terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Fusão Nuclear: físico brasileiro pilota projeto e espera recursos que podem chegar com o novo governo

 


Um físico brasileiro, natural do Espírito Santo, costuma reunir 30 pesquisadores pelos mecanismos digitais, como o Zoom, para discutir o desenvolvimento de um reator capaz de produzir energia por fusão nuclear, feito anunciado recentemente ao Planeta pelos norte-americanos. Gustavo Paganini Canal é um dos maiores cientistas do ramo, que desde 2020 coordena o Projeto Nacional de Fusão Nuclear (PNFN). As tentativas começaram no final da década de 70, mas não saíram do papel por falta de decisão política e falta de verbas, embora o Brasil tenha sido convidado para participar de convênios internacionais. Do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), ele reconhece que o projeto não parou de vez graças à dedicação de pesquisadores, alunos, que não medem esforços para manter viva esta parte da ciência, que pode ser muito benéfica no futuro. 

Gustavo tem um currículo de dar inveja a muitos que atuam no setor: é graduado em Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, tem mestrado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, onde trabalhou no desenvolvimento de reatores a plasmas; é PhD pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, por trabalho em Física de Plasmas e Fusão Termonuclear. Nos Estados Unidos fez pós-doutorado na empresa americana de tecnologia General Atomics - Fusion Division. Nos EUA, trabalhou também no Princeton Plasma Physics Laboratory da Princeton University. Após oito anos trabalhando em fusão nuclear no exterior, decidiu retornar ao Brasil para contribuir com o desenvolvimento da fusão nuclear no País. Começou a trabalhar aos 14 anos na eletrônica do pai, onde desenvolveu gosto e aptidão especial por elétrica e eletrônica. “Desde criança, muito curioso, gostava de construir coisas. Aprendi marcenaria com meu avô, o que me permitiu construir objetos com partes móveis, como rodas d’água, moinhos de fubá e pilões de café”, contou ao  BLOG nesta entrevista exclusiva. 

BLOG: O que representa a recém descoberta sobre fusão nuclear nos Estados Unidos? 

GUSTAVO: O anúncio feito por pesquisadores do experimento National Ignition Facility (NIF), operado pelo Lawrence Livermore National Laboratory, causou euforia dentre pesquisadores da área de fusão nuclear, pois essa foi a primeira demonstração experimental da produção efetiva de energia por fusão. 

BLOG: Resuma o que é fusão nuclear? 

GUSTAVO: A fusão nuclear ocorre quando os núcleos de dois átomos se fundem. Porém, dependendo dos núcleos, esse processo pode ser endotérmico (quando precisamos fornecer energia para que esse processo ocorra) ou exotérmico (quando o processo ocorre naturalmente e libera energia). Como nosso.  objetivo final é produzir energia, nossos estudos estão sempre voltados para fusão nuclear utilizando núcleos que liberam a maior quantidade de energia. 

BLOG: Fusão nuclear e fissão nuclear, define? GUSTAVO:  Enquanto a fusão nuclear libera energia quando dois núcleos leves se fundem, formando um núcleo mais pesado, a fissão nuclear libera energia quando um núcleo pesado se quebra em dois ou mais núcleos menores e mais leves.  Esse é exatamente o processo utilizado na produção de energia elétrica em usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. Em usinas nucleares, núcleos de Urânio se quebram em núcleos menores, e esses núcleos (rejeitos) são radioativos. É importante ressaltar que a quantidade de energia liberada em uma reação de fusão é quase 10 vezes maior do que aquela liberada em uma reação de fissão.

BLOG: Conte um pouco sobre a trajetória do Programa Nacional de Fusão Nuclear (PNFN) no Brasil. 

GUSTAVO: No passado, houve várias tentativas de implantar um PNFN aqui, mas infelizmente, o Brasil ainda não possui um programa oficial de pesquisa e desenvolvimento em fusão nuclear, apesar da atuação de alguns grupos nesta área. No final da década de 1970 e início de 1980, esses grupos foram convocados pelo Ministério das Minas e Energia (MME) - órgão governamental então responsável pela pesquisa de fontes alternativas de energia primária em longo prazo - para realizar um programa de caráter nacional. Na época, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) era responsável junto ao MME pela coordenação de um Programa Nacional que vinha sendo elaborado desde 1978 e envolvia todos os grupos de pesquisa em fusão do País. Infelizmente, o Programa não foi levado adiante. 

BLOG: por quê? 

