terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Fusão Nuclear: físico brasileiro pilota projeto e espera recursos que podem chegar com o novo governo

 


Um físico brasileiro, natural do Espírito Santo, costuma reunir 30 pesquisadores pelos mecanismos digitais, como o Zoom, para discutir o desenvolvimento de um reator capaz de produzir energia por fusão nuclear, feito anunciado recentemente ao Planeta pelos norte-americanos. Gustavo Paganini Canal é um dos maiores cientistas do ramo, que desde 2020 coordena o Projeto Nacional de Fusão Nuclear (PNFN). As tentativas começaram no final da década de 70, mas não saíram do papel por falta de decisão política e falta de verbas, embora o Brasil tenha sido convidado para participar de convênios internacionais. Do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), ele reconhece que o projeto não parou de vez graças à dedicação de pesquisadores, alunos, que não medem esforços para manter viva esta parte da ciência, que pode ser muito benéfica no futuro. 

Gustavo tem um currículo de dar inveja a muitos que atuam no setor: é graduado em Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, tem mestrado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, onde trabalhou no desenvolvimento de reatores a plasmas; é PhD pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, por trabalho em Física de Plasmas e Fusão Termonuclear. Nos Estados Unidos fez pós-doutorado na empresa americana de tecnologia General Atomics - Fusion Division. Nos EUA, trabalhou também no Princeton Plasma Physics Laboratory da Princeton University. Após oito anos trabalhando em fusão nuclear no exterior, decidiu retornar ao Brasil para contribuir com o desenvolvimento da fusão nuclear no País. Começou a trabalhar aos 14 anos na eletrônica do pai, onde desenvolveu gosto e aptidão especial por elétrica e eletrônica. “Desde criança, muito curioso, gostava de construir coisas. Aprendi marcenaria com meu avô, o que me permitiu construir objetos com partes móveis, como rodas d’água, moinhos de fubá e pilões de café”, contou ao  BLOG nesta entrevista exclusiva. 

BLOG: O que representa a recém descoberta sobre fusão nuclear nos Estados Unidos? 

GUSTAVO: O anúncio feito por pesquisadores do experimento National Ignition Facility (NIF), operado pelo Lawrence Livermore National Laboratory, causou euforia dentre pesquisadores da área de fusão nuclear, pois essa foi a primeira demonstração experimental da produção efetiva de energia por fusão. 

BLOG: Resuma o que é fusão nuclear? 

GUSTAVO: A fusão nuclear ocorre quando os núcleos de dois átomos se fundem. Porém, dependendo dos núcleos, esse processo pode ser endotérmico (quando precisamos fornecer energia para que esse processo ocorra) ou exotérmico (quando o processo ocorre naturalmente e libera energia). Como nosso.  objetivo final é produzir energia, nossos estudos estão sempre voltados para fusão nuclear utilizando núcleos que liberam a maior quantidade de energia. 

BLOG: Fusão nuclear e fissão nuclear, define? GUSTAVO:  Enquanto a fusão nuclear libera energia quando dois núcleos leves se fundem, formando um núcleo mais pesado, a fissão nuclear libera energia quando um núcleo pesado se quebra em dois ou mais núcleos menores e mais leves.  Esse é exatamente o processo utilizado na produção de energia elétrica em usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. Em usinas nucleares, núcleos de Urânio se quebram em núcleos menores, e esses núcleos (rejeitos) são radioativos. É importante ressaltar que a quantidade de energia liberada em uma reação de fusão é quase 10 vezes maior do que aquela liberada em uma reação de fissão.

BLOG: Conte um pouco sobre a trajetória do Programa Nacional de Fusão Nuclear (PNFN) no Brasil. 

GUSTAVO: No passado, houve várias tentativas de implantar um PNFN aqui, mas infelizmente, o Brasil ainda não possui um programa oficial de pesquisa e desenvolvimento em fusão nuclear, apesar da atuação de alguns grupos nesta área. No final da década de 1970 e início de 1980, esses grupos foram convocados pelo Ministério das Minas e Energia (MME) - órgão governamental então responsável pela pesquisa de fontes alternativas de energia primária em longo prazo - para realizar um programa de caráter nacional. Na época, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) era responsável junto ao MME pela coordenação de um Programa Nacional que vinha sendo elaborado desde 1978 e envolvia todos os grupos de pesquisa em fusão do País. Infelizmente, o Programa não foi levado adiante. 

BLOG: por quê? 

GUSTAVO: Por falta de recursos financeiros e mudanças nas prioridades da CNEN. A pesquisa em fusão teve um novo ímpeto a partir de 1985 com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e a aprovação do Programa Nacional de Plasma em setembro de 1987 pelo Ministro da Ciência e Tecnologia Renato Archer. Esse Programa reunia as atividades dos grupos atuantes no País e previa a criação de um Laboratório Nacional de Plasma. Em 1988, a implantação do laboratório foi colocada sob responsabilidade do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que, infelizmente, não conseguiu executá-la nos anos seguintes. Mas apesar disso, sabemos que os grupos de pesquisa em plasmas termonucleares continuaram seus trabalhos de forma independente, porém seguindo em grande parte a orientação do Programa aprovado pelo MCT. 

BLOG: O que aconteceu depois? 

GUSTAVO: Em 2007, o MCT voltou a apoiar as iniciativas na área da fusão termonuclear através da criação da Rede Nacional de Fusão (RNF) pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Machado Rezende. O nível das pesquisas realizadas por grupos brasileiros havia avançado bastante, a ponto de o Brasil ter atingido a liderança Latino-Americana na área da Física dos Plasmas em geral, e da Fusão em particular, e alcançado razoável prestígio internacional. Porém, não havia como avançar além do estágio das pesquisas em fusão, na época, sem apoio governamental oficial e sem participação em colaborações internacionais. 

BLOG: Quais os principais entraves? 

GUSTAVO: Naturalmente, não havia recursos humanos e financeiros suficientes para realizar um programa ambicioso e autóctone de desenvolvimento de reatores termonucleares de fusão, mas abria-se uma oportunidade para o Brasil participar do projeto ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor), projeto de reator experimental a fusão nuclear baseado na tecnologia do Tokamak, experiência destinada a atingir a próxima fase na evolução da energia nuclear, como meio de gerar eletricidade isenta de emissões.  Faz parte de programas alternativos para o desenvolvimento de tais reatores em colaboração com outros países, como EUA e Inglaterra. Em 2009 o Brasil foi convidado para entrar para o consórcio ITER, mas como “parceiro pleno'', ou seja, contribuindo com 10% de seu custo. Tal contribuição foi considerada demasiadamente alta pelo Governo Brasileiro.

 BLOG: Participou? 

