segunda-feira, 25 de março de 2019

Angra III: Governo busca parcerias internacionais. Dívidas com BNDES e CEF são de bilhões.


O governo brasileiro quer retomar as obras da usina nuclear Angra III. Agora, mais do que nunca, busca parcerias com empresas internacionais. Empresas russa, chinesa e francesa são as apostas do momento. Além da falta de recursos e de decisões políticas, a história de atrasos da usina conta com a prisão do contra-almirante, Othon Luiz Pinheiro, em 2015; e na quinta-feira (21/3), do ex-presidente Michel Temer, e ex-ministro Moreira Franco, com base em denúncias de corrupção, ambos liberados nesta segunda-feira (25/3).

Números também mostram o complicado contexto financeiro no qual a usina se insere: a unidade já consumiu R$ 7 bilhões e precisa de outros R$ 14 bilhões para ser concluída. O valor gasto com a manutenção dos equipamentos em depósito de Angra III é de R$ 3 milhões por mês. 

Os equipamentos e serviços contratados no mercado nacional estão sendo custeados por meio de financiamento obtido pela Eletronuclear, gestora das usinas nucleares, junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de R$ 6,1 bilhões. O contrato foi assinado em fevereiro de 2011. Desse valor, a Eletronuclear já sacou R$ 2,7 bilhões, entre junho de 2011 e junho de 2015. Ao BNDES, a empresa paga R$ 30,9 milhões por mês desde outubro de 2017.

 O financiamento para a aquisição de máquinas, equipamentos importados e serviços realizados no exterior advém de outro contrato entre a Eletronuclear e a Caixa Econômica Federal (CEF), no valor de R$ 3,8 bilhões, assinado em junho de 2013, tornando-se efetivo plenamente em julho de 2015.  Desse valor, foram retirados R$ 2,8 bilhões, entre junho de 2015 e julho de 2017.  À CEF, a empresa paga R$ 24,7 milhões por mês desde julho de 2018. 

PARCERIAS INTERNACIONAIS - 
Empresa responsável pelo projeto, construção e operação de usinas nucleares no Brasil, a Eletronuclear vem mantendo conversas preliminares com os principais detentores mundiais da tecnologia para construção e operação de usinas nucleares e não apenas, mas também, com a Rússia e a China. Buscando o ponto de equilíbrio financeiro para o empreendimento, este eventual parceiro deverá ter condições de investir nas obras de conclusão da usina. 

Nesse contexto, já houve contatos, entre outros, com o gigante consócio franco-nipônico EDF/MHI (Électricité de France / Mitsubish Heavy Industries); a sul-coreana KEPCO (Korea Electric Power Corporation) empresa que no momento é responsável pela construção de quatro usinas nucleares nos Emirados Árabes Unidos; as atuais controladoras da norte-americana WEC (Westinghouse Electric Corporation), empresa precursora mundial na construção de usinas termonucleares; a russa Rosatom; a chinesa CNNC (China National Nuclear Corporation); e o grupo consorciado chinês SNPTC/SPIC (State Nuclear Power Technology Company / State Power Investment Corporation). 

ESTUDO DA FVG - 
Em 2014, a Eletronuclear contratou a FGV Projetos, Fundação Getúlio Vargas, para avaliar os impactos socioeconômicos da construção de Angra III. O estudo foi concluído em 2015. O efeito total do projeto orçado na época sobre o Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassava os R$ 10 bilhões. 

Em relação aos postos de trabalho gerados diretamente pelo projeto, conforme orçado, entre temporários e empregos permanentes, estavam em torno de 214 mil. Com isto, o total – incluindo indiretos e induzidos - ultrapassava 500 mil.

PREÇO DA ENERGIA - 
Em outubro do ano passado, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou um novo preço de referência para a energia que será produzida por Angra III. O valor – de R$ 480,00 por megawatt-hora (MWh). A resolução do CNPE também orientou que o Ministério de Minas e Energia (MME) incluísse o empreendimento no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal. 

O próximo passo é o governo a avaliar o modelo para a escolha do parceiro privado que concluirá a obra. O cronograma atual considera o reinício das obras para junho de 2021. Caso isso se concretize, a usina ficaria pronta em janeiro de 2026. Angra III terá 1.405 MW de potência, enquanto Angra II tem 1.350 MW. As usinas foram compradas pelo Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, assinado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, em 27 de junho de 1975.  

