Niteroiense do bairro de
Itacoatiara, o doutor em Biotecnologia Ralph Santos-Oliveira, lidera um grupo
de pesquisadores do Instituto
de
Engenharia Nuclear (IEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no
Rio, que desenvolveu e patenteou pesquisa inédita cujos resultados prometem ser
promissores no combate a alguns tipos de câncer passíveis de tratamento a
partir de radioembolização. A técnica envolve a entrega precisa de microesferas
carregadas com produtos radioativos até a região específica do tumor, reagindo
de maneira mais segura e precisa à radioterapia, especialmente em casos de
tumores no fígado que não permitem cirurgia. Sob a sua responsabilidade a
patente: BR 10 2023 023825-4, com o título: “Reciclagem de vidro para fins
médicos: produção de microesferas de matriz vítrea dopadas com 166Hólmio para
radioembolização hepatocelular”, foi desenvolvida no Laboratório de
Nanorradiofármacos apresenta um produto 100% nacional e com grande impacto
social. “O Brasil tem seus altos e baixos, e estamos na ascendência novamente,
visto o maior volume de financiamento. Contudo, isso precisa ser contínuo, assim
como o Brasil precisa investir de forma mais robusta em projetos como esse, que
mesmo com recursos mínimos demonstrou grandes resultados”, disse. Eis a
entrevista exclusiva com Ralph Santos-Oliveira, 45 anos, filho de profissional
de contabilidade e de professora universitária, que estudou na Universidade
Federal Fluminense (UFF) e agora alcança importantes vitórias na ciência e
tecnologia. BLOG: O BLOG noticiou a pesquisa inovadora; conte
mais sobre este feito.
RALPH SANTOS-OLIVEIRA: A pesquisa conseguiu
dois avanços importantes: primeiro, a produção, em laboratório, de microesferas
a partir de vidro reciclável, uma matéria-prima abundante no Brasil e que pode
desafogar a cadeia produtiva de impacto ao meio ambiente; o outro insight foi dopar as microesferas com 166Hólmio
por trata-se de um radioisótopo subestimado, mas que apresenta uma ótima
capacidade de usos em terapias oncológicas.
BLOG: Os casos de
câncer são impressionantes.
RALPH: De acordo com dados do
Instituto Nacional do Câncer (INCA), cerca de 704 mil casos novos de câncer
devem ser registrados no Brasil em 2024. Este número reflete a necessidade
constante de pesquisas sobre a doença, que pode afetar várias partes do corpo
humano, e também estratégias de tratamentos que sejam eficazes e mais
acessíveis à população, sobretudo devido ao aumento de ocorrências em todas as
idades.
BLOG: Conte um pouco a sua história acadêmica,
especialidade. e há quanto tempo se dedica à pesquisa divulgada agora.
RALPH:
Sou farmacêutico industrial mestrado em Tecnologia Energéticas e
Nucleares e Doutorado em Biotecnologia, atuando há mais de 19 anos na área de
radiofarmacia. O Laboratório de Nanorradiofármacos do Instituto de
Engenharia Nuclear (IEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) tem se
dedicado com afinco para fazer o Brasil ainda mais forte na área de
Radiofarmacia e nanotecnologia de fronteira. Nesse projeto em específico,
estamos trabalhando há mais de três anos nele.
BLOG: Desafios?
RALPH:
Um dos principais desafios foi desenvolver uma metodologia adequada usando
vidro reciclado. Para nós do Laboratório, o impacto ambiental sempre é levado
em consideração. Outra dificuldade foi a padronização do tamanho da
microesfera, que também consumiu um tempo considerável da pesquisa.
Gostaria de aproveitar e fazer um agradecimento aos órgãos de fomento, em
especial a FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro),
CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico), que vêm acreditando nas pesquisas do nosso grupo e
têm nos ajudado com fomentos. Contudo, é importante que a manutenção
orçamentária seja constante, para que possamos elevar e dar continuidade à
pesquisa.
BLOG: Como poderá chegar ao Sistema
Único de Saúde (SUS)?
RALPH – A chegada pode se dar tanto pela
progressão da pesquisa, como pela incorporação do novo medicamento ao
rol de procedimentos aprovados pelo SUS. Um ponto importante é que somos
um órgão público e, portanto, a transferência de tecnologia e de produtos é
mais facilitada. Outro ponto também muito importante é o preço. Atualmente,
devido ao alto custo da radioembolização, é impensável se ter esse procedimento
junto ao SUS. Contudo, com nosso produto, que é muito mais barato que o mercado
tem disponibiliza, essa realidade pode mudar.
BLOG: A importância
para o Brasil e o mundo?
RALPH –A importância
para o Brasil é enorme, pois a pesquisa pode representar a independência total
do Brasil de fornecedores internacionais. Além disso, coloca o Brasil em
posição de destaque pois integramos o rol dos poucos países que dominam a
técnica da produção de microesferas radioativos no mundo! Para o mundo, representa
mais um fornecedor de um produto de alto valor agregado, que pode impactar nos
preços cobrados e mudar o cenário global de tratamento de tumores hepáticos,
ampliando a assistência e cobertura desse exame numa população ainda maior.