GUSTAVO: Houve sinalização do consórcio ITER de que seria criada uma categoria de parceria especial, com contribuições definidas caso-a-caso, para abrigar parcerias como a do Brasil e a do Cazaquistão. No entanto, esse esquema não foi implantado e o Brasil não entrou para o consórcio. Ao invés de participar do ITER, naquele mesmo ano foi firmado o Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom) na Área de Pesquisa sobre Energia de Fusão. Prevê várias formas de colaboração, como intercâmbio de pesquisadores e equipamento, e a instituição do Comitê de Coordenação, encarregado de coordenar e supervisionar a execução das atividades realizadas em seu âmbito. Algumas reuniões para definir as atividades de colaboração foram realizadas no Culham Centre for Fusion Energy, na Inglaterra, e duas das propostas iniciais de colaboração foram aprovadas: o desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial para reconhecimento de imagens de câmeras de infravermelho e o aprimoramento do sistema de diagnóstico ativo de automodos toroidais de Alfvén. 

BLOG: O que aconteceu com os projetos? 

GUSTAVO: O primeiro projeto foi executado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o segundo pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP). Embora tenham sido concluídos com grande êxito, não houve apoio financeiro do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), ou de outros órgãos do Governo Federal, para sua execução. Eles foram executados com recursos obtidos pelos próprios pesquisadores através de projetos submetidos a agências nacionais de fomento. Os recursos foram diretamente alocados para a execução do Acordo de Cooperação Brasil (EURATOM), que praticamente inviabilizou a realização de reuniões do Comitê de Coordenação e a proposta de novos projetos de pesquisa conjunta. No entanto, o Acordo continua em vigor e os projetos de pesquisa em conjunto que dele decorram devem integrar o Programa Nacional, com previsão orçamentária adequada. 

BLOG: A falta de recursos é uma constante na pesquisa. 

GUSTAVO: Infelizmente, nos últimos anos ocorreu uma estagnação e um recuo das atividades na área de fusão nuclear, até mesmo a extinção de alguns grupos de pesquisa. Boa parte dos grupos de plasma já existentes, e quase todos os novos grupos que surgiram, voltaram seu foco principal para aplicações tecnológicas, tais como uso de plasmas de baixa temperatura em processos para tratamento de superfícies, produção de tochas de plasma, etc. Após uma série de reuniões e negociações, que envolveram a presidência da CNEN e a direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), transferiu-se para a CNEN, a partir de 2010, a responsabilidade e o controle de duas Ações Orçamentárias até então geridas pelo INPE. Essas Ações contemplavam a Pesquisa e Desenvolvimento em Fusão Termonuclear Controlada' e a Implantação do Laboratório de Fusão Nuclear (LFN), e tal transferência culminou com a formalização de um Termo de Cooperação CNEN-INPE em 2016 para a transferência das atividades em fusão nuclear de uma instituição para a outra. Foi um passo importante, dado ainda em 2016, com a estratégia adotada pela CNEN de transferir o LFN para uma sede definitiva em Iperó-SP, junto ao empreendimento Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). 

BLOG: Avançou? 

GUSTAVO: O projeto LFN' foi submetido à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), conjuntamente pela CNEN e pelo INPE. O Objetivo, a elaboração do projeto executivo do laboratório a ser construído em Iperó. Em dezembro de 2018, a área de fusão nuclear foi incluída explicitamente na Política Nuclear Brasileira. No início de 2020, pesquisadores do IFUSP e do INPE atuantes em fusão nuclear foram convidados pela CNEN para dar início a mais uma tentativa de estabelecer um PNFN e para integrar uma equipe cuja responsabilidade é dar início às atividades de capacitação, desenvolvimento e inovação na área de fusão nuclear. Deu-se início, portanto, a uma série de reuniões que resultaram no PNFN, em meados de 2021. O PNFN desenvolvido por esse grupo foi apresentado em 12/08/2021 para a comunidade científica atuante em fusão nuclear e para o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação em exercício na época. Infelizmente, até o momento, não recebemos retorno do MCTI quanto a implantação do PNFN apresentado. No entanto, a perspectiva de, finalmente, ver realizado o projeto de um laboratório de caráter nacional dedicado à fusão dá novo ânimo aos pesquisadores brasileiros. 

BLOG: É lamentável tanto descaso com as pesquisas. 

GUSTAVO: Tendo em vista o planejamento estratégico de busca por fontes alternativas de energia, em escala mundial, para a segunda metade deste século, seria desastroso para o Brasil ficar ausente do esforço internacional de pesquisa em fusão. A participação no esforço internacional, embora certamente modesto, trará o benefício de acesso a conhecimentos científicos e tecnológicos avançados, capacitando o País para implementar a produção termonuclear de energia no futuro, quando necessária. 

BLOG: O que temos hoje no Brasil de concreto? 

GUSTAVO: Há hoje no Brasil três tokamaks em atuação:  o Tokamak à Chauffage Alfvén Brésilien (TCABR), operado pelo Laboratório de Física de Plasmas (LFP) do IFUSP;  o Experimento Tokamak Esférico (ETE), operado pelo antigo Laboratório Associado de Plasma (LAP) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e o NOVA-UFES, operado pelo Laboratório de Plasma Térmico (LPT) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 

BLOG: Poderia especificar cada um? 

GUSTAVO: O tokamak TCABR foi construído pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, e posteriormente transferido para o LFP, onde entrou em operação em 1999. O objetivo principal do TCABR era dar prosseguimento aos estudos de aquecimento de plasma por ondas de Alfvén, porém, estes objetivos foram revistos pela equipe de pesquisadores do IFUSP. Uma modernização significativa do TCABR está sendo projetada de modo a transformá-lo em uma máquina única no mundo capaz de explorar regimes de operação com campos magnéticos perturbados com topologias avançadas e inovadoras. 

O tokamak ETE, esférico entrou em operação em 2000 e foi inteiramente projetado e construído no então LAP/INPE para estudos de plasma em tokamaks de baixa razão de aspecto. Atualmente, o LAP do INPE faz parte da Coordenação de Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento Tecnológico (COPDT). Assim como no caso do TCABR, há também um projeto de modernização do tokamak ETE. O projeto detalhado dessa atualização encontra-se no Termo de Cooperação CNEN-INPE de 2016. 

O tokamak NOVA-UFES foi construído pela Kyoto University, Japão, e posteriormente transferido para o Brasil. No País, esse tokamak já foi operado pela Universidades de Campinas (UNICAMP), pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e, atualmente, se encontra na UFES. Hoje, o NOVA-UFES está sendo utilizado para testar um sistema de injeção de helicidade que será instalado no TCABR. BLOG: O que se pode dizer hoje sobre esse projeto, de tantos anos de iniciativas e entraves? GUSTAVO: Apesar de todos os esforços, o PNFN ainda não foi oficialmente iniciado; nem pelo governo anterior e nem pelo governo atual. Porém, mesmo sem recursos federais, estamos trabalhando de forma bastante intensa no projeto da modernização do tokamak da USP - essa é uma das atividades de curto prazo que foram incluídas no PNFN. 

BLOG: Há grande empenho dos pesquisadores. 

