terça-feira, 27 de outubro de 2020

Justiça proíbe transferência de combustíveis de Angra 1 e Angra 2 para UAS. Eletronuclear contesta e informa que trabalhos estão a pleno vapor

 


A Justiça decidiu nesta terça-feira (27/10) que a Eletronuclear não deve realizar a transferência dos combustíveis usados (urânio enriquecido) das usinas Angra 1 e Angra 2, para a Unidade de Armazenamento a Seco (UAS), que está sendo construída, por falta de licenciamento específico para o empreendimento. A ação civil pública foi movida recentemente pelo procurador da República, Igor Miranda. Segundo ele, o licenciamento obtido nos órgãos ambientais é simplificado, e não cumpre o que se exige para grandes obras como é o caso da UAS. 


A Eletronuclear divulgou nota nesta noite (27/10) informando que a decisão da 1ª Vara Federal de Angra dos Reis “não impede a continuidade das obras da UAS, nem paralisa os processos de licenciamento nuclear e ambiental em andamento”. E garante que “ambos seguem a pleno vapor”. Afirma que segue “à risca” todas as normas de licenciamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e demais órgãos. 


A decisão liminar concedida em ação civil pública movida pelo MPF, que questiona a regularidade do licenciamento ambiental para a construção do novo depósito de resíduos. Apesar de não ter sido um pedido específico do MPF, o juízo da 1ª Vara Federal de Angra dos Reis (RJ) considerou “evidente a ausência de autorização para que a Eletronuclear promova transferência de quaisquer materiais radioativos para a UAS”. 


Na ação, o MPF, argumenta que os depósitos a seco possuem natureza jurídica de nova instalação nuclear, por isso não podem ser submetidos a um processo de licenciamento simplificado. No caso do projeto da UAS, “são necessários estudo de impacto ambiental e divulgação do pertinente relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA), audiências públicas, consulta prévia e informada às populações tradicionais circundantes e prévia aprovação do Congresso Nacional”. 


A Eletronuclear ressaltou em nota que a decisão judicial “apenas proíbe, no presente momento”, a movimentação de combustíveis usados de Angra 1 e 2 até a UAS. “Quanto a isso, a empresa frisa que, ao contrário do que afirma o MPF, não há nenhuma transferência de material prevista para as próximas semanas”. Afirmou que as obras da unidade ainda estão em progresso, assim como o licenciamento. A previsão é que esse procedimento seja realizado somente em 2021, informou a estatal


FOTO: Um dos cilindros que compõe a UAS. Divulgação Eletronuclear. Leia no BLOG matérias com todas as informações sobre a UAS. 

Depósito definitivo para rejeitos radioativos: Clédola de Tello fala sobre atrasos, entraves e perspectivas

 


Carioca de nascimento, mineira por adoção, avó, jogadora de esgrima, a engenheira nuclear Clédola Cássia Oliveira de Tello, é quem está no comando do projeto nacional de construção do depósito definitivo para armazenar os rejeitos radioativos de baixa e média atividade, produzidos no país. A libriana de 67 anos, que fala seis idiomas, não concorda que esses rejeitos sejam chamados de “lixo atômico” (leia box). Apaixonada pelo trabalho no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em MG, onde está há 41 anos, ela admite que já sofreu preconceito por ser mulher, mas soube driblar as situações muito bem. Clédola coordena cursos de pós-graduação em energia nuclear, e atribui o pouco interesse das mulheres, à preferência do mercado de trabalho por homens. Preconceito a parte, ela conversou com exclusividade com o BLOG e adiantou porque o projeto, iniciado em 2008, sofreu uma série de atrasos. Finalmente, em 2021, quando a pandemia estiver controlada, Clédola e equipe apresentarão o trabalho completo ao governo. Orçado em R$ 120 milhões, o depósito deverá ser construído no Rio, em São Paulo ou Minas Gerais. Eis a entrevista. 

BLOG: Por que o CDTN, em Belo Horizonte, está à frente do projeto do depósito nacional para rejeitos radioativos de baixa e média atividade? 

CLÉDOLA: O CDTN foi escolhido para coordenar o projeto para a implantação do Repositório – também designado depósito final – Nacional para os Rejeitos de Baixo e Médio Nível de radiação (RBMN), devido à experiência de seu grupo de Rejeitos Radioativos (RR), do qual faço parte. 

BLOG: Como a senhora chegou à coordenação do trabalho? 

CLÉDOLA: Por conta da grande experiência, adquirida ao longo de minha vida profissional. Eu trabalho no CDTN há 41 anos. Sempre fiz parte da equipe do setor de Gerência de Rejeitos. Ao longo do tempo fui me especializando em tratamento de rejeitos radioativos e perigosos. 

BLOG: O acidente com césio 137, em Goiânia, em 1987, teve influência? 

CLÉDOLA: Sim. Trabalhei durante a descontaminação de Goiânia devido ao acidente radiológico com a fonte de radioterapia de césio 137. A partir daí o tema armazenamento e deposição de rejeitos radioativos foi despertando meu interesse. Fiz especialização e mestrado em engenharia nuclear. O mestrado e o doutorado (em engenharia química) tiveram ênfase em rejeitos radioativos. 

BLOG: Conte mais sobre a sua experiência. 

CLÉDOLA: Fiz um curso de especialização na França sobre gerência de rejeitos radioativos no instituto de pesquisas de Saclay; um estágio profissional de 18 meses em Karlsruhe, na Alemanha, onde aprendi técnicas de tratamento de rejeitos e avaliação de rejeitos solidificados e por último outro estágio no BNL, nos Estados Unidos, também na área de rejeitos. Fiz cursos sobre repositórios pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) na Suíça, nos Estados Unidos e na Áustria. De modo que participei como perito de algumas atividades da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), na Espanha, México e Colômbia. 

BLOG:  O projeto do depósito brasileiro é um dos mais importantes no setor nuclear brasileiro, pois é a solução para o armazenamento dos rejeitos. Qual a sua avaliação nesse sentido? 

CLÉDOLA: Sim. Mostra o compromisso e a responsabilidade do País no uso da energia nuclear em diversas atividades, apresentando a solução para o armazenamento final dos rejeitos radioativas, dentro de padrões internacionais. Faz parte da garantia de sustentabilidade da indústria nuclear no Brasil. 

BLOG:  Desde o acidente de Goiânia que se busca essa solução, mas até hoje nada aconteceu de concreto. Por que até hoje o país corre o risco de acidentes, por conta dessa demora? 

CLÉDOLA: A questão dos rejeitos gerados pelo acidente radiológico em Goiânia foi solucionada. Estão armazenados em Abadia de Goiás, em áreas de deposição projetadas de acordo com a legislação nacional e internacional. Desde 1992, fazem parte do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO). Normalmente, esses em empreendimentos são de responsabilidade da alta direção do país. 

BLOG: O depósito nacional será bem diferente... 

CLÉDOLA: O Repositório a ser implantado pelo Projeto que coordeno será construído para receber rejeitos gerados em todo o território nacional, contendo vários radionuclídeos. Houve sempre por parte da CNEN a preocupação da implantação deste repositório. A CNEN é responsável pela parte técnica e vem dedicando-se com sua equipe de servidores de prover todas as necessidades para que o repositório seja implantado. 

BLOG: Mas até hoje não saiu do papel. 

CLÉDOLA: Como a CNEN não é uma empresa e não tem orçamento para uma obra deste vulto, é preciso que haja um compromisso do governo federal para que seja possível sua construção e operação. Porém, embora a parte construtiva seja de média complexidade, as atividades que a antecedem apresentam a maior complexidade, principalmente aquelas ligadas ao licenciamento; neste caso, composto da parte ambiental e da parte radiológica. 

BLOG: Como será feita a seleção do local? 

CLÉDOLA: A seleção de local envolve critérios técnicos, sociais e ambientais que devem ser equacionados para o sucesso do empreendimento. O perigo de acidente com rejeitos por este atraso é muito pequeno. O atraso causa prejuízos maiores nas áreas financeiras, sociais e técnicas. 

BLOG: Esse projeto nacional começou há muito tempo. 

