A jornalista Ramona Ordoñez que passou mais de três décadas cobrindo o setor de energia é a entrevistada do Blog nesta edição de março, em homenagem às mulheres. Ramona passou 35 anos em O Globo, Jornal do Commércio, recebeu vários prêmios e conta um pouco sobre a sua rica experiência na cobertura nuclear. Ramona fala sobre os desafios da comunicação no passado, quando não havia Internet, nem celular, relembra a sua viagem à Alemanha, quando o Brasil assinou o Acordo nuclear, e muito mais. Eis a entrevista:
BLOG: Quando começou a cobrir a área da energia nuclear? Onde trabalhava?
RAMONA ORDOÑEZ- No início dos anos 80, quando comecei a trabalhar profissionalmente no meu primeiro emprego no Jornal do Commércio (JC).
BLOG: O que achou? Como foi a experiência? Já conhecia o assunto ou foi novidade?
RAMONA: Foi fantástico, desde então me apaixonei pelo assunto. Por ser meu primeiro emprego , não conhecia nada sobre energia nuclear, foi a partir da cobertura diária que fui aprendendo cada vez mais sobre o tema, passando a ler também muito pelo assunto que na época era efervescente nos jornais pela forte discussão que existia na época sobre o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, assinado no governo militar do general Ernesto Geisel em 1975, e sobre a necessidade ou não de o Brasil construir usinas nucleares para geração de energia.
BLOG: Na época, o que achava sobre o uso da energia nuclear?
RAMONA: Tudo já indicava já naquela época que era totalmente desnecessária. Naquela época, obviamente nem se falava em energias renováveis, limpas, mas o Brasil tinha ainda muitas fontes hídricas para serem exploradas, independente da discussão os impactos ambientais que hidrelétricas causam.
BLOG: Confiava?
RAMONA: Sempre me pareceu uma energia confiável, pois por conta dos impactos que um acidente em uma usina nuclear podem causar ao meio ambiente e principalmente ao ser humano, ao longo dos anos vieram sendo adotadas mais e novas tecnologias e sistemas de redundância que tornam um acidente em uma usina pouco provável, apesar de não ser totalmente descartada. Ocorreu o acidente de Chernobyl em 1986, acho que foi nesse ano, mas era uma usina totalmente diferente em péssimas condições de segurança em relação às demais. E a de Fukushima, no Japão foi também um caso extremo de um terrível terremoto. Em função de Fukushima também se aumentaram os sistemas de segurança, como colocar em prédios separados motores a diesel, tec. Enfim, como toda unidade industrial, tem seus riscos, é impossível chegar a 100% de segurança, mas creio que são unidades bastante seguras desde que bem operadas com responsabilidade.
BLOG: O que achava da participação dos militares no setor? Era cordialmente recebida pelos assessores de imprensa na época?
RAMONA: Como disse anteriormente, na época do acordo nuclear, o Brasil não necessitava de energia nuclear para gerar energia. Esse acordo com a Alemanha na época foi feito pelo governo militar com a única finalidade de dar acesso ao Brasil da tecnologia nuclear, o que acabou levando a elevados prejuízos. Na minha época não cheguei a lidar com militares diretamente no setor nuclear, meus contatos eram executivos de Furnas que na ocasião era responsável pela construção das usinas nucleares e a antiga Nuclebras que reunia as empresas que desenvolviam o chamado ciclo do urânio, da matéria-prima para o funcionamento das usinas. As empresas ligadas à Nuclebras cuidavam desde a extração do urânio, produção do yellowcake, as demais etapas até o enriquecimento do urânio, e preparação das pastilhas do urânio que são colocadas no núcleo do reator da usina para geração de energia.
BLOG: Alguma cobertura marcou a sua trajetória? Algum furo de reportagem? Lembra?
RAMONA: Bom, pode se dizer que acompanhei o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro desde o início. Visitei a usina de Angra 1, construída pela americana Westinghouse, no final de sua construção, vi o núcleo da usina antes de ser ligada. Depois acompanhei o périplo que foi sua operação. A usina tinha muitos defeitos e chegou a ser chamada de usina vaga-lume na época. Acompanhei e cobrir a construção de Angra II, a discussão de colocar estacas no solo para reforçar o terreno. E acompanhei a novela, que não acabou de Angra III, que começou a ser construída em 1986 e até agora não foi concluída. Nos longos anos em que as obras não saíram do papel fiz várias matérias com as centenas de equipamentos já comprados que estão armazenados em um galpão. Vi o trabalho de tentar preservar esses equipamentos. Não sei agora que como estão, as obras chegaram a ser reiniciadas no início dos anos 2000, mas foram paralisadas desde 2015 por ter parte dos contatos também envolvidos em casos de corrupção revelados pela operação Lava-Jato.
