sexta-feira, 22 de maio de 2020

Justiça indefere liminar requerida pela INB para não pagar plano de saúde a vítimas de radiação


O desembargador federal do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo, Marcos César Amador Alves, acaba de indeferir o pedido de liminar ajuizado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), tentando se eximir do pagamento do plano de saúde vitalício para cerca de 200 ex-empregados de sua unidade industrial, a extinta Nuclemon. No passado, eles foram expostos à radiação e a diversos agentes químicos, sofrendo até hoje de doenças relacionadas ao trabalho, como o câncer e severos problemas pulmonares. 

A INB, sucessora da Nuclemon, recorreu da decisão do juiz titular da 20ª Vara do Trabalho de São Paulo, Eduardo Marques Vieira Araújo, na ação civil pública ajuizada pela Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN), presidida pelo ex-empregado José Venâncio Alves. A entidade foi criada em 2006 para lutar pelos direitos das vítimas da empresa. 

A Nuclemon, em sua antiga usina industrial de Santo Amaro (USAM), beneficiava areias monazíticas, contendo os minerais radioativos urânio e tório. A empresa fechou no início da década de 90, após denúncias de contaminação divulgadas pela imprensa, deixando como herança um número incontável de doentes.  Muitos já morreram sem receber qualquer assistência ou indenização.

COVID-19 - 

A pandemia pelo coronavírus (COVID-19) pesou na decisão de Vieira Araújo, determinando a concessão do plano de saúde para as vítimas. O magistrado levou em conta que a maior parte dos trabalhadores têm mais de 50 anos e é extremamente vulnerável, “devido à fragilidade do sistema imunológico, tornando o caso ainda mais delicado”. 

Além de lutar pela sobrevivência, as vítimas vêm enfrentando interrupções no tratamento por conta de paralisações do atendimento, em decorrência da falta de pagamento pela INB. A decisão do TRT ratifica a determinação do juiz Vieira Araújo, divulgada em abril. 

ALTAS DOSES DE RADIAÇÃO - 

A falta de transparência da Nuclemon, ao longo de décadas, ficou provada para a Justiça em documentos mostrando que os efeitos da radiação “podem eclodir tardiamente”, como ocorreu com diversos trabalhadores da empresa. 

Entre a documentação comprobatória, a ANTPEN anexou relatório da própria Nuclemon, reconhecendo que, em 1987, um grupo de 59 trabalhadores recebeu doses de radiação superiores ao limite permitido à população em geral. Além disso, nos registros da própria empresa, entre 1973 e 1989, aparecem casos de trabalhadores que receberam doses anuais muito acima do limite ocupacional permitido pelas normas legais.

 A Justiça se respaldou em relatórios sobre as consequências orgânicas provenientes da manipulação de elementos químicos como urânio e tório, elaborados pelo Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). 

DESCASO - 

“Não se trata de um fato isolado de descaso e exposição da população e o meio ambiente a riscos de contaminação radioativa”, frisou o juiz. A própria Nuclemon, desde 1990, já vinha sendo objeto de acompanhamento por parte da Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, a partir de denúncia de seus próprios empregados e de entidades como o Sindicato dos Trabalhadores na Industrias Químicas, sobre os riscos de contaminação radioativa. 

A advogada Érica Coutinho, que representa a ANTPEN, lembrou que antes da decisão do juiz Vieira Araújo, apenas 60 associados, que integram uma outra ação, movida pelo advogado Luis Carlos Moro, estavam assistidos pelo plano de saúde. Mas a decisão do magistrado, agora ratificada pelo TRT, abrange todo o grupo. 

MORTES AO LONGO DO PROCESSO -  

A advogada lembrou que muitas vítimas da Nuclemon, atual INB, morreram ao longo do processo, que ainda depende de uma sentença final, sobre a indenização pelos danos causados durante os anos trabalhados. 

A Nuclemon funcionou no bairro paulistano do Brooklin, entre as décadas de 40 e 90. Chegou a ter entre 500 a 700 empregados na planta, manuseando o material radioativo sem as mínimas condições de segurança. Importante lembrar que a maioria, praticamente analfabeta, era recrutada nas roças, sem nunca ter sido informada sobre os dados causados pela radiação. 

O trabalhado de alguns órgãos foi fundamental para que o caso chegasse à opinião pública, como o extinto Ministério do Trabalho, através da auditora fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi; a direção do Sindicato dos Químicos de São Paulo; o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Santo Amaro e o Ministério Público Estadual. 

Eles realizaram várias inspeções e comprovaram contaminação na Usina de Santo Amaro (USAM) e na de Interlagos (USIN), para onde o material radioativo era também transportado e armazenado. As inspeções identificaram mais de 150 trabalhadores doentes. A médica Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano, diretora do CEREST, atuou na identificação dos trabalhadores contaminados e permanece realizando o acompanhamento das vítimas até hoje.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

A rotina do desperdício - Por Mário Moura


Uma mega construção cercada de curiosidades, números e soluções tecnológicas impressionantes. Falo de Angra 3, que está entre os casos mais emblemáticos da lista de obras inacabadas, Brasil afora. Há mais de três décadas em construção, começou m 1984, a terceira usina nuclear brasileira passou por uma série de paralisações, a mais recente aconteceu em 2015, quando o governo federal se viu sem recursos para toar a obra. 