Hoje, estão sendo executadas atividades de preservação das instalações do canteiro de obras e das estruturas e equipamentos da usina. A Eletronuclear conta com 1.740 empregados. Desse total, 1.350 trabalham em Angra dos Reis. Segundo a Eletronuclear, quando Angra III entrar em operação, a geração da usina será suficiente para atender 4,45 milhões de pessoas. 

Com as três usinas em operação, a energia gerada pela central nuclear de Angra será equivalente a, aproximadamente, 68% do consumo do estado do Rio de Janeiro. Angra III tem cerca de 65% de suas obras civis concluídas. Para ser finalizada, o Brasil depende de interesse externo.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Eletrobras divulga nota sobre prisão de Michel Temer, acusado pela Lava Jato de receber propina nas obras da usina nuclear Angra III


As prisões do ex-presidente da República, Michel Temer, e ex-ministro Moreira Franco, acusados de corrupção envolvendo obras da usina nuclear Angra III, pela Operação Lava-Jato, levaram a Eletrobras a divulgar na noite desta quinta-feira (21/3) um “Fato Relevante” a seus acionistas e ao mercado em geral.  

“Em decorrência de suposto recebimento de propinas – de Michel Temer - relacionadas a certos contratos da construção da Usina Nuclear de Angra 3, a Eletrobras reitera, que os contratos relacionados à construção foram objeto de análise no curso da investigação independente” conduzida pela empresa, desde o início de 2015 até o final de 2018”.  A nota não menciona o nome de Moreira.

E continua: “ Todos os atos ilícitos referentes à Angra 3 identificados na investigação, foram objeto das medidas administrativas cabíveis, como encerramento de contratos e exoneração de executivos envolvidos, bem como foi efetuado o registro de perdas na ordem de R$ 141.3 millhões”.  Por fim, a Eletrobras informa que “está acompanhando as ações decorrentes da Operação Lava Jato, para avaliar se deve adotar alguma medida adicional, visando o ressarcimento das perdas”. A nota foi assinada pela diretora financeira e de relações com investimentos da Eletrobras, Elvira Cavalcanti Presta. 

Angra III é um poço de problemas desde a sua aquisição, pelo acordo Brasil-Alemanha, assinado pelo general Ernesto Geisel, no dia 27 de junho de 1975. Durante anos a fio, por falta de verbas, problemas nas escavações, entre outros, o empreendimento era “empurrado com a barriga” e teve várias paralisações. A mais recente foi em 2015, quando o então presidente da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, contra-almirante Othon Luiz Pinheiro, foi preso pela Lava Jato, acusado de corrupção, com outros executivos da empresa, em obras da central atômica. 

Considerado um dos pais do programa nuclear paralelo (militar), Othon Luiz Pinheiro conseguiu ficar em prisão domiciliar. Mas para alguns pode representar uma ameaça, pela quantidade de informações sigilosas mantidas a sete chaves. Afinal, o nome do contra-almirante faz parte da trajetória da energia nuclear no Brasil. Passa por sua titularidade a Delta IV (conta secreta para alimentar projetos militares no passado), pela importação, na década de 80, via um espião alemão, de projeto de fabricação de ultracentrífuga (máquina para enriquecer urânio), em Aramar, em São Paulo), por exemplo. 

Segundo a Operação Lava Jato, há documentos suficientes para a prisão de Michel Temer e Moreira Franco. Moreira, ex-governador do Rio, ex-prefeito de Niterói, participou de vários governos, tendo sido ministro das Minas e Energia, de Temer.  No emaranhado de corrupção e recebimento de propina, Temer, liderava o esquema em Angra III, que subtraiu pelo menos R$ 1,8 bilhão dos cofres públicos. 

A terceira central nuclear tem 65% de suas obras civis concluídas e grandes equipamentos armazenados na Nuclep, em Itaguai, e na central nuclear de Angra dos Reis. Já consumiu cerca de R$ 7 bilhões. Para ser concluída, segundo a Eletronuclear, depende de investimentos da ordem de R$ 14 bilhões. Sem recursos, como anunciava, o governo Temer tentava conversar sobre parcerias com empresas chinesa, francesa e russa. Enquanto isso, a dívida mensal de Angra III com o BNDES é de R$ 30 milhões.    

quarta-feira, 20 de março de 2019

Prefeito de Angra pede ajuda do Exército: cidade vulnerável quanto à segurança das usinas nucleares


O fato de bandidos interceptarem um comboio que transportava combustível (urânio) para as usinas nucleares, nesta terça-feira (19/3), na Rodovia Rio-Santos, próximo ao bairro do Frade, levou o prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão, a pedir ajuda ao Exército, para que complemente o trabalho que vem sendo feito pelas policiais Civil e Militar.

