No dia 4 de setembro de 1987,
o então presidente José Sarney, anunciava: “O Brasil já domina todas as
técnicas para enriquecer urânio por ultracentrifugação”. No ano seguinte, o
governo divulgava oficialmente a inauguração do Centro Experimental Aramar, da
Marinha, em Iperó, São Paulo, local da realização. Passados mais de 30 anos, o
domínio da tecnologia, que levou o Brasil a ingressar no “restrito clube do
átomo”, está sendo desenvolvida na Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio,
da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), no Distrito de Engenheiros Passos,
município de Resende (RJ). O contrato da Marinha com a INB para a transferência
e implantação dessa tecnologia está completando 18 anos e envolve cerca de R$
560 milhões. O presidente da INB, Reinaldo Gonzaga, fala com exclusividade
sobre o negócio e as vendas de urânio para a Argentina. Mas avisa que o número
de ultracentrífugas instaladas por cascata é de “conhecimento restrito”.
Blog: Quando a INB firmou
contrato com a Marinha?
Presidente
INB: O contrato foi celebrado em julho de 2000, com
o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), detentor da tecnologia
nacional de enriquecimento isotópico de urânio. A objeto contratual prevê a
conclusão da 1ª Fase (10 cascatas) do projeto para 2021. A 2ª Fase (33
cascatas) tornará a INB autossuficiente para atender as três usinas nucleares
brasileiras: Angra 1, 2 e 3.
Blog: A Marinha participou da
implantação da Usina de Enriquecimento em Resende? De que forma?
Presidente
INB: Sim, desde sua gênese, e continua participando. O
contrato tem como escopo de fornecimento o projeto, o suprimento, a fabricação,
a montagem e os testes de 10 Cascatas de Ultracentrífugas.
Blog: Quando a unidade começou
a ser implantada e quando foi inaugurada? Quanto custou até agora?
Presidente
INB: A implantação da Usina de Enriquecimento de Urânio da
INB, em Resende/RJ, teve início logo após a assinatura do contrato. Devido à
característica modular dessa implantação, em 2004 ocorreu a inauguração da 1ª
Cascata de Ultracentrífugas. Até o momento, o investimento realizado é da ordem
de R$ 560 milhões, sendo que R$ 360 milhões foram destinados à aquisição das
Cascatas de Ultracentrífugas e o restante para a contratação de obras de
infraestrutura na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende.
Blog: A usina opera com
quantas ultracentrífugas? A Fabricação é da Marinha ou da INB?
Presidente INB: A
tecnologia de enriquecimento isotópico de urânio é dominada apenas por um grupo
seleto de países. Por sua natureza estratégica e sensível, o acesso a
determinadas informações é bastante restrito. O número de Ultracentrífugas
instaladas por Cascata é de conhecimento restrito. Das 10 Cascatas de
Ultracentrífugas contratadas, 6 Cascatas já estão em operação. A 7ª Cascata
deverá entrar em produção a partir de junho do corrente ano.
A
fabricação das Cascatas de Ultracentrífugas é 100% do CTMSP.
Blog: A unidade já registrou
algum problema com radiação?
Presidente
INB: Nunca. A adequada aplicação de medidas de segurança
estabelecidas pela CNEN, órgão regulador nacional, impede ocorrências dessa
natureza.
Blog: Como é o sistema de
emergência e de segurança da unidade? Envolve quantas pessoas?
Presidente
INB: Por força de normas nacionais e internacionais a INB
dispõe, em suas instalações, do que existe de mais moderno no que tange ao
controle e à segurança de seus processos industriais. O homem e o Meio Ambiente
são permanentemente monitorados e protegidos. Para isso, suas práticas,
programas, dispositivos e sistemas associados à manutenção das condições de
segurança das instalações são fiscalizados pelos órgãos reguladores, Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Cada empregado da INB é treinado e comprometido
com a adoção de boas práticas operacionais, visando aprimorar a cultura de
segurança em todos os níveis e unidades da empresa.
Blog: Quantos funcionários
brasileiros e estrangeiros trabalham na unidade?
Presidente
INB: São 718 funcionários na FNC e 78 na Usina de
Enriquecimento. O corpo orgânico da INB é composto exclusivamente por
brasileiros e brasileiras. Os técnicos estrangeiros somente atuam na prestação
de serviços de assistência técnica, especificamente em equipamentos importados.
Sempre, é bom lembrar, vedando o acesso de estrangeiros às informações
consideradas estratégicas e sensíveis, de propriedade da CTMSP.
Blog: Qual a área da INB em
Resende? Do total, qual a área da FCN e da Usina de Enriquecimento?
Presidente
INB: A Unidade da INB, em Resende, está situada no Distrito de
Engenheiros Passos, abrangendo uma área total de aproximadamente 600 hectares.
Destes, somente 60 hectares são efetivamente ocupados pela FCN, constituída
pelas Unidades de Produção de Serviços de Enriquecimento Isotópico de Urânio,
de Produção de Pó e Pastilhas de Urânio e de Produção do Elemento Combustível.
A Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio ocupa cerca de 20% da área da
FCN, ou seja, cerca de 12 hectares.