CLÉDOLA: O projeto teve seu termo de abertura assinado em novembro de 2009. Os maiores atrasos foram devido a eventos internos a CNEN, nacionais e internacionais. Exemplos foram as mudanças na Presidência da República e nos Ministérios, consequentemente na Presidência da CNEN e suas diretorias, trazendo descompasso ao projeto. O acidente ocorrido em Fukushima trouxe uma carga negativa para a área nuclear e os orçamentos voltados para a área foram cortados. 

BLOG: O que aconteceu depois? 

CLÉDOLA: Felizmente, em 2018, foi reconhecido como projeto de Estado, graças a um trabalho conjunto da CNEN/MCTI juntamente com o GSI. Durante este período muita coisa foi realizada: Estabelecimento do projeto conceitual do repositório e da deposição; Estudo do inventário de rejeitos radioativos existentes e previsão do inventário futuro; seleção de áreas potenciais para busca de locais candidatos para a implantação do repositório, dentro da normativa nacional e requisitos técnicos reconhecidos internacionalmente; definição e detalhamento de atividades em cada uma das edificações do repositório; Estabelecimento de um plano preliminar para as atividades de pesquisa e desenvolvimento a serem realizadas na Instalação; e a elaboração do plano preliminar para a análise de segurança. 

BLOG: E agora? 

CLÉDOLA: Nosso principal desafio é ter um orçamento próprio, seguro e suficiente para que possamos fazer as aquisições de serviços e materiais no momento em que estes são necessários, independente dos recursos da CNEN. Lidamos também com a diminuição de recursos humanos especializados em geral por aposentadoria. 

BLOG: Os governos anteriores não se importaram com a solução ou não havia recursos? 

CLÉDOLA: Houve um pouco de cada. Na publicação do Ministério de Ciência e Tecnologia, em 2006, já havia o Programa 18.5 “Implementação de uma Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos”. Tinha como objetivo: “Implementar uma Política Brasileira de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos, visando garantir o gerenciamento e o armazenamento seguro dos rejeitos radioativos produzidos no território nacional”. 

BLOG: Como era? 

CLÉDOLA: Este programa tinha cinco metas e uma delas era “Projetar e iniciar a construção de um depósito definitivo para rejeitos de baixo e médio níveis de radiação, com entrada em operação prevista para entrar em operação em 2013”. Com expectativa de aplicação de orçamento. Assim em 2008 foi incentivada a criação de um projeto para atingir esta meta e, em novembro de 2009, o Projeto RBMN foi lançado. 

BLOG: O que houve depois? 

CLÉDOLA: Entretanto, nenhum orçamento foi colocado para a execução de suas atividades. Com as constantes mudanças ministeriais e consequentes mudança nos escalões da CNEN, o projeto não teve apoio suficiente para se estabelecer totalmente. O avanço do projeto ocorreu graças à persistência de seus técnicos, que buscaram soluções, conseguindo progressos significantes, mesmo sem o protagonismo necessário nas esferas superiores. 

BLOG: Caso o governo não decida pela construção, o que poderá acontecer? 

CLÉDOLA:  Teremos uma acumulação de rejeitos nas instalações geradoras e cada gerador terá que dedicar grande parte de seus recursos para construir e licenciar novos depósitos iniciais e cuidar garantir sua guarda, até que no futuro o repositório seja construído. O mesmo ocorrerá com qualquer instalação radiativa ou nuclear que vier a ser licenciada e ou construída no país. De qualquer forma, agora ou no futuro próximo, este empreendimento terá que ser implantado e quanto mais se posterga esta solução, mais caro e mais preocupante é a situação dos geradores. Outra implicação refere-se ao cumprimento de acordo internacional estabelecido na Convenção Conjunta de Rejeitos Radioativos e de Combustível Irradiado, ratificada pelo Brasil em 2005, de construir depósitos definitivos para os rejeitos radioativos gerados em território nacional. Mais uma implicação é a imagem da energia nuclear como um todo, pois cria-se a percepção que não há solução adequada para estes rejeitos, o que é uma inverdade. 

BLOG: Pelo inventário atual de rejeitos, como está a situação brasileira no momento? 

CLÉDOLA: Para os próximos anos os geradores conseguem gerenciar seus rejeitos sem ônus extras, porém depois da metade desta década, precisará pensar em novas construções e licenciamento para continuar cuidando destes rejeitos. Com a entrada em operação de Angra 3 e aumentando as aplicações da energia nuclear e radionuclídeos estas iniciativas serão mais prementes. Tudo isto se o repositório não estiver pronto até lá. 

BLOG: Na sua avaliação, por que o assunto não tem sido amplamente debatido junto à sociedade? 

CLÉDOLA: Acredito que seja porque nos ensinos fundamental e médio fala-se de outras formas de energia, mas não de nuclear. E na mídia quando se fala do assunto é sempre com um viés negativo, dificultando este debate. 

BLOG: A mídia divulga os fatos. O que tem sido feito para mudar essa imagem? 

CLÉDOLA: Nossa equipe tem buscado sempre fazer ações para informar e discutir com diversos públicos sobre a gerência de rejeitos e o repositório. Temos apresentado palestras, seminários e publicações abertas, para estudantes e professores dos diversos níveis de ensino, como também em congressos e seminários. Atualmente estamos buscando mais esta visibilidade, mostrando que este assunto não é tabu, e que casos de sucesso nesta área existem há mais de 25 anos em alguns países. 

BLOG: Se a construção não ocorrer logo, poderá haver possibilidades de acidentes? 

CLÉDOLA: Em princípio não. Como os rejeitos radioativos são tratados, guardados e seu volume é relativamente pequeno, quando comparado a outras atividades, a possibilidade de acidentes com os rejeitos é mínima. A discussão aqui é tornar o uso da energia nuclear mais eficiente trazendo uma solução centralizada para os rejeitos, economizando divisas e aumentando o conhecimento das partes interessadas no assunto, buscando criar essa cultura nas indústrias. 

BLOG: Como as entidades procedem com os seus materiais radioativos hoje? Estão bem armazenados? Quantos fiscais trabalham nessa área? 

CLÉDOLA: Atualmente os maiores geradores são as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, que cuidam e armazenam seus rejeitos tratados. Os pequenos geradores guardam seus rejeitos contendo radionuclídeos de meia-vida curta para decaimento e aqueles classificados como de baixo e médio nível são geralmente enviados aos institutos da CNEN para tratamento e guarda em depósitos intermediários. A fiscalização fica a cargo da Diretoria de Radioproteção e Segurança. 

BLOG: Quantas instituições manuseiam esses materiais? 

CLÉDOLA: Existem muitas instituições que usam materiais radioativos, como por exemplo instalações médicas, industriais, de pesquisa e desenvolvimento, os reatores nucleares, etc. Cada uma produz rejeitos que são classificados diferentemente e cuja gerência e destinação serão também diferentes. Não sei precisar o número de instalações que temos no Brasil. Para o tratamento de rejeitos radioativos, além dos grandes geradores, os institutos da CNEN estão habilitados para tratar e armazenar rejeitos radioativos e fontes fora de uso em suas instalações. 

BLOG: Com ocorreu a participação da empresa francesa ANDRA nesse projeto? 

CLÉDOLA: Diversos países possuem empresas públicas que têm a responsabilidade da gerência dos rejeitos radioativos, incluindo a deposição. Na França, a gerência de rejeitos radioativos está a cargo da empresa ANDRA – Agence Nationale pour la gestion des Dechets Radioactifs – que foi responsável pela construção de dois repositórios, L’Aube e CIRES, na França e colaborou e colabora com a construção de outros em países da Europa e da Ásia. Uma vez que o conceito selecionado para o nosso repositório, conforme recomendado pelas normas brasileiras, é semelhante ao de L’Aube, e tendo ANDRA experiência comprovada na área, ela foi contratada para a elaboração do projeto conceitual. Este projeto está pronto e terá sua versão final tão logo se tenha o local para a construção do repositório. 

BLOG: Como avalia o tamanho de sua responsabilidade nesse projeto? 