Em nota divulgada hoje (20/3), Jordão informa que diversas situações têm provocado o fechamento da Rio-Santos, como roubos de bancos ao redor das unidades nucleares, comprometendo o Plano de Emergência para a retirada da população, em caso de acidente. “A cidade está vulnerável em relação à segurança das usinas”, afirmou. 

O prefeito levou o problema ao Gabinete Institucional da Presidência da República, e ao governador do Estado, Wilson Witzel. Segundo Jordão, o governador encaminhou a situação para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. 

A nota do Prefeito não menciona os motivos do ataque dos bandidos ao comboio. Há a versão de que havia briga entre grupos de traficantes rivais na hora da passagem do comboio. O combustível para as usinas atômicas, desta vez, Angra 2, foi preparado pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende, de onde saiu, com destino a Angra dos Reis. Por causa dos problemas enfrentados na estrada, há a possibilidade de a Eletronuclear, gestora das usinas, optar pelo transporte via marítima.  Em maio do ano passado, o problema ocorreu devido à greve dos caminhoneiros.

terça-feira, 19 de março de 2019

Tiros de bandidos surpreendem comboio com urânio para Angra 2


Tiros de bandidos disparados durante a passagem de comboio com combustível (urânio) para a usina nuclear Angra 2, surpreenderam policiais e integrantes da equipe, por volta das 12 horas desta terça-feira (19/3), na Estrada Rio-Santos, altura do bairro do Frade, em Angra dos Reis. Em maio do ano passado, o transporte do material teve problemas por conta da greve dos caminhoneiros. Os fatos intensificam a possibilidade de o transporte ser feito via marítima.  

O prefeito da cidade, Fernando Jordão, comunicou ao governador Wilson Witzel, o risco que o transporte da carga correu.

Segundo a Eletronuclear, gestora das usinas, por precaução, e como contingência, policiais do Batalhão de Choque que acompanhavam o transporte se posicionaram às margens da rodovia, de forma a garantir a segurança do comboio, que não foi interrompido. 

“Após a passagem do comboio, alguns bandidos, assustados com o forte aparato policial, chegaram a efetuar disparos contra uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os policiais revidaram, mas não houve feridos nem danos materiais”, informou. 

A empresa admite em nota oficial que, se um tiro de arma de fogo conseguisse atravessar a proteção do contêiner, poderia danificar o combustível nuclear. Mas assegura que isso não colocaria em risco a população, nem o meio ambiente, porque o urânio contido em um elemento combustível está em estado natural, com o mesmo nível de radioatividade encontrado na natureza. 

O carregamento chegou à central nuclear dentro do horário previsto, às 12h23. Para ser transportado de Resende – onde é fabricado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – a Angra dos Reis, o combustível nuclear é acondicionado dentro de contêineres metálicos especialmente fabricados para essa tarefa. Esses invólucros passam por testes de resistência contra quedas e incêndios o combustível nuclear. 


sábado, 16 de março de 2019

Usina nuclear Angra 1 volta a operar


A usina nuclear Angra 1, em Angra dos Reis, foi sincronizada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) nesta sexta-feira (15), às 10h56, informou a Eletronuclear. A usina havia sido desligada na última terça-feira (12) devido a uma falha na subestação de Furnas localizada na própria central nuclear de Angra. A falha foi um princípio de incêndio em uma caneleta da subestação de Furnas. 

Por conta disso, a usina perdeu a conexão com o sistema de linhas de transmissão de 500 kV, ficando alimentada pelo sistema de 138 kV. Com o problema resolvido, Angra 1 foi religada.

“Durante o episódio, os sistemas de segurança da usina operaram de forma adequada, de forma que não houve qualquer risco à segurança da unidade, aos trabalhadores da empresa, à população ou ao meio ambiente”, informa a Eletronuclear.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Furnas confirma curto circuito em subestação de central nuclear. Conexão de Angra 1 com o sistema pode ser retomada


Furnas Centrais Elétricas acaba de confirmar com exclusividade ao Blog, que um curto circuito ocorrido às 22h30 de terça-feira (12/03) na canaleta dos cabos do disjuntor 9154 causou a perda de conexão da usina nuclear Angra 1, com o sistema de transmissão de energia. 