Além disso, as obras de Angra 3 são investigadas pela operação Lava-Jato por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A previsão é que as obras sejam retomadas em julho de 2021. Não se sabe quando a usina entrará em operação. Seguramente Angra 3 será apontada, com folga, como a usina nuclear mais cara do mundo e a que mais tempo levou para ser concluída. Vexame histórico para a área nuclear brasileira. 

No Município do Rio de Janeiro, que vive uma sucessão interminável de maus governos, existem 68 obras atrasadas ou inacabadas. A informação consta de um relatório elaborado pela Secretaria Municipal de Obras e que foi entregue à uma comissão da Câmara dos Vereadores. Uma dessas obras causa enorme desconforto à massa trabalhadora da Cidade. Trata-se da obra inacabada do corredor Transbrasil, na Avenida Brasil. Herança deixada por administrações passadas. 

Ao analisar a proposta de Orçamento Geral da União (OGU), o Congresso Nacional se deparou com um problema preocupante e velho conhecido dos brasileiros, as obras inacabadas pelo país afora. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) existem cerca de 14 mil obras inacabadas em todo o país. Obras, que certamente, iriam melhor muito a qualidade de vida de muitos brasileiros. 

Há dispositivos constitucionais, que a grande parte da população desconhece, que asseguram o princípio da supremacia do interesse público, ou o que diz a Lei 8.666/93 no seu artigo 78: “Constituem motivos para rescisão do contrato: (...) XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”. 

Pode-se até considerar um exagero reclamar da população de uma cidade a falta de interesse por conhecer e saber aplicar os meios de cobrança do poder público, através de instrumentos legais como o Ministério Público, ou até mesmo ação popular. Todavia, é importante alertar os cidadãos que são eles, na qualidade de contribuintes, que pagam as obras contratadas pelas Prefeituras, Estados e União. O cidadão, portanto, tem todo direito, de cobrar a conclusão de qualquer obra pública da Cidade onde vive, pois todas estão subordinadas ao orçamento, feito com base nos recursos arrecadados de todos os contribuintes, sem o qual não existiriam administradores nem obras nem serviços, de que a população precisa. 

Orçamento público tem tudo a ver com o nosso dia a dia. Grande parte do que é arrecadado pelos governos sai do bolso do cidadão, direta ou indiretamente. Repassamos parte do que ganhamos para os governos em forma de impostos indiretos, aqueles que estão embutidos no preço das mercadorias e das tarifas de serviços públicos. 

Há também os impostos diretos, como o imposto de renda, que é pago por milhões de pessoas quando receberam o salário ou quando prestam serviço para uma empresa ou para outras pessoas. 

Tudo isso deve ficar claro na cabeça do contribuinte, como didática da cidadania, matéria escolar a que se dá pouca – ou nenhuma – atenção. Resultado: a falta de interesse coletivo paralisa os Municípios, os Estados e o País. Da mesma forma, milhares de obras públicas, que no passado eram iniciadas e construídas no seu tempo, como Brasília e a Ponte Rio/Niterói, hoje, desafiam o tempo, algumas viram ruínas e caem no esquecimento, quando não deviam. (Mário Moura - Jornalista) 

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Brasil exporta urânio para a Argentina


Pela terceira vez, desde 2016, reatores nucleares da Argentina serão alimentados com urânio enriquecido brasileiro. Esta semana, a Indústria Nucleares do Brasil (INB), realizou a exportação do urânio, enriquecido a 4,15%, na forma de pó de UO2 destinado aos reatores nucleares de Atucha e o modular Carem-25. Desta vez, o volume da exportação e o valor do negócio não foram divulgados.   A carga saiu no dia 7 de maio da Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende/RJ, e foi entregue a Combustibles Nucleares Argentinos (Conuar) nesta segunda-feira (11).  
As exportações anteriores ocorreram em 2016 e 2018. Na primeira, foram entregues 4.100 Kg de urânio enriquecido de 1,9%, 2,6% e 3,1% no valor de USD 4.378.190,00. Na segunda, o montante vendido foi de 1.500 kg de pó de U02, a 4,15%. Nas duas operações o valor global foi de USD 1.755.000,00. Na época, a direção da empresa informou que visava se firmar como fornecedor qualificado da Conuar, de olho em futuros negócios. 
Um quarto lote de urânio enriquecido, deve ser exportado para a Argentina no final deste ano ou no início de 2021, segundo a INB. O Brasil detém uma das maiores reservas de urânio do mundo: há décadas as autoridades do setor informavam que o País possuía a quinta maior reserva, mas hoje estaria ocupando o sétimo lugar nesse ranking. O potencial pode ser maior, mas é desconhecido por falta de pesquisas. 
Segundo o presidente da INB, Carlos Freire Moreira, o Brasil, com as reservas de urânio que possui e o domínio completo do ciclo do combustível, visa exportar com o maior valor agregado possível. 
O governo brasileiro anunciou o domínio do ciclo do combustível em 1988, no Centro Experimental de Aramar, da Marinha, em São Paulo. Dominando a tecnologia do enriquecimento de urânio, o Brasil ingressou no restrito clube do Átomo. 
O urânio enriquecido é combustível para alimentar reatores de usinas nucleares destinados a geração de energia elétrica, estando no porcentual de cerca de quatro por cento. Com o urânio enriquecido a partir de 20%, dependendo da quantidade, o país pode alimentar bombas atômicas. Ao longo dos anos, o governo brasileiro vem declarando o uso pacífico da energia nuclear.   