CLÉDOLA: A responsabilidade neste projeto é muito grande, pois vai além da responsabilidade técnica. Durante o tempo em que o projeto não teve reconhecimento nas esferas decisórias, a responsabilidade de manter a equipe motivada e de buscar recursos humanos e financeiros propôs desafios maiores do que conhecimento técnico, passando pelas áreas administrativas, financeira, de comunicação, chegando até às esferas políticas. Durante um tempo a responsabilidade passou principalmente por meu lado cidadã, sabendo que se o projeto fosse esquecido, demoraria muito mais para que fosse retomado, principalmente, devido à falta de recursos humanos com a capacitação nesta área, que estão diminuindo com o tempo. 

BLOG: Por ser mulher, à frente de um projeto tão importante, já sofreu algum preconceito? 

CLÉDOLA: Sim, principalmente no início do projeto. Está diminuindo, mas ainda existe. Porém não percebi nenhum preconceito da parte da equipe que trabalha comigo. 

BLOG:  A senhora chefia uma equipe com quantas pessoas? É fácil? 

CLÉDOLA: Fácil não é. Como se diz, se fosse fácil era outro que estaria fazendo. Nossa equipe é multidisciplinar e a coordenação é matricial, quer dizer, administrativamente não tenho cargo de chefia. Dentro do projeto procuro os perfis que são adequados para executar as tarefas e negocio com os servidores e seus chefes administrativos o trabalho que necessitamos. Atualmente estão trabalhando diretamente no projeto cerca de 20 pessoas. A maior parte do pessoal é compromissado e capaz, trazendo tranquilidade para a coordenação. A dificuldade maior é que, como a equipe não pode dedicar-se exclusivamente ao projeto, muitas vezes demandas concorrentes impedem que as atividades aconteçam no prazo esperado. Tarefas dependentes de setores não técnicos são no momento minha maior preocupação. 

BLOG: Por que se interessou por energia nuclear (rejeitos)? 

CLÉDOLA: Nos dois últimos anos da universidade fiz alguns estágios na área ambiental e na área de petróleo e mineração, mas sempre com processos inovadores. Sempre gostei da pesquisa tecnológica, que tem aplicação nos processos e produtos agregando valor. Quando me inscrevi para o concurso da Nuclebrás, fiquei seduzida pela ideia de trabalhar em algo novo e desafiador como a energia nuclear. Duas áreas chamaram mais a minha atenção, a operação de reatores e o cuidado que era dedicado ao setor de rejeitos. No CDTN já havia um grupo formado para o tema de gerência de rejeitos e durante alguns encontros com este e outros grupos foi natural a escolha. 

BLOG: Conte sobre o seu projeto para estimular estudantes mulheres a se interessarem pelo tema. 

CLÉDOLA: Há cerca de quatro anos, verifiquei que na busca de vagas para bolsas de iniciação científica e pós-graduação, quando homens e mulheres tinham o mesmo desempenho, havia uma tendência geral pela escolha de homens. A partir de então resolvi fazer o inverso e assim proporcionar mais oportunidade às mulheres. Atualmente trabalho com um grupo de estudantes de graduação e pós-graduação, composto em sua maioria de mulheres, que têm tido excelente desempenho e do qual tenho muito orgulho de orientar. 

BLOG: Por que poucas mulheres se interessam por energia nuclear nas faculdades? 

CLÉDOLA: O que mais dificulta o interesse das mulheres pela energia nuclear são as oportunidades de trabalho, pois temos ainda poucas empresas trabalhando na área. Na medicina nuclear há mais espaço para mulheres. Porém para a Engenharia Nuclear, como acontece para todas as demais engenharias, embora sejamos muitas, talvez numericamente mais que os homens, a maioria das empresas dá preferência aos homens, mesmo quando menos qualificados. Ainda existe muito preconceito. 

BLOG:  Como se define pessoalmente? 

CLÉDOLA:  Sou brasileira, de uma família de seis irmãos; mãe de um filho e uma filha e avó. Sou esposa e tia. Apaixonada pela família e encontros familiares. Meus prazeres são ler, falar e aprender idiomas, dançar e cozinhar. Amo esportes, a maioria para assistir, e esgrima para praticar: paixão descoberta aos 50 anos. 

BLOG: Profissionalmente? 

CLÉDOLA:  Como engenheira, contei com professores em todo o tempo de formação (Norma, Heloísa, Paulo, Maria Augusta) para saber exatamente que eu amo a engenharia. Por isto, a felicidade de poder ir para o CDTN todos os dias sem sentir o peso que muitos sentem. Gosto muito do que faço e tento fazê-lo da melhor forma que consigo. Busco ser justa, mas sou exigente. Diversos colegas de trabalho são amigos e companheiros de vida, pois começamos juntos nossa trajetória profissional, e aí fomos crescendo, namorando, casando, tendo filhos, separando, tendo netos, acumulando dores do corpo e da alma e apoiando-nos uns aos outros e ficando cada dia mais fortes. 

CLÉDOLA DESAPROVA O USO DA EXPRESSÃO POPULAR LIXO ATÔMICO - 

“Primeiramente quero dizer que o termo lixo atômico é totalmente inapropriado. Pela definição de lixo estaria incorreto, pois lixo joga-se fora e toda e qualquer matéria é atômica (contém átomos). O rejeito radioativo por sua vez é gerenciado, tratado e armazenado adequadamente. Eles são classificados como: Isentos, podem ser descartados sem restrição; meia-vida muito curta, contêm elementos com meia-vida até 100 dias e, portanto, deixam de ser radioativos entre poucas horas até dois ou três anos. (São guardados nas instalações até que possam ser descartados sem restrição); Baixo e médio nível de radiação, contêm elementos com meia-vida maior do que 100 dias até cerca de 30 anos, provenientes da operação das usinas nucleares (luvas, filtros, soluções etc.), de trabalhos de PD&I, usos na medicina, na indústria etc. Representam o maior volume. Estão incluídos nesta classe materiais que apresentam radionuclídeos da série natural do urânio e do tório. E também: Alto nível de radiação, rejeitos com potência térmica superior a 2 kW/m3 e com concentrações de radionuclídeos de meia-vida longa. No Brasil ainda não há nenhum material nesta classificação". FOTO: CLÉDOLA DE TELLO - ARQUIVO PESSOAL.  


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

País abriga três mil instalações radioativas e trinta unidades nucleares operando com fontes de radiação


O Brasil abriga três mil instalações radioativas e trinta unidades nucleares, que operam com fontes de radiação de baixa e média atividade. Esses números, raramente informados, foram divulgados pelo titular de radioproteção e segurança nuclear (DRS), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Ricardo Fraga Gutterres, durante as comemorações dos 64 anos da entidade, no início do mês.

 A DRS realiza 500 inspeções por ano, na área da fiscalização regulatória. “São números que impressionam”, comentou Gutterres. O material descartado é uma parte que deverá ser armazenada no depósito nacional definitivo, quando for construído. A quantidade desse material radioativo fiscalizado pela CNEN não foi divulgada. 

O titular da Diretoria de Pesquisas e Desenvolvimento (DPD) da CNEN, Madison Coelho de Almeida, falou sobre a variedade das aplicações da tecnologia nuclear e citou alguns exemplos envolvendo as áreas da saúde, agricultura, mineração e geração de energia elétrica. Informou que são realizados dois milhões de procedimentos da medicina nuclear por ano no país (diagnostico e tratamento), que utilizam radiofármacos produzidos por institutos da CNEN e pela iniciativa privada. 

Todo o material descartado nessas áreas, de baixa e média atividade, é considerado rejeito. O armazenamento de todo esse material é um grande desafio para o futuro. 

USINAS NUCLEARES - 

Rejeitos de baixa e média atividade são produzidos também na troca de combustível (urânio enriquecido) das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. Ficarão em depósitos, na central nuclear de Angra, até que seja construído o empreendimento definitivo para todo material produzido no país. 

Os rejeitos são constituídos de luvas, sapatilhas, vestimentas, máscaras e ferramentas contaminadas que podem, após o decaimento (diminuição da atividade radioativa com o tempo), serem liberados como resíduos industriais ou lixo comum, pois não apresentam risco, informou a estatal. 