Segundo a empresa, os sistemas de proteção funcionaram a contento e a ocorrência “não representou risco à segurança dos trabalhadores, da população ou do meio ambiente”. Também não foi registrada interrupção no fornecimento de energia elétrica para os consumidores. 

Os técnicos da empresa concluíram nesta quinta-feira, 14/03, os reparos nos cabos do disjuntor 500Kv 9134 da Subestação de Angra dos Reis de FURNAS, que fica localizada ao lado da Central Nuclear de Angra 1 (Angra dos Reis/RJ). O segundo disjuntor, 9154, e seus cabos ainda estão em manutenção corretiva, porém a subestação já pode retomar a conexão da usina com o Sistema Interligado Nacional (SIN), a partir dos equipamentos que foram reparados. 
Caberá a Eletronuclear, gestora das usinas, iniciar os trabalhos para religar a central atômica.  

Princípio de incêndio em subestação de Furnas desliga usina nuclear Angra 1


Um princípio de incêndio na canaleta dos cabos disjuntores em uma subestação de Furnas, provocou o desligamento automático da usina nuclear Angra I, nesta terça-feira (12/3), às 22h29. A informação é do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).  

A Eletronuclear confirma o desligamento automático “em função de uma falha na subestação de Furnas, localizada na própria Central Nuclear”. Segundo a empresa, “com o evento, a usina perdeu a conexão com o sistema de linhas de transmissão de 500 kV ficando alimentada pelo sistema de 138kV”.

 Em nota divulgada em seu site, a Eletronuclear também informa: “É importante ressaltar que sendo uma medida de segurança prevista em situações como essa, durante o episódio, todos os sistemas da usina operaram de forma adequada e a unidade se encontra pronta para o retorno assim que os reparos na subestação sejam concluídos”. 

Técnicos de Furnas e da Eletronuclear estão trabalhando juntos na solução do problema, mas ainda não há uma previsão para conclusão do serviço. De acordo com a Eletronuclear, o problema não apresentou qualquer risco à segurança de Angra 1, aos trabalhadores da empresa, à população ou ao meio ambiente. 

O Blog solicitou a Eletronuclear e a Furnas maiores informações sobre o princípio de incêndio e prejuízos que a paralisação pode causar, além de quanto o reparo deverá custar.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Fernanda Giannasi e sua luta para banir o amianto. Ela também já sofreu preconceito.


Há mais de 30 anos, uma paulista de Ribeirão Preto, vem jogando luz e abastecendo a sociedade de informações sobre os perigos causados pelo amianto (produto cancerígeno). Neta de imigrantes italianos, para levar adiante o árduo trabalho em prol da saúde e segurança dos trabalhadores, enfrenta uma engrenagem de poder que movimenta e alimenta gigantes da economia. Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher (8/3), o Blog entrevista FERNANDA GIANNASI, engenheira civil e de segurança do Trabalho, pioneira na luta contra o amianto, que abraça outras causas, como a defesa dos trabalhadores da tecnologia nuclear e sílica. Desde a década de 90, é coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina; e fundou a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA). Premiada no Brasil e exterior, pelo conjunto da obra, já recebeu ameaças, mas avisa: “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse”, como cantou Gonzaguinha.   

BLOG: Um dos maiores conglomerados produtores de amianto no mundo, a Eternit S.A. do Brasil e sua subsidiária SAMA S.A. – Minerações Associadas, anunciaram recentemente o fim definitivo da produção de materiais de construção e do fornecimento da fibra “ in natura” para o mercado nacional. Anunciaram também que suspenderam provisoriamente a produção para exportação do mineral até decisão final sobre recursos impetrados no Supremo Tribunal Federa (STF). Isso quer dizer que a produção no Brasil ainda existia? Não foi proibida? Por que as empresas não respeitaram tal decisão?

Fernanda: Realmente a produção, comercialização e utilização do amianto foram proibidas pelo STF, para todo o território nacional, em 29/11/2017. Para nossa surpresa, em 20 de dezembro do mesmo ano, às vésperas do recesso da Corte, a ministra Rosa Weber concedeu liminar a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), entidade lobista financiada pela indústria, abrindo uma exceção ao que fora decidido pelo colegiado do STF até que a sentença do histórico julgamento fosse publicada, o que só ocorreu em 1º./2/2019; isto é, mais de um ano após o julgamento. 