Blog:
Quanto a INB faturou com a venda de urânio para a Argentina? Lucrou? Quanto?
Presidente INB: A
INB fez duas vendas de urânio enriquecido na forma de pó de U02 para a empresa
CONUAR (Combustibles Nucleares Argentinos).
Na primeira venda foram entregues 4.100 Kg de urânio enriquecido de 1,9%, 2,6%
e 3,1% ao preço de USD 4.378.190,00. Na segunda venda o montante vendido foi de
1.500 Kg de pó de UO2 a 4,15%. O preço global foi
de USD 1.755.000,00. As operações foram muito favoráveis à INB seja do ponto de
vista financeiro, seja quanto à visibilidade da empresa neste mercado. O
resultado financeiro interno das operações foi bastante satisfatório. Não
obstante os valores envolvidos, bem como a lucratividade do negócio são informações
estratégicas que não serão divulgadas para que seja preservada a vantagem
competitiva brasileira.
Blog: Qual a expectativa da
INB em relação à venda de urânio enriquecido?
Presidente
da INB: No momento, a preocupação da INB é se firmar como fornecedor
qualificado da CONUAR. Esta qualificação permitiria assinar contratos
plurianuais com a empresa argentina e se firmar no mercado como fornecedor
confiável, o que servirá de plataforma para futuros negócios.
Blog: Há perspectiva de venda
para outros países?
Presidente
INB: Sim. A empresa está no momento trabalhando na
possibilidade de se tornar um fornecedor internacional de urânio metálico
(enriquecido a 19%) para reatores de pesquisa.
Blog: A INB (Governo Brasileiro) já recebeu algum
tipo de pressão externa por estar enriquecendo urânio?
Presidente INB: Por
intermédio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), representante do
Governo Federal, em 2004, a INB assinou o Enfoque de Salvaguardas Nucleares (“Salvaguards Approach”) da Usina de
Enriquecimento de Urânio com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)
e a Agência Brasil-Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear
(ABACC). Desde então, diversas inspeções já foram realizadas, sem que nenhuma
anormalidade fosse registrada ou qualquer forma de pressão externa tenha sido
aplicada.
Blog: Quais os planos futuros?
Presidente
INB: O Planejamento Estratégico da INB 2017/2026 prevê como
meta principal a autossuficiência da empresa. Estou confiante. Nosso foco está
na segurança, qualidade e sustentabilidade, para que a empresa seja reconhecida
internacionalmente como fornecedora no mercado de urânio, com excelência na
gestão empresarial, em busca da autossuficiência, preservando seu compromisso
inabalável com a ética e a eficiência. A INB busca aumentar a capacidade de
investimentos em seus principais projetos: nacionalização da fabricação dos
componentes do Elemento Combustível; retomar a produção de urânio em Caetité,
na Bahia; ampliar a venda de componentes do Elemento Combustível e serviços e
aumentar a capacidade de produção do enriquecimento de urânio.
Blog: Como a INB se insere na
globalização desse mercado?
Presidente
INB: Estamos investindo em tecnologia e somos capazes de
fornecer Elementos Combustíveis de última geração. O atual processo de
globalização dos mercados vai encontrar a INB em condições de participar dessa
expansão de oportunidades: a empresa é detentora de tecnologia comprovada em
diferentes etapas do ciclo do combustível nuclear. Esse potencial é nossa
esperança para que Planejamento Estratégico realize todas as suas metas,
transformando a INB em uma fornecedora de produtos e serviços associados ao
ciclo do combustível nuclear, destinados à geração de energia elétrica, com
segurança, qualidade e sustentabilidade.
Blog: Quais os maiores
desafios para a empresa hoje?
Presidente INB: O
principal desafio da INB é participar, conjuntamente com outras empresas e
organizações do Setor Nuclear, da revisão e da consolidação do Programa Nuclear
Brasileiro; ampliar a produção de yellow
cake e, assim, gerar excedente para exportação; e, consolidar no mercado
internacional a INB como exportadora de produtos e serviços associados ao ciclo
do combustível nuclear.
Instalações que antecedem o processo de enriquecimento de urânio. |
O engenheiro metalúrgico Reinaldo
Gonzaga, 49 anos, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em
Engenharia de Materiais pela Faculdade de Engenharia Química de Lorena (SP), é
funcionário de carreira da empresa há quase duas décadas.
No comando da empresa desde
outubro de 2017, antes de assumir o cargo, gerenciou e coordenou processos
químicos nas linhas de produção de pó e pastilhas de urânio e foi responsável
pela superintendência de Engenharia de Combustível Nuclear.
Vascaíno apaixonado, casado,
pai de três filhos, natural de Volta Redonda, Reinaldo Gonzaga, diz que busca à
autossuficiência da INB e trabalha para que a empresa seja futuramente
fornecedora internacional de urânio para reatores de pesquisa.
Parabenizo Tânia Malheiros pela excelente entrevista sobre um assunto de natureza estratégica para o País. A riqueza de detalhes nas perguntas garantiu respostas concretas e valiosas. Tânia, aliás foi sempre uma jornalista do 1° time da Imprensa nacional. Meus parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirMuito interessante! Excelente entrevista!
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