GUSTAVO: Por falta de recursos financeiros e mudanças nas prioridades da CNEN. A pesquisa em fusão teve um novo ímpeto a partir de 1985 com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e a aprovação do Programa Nacional de Plasma em setembro de 1987 pelo Ministro da Ciência e Tecnologia Renato Archer. Esse Programa reunia as atividades dos grupos atuantes no País e previa a criação de um Laboratório Nacional de Plasma. Em 1988, a implantação do laboratório foi colocada sob responsabilidade do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que, infelizmente, não conseguiu executá-la nos anos seguintes. Mas apesar disso, sabemos que os grupos de pesquisa em plasmas termonucleares continuaram seus trabalhos de forma independente, porém seguindo em grande parte a orientação do Programa aprovado pelo MCT. 

BLOG: O que aconteceu depois? 

GUSTAVO: Em 2007, o MCT voltou a apoiar as iniciativas na área da fusão termonuclear através da criação da Rede Nacional de Fusão (RNF) pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Machado Rezende. O nível das pesquisas realizadas por grupos brasileiros havia avançado bastante, a ponto de o Brasil ter atingido a liderança Latino-Americana na área da Física dos Plasmas em geral, e da Fusão em particular, e alcançado razoável prestígio internacional. Porém, não havia como avançar além do estágio das pesquisas em fusão, na época, sem apoio governamental oficial e sem participação em colaborações internacionais. 

BLOG: Quais os principais entraves? 

GUSTAVO: Naturalmente, não havia recursos humanos e financeiros suficientes para realizar um programa ambicioso e autóctone de desenvolvimento de reatores termonucleares de fusão, mas abria-se uma oportunidade para o Brasil participar do projeto ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor), projeto de reator experimental a fusão nuclear baseado na tecnologia do Tokamak, experiência destinada a atingir a próxima fase na evolução da energia nuclear, como meio de gerar eletricidade isenta de emissões.  Faz parte de programas alternativos para o desenvolvimento de tais reatores em colaboração com outros países, como EUA e Inglaterra. Em 2009 o Brasil foi convidado para entrar para o consórcio ITER, mas como “parceiro pleno'', ou seja, contribuindo com 10% de seu custo. Tal contribuição foi considerada demasiadamente alta pelo Governo Brasileiro.

 BLOG: Participou? 

GUSTAVO: Houve sinalização do consórcio ITER de que seria criada uma categoria de parceria especial, com contribuições definidas caso-a-caso, para abrigar parcerias como a do Brasil e a do Cazaquistão. No entanto, esse esquema não foi implantado e o Brasil não entrou para o consórcio. Ao invés de participar do ITER, naquele mesmo ano foi firmado o Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom) na Área de Pesquisa sobre Energia de Fusão. Prevê várias formas de colaboração, como intercâmbio de pesquisadores e equipamento, e a instituição do Comitê de Coordenação, encarregado de coordenar e supervisionar a execução das atividades realizadas em seu âmbito. Algumas reuniões para definir as atividades de colaboração foram realizadas no Culham Centre for Fusion Energy, na Inglaterra, e duas das propostas iniciais de colaboração foram aprovadas: o desenvolvimento de um sistema de inteligência artificial para reconhecimento de imagens de câmeras de infravermelho e o aprimoramento do sistema de diagnóstico ativo de automodos toroidais de Alfvén. 

BLOG: O que aconteceu com os projetos? 

GUSTAVO: O primeiro projeto foi executado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o segundo pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP). Embora tenham sido concluídos com grande êxito, não houve apoio financeiro do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), ou de outros órgãos do Governo Federal, para sua execução. Eles foram executados com recursos obtidos pelos próprios pesquisadores através de projetos submetidos a agências nacionais de fomento. Os recursos foram diretamente alocados para a execução do Acordo de Cooperação Brasil (EURATOM), que praticamente inviabilizou a realização de reuniões do Comitê de Coordenação e a proposta de novos projetos de pesquisa conjunta. No entanto, o Acordo continua em vigor e os projetos de pesquisa em conjunto que dele decorram devem integrar o Programa Nacional, com previsão orçamentária adequada. 

BLOG: A falta de recursos é uma constante na pesquisa. 

