Entidades
civis estão acusando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) de omissão na divulgação da audiência pública
virtual sobre o processo de licenciamento ambiental da Unidade de Armazenamento
a Seco (UAS), para abrigar o urânio já utilizado pelas usinas Angra 1 e Angra
2. A audiência está agendada para acontecer nesta sexta-feira (22/1), às 18h, pela
plataforma Webex, por causa da pandemia do coronavirus, restringindo a
participação das comunidades indígenas residentes no local, “potencialmente
afetadas” pelo empreendimento.
A UAS está sendo construída pela Eletronuclear
para armazenar os combustíveis usados nas usinas, porque a capacidade de
armazenamento das piscinas das instalações nucleares da empresa está chegando
ao limite. Com o esgotamento das piscinas, os elementos irradiados terão que
ser transferidos para a UAS.
Foi uma ação civil movida pelo procurador da
República, Igor Miranda, que apontou as deficiências da construção, que está
sendo realizada sem o licenciamento do Ibama. O procurador questiona a
segurança das obras, em relação ao local e a possibilidade de acidentes
radioativos, entre outros problemas.
A UAS deverá custar cerca de US$ 50 milhões,
conforme o BLOG noticiou há cerca de dois anos. A vencedora da
concorrência para a construção foi a Holtec, com sede em Camden, Nova
Jersey, nos Estados Unidos. A transferência
inicial está prevista para ocorrer no primeiro semestre de 2021: 288 elementos combustíveis serão retirados de
Angra 2 e outros 222, de Angra 1, no segundo semestre, para abrir espaço nas
piscinas das usinas para mais cinco anos de operação. No total, a UAS poderá
comportar até 72 módulos, com capacidade para armazenar o combustível usado de
Angra 1 e 2 até 2045.
A construção da
UAS permitirá que os combustíveis usados sejam guardados com toda a segurança
até que o governo brasileiro defina seu destino”. Informa a Eletronuclear. As agências internacionais acompanhavam todo o
processo, porque combustível irradiado, se reprocessado, vira plutônio, e pode servir
para alimentar artefatos atômicos.
OMISSÃO E DEFICIÊNCIA -
O professor
associado do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Comissão de Saúde do
Conselho Estadual de Direitos Indígenas (CEDIND), Adacto Benedicto Ottoni,
apontou uma série de falhas no processo de licenciamento, em documento enviado ao
Ministério Público.
Segundo ele, é preciso levar em consideração o risco de
grandes impactos ambientais negativos do empreendimento, onde um eventual
acidente radioativo pode afetar toda a população no entorno e o meio ambiente,
podendo atingir as cidades de Mangaratiba, Angra dos Reis, Paraty e até mesmo o
Rio de Janeiro, ele observou que o Ibama citou, mas não apresentou vários documentos técnicos no Relatório Ambiental
Simplificado (RAS). “Reforço a importância da apresentação prévia desses
documentos para o real conhecimento das ações ambientais efetivas planejadas
para evitar acidentes e dar segurança a toda população da viabilidade ambiental
do empreendimento”, afirmou.
O ambientalista Chico Whitaker, da Articulação Nacional
Antinuclear, amplia a lista dos opositores da construção da UAS e da audiência,
em cartas enviadas ao Ibama. O Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra,
Parati e Ubatuba, também reclama da falta de transparência do processo, em
documento enviado ao Ibama. A data e a hora da audiência pública “não estão
sendo amplamente divulgados na região, restringindo e impedindo a participação
das comunidades indígenas, portanto, será “incapaz de atingir seus objetivos.
Em que pese a atual pandemia do coronavirus, o formato em que a audiência será
realizada, seria prejudicial a diversas comunidades que não dispõem de
condições tecnológicas para acesso à internet. Assinam os documentos
representantes da Comissão Guarani Yvyrupa; Fórum de Comunidades Tradicionais; Conselho
Indígena Missionário; Assessoramento, Defesa e Garantia de Diretos do Instituto
das Irmãs da Santa Cruz; Coordenação Nacional Caiçara, Coordenação Nacional de
Articulação de Quilombos, Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, entre
outros.
CEMITÉRIO NUCLEAR -
A coordenadora da Sociedade Angrense de Proteção
Ambiental (Sape), Maria Clara, está entre os que contestam a construção da UAS.