LAVADOS E REUTILIZADOS - 

Na maioria dos casos, materiais em bom estado (como vestimentas) em vez de serem descartados, “são lavados e reutilizados”, segundo a estatal. Os rejeitos que não podem ser descartados são acondicionados em recipientes específicos, de acordo com o tipo. São embalagens testadas e qualificadas pela CNEN, estocadas nos depósitos iniciais, no próprio sitio da central nuclear. 

Nos últimos cinco anos, em média, Angra 1 produziu, por ano, 100 metros cúbicos de rejeitos. No total, desde que entrou em operação, em 1985, a usina comprada da norte-americana Westinghouse, acumulava 3122,8 metros cúbicos de rejeitos, até o ano passado. 

Também até 2019, Angra 2, fruto do acordo nuclear com a Alemanha, produziu 10 metros cúbicos de rejeitos, por ano. Desde que entrou em operação, em 2001, totaliza a produção de 169,2 metros cúbicos de rejeitos de baixa e média atividade. 

PISCINAS GUARDAM COMBUSTÍVEL USADO - 

Nas piscinas instaladas nas próprias usinas estão guardados o precioso combustível usado (urânio enriquecido) retirado dos reatores de Angra 1 e Angra 2. São eles que alimentam o coração (reator) das centrais nucleares de Angra dos Reis. São essas piscinas que estão chegando ao limite do armazenamento. Daí, a Eletronuclear estar construindo a Unidade de Armazenamento a Seco (UAS) para recebê-los. 

 A capacidade de armazenamento da piscina de Angra 1 é de 1.252 elementos combustíveis. Até 2019, estavam armazenados no local 1.084 elementos combustíveis. A usina já parou 24 para reabastecimento de combustível. 

Em relação a Angra 2, a capacidade da piscina é de 1.084 elementos combustíveis. Até o ano passado estavam armazenados no local 756, número que pode ter aumentado, já que a unidade foi mais uma vez desligada em junho desse ano, para nova troca de combustível. O número de paradas sobe de 16 para 17. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) acompanha os trabalhos, porque urânio usado, se reprocessado, se transforma em plutônio (combustível para armas nucleares). O Brasil, contudo, sempre declarou estar comprometido apenas com o uso pacifico da energia nuclear, assinando acordos internacionais. 

FOTO - ILUSTRAÇÃO DO DEPÓSITO DEFINITIVO.  

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Oito usinas nucleares no Nordeste estão entre as metas do setor para os próximos 30 anos

 


Não há tempo ruim para a energia nuclear no Brasil. Especialistas projetam investimentos de cerca de US$ 50 bilhões em um período de 30 anos, o que representa cerca de R$ 300 bilhões em três décadas, o equivalente a R$ 10 bilhões por ano, apenas para as novas plantas nucleares. A possibilidade de construção de oito usinas nucleares até 2050 no Nordeste, assumirá um papel estratégico na retomada econômica pós-pandemia do coronavirus (Covid-19), dizem. 

Um céu de brigadeiro pode ser observado diante das expectativas otimistas que estão sendo antecipadas por especialistas que vão participar do XI Seminário Internacional de Energia Nuclear (SIEN)-2020), com realização online, de 28 a 30/10. As metas fazem parte do Plano Nacional de Energia – PNE 2050, que poderá gerar forte movimentação de recursos no setor nuclear, segundo eles. Isso, além da expectativa de investimentos de R$ 15,5 bilhões na retomada das obras da usina nuclear Angra 3, prestes a definir um modelo de parceria internacional. 

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou presença na sessão de abertura do evento, na manhã de quarta-feira (28/10). A direção do evento adianta que a presença do ministro reforça a posição do governo no sentido de fortalecer a atividade nuclear no Brasil. Dentre as medidas está a recém-criação da Autoridade Nacional de Energia Nuclear, vinculado ao MME, que será responsável pela formulação das políticas de energia nuclear. 

O Governo Federal já definiu uma lista de objetivos a serem conquistados também pelo MME nos próximos 30 anos: ajustar a legislação para atrair investimentos; concluir Angra 3 até 2026; estender o funcionamento de Angra 1 por mais 20 anos; voltar à mineração após cinco anos; prouzir urânio (até 2.400 toneladas/ano); implantar o repositório nacional de rejeitos; entre outros. 

FOTO: Usina nuclear Angra 1 - Divulgação Eletronuclear.  

terça-feira, 20 de outubro de 2020

COVID-19: Plano de emergência simula situação de pandemia por conta das usinas nucleares em Angra

 


Um exercício parcial simulará, nesta quarta-feira, (21/10), a evacuação e o acolhimento da população diante de uma situação de pandemia, em Angra dos Reis, por conta das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. Todos os participantes cumprirão os protocolos de prevenção a COVID-19 (incluindo a testagem), previstos. 

O objetivo é “avaliar a eficácia da estrutura de resposta e os procedimentos” do Plano de Emergência Externo (PEE/RJ) da central nuclear, informa a Eletronuclear, gestora das usinas. Nesse “Exercício Parcial de Resposta à Emergência e Segurança Física Nuclear”, que acontece a cada dois anos, não há simulação de evacuação de áreas vizinhas à central nuclear, ao contrário do geral, realizado nos anos ímpares. 

Embora não haja movimentação externa, no simulado parcial também são ativados os centros de emergência, de forma a avaliar a capacidade de comando, coordenação e controle entre as organizações envolvidas. “É uma operação complexa que envolve diversas entidades civis e militares. O simulado prevê a mobilização de uma rede de cerca de 60 instituições, com a participação de centenas de profissionais, nos governos municipal, estadual e federal”. 

SUPERVISÃO - 

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) é o responsável pela supervisão da atividade, já que é o órgão central do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (Sipron). Durante o exercício, serão ativados o Centro Nacional de Gerenciamento de Emergência Nuclear (Cnagen), localizado em Brasília; o Centro Estadual de Gerenciamento de Emergência Nuclear (Cestgen), no Rio de Janeiro; e o Centro de Coordenação e Controle de Emergência Nuclear (CCCEN), em Angra dos Reis.

O planejamento das ações do exercício é feito pelo Comitê de Planejamento de Resposta a Situações de Emergência Nuclear no Município de Angra dos Reis (Copren/AR), que reúne representantes da Eletronuclear; da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); Secretaria Nacional de Defesa Civil; das defesas civis do estado do Rio de Janeiro e dos municípios de Angra dos Reis e Paraty; do Corpo de Bombeiros; da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); do Instituto Estadual do Ambiente (Inea); e do Ministério da Saúde, entre outros órgãos. 

FOTO: Central Nuclear de Angra dos Reis - Divulgação Eletronuclear.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Geração hidrogênio verde em Angra dos Reis vence olimpíada Nacional de Inovação Eletrobras

 

Com o projeto “Geração de hidrogênio verde em Angra dos Reis”, os técnicos Nelri Ferreira Leite, do Departamento de Engenharia de Sistemas e Controle do Reator, e Juliana de Souza Oliveira, da Superintendência de Aquisição e Infraestrutura, da Eletronuclear, tiraram o primeiro lugar na I Olimpíada Nacional de Inovação Eletrobras, realizada ao longo da semana passada. O resultado foi divulgado nesta segunda-feira(19/10). 

O que é o projeto? Quais os seus benefícios? Segundo o diretor de Gestão e Sustentabilidade da Eletrobras, Luiz Augusto Figueira, os vencedores têm uma nova etapa pela frente: “Colocar os projetos em prática. Queremos ver a continuidade do que foi gestado essa semana”.

Além dos dois empregados da empresa, também integraram o grupo vencedor um colaborador de Furnas e outro da Eletronorte. As seis iniciativas mais bem colocadas avançaram para a fase de preparação de um protótipo. 

A Eletronuclear também foi representada na final com o projeto “Plataforma Sinapse: promovendo conexões, aprimorando conhecimentos”, apresentado pelos empregados Carolina Furukawa, Thiago Bisquolo e Leandro Lopes. 

