Uma das poucas mulheres a
ocupar cargos de chefia no setor nuclear brasileiro, ela já recebeu doze prêmios
por sua atuação na promoção dos direitos da mulher e, em 2014, foi eleita
Personalidade do Ano 2014 pela WEB da ONU. Engenheira elétrica com mestrado em
engenharia nuclear, Olga Simbalista, festeja 40 anos de trabalho no setor. Nos
últimos 20 anos, integra a Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), entidade
que presidiu de 2016 a 2018. Atualmente, é membro da diretoria da Associação e
nesta posição, recebeu também o Prêmio Full Energy de Personalidade do ano, em 2017,
e, em 2018. Machismo? Ela acha que ficou no passado, quando foi preterida para
um cargo no qual teria que viajar com colegas engenheiros. “As esposas não
gostariam que seus maridos viajassem com uma jovem engenheira”, conta. Discriminação?
“Explícita nunca senti, apenas uma sombra do teto de vidro, em alguns momentos
de indicações para funções de direção”. Aqui, Olga manifesta a sua posição em
relação aos principais avanços e retrocessos do setor brasileiro, além de
apostar na atuação do novo Governo.
Blog: Conte um pouco sobre a sua atuação na direção da Associação
Brasileira de Energia Nuclear (ABEN)?
Olga: Assumi a Presidência da ABEN em dezembro de 2016, mas
faço parte desta associação há uns 20 anos. Há dois anos, a posse foi marcada
por uma tarde de violência no centro do Rio de Janeiro, com explosão de bombas,
queima de veículos, quebra de vitrines, culminando com o fechamento dos
estabelecimentos desta região e sem a possibilidade de os convidados à
solenidade se fazerem presentes.
Seria um mau presságio para a
Associação, bem como para o setor nuclear brasileiro, que vivia momentos de
enormes dificuldades com a paralisação da construção de Angra 3, sem
perspectivas de retomada. A Eletronuclear iniciava a amortização dos
financiamentos desta planta, muito antes de sua conclusão e sem receita para
tanto, além da ameaça de não dispor de recursos para a compra do combustível
nuclear, comprometendo a sobrevivência da Indústrias Nucleares do Brasil - INB.
Eis aqui puma parte dos problemas.
Blog: E depois?
Olga: Decorridos dois anos, pudemos constatar anos
maravilhosamente profícuos, marcados com a retomada das atividades do Comitê de
Coordenação do Programa Nuclear Brasileiro, em junho de 2017, desde então sob a
coordenação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República
e que, ao final de 2018, culminou seus trabalhos com a edição da Política
Nuclear Brasileira.
Outros fatos da maior
relevância também precisam ser citados como: a criação da Agência Naval de
Segurança Nuclear e Qualidade, no âmbito da Marinha do Brasil; a comemoração
dos 30 anos do Reator IPEN/MB-01 e a colocação de um novo núcleo de combustível
tipo placa totalmente fabricado no País; a comemoração dos 30 anos da
conquista, pela Marinha do Brasil, do processo de enriquecimento isotópico pela
ultracentrifugação; o lançamento da Pedra Fundamental do RMB; e o início dos
testes de integração dos turbogeradores ao reator do Labgene, que é o protótipo
do reator para o submarino nuclear. Vale lembrar outras etapas importantes: a
inauguração, em Resende, da Sétima Cascata de Enriquecimento da INB;
Licenciamento ambiental da nova Mina de urânio em Caetité; o fornecimento de
urânio enriquecido à Argentina; a
aprovação, pelo Conselho Nacional de Política Energética - CNPE da nova tarifa
de Angra 3 e de demais providências para a sua retomada.
Blog: Enquanto isso, o que fazia
a ABEN pela segurança dos trabalhadores?
Olga: A segurança dos trabalhadores do setor nuclear é uma
função inerente das diversas organizações, no âmbito da “Cultura de Segurança”
de cada uma destas organizações, bem como de diretrizes e supervisão da
Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN.
O papel da ABEN, nesse
contexto, é o da promoção e difusão dos inúmeros benefícios e das várias
aplicações da Energia Nuclear em todos os campos e, em particular, no que se
refere à segurança das instalações, tanto no que se refere à segurança de seus
trabalhadores, bem como das populações próximas a elas.
Ao longo dos 36 anos de sua
existência, a ABEN se consolidou como uma porta voz respeitada de representação
legítima da Comunidade Nuclear Brasileira, nos fóruns nacionais e
internacionais.
Blog: Existem levantamentos?
