O contexto global passou a ser
da maior relevância para as questões energéticas das nações. A pandemia
ensejada pela Covid-19 desnudou a incapacidade mundial de se defender de um
novo inimigo que surgiu do desconhecido, desafiando indústrias farmacêuticas,
os sistemas de saúde públicos e os conhecimentos científicos sobre pandemias. Descobriu-se, inclusive, que vírus não tem fronteiras, nacionalidades ou
classes sociais preferenciais. Não só o Brasil, mas o mundo, não estavam
preparados para uma pandemia global. No Brasil, centros de excelência em
pesquisas se engajaram em uma grande corrida, na busca de vacinas, mas sequer
tínhamos seringas injetáveis esterilizadas em número e qualidade, disponíveis
em nossos centros de excelência nuclear.
A pandemia foi uma centelha que
acelerou transformações latentes nas sociedades, inclusive, acentuando as
desigualdades sociais, face ao pagamento de seus custos pelo desemprego e a
falta de atendimento social. Após um aparente controle da pandemia fomos
surpreendidos pela invasão russa à Ucrânia, dois países europeus considerados
irmãos, em termos culturais e de idioma, mas com rachaduras que requerem uma
pausa operacional para se negociar. A Europa/União Européia há tempos desconhecia
uma guerra de tais proporções em seu território, fenômeno que levou, principalmente nações ocidentais a
imporem sanções contra o invasor, incluindo bloqueio de contas bancárias, proibições
de tráfego aéreo por seus aviões em seus tetos, embargos da importação de
produtos , em particular energéticos como petróleo, gás e carvão, causando um
cataclismo no setor energético e com conseqüências mundiais superiores às
crises do petróleo dos anos de 1970.
A Europa, dependente em cerca de 40% de tais
insumos e vendo os preços dos derivados
do petróleo disparando e causando uma inflação desconhecida desde o final da
Segunda Guerra Mundial, seguida de queda
no crescimento econômico, é o local que mais sofre com a crise energética. O
país europeu mais afetado é a Alemanha, que depende de 60% da importação de gás
russo para suas indústrias, aquecimento residencial e, em particular, de
eletricidade, pois equivocadamente, iniciou a desativação de seu parque gerador
nuclear, as de melhor tecnologia e desempenho do mundo, após o acidente de
Fukushima, para garantir à Chanceler Merkel o apoio do Partido Verde para sua
sustentação no governo, após seu crescente desgaste político desde a crise
econômica de 2008.
Deve-se também ressaltar que a Alemanha, nas últimas
décadas, passou a investir massiçamente em fontes renováveis intermitentes,
como eólicas e solares que requerem a existência de fontes de geração de base,
quando não existem ventos, ou luz solar, base esta suprida por nucleares, gás
ou carvão, este na contra mão dos preceitos antipoluição ambiental, de acordo
com os preceitos daquela que passou a ser conhecida pela denominada de “Nação Verde”.
Deve-se, ainda, salientar que o preço do gás natural aumentou cerca de 700%, desde
o início do ano passando e que seu uso é da maior relevância para o aquecimento
durante o inverno europeu, bem como para a economia global, mesmo para países
auto suficientes como os Estados Unidos da América – EUA que, em seu mercado
interno, pratica preços internacionais, analogamente ao Brasil, bem como de
petróleo, mas que tem enormes reservas estratégicas e auto-produção. Entretanto,
os EUA não são auto-suficientes em combustível nuclear, importando mais 90% de
suas necessidades de urânio levemente enriquecido para seu parque de geração de
eletricidade e que é o maior do mundo, cerca 90 usinas em operação, mas sem
dispor, sequer, hoje, de planta industrial de conversão de U3O8 em UF6. Por este motivo, a exportação deste insumo não
são incluídos no pacote de boicotes à
Rússia.