Na final, intitulada Demo Day, dez projetos selecionados ao longo da semana foram apresentados pelos líderes das equipes de inovação. Em seguida, foram avaliados pela banca e votados pelos participantes do evento. O público foi formado por colaboradores de todas as companhias do grupo. 

Juliana ressalta ter ficado muito feliz com o êxito na Olimpíada. “Foi uma honra ter participado desse projeto com o Nelri. Sou uma pessoa apaixonada por inovação. A semana não foi fácil. Tivemos um aprendizado muito intenso. Mas todo o grupo que participou da Olimpíada trabalhou com espírito de equipe”, comenta. 

Para Nelri, o resultado demonstra que a engenharia do setor nuclear nacional tem capacidade técnica para desenvolver trabalhos importantes para o país. “Senti muito orgulho de representar o corpo técnico da Eletronuclear. Esse projeto, muito bem apresentado pela Juliana, é fruto de uma experiência de 22 anos que tenho com a questão do hidrogênio na central nuclear. Temos uma possibilidade grande de aproveitar um subproduto valioso dos nossos processos. O mundo está se voltando para este combustível limpo”, afirma. 

O BLOG solicitou a Eletronuclear maiores informações sobre o projeto, principalmente em termos práticos, como seus benefícios.  

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Procurador da República move ação visando parar obras de UAS para armazenar urânio usado de Angra 1 e Angra 2, por falta de licenças ambientais


O Ministério Público Federal (MPF), através do procurador da República, Igor Miranda, acaba de ingressar na Justiça com ação civil pública requerendo a nulidade das licenças para a construção da Unidade de Armazenamento a Seco (UAS), destinada a guarda do combustível usado (urânio enriquecido) das usinas Angra 1 e Angra 2, em Angra dois Reis. Os órgãos licenciadores são a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

O procurador informou que o licenciamento obtido nos órgãos ambientais é simplificado, para empreendimentos de pequeno impacto, o que não é o caso da UAS, destinada a armazenar durante 45 anos o urânio já usado.  Na ação, o procurador requer a apresentação do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para a construção da UAS. Segundo ele, a Eletronuclear, gestora da central nuclear e do UAS, alega que já existe RIMA para as usinas. “Mas não há para a UAS, outro empreendimento, que exige providências importantes pela guarda do urânio”. 

Na ação, o procurador requer novas licenças ao Ibama e a CNEN. Quer que a Eletronuclear paralise as obras até que a documentação seja apresentada. O descumprimento das medidas pode gerar multa de até R$ 18 milhões, de acordo com a ação.  A Eletronuclear não se manifestou sobre a ação. 

ESGOTAMENTO DAS PISCINAS - 

Informou há cerca de 30 dias que ela primeira vez, técnicos começariam a ser treinados este mês para a operação inédita de transferência de combustível usado de Angra 1 e Angra 2 para a UAS. A UAS custará cerca de R$ 246 milhões segundo a Eletronuclear. 

Com o esgotamento da piscina de elementos combustíveis irradiados de Angra 2, previsto para junho de 2021, a Eletronuclear, anunciou que pretende iniciar a transferência do material da usina dois meses antes (março). Já o esgotamento da piscina de Angra 1 está previsto para 2022. A transferência dos combustíveis usados da primeira unidade será no segundo semestre de 2021. 

A Eletronuclear garantiu na época, que não será necessário um esquema de segurança especial para a transferência, porque a UAS está localizada dentro da central nuclear de Angra. “Os canisteres (filtros de carvão) com elementos combustíveis usados serão retirados das usinas hermeticamente fechados, com as tampas soldadas”. 

A UAS está situada dentro da central nuclear de Angra. A instalação da UAS deve ficar pronta até o final deste ano. A estatal informou que a obra segue em ritmo acelerado, mesmo com a crise provocada pelo coronavírus. 

REPROCESSAMENTO – 

As piscinas de Angra 1 e 2 contam apenas com combustíveis usados. Esse material não é considerado rejeito porque ainda existe energia que pode ser aproveitada no futuro, por meio do processo de reprocessamento do combustível. A UAS é considerada um armazenamento complementar ao das piscinas existentes dentro das usinas. Os rejeitos de baixa e média atividade são armazenados em repositórios próprios, localizados dentro do terreno da central nuclear. 

A estatal informou que as obras civis estão avançadas, com trabalho seguindo até dezembro. As atividades envolvem a construção da laje principal e de um almoxarifado e a instalação de uma cerca dupla, de iluminação externa e de uma guarita. Também serão instalados sistemas de monitoração de temperatura e radiação. 

Os principais equipamentos da UAS já chegaram à central nuclear. Inicialmente, a UAS contará com 15 módulos. No total, 288 elementos combustíveis usados serão retirados de Angra 2 e 222, de Angra 1, o que abrirá espaço nas piscinas de armazenamento para mais cinco anos de operação de cada planta. A UAS poderá comportar até 72 módulos. A unidade está localizada dentro da central nuclear de Angra, fora da área das usinas. 

REJEITOS SÓLIDOS - 

A usina Angra 1, comprada da norte-americana Westinghouse, opera comercialmente desde 1985, já poderia estar desligada, mas há estudos para prorrogar a sua vida útil por mais 20 anos, com investimento de cerca de US$ 27 milhões. 

Angra 1 mantém 1.062 elementos combustíveis armazenados em sua piscina, dentro da usina.  Angra 1 já produziu 3.166 metros cúbicos de rejeitos sólidos (de baixa e média atividade), guardados em 7.602 tambores e caixas metálicas no Centro de Gerenciamento de rejeitos. 

Cada recarga de Angra 1 custava aproximadamente R$ 188 milhões, sem contar os investimentos com o transporte. Em 2018, o custo total da parada para a troca de combustível, incluindo mão de obra, era de cerca de R$ 80 milhões. Angra 1 produz 650 MW, quando funciona com 100% de sua potência sincronizada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). 

Angra 2, comprada pelo acordo nuclear Brasil Alemanha, em 1975, entrou em operação em 2001. A segunda usina tem capacidade para gerar 1.350 MW.  Angra 2 mantém em sua piscina, 888 elementos combustíveis usados. Armazena 201 metros cúbicos de rejeitos sólidos, embalados em tambores e caixas metálicas. 

FERRUGEM EM INVESTIGAÇÃO - 

Em junho último, Angra 2 foi desligada para a troca de combustível (urânio enriquecido), mas precisou ficar desconectada do sistema um mês acima do previsto: foram detectadas oxidação (ferrugem) em elementos combustíveis. A Eletronuclear ainda não divulgou o que provocou o problema, que continua sendo investigado. Os elementos combustíveis são de responsabilidade da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Urenco, consórcio de empresas da Inglaterra, Holanda e Alemanha. 

Angra 2 voltou a operar, usando elementos combustíveis de Angra 3, também alemã, cujas obras estão paradas desde 2015, por denúncias de corrução na operação “lava jato”.  

ANGRA 3 NO OLHO DO FURAÇÃO- 

O Ministério Público Federal (MPF) moveu outra ação civil pública contra a Eletronuclear e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) para obrigar o cumprimento das condicionantes socioambientais, sob pena de nulidade da Licença de Instalação nº 591/2009, concedidas para a construção de Angra 3. Nos bastidores comenta-se que a retomada das obras de Angra 3, dessa forma, entra no olho do furacão. 

O empreendedor utilizou a paralisação da construção de Angra 3 para não cumprir diversas condicionantes socioambientais previstas na Licença Prévia n. 279/2008. Entre os descumprimentos destacam-se a omissão na responsabilidade sobre o custeio de manutenção da Esec Tamoios e do Parque Nacional da Bocaina, o investimento de R$ 50 milhões em saneamento em Angra dos Reis e Paraty. Outra condicionante é o investimento em programa de educação diferenciada, execução de programa de segurança com foco em atividades culturais e de inclusão no mercado de trabalho, ações direcionadas a indígenas, quilombolas e caiçaras e ações voltadas à comunidade de Angra dos Reis e Paraty, entre outras. 