Olga: As organizações mantêm todos os dados relativos à
segurança do trabalho e quando se trata de acidentes envolvendo radiação, os
mesmos são relatados à CNEN que mantém os registros. Entretanto, desde o início
das atividades do setor, no século passado, o mais grave acidente ocorreu fora
dessas instalações, no caso do acidente radiológico de Goiânia, com a
ocorrência de mortos na comunidade.
Blog: Qual o balanço do setor
nuclear brasileiro nos últimos 10 anos?
Olga: Ao longo dos últimos 10 anos, tivemos avanços, bem
como retrocessos. Os principais avanços estiveram concentrados no programa da
Marinha do Brasil, com a constituição do Prosub – o Programa de construção de
submarinos convencionais e o nuclear, em 2008; a retomada da construção de
Angra 3, em 2008; a criação da Amazul, em 2013, bem como a melhoria constante
dos desempenhos de Angra 1 e Angra 2, que passaram a ser referências
internacionais, sob o aspecto operacional, com destaque para a segurança dos
trabalhadores.
Blog: Retrocessos?
Olga: Em termos de retrocessos, podemos citar a paralisação
da construção de Angra 3, sem perspectivas de retomada, e com a Eletronuclear
iniciando a amortização dos financiamentos desta planta, muito antes de sua
conclusão e sem receita para tanto, ameaçando, inclusive, não dispor de
recursos para a compra do combustível nuclear, comprometendo a sobrevivência da
Indústrias Nucleares do Brasil – INB, como já mencionei. Adicionalmente, os
recursos para o Programa da Marinha do Brasil passaram a ser contingenciados, o
Reator Multipropósito Brasileiro – RMB não conseguia obter o impulso necessário
a sua implantação e as áreas de pesquisas careciam de recursos humanos e
orçamentários. O contexto político não sinalizava qualquer prioridade para as
atividades nucleares, diante da grave crise institucional e econômica pela qual
passava o País, até meados de 2018.
Blog: Qual a sua avaliação agora?
Olga: As realizações obtidas nos últimos dois anos, em
momento bastante adverso, de grandes dificuldades, nos fazem antever um futuro
extremamente promissor, com a indicação do Almirante Bento de Albuquerque ao
posto de Ministro de Minas e Energia. Seu currículo de realizações nos dá a
certeza de que, diferentemente de outros titulares dessa pasta com objeção ao
uso da energia nuclear, ou mesmo com vergonha de defendê-la, ele saberá
conduzir as atividades do setor com altivez, soberania e responsabilidade.
Blog: Como assim?
Olga: Um país do porte do Brasil não pode ficar refém de
pressões externas, que, muitas vezes nos impedem de fazer uso soberano de
nossas vastas e preciosas reservas minerais, de dominar tecnologias sensíveis,
fazer uso da nuclear para a produção de energia, propulsão naval, usos na
medicina e diversos outros. E fechando 2018, com chave de ouro, tivemos, no dia
14 de dezembro, o lançamento ao mar do Submarino Riachuelo, consagrando a
primeira etapa do programa PROSUB da Marinha do Brasil e que culminará, em
próximo, no lançamento ao mar do Submarino Nuclear Almirante Álvaro Alberto,
colocando o País em um restrito grupo de nações dominando tal tecnologia.
Blog: O novo governo já
manifestou posição favorável à retomada das obras de Angra 3. O que a senhora
acha?
Olga: A posição pela retomada das obras de Angra 3, logo no
início do novo Governo, é sem dúvida uma demonstração inequívoca da posição
favorável do governo ao uso da energia nuclear em todos os seus segmentos.
Blog: A falta de recursos seria o
principal entreve?
Olga: O anúncio da retomada de Angra 3 foi acompanhado de
declaração do Presidente da Eletrobras da existência de recursos orçamentários
relevantes e, também das prioridades a serem dadas por esta Holding a esta usina, bem como à Itaipu
Binacional. Também, já está sinalizada a possibilidade de participação de
empresa estrangeira na conclusão do empreendimento, com aporte de recursos
tecnológicos e financeiros.
Blog: Em relação à Unidade de
enriquecimento de urânio, em Resende, há dificuldades em relação à liberação de
recursos?
Olga: A priorização do setor nuclear, no âmbito do novo Governo
inclui, não só a autonomia do fornecimento do combustível, como, também, o
aumento da prospecção de reservas de urânio.
Blog: O setor nuclear brasileiro, como este caso, teria que ter mais
investimentos?
Olga: Há necessidade de se equacionar novas formas de aporte
de recursos que se encontram no âmbito dos desafios hercúleos do novo
Ministério da Economia.