GUSTAVO: Infelizmente, nos últimos anos ocorreu uma estagnação e um recuo das atividades na área de fusão nuclear, até mesmo a extinção de alguns grupos de pesquisa. Boa parte dos grupos de plasma já existentes, e quase todos os novos grupos que surgiram, voltaram seu foco principal para aplicações tecnológicas, tais como uso de plasmas de baixa temperatura em processos para tratamento de superfícies, produção de tochas de plasma, etc. Após uma série de reuniões e negociações, que envolveram a presidência da CNEN e a direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), transferiu-se para a CNEN, a partir de 2010, a responsabilidade e o controle de duas Ações Orçamentárias até então geridas pelo INPE. Essas Ações contemplavam a Pesquisa e Desenvolvimento em Fusão Termonuclear Controlada' e a Implantação do Laboratório de Fusão Nuclear (LFN), e tal transferência culminou com a formalização de um Termo de Cooperação CNEN-INPE em 2016 para a transferência das atividades em fusão nuclear de uma instituição para a outra. Foi um passo importante, dado ainda em 2016, com a estratégia adotada pela CNEN de transferir o LFN para uma sede definitiva em Iperó-SP, junto ao empreendimento Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). 

BLOG: Avançou? 

GUSTAVO: O projeto LFN' foi submetido à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), conjuntamente pela CNEN e pelo INPE. O Objetivo, a elaboração do projeto executivo do laboratório a ser construído em Iperó. Em dezembro de 2018, a área de fusão nuclear foi incluída explicitamente na Política Nuclear Brasileira. No início de 2020, pesquisadores do IFUSP e do INPE atuantes em fusão nuclear foram convidados pela CNEN para dar início a mais uma tentativa de estabelecer um PNFN e para integrar uma equipe cuja responsabilidade é dar início às atividades de capacitação, desenvolvimento e inovação na área de fusão nuclear. Deu-se início, portanto, a uma série de reuniões que resultaram no PNFN, em meados de 2021. O PNFN desenvolvido por esse grupo foi apresentado em 12/08/2021 para a comunidade científica atuante em fusão nuclear e para o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação em exercício na época. Infelizmente, até o momento, não recebemos retorno do MCTI quanto a implantação do PNFN apresentado. No entanto, a perspectiva de, finalmente, ver realizado o projeto de um laboratório de caráter nacional dedicado à fusão dá novo ânimo aos pesquisadores brasileiros. 

BLOG: É lamentável tanto descaso com as pesquisas. 

GUSTAVO: Tendo em vista o planejamento estratégico de busca por fontes alternativas de energia, em escala mundial, para a segunda metade deste século, seria desastroso para o Brasil ficar ausente do esforço internacional de pesquisa em fusão. A participação no esforço internacional, embora certamente modesto, trará o benefício de acesso a conhecimentos científicos e tecnológicos avançados, capacitando o País para implementar a produção termonuclear de energia no futuro, quando necessária. 

BLOG: O que temos hoje no Brasil de concreto? 

GUSTAVO: Há hoje no Brasil três tokamaks em atuação:  o Tokamak à Chauffage Alfvén Brésilien (TCABR), operado pelo Laboratório de Física de Plasmas (LFP) do IFUSP;  o Experimento Tokamak Esférico (ETE), operado pelo antigo Laboratório Associado de Plasma (LAP) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e o NOVA-UFES, operado pelo Laboratório de Plasma Térmico (LPT) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 

BLOG: Poderia especificar cada um? 

GUSTAVO: O tokamak TCABR foi construído pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, e posteriormente transferido para o LFP, onde entrou em operação em 1999. O objetivo principal do TCABR era dar prosseguimento aos estudos de aquecimento de plasma por ondas de Alfvén, porém, estes objetivos foram revistos pela equipe de pesquisadores do IFUSP. Uma modernização significativa do TCABR está sendo projetada de modo a transformá-lo em uma máquina única no mundo capaz de explorar regimes de operação com campos magnéticos perturbados com topologias avançadas e inovadoras. 

O tokamak ETE, esférico entrou em operação em 2000 e foi inteiramente projetado e construído no então LAP/INPE para estudos de plasma em tokamaks de baixa razão de aspecto. Atualmente, o LAP do INPE faz parte da Coordenação de Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento Tecnológico (COPDT). Assim como no caso do TCABR, há também um projeto de modernização do tokamak ETE. O projeto detalhado dessa atualização encontra-se no Termo de Cooperação CNEN-INPE de 2016. 

O tokamak NOVA-UFES foi construído pela Kyoto University, Japão, e posteriormente transferido para o Brasil. No País, esse tokamak já foi operado pela Universidades de Campinas (UNICAMP), pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e, atualmente, se encontra na UFES. Hoje, o NOVA-UFES está sendo utilizado para testar um sistema de injeção de helicidade que será instalado no TCABR. BLOG: O que se pode dizer hoje sobre esse projeto, de tantos anos de iniciativas e entraves? GUSTAVO: Apesar de todos os esforços, o PNFN ainda não foi oficialmente iniciado; nem pelo governo anterior e nem pelo governo atual. Porém, mesmo sem recursos federais, estamos trabalhando de forma bastante intensa no projeto da modernização do tokamak da USP - essa é uma das atividades de curto prazo que foram incluídas no PNFN. 