GUSTAVO: Durante essa modernização, estudantes de graduação (Iniciação Científica) e de pós-graduação (Mestrado e Doutorado), com e sem bolsa, e pós-doutores estão sendo treinados em tecnologias de ponta utilizadas em fusão nuclear. Ao todo, a equipe de pesquisadores envolvida na modernização do TCABR conta com 29 pesquisadores de várias instituições nacionais de pesquisa: Instituto de Física da USP (IFUSP), Escola Politécnica da USP (EPUSP), Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP), Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Estadual Paulista (UNESP).

 BLOG: Quais os planos a curto prazo? 

GUSTAVO: Uma das atividades de curto prazo definidas no PNFN é iniciar estudos relacionados ao tokamak que será construída e instalada no futuro Laboratório de Fusão Nuclear (LFN) - um laboratório de porte nacional que será construído em Iperó - SP para concentrar e coordenar os esforços nacionais na área de Fusão Nuclear. Mas a decisão sobre qual a máquina será instalada vai depender de uma série de aspectos analisados nas máquinas. 

BLOG: O que pode dizer em relação à mão de obra qualificada? 

GUSTAVO: Mesmo sem um início oficial, vários passos importantes já foram dados. Um deles é o treinamento de mão de obra qualificada em tecnologias de ponta relacionadas ao desenvolvimento da fusão nuclear. Alunos de graduação e pós-graduação estão participando das atividades de projeto da modernização do TCABR. Essas atividades envolvem simulações complexas do comportamento de plasmas de alta temperatura (10 milhões de graus Celsius) que são realizadas no supercomputador Santos Dumont, operado pelo Laboratório Nacional de Computação Científica localizado no Rio de Janeiro. Além disso, os alunos realizam simulações que levam em conta a interação eletro-termo-mecânica desses plasmas com as estruturas materiais ao seu redor. Os resultados dessas simulações nos permitem projetar os novos componentes que serão instalados no TCABR. Tais componentes transformarão o TCABR em uma máquina única no mundo capaz de estudar a interação de plasmas quentes com campo magnéticos ressonantes perturbativos que estabilizam instabilidades violentas que ocorrem na superfície do plasma e que podem danificar a máquina.

 BLOG: Sem recursos, difícil progredir nessa área.

 GUSTAVO: Com certeza, o limitado volume de recursos financeiros é o principal desafio. A realização de experimentos relevantes em fusão nuclear necessita de instalações relativamente grandes e, consequentemente, caras. Sem um apoio em nível federal, dificilmente conseguiremos progredir nessa área, que é estratégica para o País, e muito menos tirar proveito das vantagens tecnológicas oriundas da fusão nuclear. Os únicos recursos utilizados até o momento vieram na forma de bolsas de estudo (CAPES, CNPq e CNEN): Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. 

BLOG: Mencione alguns benefícios de o Brasil nessa área. 

GUSTAVO: Existem vários benefícios tecnológicos associados à fusão nuclear. Por exemplo, o controle de posição de plasmas de tokamak requer o desenvolvimento de fontes de potência de alta performance e alta corrente. Durante o projeto de modernização do TCABR, fontes de potência de vários MVAs, com operação em quatro quadrantes, estão sendo desenvolvidas. A tecnologia por trás dessas fontes pode ser diretamente transferida para empresas do setor de transporte, pois servem para alimentar excitatrizes de geradores elétricos, como os de Itaipu, além de servirem também para sistemas de tração elétrica metro-ferroviária. Sabendo que o programa federal Pro-Trilhos já chegou a 48 pedidos para a criação de novas ferrovias no País, o que representa uma adição de mais de 15 mil quilômetros de trilhos à malha nacional e um mercado de R$ 187 bilhões em investimentos privados, é definitivamente estratégico para o País termos industrias nacionais que possam atender esse novo mercado. 

BLOG: Outro exemplo? 

GUSTAVO: Um outro exemplo de tecnologia que estamos desenvolvendo pode ser diretamente transferida para o setor de energia, mais especificamente na geração de energia distribuída. Para criar campos magnéticos ressonantes no TCABR, conversores em multinível capazes de fornecer alta corrente e frequência variável estão sendo desenvolvidos. A tecnologia por trás desses sistemas podem ser utilizados em usinas eólicas e solares. Estamos também desenvolvendo ladrilhos de grafite para o recobrimento das paredes internas do TCABR. Tais materiais podem ser aproveitados em alto fornos em usinas siderúrgicas e também para revestimento de veículos espaciais. Existe ainda uma iniciativa que busca desenvolver bobinas supercondutoras de alta temperatura - a REBCOM. Tais bobinas são essenciais para o desenvolvimento de futuras usinas de energia a fusão. No entanto, bobinas supercondutoras de altas temperaturas também podem ser usadas para a construção de sistemas de armazenamento de energia elétrica com alta capacidade de armazenamento. Tais sistemas são considerados um Santo Graal do setor elétrico, pois permitiriam uma estabilização de malha elétrica do País. No momento, essa iniciativa está na fase de captação de recursos através de um consórcio de empresas do setor elétrico. 

BLOG: Quantos profissionais atuam no programa? 

GUSTAVO: A equipe envolvida conta com 29 pesquisadores de várias instituições nacionais: Instituto de Física da USP (IFUSP), Escola Politécnica da USP (EPUSP), Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP), Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Estadual Paulista (UNESP). Nos reunimos pela Internet, pelo Zoom. 

BLOG: A falta de apoio deve prejudicar muito. 

GUSTAVO: Com certeza. Nos últimos anos ocorreu uma estagnação e um recuo das atividades na área de fusão nuclear, até mesmo a extinção de alguns grupos de pesquisa, devido a falta de recursos financeiros. Boa parte dos grupos de plasma já existentes, e quase todos os novos grupos que surgiram, voltaram seu foco principal para aplicações tecnológicas, tais como uso de plasmas de baixa temperatura em processos para tratamento de superfícies, produção de tochas de plasma, etc. No entanto, a perspectiva de, finalmente, ver realizado o projeto de um laboratório de caráter nacional dedicado à fusão nuclear dá novo ânimo aos pesquisadores brasileiros. 

BLOG: O país perde muito no futuro. 

GUSTAVO: Tendo em vista o planejamento estratégico de busca por fontes alternativas de energia, em escala mundial, para a segunda metade deste século, seria desastroso para o País ficar ausente do esforço internacional de pesquisa em fusão. A participação no esforço internacional, embora certamente modesto, trará o benefício de acesso a conhecimentos científicos e tecnológicos avançados, capacitando o País para implementar a produção termonuclear de energia no futuro, quando necessária.

 BLOG: O que esperar do governo eleito? 

GUSTAVO: Nunca obtivemos sucesso na implantação de um PNFN. Mas agora, temos alguma esperança, com o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, que presidiu o INPE. Com Galvão temos a chance de o projeto seguir em frente, porque ele valoriza a ciência. 

BLOG: Mensagens aos estudantes? 