Blog: A questão nuclear é pouco
divulgada no Brasil?
Olga: O conhecimento da questão nuclear no Brasil
encontra-se, praticamente restrito às pessoas com envolvimento profissional na
mesma. As organizações, em geral, dispõem de atividades de divulgação
individuais, de pequena abrangência e às vezes até conflitantes. Deve-se
ressaltar, também, uma grande falta de interesse da grande mídia pelo tema, na
maioria das vezes se dedicando a divulgar fatos negativos ao setor nuclear.
Algo, talvez, dentro do conceito do politicamente incorreto, quando aquelas
aceitas como corretas seriam apenas as novas fontes renováveis, quando, na verdade
são fontes complementares. Durante a campanha pelo segundo turno das eleições
presidenciais, a mídia, talvez simpatizante com o candidato derrotado, rotulou,
de forma pejorativa, as prioridades energéticas do Programa de Governo
Bolsonaro como sendo nuclear e hidroelétricas com grandes reservatórios. Já a
do opositor, como sendo eólica, solar e biomassa.
No que se refere à pergunta
propriamente dita, a questão nuclear é pouco divulgada, havendo necessidade da
criação de um único e amplo programa, já iniciado sob a coordenação da CNEN e
com a participação de grande parte das organizações setoriais.
Blog: Qual a sua opinião sobre a
fabricação do primeiro submarino nuclear brasileiro?
Olga: O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma
costa de 8.000 Km de extensão, por onde passam 95% de nossas exportações e importações;
onde estão localizados 92% de nossas reservas de petróleo e 73% do nosso gás.
Portanto, é região estratégica, requerendo uma proteção eficaz, proporcionada
por uma armada que inclua submarinos. Nesse contexto, o submarino nuclear
produz uma defesa muito mais eficaz, devido a sua autonomia de submersão e à
dificuldade de detecção por um eventual inimigo.
A Guerra das Malvinas, em 1982,
evidenciou tal poderio dos submarinos nucleares britânicos, juntamente com o
sistema de satélites norte-americano, que tornaram qualquer tentativa de defesa
argentina completamente inócua. Tal desfecho culminou com o afundamento do
General Belgrano com seus 1.093 tripulantes, por meio de ataque por submarinos
nucleares.
Blog: O Brasil deve ter uma bomba
atômica?
Olga: Não sou a favor que o Brasil deva ter uma bomba
atômica. Ressalto como da maior importância o posicionamento do país, junto à
ONU, apoiando o tratado de eliminação de todos os artefatos nucleares
existentes no mundo, uma vez que o Tratado de Não Proliferação, criado em 1968,
prevê que as nações nucleares, de boa fé e no curto prazo, eliminariam seus arsenais nucleares. Mas isso não aconteceu na prática. Ao contrário, hoje temos mais quatro países no Clube Atômico, além dos cinco fundadores.
Blog: A senhora sofreu preconceito?
Olga: Sou de família tradicional mineira de Belo Horizonte. Achavam um absurdo uma jovem estudar engenharia, pois a faculdade estava localizada na zona do meretrício de Belo Horizonte. Mulheres da minha família diziam que, uma vez engenheira, eu não iria conseguir marido. Mas nunca levei a sério e sempre fui muito bem tratada pelos colegas de turma, sendo a única mulher entre eles.
Blog: A senhora é uma das poucas
mulheres com atuação de liderança no setor nuclear brasileiro. O setor é
machista?
Olga: Ao contrário, o setor nuclear, no âmbito do setor
energético, é o que tem a maior participação feminina em seus quadros
funcionais. As mulheres estiveram presentes desde os primórdios da energia
nuclear com grandes cientistas como Madame Curie na descoberta dos elementos
radioativos, Lisie Meitner, na fissão nuclear, e várias outras.
No meu caso específico, deu-se
o contrário. Há exatamente 48 anos, recém-formada em Engenharia Elétrica pela
UFMG, inscrevi-me em um concurso promovido pela CNEN para o curso de mestrado
em Ciências e Técnicas Nucleares, no Instituto de Pesquisas Radioativas – IPR,
em Belo Horizonte.