BLOG: Há grande empenho dos pesquisadores. 

GUSTAVO: Durante essa modernização, estudantes de graduação (Iniciação Científica) e de pós-graduação (Mestrado e Doutorado), com e sem bolsa, e pós-doutores estão sendo treinados em tecnologias de ponta utilizadas em fusão nuclear. Ao todo, a equipe de pesquisadores envolvida na modernização do TCABR conta com 29 pesquisadores de várias instituições nacionais de pesquisa: Instituto de Física da USP (IFUSP), Escola Politécnica da USP (EPUSP), Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP), Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Estadual Paulista (UNESP).

 BLOG: Quais os planos a curto prazo? 

GUSTAVO: Uma das atividades de curto prazo definidas no PNFN é iniciar estudos relacionados ao tokamak que será construída e instalada no futuro Laboratório de Fusão Nuclear (LFN) - um laboratório de porte nacional que será construído em Iperó - SP para concentrar e coordenar os esforços nacionais na área de Fusão Nuclear. Mas a decisão sobre qual a máquina será instalada vai depender de uma série de aspectos analisados nas máquinas. 

BLOG: O que pode dizer em relação à mão de obra qualificada? 

GUSTAVO: Mesmo sem um início oficial, vários passos importantes já foram dados. Um deles é o treinamento de mão de obra qualificada em tecnologias de ponta relacionadas ao desenvolvimento da fusão nuclear. Alunos de graduação e pós-graduação estão participando das atividades de projeto da modernização do TCABR. Essas atividades envolvem simulações complexas do comportamento de plasmas de alta temperatura (10 milhões de graus Celsius) que são realizadas no supercomputador Santos Dumont, operado pelo Laboratório Nacional de Computação Científica localizado no Rio de Janeiro. Além disso, os alunos realizam simulações que levam em conta a interação eletro-termo-mecânica desses plasmas com as estruturas materiais ao seu redor. Os resultados dessas simulações nos permitem projetar os novos componentes que serão instalados no TCABR. Tais componentes transformarão o TCABR em uma máquina única no mundo capaz de estudar a interação de plasmas quentes com campo magnéticos ressonantes perturbativos que estabilizam instabilidades violentas que ocorrem na superfície do plasma e que podem danificar a máquina.

 BLOG: Sem recursos, difícil progredir nessa área.

 GUSTAVO: Com certeza, o limitado volume de recursos financeiros é o principal desafio. A realização de experimentos relevantes em fusão nuclear necessita de instalações relativamente grandes e, consequentemente, caras. Sem um apoio em nível federal, dificilmente conseguiremos progredir nessa área, que é estratégica para o País, e muito menos tirar proveito das vantagens tecnológicas oriundas da fusão nuclear. Os únicos recursos utilizados até o momento vieram na forma de bolsas de estudo (CAPES, CNPq e CNEN): Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. 

BLOG: Mencione alguns benefícios de o Brasil nessa área. 

GUSTAVO: Existem vários benefícios tecnológicos associados à fusão nuclear. Por exemplo, o controle de posição de plasmas de tokamak requer o desenvolvimento de fontes de potência de alta performance e alta corrente. Durante o projeto de modernização do TCABR, fontes de potência de vários MVAs, com operação em quatro quadrantes, estão sendo desenvolvidas. A tecnologia por trás dessas fontes pode ser diretamente transferida para empresas do setor de transporte, pois servem para alimentar excitatrizes de geradores elétricos, como os de Itaipu, além de servirem também para sistemas de tração elétrica metro-ferroviária. Sabendo que o programa federal Pro-Trilhos já chegou a 48 pedidos para a criação de novas ferrovias no País, o que representa uma adição de mais de 15 mil quilômetros de trilhos à malha nacional e um mercado de R$ 187 bilhões em investimentos privados, é definitivamente estratégico para o País termos industrias nacionais que possam atender esse novo mercado. 

BLOG: Outro exemplo? 