GUSTAVO: Alunos de graduação e pós-graduação que estejam interessados em realizar estudos na área de física de plasmas e fusão nuclear podem entrar em contato comigo através do e-mail canal@if.usp.br

PERFIL - GUSTAVO PAGANINI CANAL - É graduado em Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, onde trabalhou em projetos da Petrobras, aplicando plasmas de hidrogênio no hidrorefino de óleos pesados e extra pesados. Possui Mestrado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, onde trabalhou no desenvolvimento de reatores a plasmas aplicados a processos nanotecnológicos e a ablação por laser pulsado para a deposição de materiais biocompatíveis. É PhD pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, por trabalho em Física de Plasmas e Fusão Termonuclear. Nos Estados Unidos fez pós-doutorado na empresa americana de tecnologia General Atomics - Fusion Division. Nos EUA, trabalhou também no Princeton Plasma Physics Laboratory da Princeton University. Após oito anos trabalhando em fusão nuclear no exterior, decidiu retornar ao Brasil para contribuir com o desenvolvimento da fusão nuclear no País. Hoje, é Professor Livre-Docente no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) e coordena o projeto de modernização do tokamak TCABR. Participou como primeiro autor da elaboração do Programa Nacional de Fusão Nuclear que foi submetido para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, e tem colaborado com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) no desenvolvimento da fusão nuclear em nível nacional. 

Natural de Vitória (ES), filho de comerciante, começou a trabalhar aos 14 anos na eletrônica do pai, onde desenvolveu gosto e aptidão especial por elétrica e eletrônica. Desde criança, muito curioso, gostava de construir coisas. “Aprendi marcenaria com meu avô, o que me permitiu construir objetos com partes móveis, como rodas d’água, moinhos de fubá e pilões de café”. 

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

INB realiza exercício simulado de acidente nuclear com trabalhadores em Poços de Caldas

 

A estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), do Ministério de Minas e Energia (MME) realizou na tarde desta quarta-feira (25/01) um exercício simulado com acidente nuclear de trabalho, em sua unidade, de Poços de Caldas, conde estão armazenados mais de 1.500 tambores com Torta II (material radioativo). O exercício visava contabilizar o tempo que um trabalhador contaminado ou ferido leva do galpão até a Santa Casa do município mineiro. 


O local dos galpões com os tambores que recentemente foram trocados, pois estavam enferrujados, tem sido divulgado pelo BLOG diversas vezes. A vizinhança teria sido informada para não se assustar com as imagens. A INB não divulgou o simulado para toda a imprensa. A TV local acompanhou.  

Fotos: Reprodução da TV Poços de Caldas - 

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Luciana Santos quer reator (RMB) com terreno cedido por Geraldo Alckmin

 


O projeto de construção do primeiro Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) estava cotado para sair do papel desde a posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, até porque o vice, Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), foi quem desapropriou e cedeu o terreno para o empreendimento do RMB, em Iperó, São Paulo, durante os cargos de comando que exerceu no Estado. Esta semana, em visita à Argentina, com o presidente Lula, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, anunciou que vai avançar na  construção do RMB, que tem o objetivo de garantir a autonomia do país na produção de radioisótopos para uso na medicina e para apoiar pesquisas científicas na área nuclear. 

Para 2023 e 2024, estão previstos investimentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para o empreendimento, incluindo a contratação de empresa argentina para a elaboração do projeto detalhado da planta de processamento de radioisótopos. Segundo a ministra, as relações bilaterais com a Argentina serão, a partir de agora, intensificadas, com a retomada de projetos que foram paralisados. “A agenda mais importante de cooperação científica na América Latina é com a Argentina. É uma agenda muito diversa, que vai desde as parcerias no Reator Multipropósito até a formação de especialistas no âmbito do Cabbio (Centro Latino Americano de Biotecnologia).

O engenheiro civil, mestre em engenharia nuclear e doutor em tecnologia nuclear, José Augusto Perrotta, que até recentemente coordenou o empreendimento, como assessor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pelo RMB, conversou com o blog recentemente. Segundo ele, várias fases do projeto do RMB estão concluídas, como a do desenvolvimento e fornecimento de combustível nuclear (urânio enriquecido). O RMB, afirmou, não servirá apenas para a produção de radioisótopos, matéria-prima para a elaboração de radiofármacos (medicamentos com radiação usados no diagnóstico e tratamento contra o câncer). 

“É engano as pessoas pensarem que o empreendimento RMB é apenas um reator para produzir radioisótopos! Estabelecido como meta do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnóloga em 2008, o RMB alinha-se com as políticas estratégicas referentes ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB). 

PROPULSÃO NAVAL - 

O RMB disponibilizará ao país um reator nuclear de pesquisa multipropósito e toda uma infraestrutura de laboratório  e instalações para atender às necessidades nacionais relativas à produção crescente de radioisótopos para aplicação médica, além de propiciar o suporte ao desenvolvimento  tecnológico nuclear para as áreas de energia elétrica e propulsão naval, auxiliar no desenvolvimento cientifico e tecnológico nacional contribuindo fortemente à inovação e formação de recursos humanos especializados. 

Os laboratórios ficarão disponíveis para a comunidade científica do país e particularmente em relação à utilização de feixes de nêutrons deverá ser um complemento do laboratório nacional de Luz Sincrotron de Campinas. Para operar, o RMB precisará do combustível nuclear. A fase de desenvolvimento foi realizada sob a responsabilidade da equipe de profissionais de várias entidades do setor, entre elas, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP), através de convênio com a FINEP, no valor de R$ 25 milhões.


Para a produção de UF6 (urânio em forma de gás), enriquecido a 20%, produção de elementos combustíveis, por exemplo. Desse convênio, disse Perrotta, foi inaugurada, em dezembro de 2016, uma nova cascata de enriquecimento isotópico de urânio no laboratório (LEI), do CTMSP, em Aramar (Centro Experimental de Aramar), em Iperó, SP, da Marinha. O reator ficou critico em março de 2020 com esse novo núcleo. Isto é um fato extremamente relevante para a tecnologia brasileira. Também já se encontra desenvolvida a tecnologia da fabricação de alvos de urânio para a produção do Mo-99, incluindo novas patentes sobre os processos utilizados. 

BARREIRAS - 

A licença de instalação do RMB foi emitida pelo Ibama, em novembro de 2019, entre outras anteriores. “Com essas licenças o empreendimento RMB pode ser construído. Está em andamento a execução dos planos ambientais pré-construção”, informou Perrotta. O projeto teve início em 2008, mas faltaram recursos e decisão política administrativa. “Na minha opinião, a alta administração da CNEN, por não ser composta de técnicos oriundos do setor nuclear e não ter formação tecnológica na sua base, não avalia em profundidade as necessidades de P&D e de transformação da ciência em tecnologia nuclear”. Segundo Perrotta, de certa forma, criam uma barreira entre os técnicos da CNEN e os formadores de opinião e gestores maiores da área estratégica nuclear, inibindo, dessa forma, qualquer ação proativa para o RMB. 

Mas agora, pode ser que o projeto caminhará a passos largos, embora a CNEN permaneça sem presidente desde o dia 1º de janeiro, quando o governo exonerou Paulo Roberto Pertusi, e seu braço direito, o diretor Madison Coelho de Almeida. 