BLOG: Havia algum tipo de preconceito ou machismo por ser repórter mulher? Alguma agressividade por parte de assessores ou entrevistados da área nuclear?
RAMONA: Confesso que nunca senti isso. Sempre fui tratada com respeito pelos executivos com quem tratava.
BLOG: Passou algum sufoco em coberturas? Como não havia internet, como analisa as dificuldades daquela época?
RAMONA: Sufoco sempre principalmente em viagens, sem celular internet, sempre era difícil fazer uma cobertura. Ou você escrevia na lauda e tentava mandar o mais rápido possível por fax, e quase sempre quando tinha em event6o para cobrir em Angra dos Reis, onde estão as usinas, era aquele sufoco, de ir bem cedo, e voltar o mais rápido possível de carro para a redação para escrever a matéria. Imagine como era! Hoje a galera transmite na hora, online pela internet a matéria assim que o evento termina! E normalmente no caminho, quando já tinha celular tinha que passar flash da matéria! Claro que a internet veio para facilitar a vida de todos os profissionais de qualquer setor. Mas no passado recente, antes da Internet você tinha que ser muito bom jornalista para fazer fontes, ganhar confiança das fontes, conseguir um telefone de uma fonte para não precisar pela secretária que sempre falava que o executivo estava em reunião!
BLOG: Quando parou de cobrir nuclear? Boas lembranças?
RAMONA: O assunto nuclear vem em ondas, ocupando espaço nas notícias, e depois desaparece. Por exemplo, quando em 2007, acho, o governo federal decidiu retomar as obras de Angra II, teve muito assunto, muita matéria, depois o reinício das obras. Depois esfriou, e voltou à tona por conta do escândalo da Lava-Jato. Já há alguns anos, pouco se fala sobre o assunto. Eu sempre acompanhei essas ondas. Boas lembranças citaria desde uma viagem que fiz à Alemanha nos anos 80, quando estava começando no setor, justamente para conhecer todo o ciclo do programa nuclear alemão de geração de energia, visitando desde usina nuclear a etapas do ciclo, incluindo uma mina de sal a 700 metros de profundidade onde eram guardados o lixo atômico. Boa lembrança também como já citei o fato de ter acompanhado praticamente todas etapas do programa nuclear brasileiro, desde o sonho de construir oito usinas nucleares e dominar todo o ciclo do combustível até agora, quando temos apenas duas usinas, Angra 1 e Angra 2, e Angra 3 parada, e um ciclo do combustível se arrastando para não perder tudo que já foi investido e conquistado em termos de tecnologia... Querendo ou não, o Brasil por exemplo, conseguiu dominar a tecnologia de enriquecimento do urânio para fins pacíficos para as usinas nucleares do jato centrífugo. Nenhum país que detêm essa tecnologia transfere ou vende para outros países, você tem que desenvolver por conta própria. E a Marinha nos anos 90 desenvolveu a tecnologia de enriquecimento.
BLOG: O que acha da cobertura da energia nuclear na atualidade? E da energia nuclear?
RAMONA: A cobertura atual de energia nuclear praticamente não existe, pelo menos nos grandes jornais e sites. Não acompanho os sites especializados. Como já comentei, o assunto só entra na pauta quando tem algo relevante, como algum assunto em relação ao caso de corrupção nas obras, ou então, quando o governo federal decidir, por exemplo retomar as obras de Angra 3. Aí, realmente vai retornar o eterno assunto se o Brasil necessita dessas usinas ou não.
PERFIL - Ramona Ordoñez - Formada na Faculdade Hélio Alonso, começou a cobrir o setor de energia nuclear desde início anos 80. Foram 35 nos em O Globo, cobrindo setores de energia, petróleo e nuclear. Ganhou vários prêmios e jornalismo, como o ESSO e Wladimir Herzog. Em várias ocasiões visitou o complexo nuclear em Angra dos Reis, e conhece também as unidades que atuam nas etapas da fabricação do ciclo do combustível. Visitou usinas e várias unidades nucleares na Alemanha, participou de diversos seminários sobre o tema. Acompanhou o setor nuclear há mais de três décadas.
FOTO: Acervo pessoal –
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