GUSTAVO: Um outro exemplo de tecnologia que estamos desenvolvendo pode ser diretamente transferida para o setor de energia, mais especificamente na geração de energia distribuída. Para criar campos magnéticos ressonantes no TCABR, conversores em multinível capazes de fornecer alta corrente e frequência variável estão sendo desenvolvidos. A tecnologia por trás desses sistemas podem ser utilizados em usinas eólicas e solares. Estamos também desenvolvendo ladrilhos de grafite para o recobrimento das paredes internas do TCABR. Tais materiais podem ser aproveitados em alto fornos em usinas siderúrgicas e também para revestimento de veículos espaciais. Existe ainda uma iniciativa que busca desenvolver bobinas supercondutoras de alta temperatura - a REBCOM. Tais bobinas são essenciais para o desenvolvimento de futuras usinas de energia a fusão. No entanto, bobinas supercondutoras de altas temperaturas também podem ser usadas para a construção de sistemas de armazenamento de energia elétrica com alta capacidade de armazenamento. Tais sistemas são considerados um Santo Graal do setor elétrico, pois permitiriam uma estabilização de malha elétrica do País. No momento, essa iniciativa está na fase de captação de recursos através de um consórcio de empresas do setor elétrico. 

BLOG: Quantos profissionais atuam no programa? 

GUSTAVO: A equipe envolvida conta com 29 pesquisadores de várias instituições nacionais: Instituto de Física da USP (IFUSP), Escola Politécnica da USP (EPUSP), Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC-USP), Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Universidade Estadual Paulista (UNESP). Nos reunimos pela Internet, pelo Zoom. 

BLOG: A falta de apoio deve prejudicar muito. 

GUSTAVO: Com certeza. Nos últimos anos ocorreu uma estagnação e um recuo das atividades na área de fusão nuclear, até mesmo a extinção de alguns grupos de pesquisa, devido a falta de recursos financeiros. Boa parte dos grupos de plasma já existentes, e quase todos os novos grupos que surgiram, voltaram seu foco principal para aplicações tecnológicas, tais como uso de plasmas de baixa temperatura em processos para tratamento de superfícies, produção de tochas de plasma, etc. No entanto, a perspectiva de, finalmente, ver realizado o projeto de um laboratório de caráter nacional dedicado à fusão nuclear dá novo ânimo aos pesquisadores brasileiros. 

BLOG: O país perde muito no futuro. 

GUSTAVO: Tendo em vista o planejamento estratégico de busca por fontes alternativas de energia, em escala mundial, para a segunda metade deste século, seria desastroso para o País ficar ausente do esforço internacional de pesquisa em fusão. A participação no esforço internacional, embora certamente modesto, trará o benefício de acesso a conhecimentos científicos e tecnológicos avançados, capacitando o País para implementar a produção termonuclear de energia no futuro, quando necessária.

 BLOG: O que esperar do governo eleito? 

GUSTAVO: Nunca obtivemos sucesso na implantação de um PNFN. Mas agora, temos alguma esperança, com o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, que presidiu o INPE. Com Galvão temos a chance de o projeto seguir em frente, porque ele valoriza a ciência. 

BLOG: Mensagens aos estudantes? 

GUSTAVO: Alunos de graduação e pós-graduação que estejam interessados em realizar estudos na área de física de plasmas e fusão nuclear podem entrar em contato comigo através do e-mail canal@if.usp.br

PERFIL - GUSTAVO PAGANINI CANAL - É graduado em Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, onde trabalhou em projetos da Petrobras, aplicando plasmas de hidrogênio no hidrorefino de óleos pesados e extra pesados. Possui Mestrado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Rio de Janeiro, onde trabalhou no desenvolvimento de reatores a plasmas aplicados a processos nanotecnológicos e a ablação por laser pulsado para a deposição de materiais biocompatíveis. É PhD pelo Centre de Recherches en Physique des Plasmas da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, por trabalho em Física de Plasmas e Fusão Termonuclear. Nos Estados Unidos fez pós-doutorado na empresa americana de tecnologia General Atomics - Fusion Division. Nos EUA, trabalhou também no Princeton Plasma Physics Laboratory da Princeton University. Após oito anos trabalhando em fusão nuclear no exterior, decidiu retornar ao Brasil para contribuir com o desenvolvimento da fusão nuclear no País. Hoje, é Professor Livre-Docente no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) e coordena o projeto de modernização do tokamak TCABR. Participou como primeiro autor da elaboração do Programa Nacional de Fusão Nuclear que foi submetido para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, e tem colaborado com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) no desenvolvimento da fusão nuclear em nível nacional. 

Natural de Vitória (ES), filho de comerciante, começou a trabalhar aos 14 anos na eletrônica do pai, onde desenvolveu gosto e aptidão especial por elétrica e eletrônica. Desde criança, muito curioso, gostava de construir coisas. “Aprendi marcenaria com meu avô, o que me permitiu construir objetos com partes móveis, como rodas d’água, moinhos de fubá e pilões de café”. 

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