Na ação, o MPF alerta que o cumprimento das condicionantes da licença concedida em determinada etapa obrigatória para a concessão da licença necessária à etapa seguinte. Por isso, o cumprimento dessas condicionantes é fundamental para emissão da licença de operação da usina. 

“Deve-se deixar assentado que a condicionante, assim como todas as outras explicitadas na licença prévia ou de instalação, não pode ser tratada pelo empreendedor como mera ilustração ou obrigação de menor importância, tampouco deve-se permitir que seu cumprimento possa ser diferido indeterminadamente no tempo, divorciado de qualquer cronograma que lhe garanta o efeito atendimento”, afirma o procurador da República. 

Segundo ele, “não havendo o cumprimento ou ocorrendo o descumprimento de qualquer condicionante, a consequência jurídica inevitável deve ser a suspensão, o cancelamento ou a não renovação de qualquer licença eventualmente já expedida”. Ele quer a anulação das licenças para Angra 3 e a concessão de nova documentação. Pede, finalmente, que a Eletronuclear seja obrigada a apresentar ao Ibama o plano básico ambiental atualizado, com a demonstração objetiva do que já foi cumprido, e que a empresa seja condenada ao pagamento de multa por danos morais coletivos no valor de R$ 30 milhões. 

Foto: UAS - Eletronuclear.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Célio Bermann critica retomada de exploração de minas de urânio e alerta sobre riscos de contaminação por radiação

 


Casos de câncer na população próxima a jazidas de urânio; acidentes que contaminaram parte de rios e solo; caminhão tombado, deixando amostras de rochas com material radioativo pelas praças onde crianças brincaram. São alguns dos relatos de um dos maiores conhecedores da trajetória nuclear brasileira, com participação ativa em pesquisas de campos, nos últimos 30 anos: o professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). 

Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela COPPE/UFRJ e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP, ele fala com exclusividade ao BLOG. Critica as ações para a retomada da exploração urânio e o projeto de construção de uma usina no Nordeste. “O quadro é caracterizado pela desinformação, resultado desta incapacidade do setor nuclear de se abrir, permanecendo como “Caixa preta”. Eis a entrevista. 

BLOG:  O governo pretende retomar a exploração da mina de urânio do Engenho, em Caetité, na Bahia. É confiável o histórico de segurança no setor da mineração de urânio no Brasil? 

BERMANN: O Brasil teve o primeiro local de exploração de urânio em Caldas (MG) cuja mina se encontra atualmente esgotada. Essa exploração do minério deixou uma barragem com rejeitos que coloca em risco a região em caso de rompimento. Vários casos de câncer nos trabalhadores da mina foram notificados pelos serviços de saúde local, muito embora a relação causa-efeito com a exposição a material radioativo nunca tenha sido estabelecida. 

A partir do ano 2000, o local de exploração de urânio no país passou para os municípios de Lagoa Real e Caetité (BA), onde a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) explorou o minério até 2014. Nessas minas também não faltaram problemas graves ligados à mineração do material radioativo. 

BLOG: Problemas de saúde? 

BERMANN: Sim. Casos de câncer na população local provocados pelo contato com a radiação e danos ao ambiente. Entre 2000 e 2009, houve pelo menos cinco acidentes que contaminaram parte dos rios e solo da região, de acordo com um relatório da Secretaria de Saúde da Bahia. 

Mesmo assim, em outubro de 2019 a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) emitiu licença autorizando operações na mina do Engenho, que é parte da usina de beneficiamento nuclear da INB em Caetité. Com isso, a exploração do urânio na região foi retomada. 

BLOG: A justificativa pela mineração de urânio é de que vai gerar muitos recursos..

BERMANN: O que parece explicar essa obsessão pela exploração do urânio é o fato de o Brasil possuir reservas estimadas em 309.200 toneladas, o que situa o país como uma das maiores reservas do mundo. Mas creio que esta retomada tem a ver com a decisão estratégica de cunho militar de controle de todo o ciclo nuclear, iniciando com a exploração do urânio para alcançar propósitos de uso pacífico, sempre alegados, mas de difícil controle social. 

O objetivo econômico não deve ser a razão desta retomada, pois o preço do minério no mercado internacional não deixou de cair, notadamente após o acidente de Fukushima no Japão, em março de 2011. 

O minério é comercializado no mercado internacional na forma de concentrado de urânio (U3O8), também denominado yellowcake. Ele é cotado em dólares por libra-peso (US$/lb). Sua cotação já alcançou 140 US$/lb em junho de 2007. Em janeiro de 2011, antes do acidente de Fukushima, sua cotação era de 72,50 US$/lb, mas em agosto daquele ano caiu para 49,15 US$/lb. A partir daí, não parou de cair, chegando a atingir apenas 17,75 US$/lb, em novembro de 2016. Hoje, oscila entre 29 e 31 US$/lb. 

Qual então seria a vantagem de nos tornarmos exportadores desse minério num mercado que só tende a se restringir, ao contrário do que se apregoa pelo insistente lobby nuclear? 

BLOG: Está e andamento o Consórcio Santa Quitéria, parceria da INB com a empresa privada Galvani, para a exploração de urânio e fosfato, em Itataia, no Ceará. 

BERMANN: Este projeto é antigo. Envolvia inicialmente a Nuclebrás (empresa que antecedeu a INB) e a Fosfertil (empresa administrada pela holding Petrofértil, da Petrobras), pois o minério a ser explorado é constituído pela associação do urânio com o fosfato. 

BLOG: Conhece bem o projeto? 

BERMANN: Em 1987 eu trabalhava como consultor no projeto Itataia e tive a oportunidade de conhecer de perto a irresponsabilidade e o descaso com que a Nuclebrás administrava os trabalhos de prospecção da mina.

BLOG: Pode relembrar? 

BERMANN: Em novembro daquele ano estive na região para levantar dados para os estudos de viabilidade econômica e avaliação de impacto ambiental do projeto. Amostras de rochas retiradas da mina eram enviadas para análise em Caldas (MG), onde o urânio era naquela época explorado pela Nuclebrás. 

Encontrei amostras de rochas deixadas na praça central do distrito denominado Lagoa do Mato próximo à mina de Itataia. O caminhão que vinha de Minas Gerais para carregar as amostras tinha quebrado no caminho. Os funcionários da Nuclebrás que trabalhavam na mina não tiveram dúvidas. Deixaram as amostras expostas na praça onde crianças brincavam e com diversos animais como cabras, porcos e galinhas. 

BLOG: O que aconteceu depois? 

BERMANN: Quando teve conhecimento de que os isótopos presentes naquelas pedras apresentavam um nível significativo de radioatividade, a população do vilarejo exigiu da Nuclebrás a interrupção das atividades de prospecção da mina. Soube mais tarde que comerciantes, políticos da região e representantes da paróquia local se deslocaram em caravana até a capital Fortaleza onde se localizava o escritório central da Nuclebrás. 

 BLOG: Como souberam do perigo?

BERMANN: Essa população havia sido alertada pela mídia (rádio, TV e jornais) dos problemas da radioatividade com o acidente radiológico do césio 137 ocorrido em Goiânia em setembro daquele ano. Lembro também da exposição realizada por técnicos da Nuclebrás, quando fui conhecer as instalações relatando que a água que era retirada da mina durante os trabalhos de prospecção... 

BLOG: O que acontecia? 

BERMANN: Essa água acabava sendo utilizada para irrigar a horta onde eram cultivados diversos produtos servidos nas refeições dos trabalhadores da mina, como alface, tomate, batatas, entre outros. No relato, esses técnicos indicavam que todos os produtos que serviam para a alimentação eram monitorados. Afirmavam que o índice de radioatividade detectado nos alimentos eram muito baixos e não ofereciam risco à saúde dos trabalhadores da mina, esquecendo-se de que o efeito da radioatividade é cumulativo, isto é, o organismo acumula ao longo do tempo a radiação a que o organismo está sendo exposto. 

BLOG: Há relatos de doenças? 

BERMANN: Ao longo dos anos que se seguiram, na região vários casos de câncer foram observados nos trabalhadores da mina, sem que a relação causa-efeito tivesse sido estabelecida.  O projeto de exploração da mina de Itataia acabou sendo “esquecido” até 2009 quando foi formado esse Consórcio Santa Quitéria composto pela INB e pela empresa de fertilizantes Galvani. 