BLOG:
O investimento está de acordo com as necessidades?
RALPH: Como
disse anteriormente, o Laboratório de Nanorradiofármacos tem sido encarado
pelos órgãos de fomento com muita seriedade e isso se reflete na aprovação de
projetos de alta complexidade. Por exemplo, acabamos de aprovar junto ao CNPq,
no Edital de Medicina de Precisão, um projeto de enorme impacto. Estamos
desenvolvendo pequenas sequências de ácido RNA nanoencapsulado radiomarcados
com isótopos de interesse médico, para o desenvolvimento de um teranóstico
ultra potente.
BLOG: Pode explicar?
RALPH: É capaz de reprogramar as células cancerígenas para elas não
sejam mais cancerígenas, assim como diagnosticar com precisão máxima pequenos
focos tumorais possibilitando o diagnóstico de alta precisão e minimamente invasivo.
Contudo, os projetos precisam de suporte contínuo, em especial quando se pensa
em produto para a população brasileira. A entrega de um produto requer um
investimento maior, que o Brasil não costuma fazer. Mas acredito que ações de
divulgação como essa sensibilizam os gestores e propiciam o influxo de suporte.
BLOG: Como analisa o futuro da ciência no Brasil?
RALPH: Penso
que o Brasil tem seus altos e baixos, e estamos na ascendência novamente, visto
o maior volume de financiamento. Contudo, como já disse, isso precisa ser
contínuo, assim como o Brasil precisa investir de forma mais robusta em
projetos como esse, que mesmo com recursos mínimos demonstrou grandes
resultados.
BLOG: O Brasil pode avançar muito nesta área? Por quê?
RALPH: O
Brasil é plenamente capaz de avançar e se consagrar nessa área. Com o processo
de produção nacionalizado e sendo um dos poucos países a dominar a energia
nuclear de forma plena, não há razões que nos impeçam de seguir e conquistar
esse importante mercado internacional.
BLOG:
Como se sente diante de um passo tão importante para o Brasil?
RALPH: Como
servidor público, me sinto cumprindo minha missão e dando retorno
à população brasileira do investimento feito na nossa pesquisa. Como
pesquisador, me sinto honrado e liderar um grupo de pesquisadores tão jovens,
tenazes e dedicados, que comungam de um objetivo comum, que é fazer o Brasil um
país melhor para todos.
BLOG: Quais
os seus planos na área que se dedica?
RALPH: Aqui, não
paramos nunca e seguimos o lema: fazer o máximo é o mínimo que podemos fazer.
Assim, além de continuar avançando nesse produto, estamos investindo uma boa
dose de dedicação ao projeto do nano-siRNA radiomarcado, assim como levando à
frente outra dúzia de projetos, na certeza de que pelo menos um ou dois gerem
produtos viáveis.
BLOG: Outros planos?
RALPH: – Sempre estamos com
planos. Atualmente, temos nos dedicado a analisar o quadro geral e focar nas
bordas à procura de um novo desafio. Então, além do nano-siRNA
radiomarcado e das microesferas de hólimio, estamos trabalhando sistemas
de pontos quânticos de grafeno para Alzheimer, esse também com resultados
preliminares bastante promissores.
BLOG: Com tão boas notícias,
conte por que escolheu o caminho da pesquisa?
RALPH: Fiz
Farmácia Industrial na Universidade Federal Fluminense (UFF) por pura paixão.
Sou absolutamente apaixonado pela pesquisa e na sua conversão em ato
social e curativo como esse projeto. Além disso, a pesquisa proporciona algo
que talvez nenhuma outra área permita de maneira tão natural, o contato com o
novo, o jovem, e o fresco, em todos os sentidos. Esse trabalho está sob minha
batuta, mas é um trabalho de equipe, e uma equipe muito jovem. Então, poder ver
esses novos talentos virarem novos pesquisadores críticos, conscientes,
tecnicamente sólido consagra a minha escolha também.
BLOG: Prova de
que valeu pena.
RALPH: Sou
suspeito para falar, pois como já disse, sou muito feliz com o que faço. Mas,
óbvio que já tive momentos de pensar e repensar, em especial quando se trabalha
na fronteira do conhecimento. Tentar alcançar a fronteira e demonstrar que sua
pesquisa vale a pena e é de ponta é muitíssimo duro. Mas valeu e vale a
pena. Atender à população brasileira me deixa feliz, ver um estudante virar pesquisador
me deixa feliz, ver o reconhecimento que sua pesquisa está no caminho certo me
deixa feliz... e isso não vale a pena? Vale muito!
BLOG: Você é
bem jovem, e já pode deixar uma mensagem para os iniciantes.
RALPH: Tenho
45 anos e desejo que os mais jovens sejam bons, muito bons, ótimos. Amem o que
façam e ajude-se. A pesquisa é uma fraternidade invisível.
(FOTO: ASCOM-IEN/CNEN -
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