Leia algumas matérias sobre o assunto publicadas pelo BLOG: 03/03/2020 – Reator nuclear para salvar vidas não saiu do papel; 16/09/2021 – Governo adia construção de reator capaz de produzir insumos para a medicina nuclear. Desabastecimento em clinicas de tratamento contra o câncer pode ocorrer nos próximos dias; 20/09/2021 – Falta de verbas na medicina nuclear começa a paralisar o diagnóstico e tratamento contra o câncer. Ricos só terão atendimento em outros países; 22/09/2021 – Governo libera R$ 19 milhões para a compra de insumos destinados à medicina nuclear. Valor é considerado insuficiente para o tratamento de pacientes com câncer até o final do ano; 28/09/2021 – Ministro alerta sobre urgência de liberação de recursos para produção de radioisótopos; 29/09/2021 – Dois ministros, promessas antigas e um projeto de reator para salvar vidas parado; 07/10/2021 – Medicina nuclear: Congresso aprova liberação de R$ 63 milhões para a produção de medicamentos destinados a pacientes com câncer; 15/10/2021 – Medicina Nuclear: Pacientes com câncer podem ficar novamente sem tratamento semana que vem. Recursos para a produção de radiofármacos ainda não foram liberados para o IPEN-CNEN; 19/10/2021 – Medicina Nuclear: demora na liberação de verbas ainda afeta tratamento de pacientes com câncer; 01/12/2021 -Câmara vota quebra do monopólio da produção de medicamentos contra o câncer. SBPC alerta sobre irremediáveis prejuízos para a população e ciência; 02/12/2021 – Medicina Nuclear: aberto o caminho à quebra do monopólio para produção de radioisótopos. Pacientes com câncer e risco; 08/12/2021 – Medicina Nuclear: adiada votação visando privatizar a produção de medicamentos contra o câncer; 09/12/2021 – Direção do IPEN/CNEN aponta disparidade de preços de radiofármacos e alerta parlamentares; 15/12/2021 – Medicina Nuclear: produção de medicamentos para combater o câncer nas mãos da iniciativa privada; 16/12/2021 – PEC-517/2010: Proposta macabra. Facada no projeto de reator multipropósito. Por Alexandre Padilha. Exclusivo para o BLOG; 31/01/2022 – Medicina Nuclear: reator para salvar vidas, verbas ficam nas promessas. 

FOTO: Acervo CNEN -  

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Nos últimos dias na Presidência, Bolsonaro credenciou a INB, que enriquece urânio, como Empresa Estratégica de Defesa

 


Em seus últimos dias na Presidência da República, Jair Bolsonaro, credenciou a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) como Empresa Estratégica de Defesa (EED). A INB é uma empresa do Ministério de Minas e Energia, no Governo do Presidente Lula, comandada pelo ministro Alexandre Silveira. A homologação pelo Ministério da Defesa como uma EED elevou a empresa ao “seleto grupo de fornecedores de bens – como urânio - e serviços para a área de defesa do País, área estratégica e de alta complexidade tecnológica”, conforme consta da Portaria GM-MD Nº 5.893, publicada em 7 de dezembro, no Diário Oficial da União (DOU). 

Quatro serviços ou materiais fornecidos pela INB também foram classificados como Produtos Estratégicos de Defesa (PED). Foram incluídos no Sistema de Cadastro de Produtos e Empresas de Defesa do Ministério da Defesa (SISCAPED: urânio beneficiado (yellowcake); a Fabricação e Fornecimento de Elemento Combustível para reatores nucleares; a Fabricação e Fornecimento de Pastilhas de Urânio; e Urânio, sob a forma gás (Hexafluoreto). Esta decisão consta da Portaria GM-MD Nº 5.890, também publicada em 7 de dezembro, no D.O.U. 

Em novembro, na inauguração da 10ª cascata de enriquecimento de ultracentrífugas de enriquecimento de urânio, na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende (RJ), o presidente da INB, capitão de mar e guerra da reserva, Carlos Freire Moreira, mencionou o assunto, mas só na semana passada, a empresa divulgou o credenciamento. 

“Além do fortalecimento da imagem da INB como empresa de tecnologia de ponta e alinhada a projetos estratégicos nacionais, ser considerada uma EED também traz outros benefícios, diretos e indiretos, entre eles a possibilidade de acesso ao Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID), financiamentos, garantias nas exportações, e normas especiais para compras e contratações”. Também conta na divulgação, que atualmente existem 137 empresas credenciadas como EED. 

“Para ser considerada uma Empresa Estratégica de Defesa é necessário atender a determinadas condições, tais como: ter como finalidade a realização ou condução de atividades de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, prestação dos serviços referidos em lei, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização ou manutenção de PED no País”. E ainda, “ter a sede, a administração e o estabelecimento industrial no Brasil, equiparado a industrial ou prestador de serviço; dispor de comprovado conhecimento científico ou tecnológico próprio ou complementado por acordos de parcerias com instituições científicas e tecnológicas; e assegurar a continuidade produtiva no País”. 

FOTO: Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende (RJ). 

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Pela quarta vez eleito presidente do CONFIES, Fernando Peregrino, fala sobre bloqueio e limitações de verbas a universidades e instituições de pesquisa

 




Pela quarta vez eleito presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Cientifica e Tecnológica (CONFIES), o engenheiro Fernando Peregrino, tem na bagagem 40 anos de experiência nas áreas da pesquisa, ciência, tecnologia e inovação. Com mandato de dois anos a partir de agora, um dos desafios é a luta por recursos para 96 afiliadas ao CONFIES em mais de 160 universidades e instituições de pesquisa vinculadas. O bloqueio e a limitação de verbas, a hipertrofia da burocracia da administração pública, que têm levado o Brasil a ocupar lugares muito ruins no nesse ranking, são questões a serem enfrentadas. 

Natural de Belém do Pará, ele escolheu o Rio de Janeiro para viver desde 1970. Engenheiro Mecânico pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre e doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, deixa mensagem para a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos.  “Como nordestina ela conhece bem a desigualdade social e o papel da ciência para resgatar o povo da situação de indigência social e econômica. Mas sabe também da altivez e dos talentos da ciência e da cultura daquela terra nordestina, como José Leite Lopes, Josué de Castro, Ricardo Ferreira, Juliano Moreira, Ariano Suassuna os quais homenageio aqui e sempre!”. Eis a entrevista:

BLOG: Quais os seus principais desafios, agora, pela quarta vez, à frente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às instituições de ensino Superior e Pesquisa Cientifica e Tecnológica (CONFIES)? 

FERNANDO PEREGRINO: Está na nossa pauta a luta pelo aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação que requer continuado esforço dos que dele participam e dos governos. Tenho 40 anos de atuação nesse sistema,  atuei no CNPq, na FINEP, na FAPERJ, fui secretário estadual de ciência, tecnologia e inovação, e colaboro com a COPPE e a COPPETEC há algum tempo, além dos cargos de representação que ocupei e ocupo, como o de membro do Conselho Deliberativo do CNPq e Presidente do CONFIES. Porém, um dos agentes novos e que se firma como preponderante no sistema são as fundações de apoio, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, criadas em 1994 para agilizar a gestão dos projetos de pesquisa e inovação do sistema e facilitar a gestão da ligação da universidade com a empresa e sociedade. 