BLOG: O que sabe mais sobre esse projeto? 

BERMANN:  Os estudos foram retomados. Em 2014 foi iniciado o processo de licenciamento ambiental junto ao Ibama. Cabe ressaltar que a licença ambiental já havia sido obtida pela INB em 2004, concedida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (SEMACE). Entretanto, o fato de tratar-se de um empreendimento relacionado com atividades nucleares, levou o Ministério Público Federal (MPF) a solicitar na Justiça, através de Ação Civil Pública, o cancelamento da licença ambiental concedida pelo órgão estadual, passando então para a esfera federal (Ibama) a competência do processo de licenciamento. 

BLOG: O que aconteceu depois? 

BERMANN: O licenciamento seguiu até que, em fevereiro de 2019, o projeto de instalação da usina foi negado pelo Ibama. Segundo o órgão, à época, o "projeto de mineração de fosfato e urânio foi arquivado em razão da inviabilidade ambiental do estudo apresentado". Na decisão o órgão apontou a "ausência de dados sobre radiação" no manejo do urânio, "subdimensionamento de riscos", "ausência de efetividade das medidas mitigadoras", "ausência de comunidades no diagnóstico social" e a "falta de simulação computacional sobre dispersão de poluentes radioativos". 

BLOG: Como obter maiores informações sobre o caso? 

BERMANN: No meio acadêmico podem ser encontrados muitos estudos como o artigo de Medeiros e Diniz publicado em 2015 sob o título “A mina de Itataia em Santa Quitéria-CE: o urânio e os risco da exploração”. No entanto, o projeto ganhou novos contornos com a recente assinatura de um memorando entre o governo do Ceará e o Consórcio. Sob a alegação de que o projeto foi reestruturado, o anúncio deste entendimento foi acompanhado dos supostos benefícios do investimento previsto e da criação de empregos, como sempre. 

Fala-se também em “destravar” o licenciamento ambiental, o que pode acontecer com o atual processo de desmonte ambiental. Assim, se a “boiada passar”, a exploração do urânio em Itataia poderá ser iniciada em 2023. 

BLOG:  O Governo pretende construir usinas nucleares no Nordeste. O que acha? 

BERMANN: Sei que há o projeto de uma central nuclear em Itacuruba (PE), nas margens do Rio São Francisco, no semiárido nordestino; a intenção mais concreta. Trata-se de uma central com seis reatores, cada um com potência de 1.100 MW, perfazendo 6.600 MW, ou metade da usina hidroelétrica de Belo Monte em capacidade instalada, não em energia gerada. 

No parco material de informação sobre o projeto que a Eletrobras/Eletronuclear disponibiliza, é mencionado o reator AP1000 da empresa americana Westinghouse. A tecnologia utilizada neste modelo de reator a água pressurizada é apresentada como sendo de terceira geração (as usinas de Angra são de 2ª geração) que tem como principal característica um sistema passivo de resfriamento, através de um tanque de água situado acima do reator. Quando esse sistema é ativado, a água flui por gravidade para o topo do reator, onde se evapora para remover o calor. 

É interessante observar que a concepção desse reator, com um sistema de resfriamento que independe do bombeamento de água, foi desenvolvida pelos técnicos da Westinghouse em 2005. Isso, bem antes do acidente nuclear da usina de Fukushima no Japão, que ocorreu em 2011, e que teve como principal causa as dificuldades de resfriamento dos seus reatores com a interrupção do fornecimento de energia para o acionamento das bombas, que foram danificadas pelo tsunami que atingiu as instalações da usina. 

Ou seja, a necessidade de resfriamento do reator nuclear já era uma preocupação da indústria nuclear internacional antes de Fukushima. Dessa forma, o objetivo é apresentar a central nuclear de Itacuruba como “segura”. Mas o maior problema é que o resfriamento dos seis reatores exige uma quantidade de água muito grande. 

BLOG: O que seus estudos apontam? 

BERMANN: Eu fiz os cálculos da demanda hídrica do projeto da central nuclear projetada para o médio São Francisco, baseado nos dados disponíveis no site da Westinghouse para um reator AP1000. 

BLOG: Conclusão? 

BERMANN: O sistema de refrigeração irá exigir o equivalente à metade da vazão mínima registrada em novembro de 2017 na região do médio São Francisco (581 m3/s). Esse volume de água deverá estar disponível o tempo todo, considerando que a central irá operar com um fator de capacidade de 90% (ou cerca de 328 dias do ano). É certo que 70 a 85% desse enorme volume de água será devolvido ao São Francisco, dependendo do tipo de torre de resfriamento utilizada – húmida ou seca. Mas em situações de escassez hídrica cada vez mais frequentes, a disputa pela água poderá alcançar dimensões trágicas para assegurar a demanda hídrica da central nuclear. E ao mesmo tempo, para garantir o abastecimento humano e dessedentação animal, e irrigação das culturas na região do médio São Francisco. Isso sem contar que a água devolvida deverá atingir 33oC, o que comprometerá os ecossistemas das margens do São Francisco. 

BLOG: O projeto das usinas está no plano do governo. 

BERMANN: A primeira versão do Plano Nacional de Energia 2050 indica a intenção de aumentar a capacidade instalada de usinas nucleares no Brasil em 10.000 MW nos próximos 30 anos. Além de Itacuruba, o plano de expansão nuclear também identifica como locais para a construção de usinas nucleares a região do baixo São Francisco, entre a usina hidrelétrica de Xingó até a foz do Rio São Francisco, além de mencionar de uma forma mais geral os estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. 

Em todos estes locais, a exemplo das duas usinas nucleares em operação Angra 1 e Angra 2, se apresentam os riscos da radiação num eventual acidente, cuja ocorrência nunca deve ser descartada, apesar das sempre presentes alegações de segurança. E a destinação final dos rejeitos radioativos de alta intensidade que permanece sendo o principal problema das usinas nucleares, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. 

BLOG:  O governo pretende concluir as obras da usina nuclear Angra 3, paralisadas desde 2015, que se arrastam há 30 anos. Qual a sua opinião? 

BERMANN: Conforme o que tem sido divulgado pela imprensa, a obra iniciada em 1984 já custou em torno de R$ 11 bilhões e a Eletronuclear gasta cerca de R$ 10 milhões por mês com a manutenção do canteiro de obras e dos equipamentos já adquiridos. O investimento previsto para a conclusão da obra era de R$ 18,7 bilhões, conforme relatório de fiscalização (TC n. 016.991/2015-0) elaborado pelo TCU-Tribunal de Contas da União, em fevereiro de 2016. 

Ao mesmo tempo, em recente estudo publicado pelo Instituto Escolhas “Angra 3: vale quanto custa?” (abril/2020) é indicado que os gastos que seriam necessários para abandonar a obra de Angra 3 são da ordem de R$ 11,92 bilhões. Para mim, a resposta é simples: abandonaria a obra.  A pergunta que fica é essa: existirá um investidor privado disposto a correr o risco de retomar as obras? Ou será o combalido Tesouro Nacional que irá finalizar aquilo que nunca deveria ter sido iniciado? 

BLOG:  A usina Angra 1 já deveria estar sendo desmontada... mas a Eletronuclear contratou a Westinghouse para projeto de prorrogação da vida útil da usina por mais 20 anos. Qual a sua avaliação? 

BERMANN: A estratégia de estender a vida útil das usinas nucleares está sendo utilizada no mundo inteiro. Usinas mais antigas, que haviam obtido a autorização de operação por 30 anos, têm conseguido estender a autorização para 50 anos. Usinas mais recentes estão obtendo extensão da vida útil de 60 anos. Com isso, evita-se os custos de descomissionamento, demonstrando que alguns investimentos marginais em alguns sistemas de segurança e substituição de equipamentos possibilitam a obtenção da prorrogação da vida útil.  É o que está acontecendo com Angra 1 que começou a operar em 1º de abril de 1982. Com isso aumentam-se os riscos de acidentes. Trata-se antes de tudo de uma temeridade! 