Em 2021, os EUA importaram mais de US$ 1 bilhão, transformando, de
combustíve nuclear levemente enriquecido de países como Rússia, Cazaquistão,
Ubesquistão e, assim transformando, Ironicamente, o legado dos “Átomos para a
Paz”, em Àtomos para Putin”. O maior perdedor da salgada conta do boicote à
Rússia tem sido a União Européia, onde recessão e inflação andam de braços
dados.
Essa retrospectiva indica um futuro completamente diferente dos anos pretéritos
e as capacidades nacionais de gerenciar suas deficiências em qualquer setor
passam a ter a maior relevância e estão concentradas em seus centros de
pesquisas, em particular, daqueles dedicados às tecnologias de ponta, aí
incluídos a tecnologia nuclear, espacial e do fundo do mar, sendo grandes
propagadores de tecnologia em todo o mundo.
No que se refere à tecnologia
nuclear, suas principais áreas de atuação, no Brasil, estão concentradas no
setor de geração de energia , quer eletricidade para o suprimento da rede, quer
para a propulsão naval, alimentando o submarino nuclear e reatores de pesquisas.
Isto, para a produção do combustível nuclear, em todas as suas etapas, desde a
prospecção de minério de minerais nucleares, produção de concentrado de urânio - U3O8, sua transformação em gás
-UF6 em escala piloto, enriquecimento isotópico do urânio com tecnologia
desenvolvida pela Marinha do Brasil.
Além da produção de elementos combustíveis
na unidade industrial da INB em Resende e no IPEN, medicina nuclear incluindo o
credenciamento de profissionais e de instalações que fazem uso de radiação,
produção de radiofármacos, realização de exames específicos para prevenção e
eliminação de doenças como o câncer, aplicações na indústria em controle de
qualidade, agricultura em particular na conservação de alimentos, meio
ambiente, irradiação de gemas preciosas, conservação de acervos históricos,
tratamento e armazenamento de rejeitos radioativos.
Também nas plantas
industriais e institutos de pesquisas, segurança e proteção radiológica da
população, pesquisas e ensino relacionados a esta tecnologia, transporte de
material radioativo, medição de dose de radiação em profissionais a ela
expostos, controle e salvaguarda de plantas nucleares, engenharia e projeto de
instalações nucleares e radioativas, transmissão ao público em geral de todos
estes elencos de funções da tecnologia nuclear tão necessários ao Brasil,
dentre vários outros. O desenvolvimento da tecnologia e de insumos está
concentrado, principalmente, em institutos de pesquisas, universidades, laboratórios,
agências distritais e escritórios regionais, distribuídos por, praticamente,
todo o País.
A despeito dos desafios econômicos pelos quais o País vive,
ele precisa de um Estado com visão estratégica e capaz de sensibilizar as
classes políticas sobre o papel e importância das áreas de radiações e geração
nuclear, que podem criar empregos de alto valor agregado, bem como a criação de
plataformas científicas com elevados conhecimentos de ponta. Em função da atual
restrição de recursos, aquelas atividades e projetos que demandam menor
quantidade de recursos e atingem um maior contingente da população devem ter
prioridades, na seguinte sequência:
Ensino, pesquisas, aplicações nos inúmeros
setores anteriormente citado, a partir da medicina nuclear: conclusão do Reator
Brasileiro Multipropósito (RBM) que já dispõe de local licenciado, e projetos
básico e detalhado e que, como seu nome diz se presta a uma infinidade de funções,
mas em particular à produção de radiofármacos, cuja produção nacional não é
capaz de atender toda a demanda, a qual é importada de alguns países.