BLOG: Conte um pouco como foi. 

PEREGRINO: Na época a comunidade científica foi ao presidente da República reclamar da dificuldade de importar um insumo para pesquisa, contratar alguém para um projeto, entre outros obstáculos. Porém, os desafios são os mesmos: recursos limitados para a pesquisa e a hipertrofia da burocracia da administração pública. 

BLOG: Parece que a situação piorou. 

PEREGRINO: Nos últimos 4 anos esses recursos foram sistematicamente bloqueados. Até leis foram mudadas ou desrespeitadas como a LC 177 que impediu o bloqueio de recursos do FNDCT violada com a MP 1136. A Lei da Sucata – MP 1112 – que retirou recursos da pesquisa da área de petróleo e gás para financiar sucata de caminhões. Quanto à hipertrofia do controle, não é à toa que o Brasil ocupa lugares muito ruins no ranking da burocracia, 124º lugar. Quando essa burocracia chega na pesquisa assistimos ao absurdo de tentar controlar projetos de pesquisa que tentam chegar a algo novo com velhos parâmetros como se fosse possível. Uma empreiteira deve obedecer a parâmetros de obras similares anteriores já realizadas, mas numa pesquisa as hipóteses que serão testadas são novas, não há como prever.

BLOG: São muito os entraves na administração pública.

PEREGRINO:  Há um fator adicional:  a administração pública ainda não aceita que uma entidade privada como uma fundação de apoio possa gerir projetos de pesquisa em seu lugar. Essa limitação infelizmente decorre da ação do sistema de controle do governo que não promove as fundações de apoio como entidades habilitadas a cumprir esse papel como se demonstra com os 22 mil projetos gerados por ano. O CNPq teve cortes profundos em seu orçamento, e suas bolsas estão com valores congelados desde 2013. Um impacto profundo na juventude que hoje tenta entrar na carreira de pesquisa na universidade ou na empresa. 

BLOG: Ao tomar posse, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, lastimou o corte de recursos para o setor, que caiu de R$ 5 bilhões para R$ 500 milhões na gestão do governo anterior. Até que ponto essa queda de recursos afetou o apoio do CONFIES às instituições? 

PEREGRINO: As fundações são afetadas todas às vezes que o orçamento é cortado. Paradoxalmente, elas foram capazes de captar mais 60% dos recursos do que na fase anterior à pandemia, por exemplo. Como o conhecimento científico é cada vez mais demandado e as universidades são responsáveis por 95% da sua produção no Brasil, outras fontes de recursos públicas ou privadas foram acionadas, como no caso da saúde, meio ambiente e petróleo e gás. 

BLOG: Quantas as instituições foram afetadas e em quais regiões o problema foi maior?

PEREGRINO: Não saberei informar, mas a perda foi distribuída pelo corte de mais de 30% na fonte de custeio das universidades, sem contar o declínio da conta de capital que praticamente foi zerada. 

BLOG: O que pretende fazer para resgatar o apoio do CONFIES às instituições? O reajuste de bolsas de pesquisa está congelado desde 2013? Quase uma década? Por quê? 

PEREGRINO: Hoje são 96 afiliadas ao CONFIES em mais de 160 universidades e institutos de pesquisa as quais se vinculam. Sua importância crescente pode ser medida pelo volume de recursos que elas administram, em 2020 eram R$ 5 bilhões de reais e em 2021 somaram R$ 8,5 bilhões. As fundações são importantes instrumentos de captação de recursos nacionais e estrangeiros. É preciso que isso seja difundido seu uso. Fico feliz em ver que o novo MCTI tem um departamento (artigo 20º do Decreto 1134 item VIII) em sua estrutura que reconhece e dialogará com essas fundações!

BLOG: Como avalia o desempenho da ciência e tecnologia nacional? 

PEREGRINO: O Brasil foi capaz de grandes façanhas tecnológicas como, por exemplo, ser um dos poucos países do mundo detentores de tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, a de fabricar vacinas, a de produzir combustíveis renováveis, entre outras. Mas infelizmente tem apenas 900 pesquisadores por milhão de habitantes, 10 vezes menos que um país industrializado. 

BLOG: O campo da energia nuclear está ligado à ciência e a tecnologia. Como analisa ou avalia esta área no Brasil. E que credita o atraso e ou dependência brasileira no setor? 

PEREGRINO: Esse campo se inclui na crônica deficiência do Brasil em tratar temas estratégicos por meio do domínio de tecnologias como a nuclear. 

BLOG: Alunos de engenharia nuclear da UFRJ, ao término do curso, estão saindo do Brasil para cursar doutorado no Estados Unidos e em outros países.  Ou seja, o Brasil investe, forma, e perde o profissional. O que acha disso? 

PEREGRINO: Terrível o Brasil exportar seus talentos, assim como seus produtos naturais ao invés de industrializá-los. No caso dos alunos é duplamente ruim, pois além de jogar fora o investimento feito no jovem, deixa de aproveitar sua atividade como pesquisador e deixá-los compondo equipes de pesquisa nos países dos quais importaremos novas tecnologia no futuro. 

BLOG: Os concursos públicos na área nuclear são raros e praticamente não contemplam esse pessoal capacitado. Qual a sua opinião? 

PEREGRINO: Reflete o desprezo e a falta de estímulo do País pelo domínio do conhecimento estratégico no setor nuclear. 

BLOG: O que espera da atual gestão para que se possa apoiar às instituições de ensino em geral? E qual o erro que a atual gestão federal não pode cometer?

PEREGRINO: O erro é considerar que o Brasil pode reduzir desigualdade e a fome com um país periférico em termos de tecnologia e indústria. Espero que não caia nessa. 

BLOG: Alguma mensagem para a ministra? 

PEREGRINO: Que ela seja bem sucedida, como nordestina ela conhece bem a desigualdade social e o papel da ciência para resgatar o povo da situação de indigência social e econômica. Mas sabe também da altivez e dos talentos da ciência e da cultura daquela terra nordestina, como José Leite Lopes, Josué de Castro, Ricardo Ferreira, Juliano Moreira, Ariano Suassuna os quais homenageio aqui e sempre! 

FOTO: ACERVO CONFIES – 

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terça-feira, 17 de janeiro de 2023

MME reúne força-tarefa para prevenir e punir ataques ao sistema elétrico

 


O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reuniu-se, nesta terça-feira (17/01), no Ministério (MME), com representantes do setor elétrico e da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, para determinar medidas para prevenir novos casos e punir os responsáveis pelos ataques ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Também estavam presentes membros da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Entre as ações definidas estão inspeções especiais nas linhas, principalmente nas travessias de rodovias e de ferrovias, instalação de câmeras de monitoramento e fortalecimento de parcerias com o Ministério da Justiça e as Polícias Militares, Rodoviárias Estadual e Federal para reforçar o patrulhamento nessas localidades.