BLOG: O que ocorreu em seguida? 
Fernanda: Foi permitida, ao longo de mais de um ano, em caráter provisório, a continuidade da produção nos estados, que não têm leis próprias de banimento, como é o caso de Goiás. Lá, é onde está situada a terceira maior mineração de amianto no mundo e onde se encontra o forte movimento de resistência ao banimento do mineral cancerígeno. Assim, essas empresas ganharam uma sobrevida; portanto, não podem se queixar que não tiveram tempo suficiente para se organizar e cumprir a sentença proferida. 

BLOG: Diante da decisão, o que foi feito? 
Fernanda: A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) se posicionou fortemente contrária à liminar concedida e recorreu ao STF para tentar impedir que esta surtisse efeito, mas infelizmente não foi atendida. A mineradora (SAMA), uma fábrica da subsidiária da Eternit em Anápolis (Goiás), chamada Precon Goiás Industrial Ltda., e uma de Pedro Leopoldo (Minas Gerais), a Precon Industrial S. A., continuaram a produzir até recentemente. 

BLOG: Quais os recursos estão sendo impetrados? 
Fernanda:  A ABREA recorreu imediatamente da decisão da Ministra Rosa Weber e impetrou pedido de sua suspensão no plantão do recesso judiciário e peticionou recentemente manifestação contrária aos recursos apresentados pelos defensores do amianto, que pleiteiam a continuidade da mineração, para fins de exportação, por mais 10 anos ainda. Aguardamos, ansiosamente, a apreciação e julgamento final pelo colegiado dos ministros do STF de todas as petições e memoriais por nós apresentados. 

BLOG: Quantas pessoas foram vitimadas pelo amianto no Brasil? Há provas documentais sobre quantas pessoas morreram no Brasil? 
Fernanda: Um número preciso de vítimas do amianto no Brasil ainda não nos foi possível obter, nem através de dados oficiais da Previdência Social, nem do Ministério da Saúde. Trabalho inédito do pesquisador da Fiocruz, Francisco Pedra, concluiu que “ao longo de 31 anos, entre 1980 a 2010, ocorreram 3.718 óbitos por Mesotelioma (o câncer do amianto), no Brasil”; dados estes que foram colhidos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DATASUS. Comparando nossa estatística a de outros países, em situações semelhantes de grandes produtores e/ou usuários, percebemos por aqui que a mortalidade por mesotelioma é baixa e não corresponde à intensidade da produção e do uso do amianto ao longo do tempo. Portanto, presume-se uma imensa subnotificação de casos de doenças relacionadas ao amianto, cujos dados visíveis são a ponta de um imenso iceberg submerso. 

BLOG: Por quê? 
Fernanda: Por conta de vários motivos: o  silêncio epidemiológico reinante no país em função de diversos mecanismos de invisibilidade social, tais como a inércia das instituições de saúde, que não cumprem seu papel de vigilância epidemiológica previsto na legislação; pelos pactos estabelecidos entre empresas e vítimas, através de acordos extrajudiciais (mais de três mil instrumentos particulares de transação foram firmados pelas duas empresas líderes do mercado de fibrocimento e da mineração), que remuneram parcamente o silêncio das vítimas e de seus familiares pelas doenças adquiridas; por liminar protegendo 17 empresas de não serem obrigadas a informar os dados de seus trabalhadores expostos e doentes para os órgãos de saúde; a dificuldade de diagnóstico e a disponibilidade de recursos sobretudo tecnológicos para tal. 

BLOG: É um problema sistêmico de grande subnotificação como ocorre com outras doenças provocadas pelo trabalho? 
Fernanda: Certamente. Outro agravante para esta subnotificação está no fato de que as doenças relacionadas ao amianto são de longa latência, isto é, levam em média de 20 até 60 anos para se manifestarem, após o primeiro contato com o mineral, quando em geral o trabalhador já não está mais no seu local de trabalho. Infelizmente, na área médica, não há investigação sobre a vida profissional pregressa do paciente. Para os casos conhecidos na ABREA, fazemos gestão junto aos órgãos da Previdência Social como os da Saúde para fins de registro. 