“Angra dos Reis não possui capacidade
estrutural para abrigar um cemitério nuclear a céu aberto, beirando o mar. É
insano corrermos mais este risco, tendo em vista que já não possuímos um plano
emergencial decente que atenda as reais necessidades da população”, afirma Maria Clara Sevalho.
Segundo
ela, a audiência pública sobre
as UAS é prova de que a Eletronuclear não cumpre a condicionante para as obras
de Angra III, que são os depósitos definitivos para os rejeitos de Angra I e
II. Ela condena o
fato de “os depósitos a seco que
querem implantar vão estar localizados próximo ao centro de visitantes das
usinas, ao lado da estrada, na beira de um morro”. E avisa que os angrenses não precisam viver mais este risco. “Exigimos um depósito definitivo que atenda as
condições básicas de segurança a longo prazo. Estes depósitos a seco serão
ventilados naturalmente, terão maresia no seu interior o que pode
danificar a estrutura interna dos cilindros que armazenam os rejeitos”.
Angra II em junho do ano passado, conforme este blog denunciou, “teve ferrugens encontradas no interior do vaso do
reator, mesmo com toda blindagem que eles apresentam. Imagina um depósito
radioativo a céu aberto?”,
indagou Maria Clara.
ESTATAL GARANTE SEGURANÇA -
Na audiência, segundo
a Eletronuclear, gestora das usinas e da UAS, será possível conhecer melhor o
empreendimento e tirar dúvidas. No site da empresa, consta que, além do Webex,
o evento poderá ser acompanhado pelo canal da Eletronuclear no YouTube
(Eletronuclear01) e pela Master TV (canal 10 da NET Angra). Os participantes
terão ainda diversos canais à disposição para enviar perguntas às entidades
presentes, incluindo a companhia.
Consta no site que, “aqueles que tiverem
dificuldade para acessar a audiência por meios digitais podem assisti-la no
Observatório Nuclear (ON), centro de visitação da empresa. O local receberá até
40 pessoas, de forma a respeitar o distanciamento social. Na ocasião, as demais
medidas de prevenção contra a covid-19 recomendadas pelas autoridades de saúde
também serão observadas”. Não é pouco, para um acontecimento de tanta
importância? Todas as entidades acham que sim.
Sobre a segurança da UAS, a estatal garante que não
há riscos. A Eletronuclear garante que escolheu um local dentro do sítio
da central, localizado entre as usinas Angra 2 e 3, nas proximidades do
Observatório Nuclear (ON), após análise das condições geológicas e geotécnicas
do sítio, e que o local foi submetido a estudos meteorológico e hidrológico. “Existem
unidades do tipo em operação em vários países do mundo. Apenas nos Estados
Unidos, há cerca de 90 instalações similares à UAS, sem qualquer registro de
vazamento de material radioativo”.
Segundo a estatal, esse sistema de
armazenamento a seco com base em canisteres se caracteriza por ser um casco de
metal em aço inoxidável, soldado, com capacidade de armazenar até 37 elementos
combustíveis e dimensões aproximadas de 2,0 m de diâmetro, 4,6 m de altura e 25
mm espessura. “Sua função principal é confinar todo o material radioativo no
seu interior, garantir a subcriticalidade (ou seja, manter os elementos
combustíveis espaçados, para não provocar uma reação nuclear) e permitir a
troca de calor com o meio externo”.
Cada cânister é envolvido por um casco
de transferência, constituído em aço carbono de 300 mm de espessura, que tem
funções de blindagem radiológica e estabilidade estrutural durante as operações
de carregamento, descarregamento e movimentação entre as piscinas das usinas e
a UAS.
Como a UAS está localizada dentro da central nuclear de Angra, não será
necessário um esquema de segurança especial para a transferência. Inicialmente,
a UAS contará com 15 módulos.
NOTA DO IBAMA
O Blog tentou ouvir ao Ibama. Nesta sexta-feira (22/01), em nota, o Ibama informou que a audiência "foi concebida para que haja uma participação de todos os interessados, incluindo os indígenas"; afirmou também que foram cumpridos todos os prazos legais para a divulgação do evento, disponibilizando as informações no portal do Instituto.
(FOTO: ACERVO
ELETRONUCLEAR) – Leia no BLOG matérias sobre o depósito definitivo para
rejeitos radioativos, entre outras abordando o mesmo tema.