“A reunião serviu para discutirmos questões fundamentais para modernização da segurança do Sistema Interligado Nacional (SIN). Há uma vontade muito grande de todos os players do sistema, com implantação de videomonitoramento, de vigilância via drone e outros instrumentos muito mordermos que temos no mundo hoje. Esse evento está servindo de oportunidade para que a gente avance na segurança desse grande patrimônio de todos os brasileiros e brasileiras”, destacou o ministro.

 Alexandre Silveira informou ainda que a Polícia Federal está com inquéritos em andamento e todas as medidas necessárias ao monitoramento do sistema estão sendo tomadas pelo MME, pela Aneel, pelos órgãos de inteligência (GSI, PF, PRF e Ministério da Justiça).

 “Todo esse trabalho está sendo desenvolvido para que a gente possa virar a página desses ataques, que não se justificam, e poder continuar discutindo pautas importantes, como a modernização do sistema elétrico, a transição energética, modicidade tarifárias, questões tão fundamentais e de prioridade para o país e para o presidente Lula”, afirmou o ministro, que garantiu que, apesar dos eventos, o abastecimento à população em nenhum momento foi prejudicado.

O presidente da Abrate, Mario Dias Miranda, destacou a importância do MME neste momento de atenção ao sistema elétrico do país. “O Ministério tem articulado e demonstrado o trabalho em seus atos. Queremos trabalhar junto e sermos parte da solução. Estes fatos que vem acontecendo são sensíveis e agridem à toda a infraestrutura do setor elétrico, que é um bem essencial para a sociedade brasileira. Uma inteligência que atue preventivamente é fundamental para todos nós”, afirmou. 

MONITORAMENTO - 

Desde 8 de janeiro, o MME vem realizando ações para combater e monitorar o ataque às estruturas do SIN. Entre elas, está o encaminhamento de ofícios para as transmissoras, Abrate e governos de São Paulo, de Rondônia e do Paraná para adoção de medidas preventivas de inspeção, de reforço na segurança das instalações e de investigação dos casos. O ministério também agiu para que fossem adotados os planos de contingência para restabelecimento célere dos equipamentos. Todos os eventos ocorridos foram devidamente informados pela Aneel ao MME e às autoridades de segurança pública.

FOTO (Tauan Alencar) E INFORMAÇÕES - Assessoria de Imprensa do MME - 

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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Transporte de material radioativo geral polêmica

 


O transporte de 87 tambores de material radioativo com “baixo teor de urânio” e 77 tambores de calcário, num total de 34 toneladas, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), do Ministério de Minas e Energia (MME), na última semana de dezembro, em meio ao Natal, está gerando polêmica. O material faz parte do projeto Santa Quitéria, da Galvani, parceria com a INB, no Ceará, e seguiu para a Unidade de Concentração de Urânio (URA), em Caetité, no interior da Bahia, sem autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Segundo a INB, a CNEN foi formalizada sobre o transporte, eliminando a necessidade de autorização, pois o urânio é de baixo teor. A CNEN, que está sem presidente desde o dia 1º/01, confirmou. Mas nem todos concordam. 

Técnicos do setor nuclear disseram que a autorização é necessária, porque os caminhões contendo urânio não estão livres de se envolverem em acidente, com o derramamento de material radioativo. Segundo eles, é um protocolo importante que deve ser cumprido, mesmo em caso de material de baixa atividade, por questões de segurança. “A CNEN foi informada formalmente. Contudo, para este tipo de material não é necessário requerer a Autorização de Transporte junto à CNEN, conforme a Nota Técnica Conjunta Ibama-CNEN- 01/2013, Revisão 01, de 01/04/2020”, informou a INB.  “A CNEN foi informada do transporte através de carta da INB em 23/12/2022, embora não fosse necessária a autorização”, afirma a CNEN. 

Na terça-feira da semana passada (3/1), três dias após a exoneração pelo atual governo do então presidente da CNEN, Paulo Roberto Pertusi, foi realizada reunião com a CNEN para “estabelecer diretrizes para as próximas etapas da destinação final do material”, que poderá ser incorporado a outros. Segundo a INB, ficou acertado que o material passará por ensaios e análises físico-químicas na Unidade de Concentração de Urânio (UPRA). Informaram que sairá relatório com os resultados a ser entregue à CNEN. 

Segundo fontes, o transporte, que está gerando polêmica, e levou o caso à mesa de reuniões, não foi aprovada por um grupo de técnicos da INB, que tentou comunicar o fato à diretores da empresa, mas não conseguiu, pois estariam participando de um Cruzeiro. A INB nega. “A CNEN buscou contato com a INB para maiores esclarecimentos, pois a destinação permanente de material externo em Caetité pode a vir depender de formalismos dentro do processo de licenciamento. Num primeiro contato, em 26/12, fomos informados que os responsáveis não estavam disponíveis, sem que nos fosse informado o motivo da indisponibilidade”, informou a Comissão.

INB – PROJETO SANTA QUITÉRIA - 

O Consórcio Santa Quitéria é uma parceria da INB com a Galvani – empresa produtora de fertilizantes fosfatados - para a implantação de um projeto conjunto de mineração. O objetivo da parceria é explorar o urânio e o fosfato, encontrados de forma associada na jazida de Itataia, localizada no município de Santa Quitéria (Ceará), conforme informações oficiais da empresa. 

O fosfato é predominante, com reservas de 8,9 milhões de toneladas. “Já as reservas de urânio são de 80 mil toneladas. A previsão é que sejam produzidas anualmente pelo Consórcio Santa Quitéria 1.050.000 toneladas de fertilizantes fosfatados, 220.000 t de fosfato bicálcico e 2.300 toneladas de concentrado de urânio”, acrescenta a INB. 

“O minério, depois de extraído da jazida, passará por um processo de separação de elementos. O fosfato ficará com a Galvani, que irá utilizá-lo na fabricação de fertilizantes e de alimentação animal, e o urânio será entregue à INB para produção do concentrado de urânio. A INB é detentora dos direitos minerários da jazida, localizada nos domínios da Fazenda Itataia, que tem 4.042 hectares”.  Ambientalistas contestam a segurança do projeto e têm alertado sobre as possibilidades de danos ao meio ambiente. 

FOTO: SANTA QUITÉRIA – INB - 

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Energia Nuclear: valorização de alunos no governo Lula. Por Inayá Lima, pós-graduação, Coppe/UFRJ

 


Alguns assuntos abordados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste terceiro mandato, merecem ser destacados. Começo com uma fala importante sobre precisarmos de livros, em vez de armas nas mãos dos cidadãos brasileiros, pois, são nos livros, por exemplo, que podemos começar a desmistificação do setor nuclear neste país, se quisermos ter um futuro como uma nação competitiva no que tange à ciência, tecnologia e inovação. É fundamental que a educação também se atenha a eliminar os preconceitos envolvidos nas palavras “radiação” e “nuclear” à luz de termos um futuro justo e diversificado das matrizes energéticas brasileiras. 

