN/IRD) -
(FOTOS:
Diretor IRD, crédito à Bianca Wendhausen – Foto Laboratório de Espectrometria
de Massa para a identificação de elementos radioativos em amostras – crédito a
Eduardo Zappia).
A REPRODUÇÃO DE PARTE OU DE TODO O CONTEÚDO DA ENTREVISTA DEVE
SER CREDITADA A ESTE BLOG -
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