A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) acaba
de renovar a autorização para a operação permanente da Unidade de Concentrado
de Urânio (URA), em Caetité, na Bahia, por mais 24 meses. Administrada pela estatal
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a URA é a única em atividade no país, onde
são realizadas as duas primeiras etapas do ciclo do combustível nuclear:
mineração e o beneficiamento do minério, que resulta no produto chamado
concentrado de urânio ou yellowcake. A URA estava com essas atividades paradas desde 2016. A unidade ocupa uma área de 1.700
hectares, na província mineral com recursos que chagam a 99,1 mil toneladas de
urânio e onde estão identificados 17 depósitos minerais, segundo a INB. De 2000
a 2015, produziu 3.750 toneladas de concentrado de urânio a partir da extração
a céu aberto de uma outra mina chamada Cachoeira, fechada em 2009, por falta de
segurança.
RESERVAS -
O Brasil detém uma das maiores reservas de urânio do
mundo. Já esteve em quinto lugar, mas no ranking da Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA), de 2017, caiu para nono, o que ainda é bem
significativo. Porém, por falta de pesquisas, o país pode ter muito mais urânio
do que se contabiliza.
Atualmente, os recursos nacionais são estimados em
244.788 toneladas de concentrado de urânio (U3O8). Desse total, 32,5% estão
localizados no município de Itataia, no estado do Ceará, e 40,6%, em Caetité,
na Bahia. São duas grandes jazidas, também conhecidas como Províncias Uraníferas,
nas quais há diversas áreas potenciais a serem exploradas.
Na baiana Caetité, o
governo quer começar logo os trabalhos na Mina do Engenho. Para isso, assinou
recentemente contrato com a empresa Tracomal Terraplenagem e Construções
Machado, para a prestação de serviços de lavra. As negociações para a mina do
Engenho começaram em 2017, mas a INB terá que cumprir exigências da CNEN e do
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Já a mina cearense de Santa Quitéria, em Itataia, é outra história. Para tocar
o projeto emperrado há décadas, a INB firmou parceria com a empresa privada Galvani.
Juntas, montaram o Consórcio Santa Quitéria, para extrair urânio associado ao
fosfato. O negócio deve começar até 2024, com previsão de produção de até 1.600
toneladas de yellow cake por ano, com a aplicação de tecnologia de
separação de fosfato do urânio.
As licenças estão em estudo pela CNEN e o
Ibama, mas o ministro de Minas e Energia, Bento de Albuquerque, já se reuniu
com as duas empresas que formam o consórcio, o que representa um aval para o
novo modelo de negócio. Extração de urânio vale lembrar, ainda é monopólio da
União.
CICLO DO COMBUSTÍVEL -
No ano passado, com investimentos de cerca de R$
600 milhões foi inaugurada a 8ª cascata de ultracentrifugas (máquinas conectadas
em série e paralelo, formando as chamadas cascatas). Com a entrada em operação de mais uma cascata,
a INB aumentou em 20% a produção de urânio enriquecido no país, sendo possível
produzir 60% do necessário para abastecer a usina nuclear de Angra 1, no
Complexo Nuclear de Angra dos Reis, na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro.
A 8ª cascata faz parte da 1ª fase de implantação da Usina de Enriquecimento de
Urânio, prevista para ser concluída este ano, com a instalação da 9ª e 10ª
cascatas. O presidente da INB, Carlos Freire Moreira, assinou contrato em
novembro passado com a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) para
elaboração do detalhamento do projeto básico para ampliação da Usina de
Enriquecimento de Urânio localizada na Fábrica de Combustível Nuclear, em
Rezende (RJ).
A implantação dessa 2ª fase contemplará três etapas. O contrato
em questão abrange a Etapa 1 que consiste na instalação de 12 cascatas de
ultracentrífugas. Quando estiver concluída essa etapa, a INB alcançará uma
capacidade de enriquecimento de urânio que atenderá as necessidades de
combustível nuclear das usinas de Angra 1 e Angra 2. O governo planeja construir outras
usinas no Nordeste.
CRITICAS -
O professor associado do Instituto de Energia e
Ambiente da Universidade de São Paulo, doutor em Engenharia Mecânica, Célio
Bermann, contesta a exploração das minas na Bahia e no Ceará. “Essas minas
começaram a ser exploradas em
2000, até 2009, quando registraram pelo menos cinco acidentes que contaminaram
parte dos rios e solo da região, de acordo com um relatório da Secretaria de
Saúde daquele estado. Vários casos
de câncer nos trabalhadores das minas foram notificados pelos
serviços de saúde local, muito embora a relação causa-efeito com
a exposição a material radioativo nunca tenha sido estabelecida”.
Célio Bermann também
coloca sob suspeição a intenção pacifica dos projetos e o objetivo econômico.
“Essa não deve ser a razão de retomada, pois o preço do minério no mercado
internacional não deixou de cair, notadamente após o acidente de Fukushima em
março de 2011”, comenta. Em sua avaliação, a previsão de acréscimo de 10.000 MW
nucleares anunciada pelo Ministério de Minas e Energia até 2050, envolvendo
neste propósito a construção de uma central nuclear em Itacuruba, no estado de
Pernambuco, às margens do Rio São Francisco, é mais um problema grave. “Aumentará
os riscos de disponibilidade hídrica naquela região do semiárido nordestino,
além das incertezas e riscos intrínsecos das usinas nucleares”. A usina de
Itacuruba é uma das quatro que o governo intenciona construir no Nordeste.
Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará fundaram o núcleo Tramas, para debater questões ambientais. Um dos focos é a
mina do Consorcio Santa Quitéria, na jazida de Itataia. O pesquisador Rafael
Dias Melo, do núcleo, apontou os riscos de contaminação do solo e dos recursos
hídricos na região. “Ao longo dos
anos, somente pela checagem de viabilidade, a parte do solo ao redor da jazida
já estaria apresentando níveis de urânio acima do normal”, alertou. Ele também
alerta sobre os problemas que serão provocados pela radiação aos moradores da
região, “amentando a incidência de vários tipos de câncer, como o de pulmão”.
O professor aposentado da
Universidade Federal de Pernambuco, Heitor Scalambrini, engrossa a lista de
pessoas renomadas, que contestam as ações do atual governo. “A diversificação
da matriz elétrica se dá através das fontes como a solar, eólica, agroenergia,
entre outras, fontes renováveis. Mas face a uma péssima informação, que muitas
vezes é deliberadamente omitida para a sociedade; estamos diante de mais uma
catástrofe que poderá acontecer no território nacional, diante das políticas
que estão sendo implementadas, e que caminham contrárias aos interesses mais
amplos da sociedade”, avisa Scalambrini, graduado em
Física na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com mestrado em
Ciências e Tecnologias Nucleares na UFPE, e doutorado na Universidade de
Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.
A Articulação Antinuclear
Brasileira e da Coalização por um Brasil livre de Usinas Nucleares, reúne cerca de 30 entidades, que tem debatido em
“lives”, por conta da pandemia, a posição contrária aos atuais projetos do
governo. Prêmio Nobel Alternativo de 2006, o ativista e militante Chico Whitaker, faz parte do movimento.
Whitaker prevê o crescimento do movimento, com a comprovação da viabilidade e
importância do uso das energias alternativas.
FOTO: URA - Acervo INB -