BLOG: Quantas estão em tratamento? 
Fernanda: Em todo o país, por onde se utilizou o amianto de maneira intensiva e sem nenhum controle, diariamente nos deparamos com novos casos de doenças sendo diagnosticadas, entre as quais a asbestose (fibrose pulmonar que endurece o pulmão, tornando-o rígido – o chamado “pulmão de pedra”), diversos tipos de cânceres, entre eles o de pulmão, laringe, aparelho digestório, ovário, túnica vaginal e o mesotelioma, chamado o “câncer do amianto”, que atinge as membras serosas que envolvem o pulmão (pleura), a cavidade abdominal (peritônio) e o coração (pericárdio). São centenas de casos em tratamento nas diversas estruturas do Sistema Único de Saúde (SUS) e em entidades privadas para aqueles que celebraram os acordos extrajudiciais. 

BLOG: Há indenizações? 
Fernanda: Com a Emenda Constitucional 45, que atribuiu à Justiça do Trabalho o poder decisório em processos de indenização por doenças adquiridas no e/ou pelo trabalho, os processos individuais das vítimas do amianto se tornaram mais céleres. E, em geral, mais bem-sucedidos em relação ao que ocorria anteriormente na esfera cível, em especial quanto aos valores de dano moral. Nosso país ainda não goza de uma cultura judicial uniforme sobre as ações civis públicas coletivas, e se percebe uma certa timidez nos julgamentos destes processos, diferentemente do que ocorre nas ações individuais. Essas ações, depois da EC 45 têm indenizado de maneira mais justa e rápida às vítimas e seus familiares. 

BLOG: É verídica a informação de que a Eternit continuará exportando as fibras de amianto para dezenas de países, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Índia, Indonésia, Malásia e outros países asiáticos? A informação é documentada? 
Fernanda: A exportação do amianto in natura só ocorrerá se o STF conceder a chamada modulação de efeitos; isto é, garantir prazo adicional para a empresa mineradora SAMA, que clama junto com os trabalhadores e Sindicato por uma “transição segura” para o encerramento e descomissionamento, que eles entendem ser necessários em torno de 10 anos. A Sama só parou a produção após a publicação das sentenças do STF, que ocorreu em 1º./2/2019. 

BLOG: Onde estão localizadas as fábricas de amianto no Brasil? Quantas pessoas trabalham nessas fábricas? Estão cientes do perigo? 
Fernanda: Atualmente só a mineração de amianto, em Minaçu, continua a explorar a fibra cancerígena. As demais fábricas substituíram esta matéria-prima reconhecidamente nociva para a saúde dos seres humanos. Na mineração, atualmente, trabalham 280 empregados na mina de Cana Brava, da Sama, em Minaçu, no Estado de Goiás. A cidade tem ainda uma dependência econômica muito grande desta empresa, que é a maior atividade produtiva do local, o que faz com que a população tenha estabelecido um pacto de silêncio, negando fortemente a nocividade de sua principal riqueza local. Chamam-na orgulhosamente de a “capital nacional do amianto”. Isso pode ser visto no pórtico de entrada da cidade, em equipamentos públicos, como escola, hospital e, mesmo os privados de Minaçu que têm a marca registrada do poderio econômico exercido pela atividade de exploração do minério de amianto. Podemos ver também na decoração do principal hotel da cidade, que tem o sugestivo nome de CRISOTILA (o amianto branco explorado em Minaçu) Palace Hotel e até no aeroporto e na porta do fórum, que ostentam enormes pedras do minério in natura

BLOG:  O que as autoridades da saúde no Brasil têm feito pelas vítimas do amianto? E as autoridades da segurança do trabalho? 
Fernanda: Muito pouco tem sido feito pelos órgãos de saúde e trabalho, em geral, no país, com raríssimas e notórias exceções como o ambulatório de pneumologia da Fundacentro e do INCOR em São Paulo e o da Fiocruz no Rio de Janeiro, que realizam os diagnósticos das doenças relacionadas ao amianto dos ex-empregados expostos. As fiscalizações praticamente estão paralisadas pelo desmonte de órgãos como o Ministério do Trabalho, restando apenas sabidamente a vigilância sanitária do estado de São Paulo e do município do Rio de Janeiro, que têm realizado diligências esporádicas nos estabelecimentos comerciais, apreendendo materiais, contendo amianto, que ainda estão sendo vendidos para a população de baixa renda, provenientes de estoques remanescentes. 

BLOG: Quando a luta pelo banimento começou no Brasil? O que motivou essa luta?
Fernanda: A luta pelo banimento no Brasil se inicia mais efetivamente após o evento da conferência das Nações Unidas (ONU), a UNCED, popularmente conhecida como a  Rio/92, onde tivemos a oportunidade de conhecer e interagir com movimentos sociais internacionais na luta para a eliminação dos produtos tóxicos, o qual incluía o amianto, a tecnologia nuclear etc. 