O setor nuclear sozinho não é o caminho e muito menos a solução para os problemas energéticos, mas com toda certeza é a grande parcela que poderá contribuir para continuarmos com os avanços tecnológicos no campo da energia, da sustentabilidade ambiental e, sobretudo, da medicina. Quando se ouve as palavras “energia limpa”, o que vem à mente? A maioria pensa imediatamente em hidrelétricas, painéis solares ou turbinas eólicas, mas quantos pensam em energia nuclear? A energia nuclear é frequentemente deixada de fora da conversa sobre “energia limpa”, apesar de ser a segunda maior fonte de eletricidade de baixo carbono do mundo, atrás da energia hidrelétrica e, ter sido considerada pela União Europeia, em 2022, como energia verde. 

A matriz energética brasileira deve ser diversificada, mas devemos aumentar o porcentual na nuclear.  O “Nuclear Energy Institute” diz que os parques eólicos exigem 360 vezes mais área de terra para produzir a mesma quantidade de eletricidade e as usinas solares fotovoltaicas exigem 75 vezes mais espaço.  Para colocar isso em perspectiva, é preciso de mais de 3 milhões de painéis solares para produzir a mesma quantidade de energia que um reator comercial típico ou mais de 430 turbinas eólicas (fator de capacidade não incluído). O combustível nuclear é extremamente denso em energia (uma pastilha de urânio com aproximadamente 2,54 centímetros de altura equivale a uma tonelada de carvão ou 120 galões de petróleo ou ainda quase 480 m3 de gás natural). Ou seja, cerca de um milhão de vezes maior do que outras fontes tradicionais de energia e, por isso, a quantidade de combustível nuclear usado não é tão grande quanto se imagina. 

A educação nuclear e sua desmistificação devem acontecer desde cedo, através de profissionais competentes do setor, incentivando a reciclagem e as especializações dos professores de ciências de ensino básico. A mudança acontece com as crianças. Então, comecemos a ensinar corretamente que energia nuclear não é apenas bombas e acidentes. Acidentes estes que acontecem em uma escala muito pequena para as grandes repercussões dadas. Hoje, os atuais engenheiros nucleares formados no Brasil pela UFRJ, única faculdade que forma integralmente engenheiros nucleares, tem como docentes, em sua maioria, em especial por óbvio, na parte profissionalizante do curso de graduação, bacharéis em física. Sim em física. Isso porque a história Nuclear no Brasil se iniciou a partir da pós graduação do setor, na Era Vargas, diferentemente dos outros cursos de pós-graduação. Isto torna a área nuclear tão especial e estratégica, merecendo uma pasta exclusiva no novo Governo Federal. Não reconhecer o valor desses profissionais é negar nossa história e, muitos ou quase todos, optaram por serem também pesquisadores.

Todavia, não podemos esquecer outro ponto tocado no discurso de posse do presidente Lula: democracia para todos. Democracia para todos na educação de ensino superior é ter investimento para fortalecer os cientistas e, por conseguinte, reajustar as bolsas de mestrado, doutorado e de pesquisadores para que continuemos motivados dentro da Ciência.  A mesma é dispendiosa e, por muitas vezes, temos que colocar dinheiro do próprio bolso para que uma pesquisa siga seu curso. Precisamos de mais incentivo com um leque inovador e abrangente no setor. Precisamos aumentar as cotas de bolsas da nossa pós-graduação pelos Órgãos de Fomento do Governo. 

Precisamos de políticas públicas que façam com que o engenheiro nuclear queira continuar e estabelecer sua carreira no nosso país, ou pelo menos, que tenha incentivo para voltar à pátria após obter conhecimento e experiência no exterior. Isso não significa que os que aqui estão são rejeitos intelectuais. Não! Eles tocam esse país como engenheiros nucleares que são ou como mestres e doutores em engenharia nuclear que são, porém não estão devidamente valorizados. Precisamos entender que pesquisadores bolsistas, os alunos de mestrado e de doutorado, vivem exclusivamente do dinheiro dessas bolsas, sem poder ter empregos, o que os limita em demasia no desenrolar de suas vidas, pois precisam ser inseridos no mercado de trabalho. Temos que ter um plano de carreira factível com a demanda do setor, tanto privado quanto público. 

Os físicos com mestrado e doutorado em engenharia nuclear também não podem ser esquecidos nos futuros concursos, cada vez mais escassos. Mais uma vez insisto nesse ponto, pois nossos engenheiros nucleares genuinamente brasileiros, ainda estão em fase inicial de experiência de campo. Temos que aumentar as vagas de estágios nas empresas do setor, e, sobretudo, uma cultura do “não medo” quando falamos de energia nuclear e de radiação. Um outro ponto a ser mencionado é o hidrogênio verde. Sabemos que a curto prazo o mundo exigirá milhões de toneladas de hidrogênio limpo. Contudo, o hidrogênio só pode contribuir plenamente para uma descarbonização profunda se for produzido a partir de fontes de energia com baixo teor de carbono e se houver geração suficiente de eletricidade de baixo carbono para produzi-lo. 

A curto prazo, o hidrogênio pode ser produzido por meio de um processo chamado “eletrólise da água” que, como o próprio nome indica, requer insumos de água e eletricidade.  O hidrogênio da eletrólise da água só é de baixo carbono se usar eletricidade do vento, energia solar fotovoltaica, energia hidrelétrica ou energia nuclear. A médio prazo, são esperadas inovações que também permitirão que o hidrogênio seja produzido de maneiras diferentes e mais eficientes, inclusive a partir de tecnologias nucleares avançadas, como pequenos reatores modulares (SMRs) de próxima geração. 

Por fim, porém não menos importante, não posso esquecer do nosso teto de vidro, como relata reportagem da Folha de S. Paulo, oriunda de dados da Unesco, que provam haver uma barreira para o avanço de pesquisadoras no mercado de trabalho. Nós mulheres, somos apenas 3 de cada 10 ocupações na ciência, tecnologia, engenharia e matemática no Brasil, embora representemos 44% da força de trabalho. Sem falar que somos menos de 3% a ocuparem cargos de lideranças nas áreas de pesquisas em ciência e tecnologia no nosso país. Já temos um avanço quanto à licença maternidade para mestrandas e doutorandas com bolsas de fomento do Governo Brasileiro, porém nada se fala quanto as pesquisadoras de pós-doutorado, ficando todas à mercê das Instituições de Ensino Superior, que muitas vezes não tem nada regulamentado, como se estas mulheres não existissem. E, portanto, o Ministério da Mulher, da Família e da Cidadania é tão importante e fundamental, em especial na área nuclear, que é altamente subjugada.

Termino esse pequeno texto sem ser na voz passiva propositalmente, digo e repito: não há milagres, mas o olhar de hoje para obtermos um futuro sustentável, limpo e seguro sob a democracia para todos é um olhar baseado em políticas públicas profundas na área nuclear, com investimento na parcela feminina brasileira. 

AUTORA - INAYÁ LIMA – Bacharel em Física pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear, coordenadora do Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ e vice- chefe do departamento de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ. 

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