BLOG: O Brasil precisa de fato de energia nuclear? De que forma? 

BERMANN: A razão principal que está presente em todo o arrazoado que defende a energia nuclear como necessária para o país é a segurança energética, que só poderia ser alcançada por uma fonte de base no sistema elétrico, isto é, com alto fator de utilização. 

Este papel era parcialmente exercido pela hidroeletricidade com usinas com grande capacidade de acumulação (grandes reservatórios), que pudessem assegurar a disponibilidade de energia independentemente do regime hidrológico, que em nosso país é marcado por períodos de alta pluviometria alternados, com períodos de estiagem durante o ano. 

Essa capacidade de acumulação foi sendo perdida com a impossibilidade de inundar grandes extensões de terra em regiões de baixa declividade, como ocorre em grandes extensões da Região Amazônica, onde está localizado 2/3 do potencial hidroelétrico a ser explorado. 

BLOG: Qual seria a opção? 

BERMANN: A opção seria a termoeletricidade com fontes fósseis (carvão, derivados de petróleo e gás natural), mas estas alternativas resultariam no incremento das emissões de CO2

A energia nuclear surge então como aquela que poderia cumprir o papel de geração de base, com a alegada vantagem de não emitir dióxido de carbono.  Este é o grande desafio na luta contra a energia nuclear. Ela aparece como “energia limpa”. 

Em primeiro lugar não existe “energia limpa”. O problema é que a questão ambiental não deve se restringir apenas à emissão dos gases de efeito estufa e às mudanças climáticas dela decorrentes. Essa visão equivocada levou cientistas como o inglês James Lovelock, formulador da Teoria de Gaia, a defenderem a energia nuclear como a única fonte capaz de garantir a expansão da oferta de eletricidade por não emitir dióxido de carbono, contribuindo dessa forma para a desejável descarbonização. Ao pensar desta forma restrita, os riscos que envolvem o ciclo nuclear desde a mineração até a produção de energia, são desconsiderados. Riscos severos ilustrados pelos acidentes das usinas de Three Mile Island (1979), Chernobyl (1986), Fukushima (2011), apenas para citar os mais conhecidos, passam a ser negligenciados, “porque a energia não emite gases de efeito estufa”. Esta é uma falácia que precisa ser combatida, para o bem da ciência e da humanidade! 

BLOG: Há alternativas? 

BERMANN: Penso que é possível garantir a segurança energética sem depender de uma fonte que atue na base. Essa segurança pode ser alcançada com uma gestão energética descentralizada, que complemente o atual sistema elétrico interligado centralizado. Há tecnologias já disponíveis para tanto. E há alternativas energéticas como o sol, o vento e as biomassas que podem contribuir de forma articulada através de sistemas híbridos para a garantia da segurança energética em grande escala.  Todavia não podemos descartar os benefícios da energia nuclear em pequena escala, no que se refere aos seus usos médicos e industriais, onde mostra uma utilidade relativa, que pode ser assegurada por reatores de pesquisa de baixa potência. 

BLOG:  Com os planos de construir mais usinas, retomar as minas, o Brasil estaria na contramão mundial? 

BERMANN: Conforme informações consolidadas, para dezembro de 2018, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), 450 reatores estavam em operação e 55 em construção. Vale observar que em 2000 o número de reatores era de 435, ou seja, nos últimos 15 anos apenas 15 reatores foram instalados para operação. Quantos aos 55 reatores considerados “em construção” ao menos 2/3 deles estão nessa situação a mais de 20 anos. Os países que estão mais envolvidos na construção de novas usinas nucleares são a China (11), Índia (7), Rússia (6), Coréia do Sul (5) e Emirados Árabes (4). 

Muitos países têm desligado seus reatores por diversos fatores, mas se tomarmos o acidente da usina de Fukushima no Japão em 2011 como referência, após o acidente o Japão desligou 16 reatores nucleares; a Alemanha, 10 ; e os Estados Unidos 7. 

BLOG:  No mundo, esses projetos não estão entusiasmando tanto? Por quê? 

BERMANN: Os projetos de construção de novas usinas nucleares têm enfrentado aumento dos custos inicialmente previstos e extensão do tempo para o término das obras. Nos Estados Unidos, por exemplo, dois reatores AP1000 estão sendo construídos na central nuclear de Vögtle (unidades 3 e 4). A construção foi iniciada em março de 2013 (unidade 3) e novembro de 2013 (unidade 4) a um custo inicial de 6,1 bilhões de dólares, e previsão de entrada em operação em 2016 e 2017, respectivamente. 

Com o pedido de falência da empresa Westinghouse em março de 2017 as obras foram interrompidas e retomadas depois da intervenção do governo americano para salvar a empresa. A previsão para a entrada em operação da unidade 3 agora é para novembro de 2021, e para novembro de 2022 da unidade 4, previsão que tinha sido definida antes da pandemia. Por sua vez, o custo se elevou para 10,4 bilhões de dólares. 

A unidade 3 da usina Olkiluoto na Finlândia, com capacidade bruta projetada de 1.750 MW utilizando o reator EPR (European Pressurized Water Reactor) traz como inovação uma unidade de contenção (“core catcher”) para evitar um derretimento do núcleo, e cujo fabricante é a empresa Framatome ANP (franco-alemã), com um custo previsto de 3,2 bilhões de Euros. A construção foi iniciada em agosto de 2005 com previsão de término em 57 meses (maio de 2010). Estamos em 2020 e a usina ainda não começou a operar comercialmente. Já seu custo se elevou para 8,5 bilhões de Euros.  

Em resumo, o mundo está reduzindo de forma significativa a utilização da energia termonuclear, como os dados evidenciam. E onde se busca prosseguir com essa forma de produção de eletricidade, as usinas demoram muito mais para ficarem prontas e acabam custando muito mais que o inicialmente previsto. O Brasil precisa seguir os fatos e não se meter em aventuras com novas usinas nucleares. 

BLOG:  Como avalia a questão do lixo atômico nuclear no Brasil e no mundo? E como avalia o armazenamento do urânio irradiado, que será transferido para a UAS entre 2021 e 2022? 

BERMANN: O fato de 90% das 450 usinas nucleares em operação no mundo depositarem os resíduos de alto nível de radiação nas piscinas e não terem um depósito definitivo demonstra o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da energia nuclear. 

E não adianta amenizar o problema, dizendo que não existe lixo atômico, mas apenas rejeitos a serem reprocessados. O reprocessamento, onde esteja sendo executado, leva à obtenção do plutônio, cuja meia-vida chega a 24.110 anos e possui o perigoso destino de artefato militar nuclear. 

BLOG:  Como avalia a comunicação do setor nuclear oficial com a sociedade? 

BERMANN: As informações sobre a situação das usinas nucleares no Brasil sempre estiveram restritas ao que as empresas disponibilizam em seus sítios na web, por exemplo. Esses espaços limitados ao que é noticiado na imprensa, com eventuais respostas às matérias que a empresa julga desfavoráveis à energia nuclear. No “Acesso à informação’, estão as informações institucionais com vários linques: despesas; licitações e contratos. Trata-se de uma forma de as empresas se apresentarem como “transparentes” apenas nos títulos de seu sítio, sem fornecer nenhuma informação sobre o que se diz disponibilizar. Portanto, é extremamente difícil para um pesquisador como eu, ou para o público em geral, ter informações sobre as questões da energia nuclear, como as usinas. São mantidos em sigilo acidentes de diversas ordens, vazamentos, interrupções não previstas, suas causas e consequências, trazendo insegurança às populações que vivem nas proximidades das instalações. 

BLOG: Como avalia a mobilização da sociedade civil em relação ao programa nuclear brasileiro? 

BERMANN:  O quadro é caracterizado pela desinformação, resultado desta incapacidade do setor nuclear de se abrir, permanecendo como uma “caixa preta”. Por ocasião do acidente nuclear na usina nuclear de Fukushima, as pesquisas de opinião pública na época situaram a população brasileira como uma das que mais demonstraram preocupação com os riscos de acidentes nucleares.

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