BLOG: Por que a senhora entrou nessa luta? 
Fernanda: Desde 1983, quando fui admitida em concurso público para a inspeção do trabalho, em São Paulo, me dediquei a estudar e inspecionar empresas que utilizavam produtos e tecnologias cancerígenas. Em 1985, constitui com um colega médico o GIA-Grupo Interinstitucional do Asbesto para fiscalizar as empresas usuárias de amianto no estado de São Paulo. Isto, no momento em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU, discutia se o amianto deveria ser proibido em todo o mundo ou permitido seu uso sob restritas condições de segurança. Dali para frente, os enfrentamentos com a indústria do amianto foram se sucedendo e se tornando cada vez mais acirrados, nos diversos campos, pois enfrentamos um dos mais organizados e poderosos lobbies industriais mundiais, comparado em importância e poderio ao do tabaco. 

BLOG:  A senhora ganhou o prêmio “Faz Diferença” de O GLOBO por sua atuação pelo banimento do amianto no Brasil e no mundo. O que representou esse prêmio? 
Fernanda: Representou a coroação de um esforço, inicialmente solitário, mas que foi ganhando adeptos e se tornando uma luta coletiva ao longo desta jornada de 35 anos. O prestigioso prêmio “Faz Diferença”, na categoria Economia, tornou a nossa batalha ainda mais visível e palatável para uma grande parcela da sociedade brasileira e, principalmente, para os formadores de opinião. Uma grande honra tê-lo recebido junto a tantas personalidades ilustres e famosas deste país. 

BLOG: No Brasil, quais os próximos passos pra acabar de vez com o amianto? 
Fernanda: O mais importante no momento é a celeridade no julgamento dos recursos opostos após a publicação da sentença, que baniu o amianto no Brasil para garanti-lo, sem exceções de qualquer tipo ou privilegiando setores produtivos. Além disso, urge o imediato restabelecimento, sem mais prorrogações, dos efeitos erga omnes, isto é, para todo o território nacional, independente de leis estaduais, e vinculante para todos os poderes, sem precisar da aprovação do Congresso Nacional. 

BLOG: Foi discriminada por ser mulher? 
Fernanda: No início da carreira, sim, por ser mulher, jovem e engenheira. Mas com o passar dos anos isso foi arrefecendo. 

BLOG: Já sofreu ameaças? 
Fernanda: Sim. Mas prefiro virar esta página e seguir em frente. 

BLOG: Tantos anos lutando pelo banimento do amianto, vendo retrocessos, descasos, isso cansa? Fernanda: Olhando para trás me dou conta que são mais de três décadas envolvida com esta luta pelo banimento do amianto e pela saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e, honestamente, não senti o passar dos anos.  “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse”, como diria o saudoso Gonzaguinha, sem dúvida. Não foi fácil, confesso, mas em nenhum momento, mesmo sob intensa pressão e ameaças, nunca pensei em desistir, pois é uma luta por Justiça, Justiça socioambiental. Como diriam meus antepassados, “quem sai aos seus não degenera” e a eles devo esta inquietação contra injustiças e tantas iniquidades existes em nossa sociedade. 

PERFIL

FERNANDA GIANNASI é Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho. Auditora Fiscal do Trabalho por 30 anos no antigo Ministério do Trabalho em São Paulo, onde atuou na inspeção das condições de saúde e segurança no trabalho com ênfase na insalubridade, letalidade e periculosidade dos agentes cancerígenos (amianto, tecnologia nuclear, sílica) e outros tóxicos. Atualmente, aposentada, é consultora na área de saúde, trabalho e meio ambiente para entidades de trabalhadores (as) e vítimas de processos industriais, bem como para seus assessores jurídicos. Fundou a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) em 1995 e é coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina desde 1993. Tem recebido vários prêmios importantes nacionais e internacionais entre os quais: a Ordem do Mérito Judiciário tanto pelo Tribunal Regional da 15ª. região (TRT -15), como pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de Brasília. Em novembro de 2018, foi agraciada com o Prêmio Bernardino Ramazzini de 2018, em homenagem ao Pai da Medicina do Trabalho, pelo prestigiado Collegium Ramazzini, de Carpi, na Província de Módena, Itália.

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