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Morre mais uma vítima do trabalho com radiação


Mais uma vítima do trabalho com radiação, na Nuclemon, em São Paulo, sucedida pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), morreu de câncer esta semana, sem receber a indenização requerida na Justiça. Seu nome é Otaviano Inácio de Oliveira, 63 anos, que trabalhou sozinho num forno do setor de tório (material radioativo), de março de 1977 a agosto de 1993, quando  foi demitido. 

“Me mandaram embora quando a empresa fechou”, contou Otaviano, no ano passado, durante entrevista, enquanto amparava a bolsa injetada em seu corpo, parte do tratamento, após a extração de tumor maligno no intestino.  Otaviano pesava cerca de 45 quilos e mal conseguia falar.  Até hoje, dezenas de ex-trabalhadores da Nuclemon, a maioria doentes, lutam na Justiça, para tentar receber indenizações. 

A Nuclemon (sucessora da Usina de Santo Amaro/USAM) funcionou no bairro paulistano do Brooklin, entre as décadas de 40 e 90, período em que chegou a ter entre 500 a 700 empregados na planta, manuseando material radioativo, extraído de terras raras, como urânio e tório, sem as mínimas condições de segurança. As areias monazíticas eram subtraídas do litoral das praias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia. 

A empresa fechou no início da década de 90, após denúncia de contaminação divulgada pela imprensa, deixando como herança um número incontável de doentes. Na época, várias inspeções comprovaram contaminação nos estabelecimentos de beneficiamento das terras raras do Brooklin e de Interlagos (USIN), para onde o material radioativo era também transportado. 

Inicialmente foram identificados cerca de 150 trabalhadores doentes, pela médica Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro (CEREST). Ela começou a observar um grande número de trabalhadores da empresa que procurava o local com problemas graves de saúde. O cerco às instalações da empresa teve a participação do então Ministério do Trabalho, através da auditora fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi; a direção do Sindicato dos Químicos de São Paulo; e o Ministério Público Estadual. 

Os casos de doentes por contaminação radioativa motivaram a criação da Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN), presidida por José Venâncio Alves. A entidade reúne hoje cerca de 200 vítimas e familiares dos que já morreram. 

A ANTPEN luta, desde então, para que as vítimas tenham pelo menos tratamento, através de plano de saúde, o que já foi várias vezes contestado pela empresa na Justiça. 

COVID-19 e VITIMAS - 

No início de abril, o Blog divulgou uma decisão da Justiça, favorável aos ex-trabalhadores, por conta do coronavírus (COVID-19). A pandemia pesou na decisão judicial determinando a concessão de plano de saúde para cerca de 200 trabalhadores. 

A decisão tem a assinatura do juiz titular da 20ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região de São Paulo, Eduardo Marques Vieira Araújo, atendendo ao pedido da ANTPEN. 

O magistrado levou em conta que a maior parte dos trabalhadores têm mais de 50 anos e está vulnerável, “devido à fragilidade do sistema imunológico, tornando o caso ainda mais delicado”. 

Segundo a advogada Érica Coutinho, que defende à ANTPEN, até agora apenas 60 associados, que integram uma outra ação, movida pelo advogado Luis Carlos Moro, são assistidos pelo plano de saúde. Mas a decisão do magistrado Eduardo Marques Vieira Araújo, abrange todo o grupo, e familiares de trabalhadores falecidos. 

“O juiz verificou a urgência da situação, diante da COVID-19, porque o plano de saúde estanca a sangria do problema”, comentou a advogada. Segundo ela, o juiz analisou o perigo da demora do atendimento aos enfermos, diante da pandemia que se alastra no país. O magistrado analisou também a verdade dos fatos, de acordo com os documentos que estão no processo. 

“Esperamos que a Justiça seja cumprida, porque os trabalhadores estão morrendo ao longo de todo esse processo, que ainda terá uma sentença final, na qual requeremos outros benefícios como tratamento de quimioterapia, radioterapia, psicológico, entre outros”, informou a advogada.  Segundo ela, a INB não contestou a decisão.

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