O RMB
terminará inclusive a exportação de radiofármacos, com geração de receita para
seu funcionamento, desenvolvimento tecnológico e criação de sinergia em sua
área de localização que já abriga o centro Tecnológico da Marinha em Aramar e,
assim, as futuras instalações da USP em área contígua, doada pelo Governo de
São Paulo; O aumento das reservas nacionais de materiais radioativos, com a
retomada do programa de prospecção em áreas promissoras já identificadas, com a
participação da iniciativa privada, com vistas, inclusive à produção de
fertilizantes, com a geração de recursos suplementares e o reposicionamento do
País no ranking mundial, a produção de U3O8 para o mercado interno a preços
competitivos e exportação de excedentes;
Domínio da tecnologia de conversão do
U3O8 em UF6, em escala industrial, no mínimo com a capacidade para alimentar
nossas unidades de enriquecimento atualmente existentes e expansões no curto
prazo, evitando o tanslado do U3O8 para o exterior e posterior internalização
para ser enriquecido domesticamente; Quanto ao enriquecimento isotópico no
País, realizado por meio da tecnologia de ultracentrifugação, desenvolvida de forma
autônoma, pela Marinha do Brasil, e atualmente realizado em instalações
industriais na INB e capazes de atender mais da metade da demanda de Angra 1, o
ideal era dispor de capacidade para cobrir as três unidades definidas para
Angra dos Reis, Angra1, 2 e3; Dar continuidade ao protótipo em terra do reator
do submarino brasileiro, bem como a fabricação dos componentes encomendados à
NUCLEP, a qual também está com encomenda de importantes componentes para Angra
3, encomendas da indústria do petróleo e do setor elétrico, relativas a
sistemas de transmissão.
A empresa também poderá ocupar nichos no mercado
externo criados com cancelamentos na Ucrânia, em particular se contar com um
parceiro setorial musculoso; Conclusão da Usina Angra 3, com ou sem a
participação de parceiro estrangeiro, mas baseada em um esquema de
financiamento realista, inclusive de eventual parceiro; Preparação de um
programa de longo prazo, em consonância com o planejamento elétrico
governamental, avaliando locais candidatos, novas tecnologias, incluindo
reatores de pequeno e médio porte, com especial atenção aos seus processos de
licenciamentos nuclear e ambiental, uma vez que se tratam de tecnologias
desconhecidas no país.
Nesse contexto, é da maior relevância a intensificação
do treinamento de pessoal, como indicado de forma prioritária anteriormente,
não só para as reposições oriundas de intenso desligamento de pessoal, mas
principalmente pelos novos desafios.
Estamos certos de que um País com a grandiosidade
e importância estratégica do nosso, não pode deixar de incluir em suas
prioridades as atividades radiológicas e nucleares, tão importantes e de agora
em diante mais restritas a transferência de tecnologias, conforme ressaltado na
introdução, o que requererá um esforço autônomo muito maior, onde nossas
organizações de pesquisas e desenvolvimento passarão a ter muito maior relevância.
Também no setor energético, após o fim dos vultosos subsídios governamentais
que alavancaram os setores de energias eólica e solar, torna-se necessário
investir em uma energia de base, como a nuclear, para firmar o suprimento, em
conjunto com nossos reservatórios de hidroelétricas, que ficará responsável por
compensar a as intermitências das duas fontes e que representam as mais
eficientes baterias perseguidas para tal compensação.
Nesse contexto a produção
de Angra 3 será da maior relevância, pois agregará ao sistema cerca de !400 Mw,
juntamente com as de Angra 1 e Angra 2. de quase 2100 mW. Além disso, a nuclear
não apresenta volatilidade de custos relativos a aspectos climáticos, como
vento, luz e chuvas, além de sua contribuição à descarbonização evidenciada na
COP 26.
Assim, enfatizo que a elaboração desse texto é porque confio no
entendimento de todos aqueles que ensejam o que há de melhor para os brasileiros,
façam seu uso sem medo de restrições.
OLGA SIMBALISTA – Engenheira elétrica e
nuclear, faz parte da diretora da Associação Brasileira de Energia Nuclear
(ABEN); do Instituto Ilumina e do Board da American Nuclear Society, já recebeu
doze prêmios por sua atuação na promoção dos direitos da mulher e, em 2014, e
foi eleita Personalidade do Ano 2014 pela WEB da ONU. Com mestrado em
engenharia nuclear, Olga Simbalista, comemora 41 anos de trabalho no setor.
Recebeu também o Prêmio Full Energy de Personalidade do ano, em 2017, e, em
2018.
FOTO: Arquivo pessoal .
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