A decisão de então nada teve a
ver com uma atração pelo discreto charme dos átomos, mas sim devido a um
pragmatismo, pois tratava-se de um concurso onde se exigia, para jovens recém-formados,
tão somente conhecimentos de física, cálculo e língua estrangeira. Ou seja, não
passaria por constrangimentos de ter meu pleito recusado por falta de
instalações sanitárias para mulheres, ou porque, no ano anterior, uma grande
multinacional havia, excepcionalmente, contratado duas mulheres. O fato é que
após passar pelas provas de conhecimento técnico e exame psicotécnico de uma
das maiores empresas de eletricidade do país, fui preterida na fase de
entrevista, sob a alegação de que o cargo previa a necessidade de constantes
viagens, o que não era um problema para mim, mas na visão do entrevistador,
poderia causar problemas aos colegas engenheiros, por partes de suas esposas,
que não gostariam que seus maridos viajassem com uma jovem engenheira.
Blog: Muita mudança?
Olga: Assim eram os tempos nos anos de 1970! Mas Deus
escreve certo por linhas tortas e me trouxe a este fascinante mundo dos átomos
e de seus núcleos. Mundo este que conseguiu reinventar a energia e a matéria,
criando mais de 200 isótopos, por meio de reatores e aceleradores de
partículas, e que estão em uso comercial na medicina hoje capaz de fornecer
tratamentos mais efetivos no combate ao câncer e do uso dos raios X que hoje
antecedem praticamente todas as principais intervenções médico-odontológicas,
na preservação e na criação de mais 3.200 novas variedades de alimentos. Além
da identificação da idade histórica de peças e monumentos, no combate à
pobreza, na proteção ao ambiente e outros mais não menos importantes.
Blog: Então, nenhuma
discriminação?
Olga: Discriminação
explícita nunca senti, apenas uma sombra do teto de vidro, em alguns momentos
de indicações para funções de direção.
Blog: Porque poucas mulheres
atuam na área nuclear?
Olga: A proporção de mulheres atuando no setor nuclear,
comparativamente a outros setores científicos, é das maiores, principalmente
nos institutos de pesquisas. Já no setor
nuclear da Marinha e nos setores industriais, realmente, a participação é muito
pequena.
PERFIL
Graduada em Engenharia Elétrica pela Universidade
Federal de Minas Gerais, com mestrado em Engenharia Nuclear (UFMG/CNEN), tem
especialização em Termo hidráulica de Reatores na Gesellshaft für
Kerntechnik im Shifbaum und Shiffhart - GKSS, na Alemanha. Ocupou a chefia
do Laboratório de Termo Hidráulica do Instituto de Pesquisas Radioativas-IPR, além
de assessorias e coordenação em empresas do setor como Nuclebras, Eletronuclear
e Furnas.
Nas áreas de ensino e pesquisa foi membro do Corpo
Docente dos Cursos de Mestrado em Ciências e Técnicas Nucleares (UFMG/CNEN), em
Engenharia Térmica (EEUFMG) e do MBA em Energia da Gama Filho, com vários
trabalhos publicados, no país e no exterior, tendo orientado oito teses.
Presidiu a Seção Latino Americana da American
Nuclear Society, e o Conselho de Energia da Associação e do Conselho
Empresarial de Meio Ambiente da Associação Comercial do Rio de Janeiro – ACRJ.
Atualmente é membro do Conselho Diretor da ACRJ, do Conselho do Clube de
Engenharia, do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio – CNC e do
Conselho de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas.
No contexto das Nações Unidas, foi representante da
América Latina no Consultancy Group for Nuclear Forecasts, da Agência
Internacional de Energia Atômica – AIEA, em Viena, de 2002 a 2011 e consultora
da CEPAL, na área de energia. Atuou nos Conselhos de Administração da CEAL –
Companhia de Eletricidade de Alagoas e do CEPEL – Centro de Estudos e Pesquisas
da Eletricidade, do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro -
RESEB/MME e no Conselho Diretor do Clube de Engenharia. O curriculum de Olga
Simbalista é extenso e abrangente, raridade entre as mulheres brasileiras da
energia nuclear. Ela também atuou no processo de desenvolvimento social, econômico
e político da mulher teve início em 1993, no Conselho da Seção Rio de Janeiro
do Banco da Mulher, sendo, posteriormente, no âmbito da Rede Nacional do Banco
da Mulher, membro do Conselho Diretor, Diretora, Vice-Presidente e Presidente.
Recebeu doze prêmios com relação à promoção dos direitos da mulher e, em 2014,
foi eleita Personalidade do Ano 2014 pela WEB da ONU.
Atualmente,
é membro da Diretoria da Associação Brasileira de Energia Nuclear – ABEN, tendo
sido sua Presidente no período de 2016 a 2018. Nesta posição, recebeu, por dois
anos consecutivos, o Prêmio Full Energy de Personalidade do ano, em 2017, e, em
2018, como representante de entidade.