"Tive a oportunidade de tecer considerações sobre as atividades de pesquisa e lavra de minérios nucleares e as (in)competências e irresponsabilidades históricas de diversas ordens da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em matéria publicada neste blog em 6 de outubro de 2020. Agora, voltamos ao assunto por conta da Medida Provisória (MP 1.133/2022), que desde a semana passada autoriza a participação do setor privado na exploração de minérios nucleares, entre outras providências referentes ao tema.
Recordei fatos ocorridos ainda em 1987 quando eu trabalhava como consultor no projeto Itataia, e conheci de perto a irresponsabilidade e o descaso com que a Nuclebrás administrava os trabalhos de prospecção da mina. Na época, era a Nuclebrás a empresa estatal nuclear que atuava nas atividades de pesquisa e lavra de minérios nucleares como o urânio. Ainda, a Nuclemon era outra empresa estatal nuclear que processava as areias monazíticas para a obtenção de cloreto de terras raras, gerando um subproduto com alta concentração de urânio e tório conhecido como torta II. A torta II processada também dá origem ao mesotório, produto altamente radioativo.
Ambas empresas deram lugar à INB que hoje possuí um elevado passivo ambiental nuclear. São muitos os conflitos e embates em localidades como Itu (SP), onde o sítio Botuxim armazena 3.500 toneladas de rejeito radioativo (torta II), ou Caldas (MG), onde a antiga exploração do minério de urânio deixou uma barragem com 12 mil toneladas de rejeitos que colocam em risco a região em caso de rompimento.
A Medida Provisória (MP 1.133/2022) aprovada pelo Senado em 7 de dezembro deste ano, que autoriza a participação do setor privado na exploração de minérios nucleares deve ser analisada neste contexto. Como atividades de pesquisa e lavra de minérios nucleares que historicamente sempre apresentaram sérios problemas de segurança e saúde pública quando foram sujeitas ao descaso e irresponsabilidade de empresas estatais, passarão ser objeto de participação de empresas privadas?
Cabe ressaltar que tais empresas estatais jamais poderão ser classificadas como “empresas públicas” pois nunca estiveram sujeitas ao controle social. Nestas condições, o risco destas atividades serem desenvolvidas sem controle e fiscalização, pois se estas existissem o país não teria esse passivo nuclear ambiental.
A alegada justificativa de que, com essa MP se viabiliza a independência financeira da INB e a garantia da entrega do combustível para as usinas de Angra sem a necessidade de recursos do Tesouro Nacional, como procura indicar a mensagem do Ministério de Minas e Energia, não tem fundamento.
Mesmo a ideia de que a exploração do minério de urânio pela iniciativa privada, cujo potencial é estimado em 309.200 toneladas, o que situa o país como uma das maiores reservas do mundo, resultaria numa renúncia de recursos não se sustenta.
O fato é que o preço do minério no mercado internacional não deixou de cair, notadamente após o acidente de Fukushima no Japão, em março de 2011. O minério é comercializado no mercado internacional na forma de concentrado de urânio (U3O8), também denominado yellowcake. Ele é cotado em dólares por libra-peso (US$/lb). Sua cotação já alcançou 140 US$/lb em junho de 2007. Em janeiro de 2011, antes do acidente de Fukushima, sua cotação era de 72,50 US$/lb, mas em agosto daquele ano caiu para 49,15 US$/lb. A partir daí, não parou de cair, chegando a atingir apenas 17,75 US$/lb, em novembro de 2016. Hoje (novembro/2022), está cotado a 49.88 US$/lb (spot price). Qual o interesse dos agentes financeiros privados de entrar num mercado que só tende a se restringir?
Por fim, e não menos importante, é o fato de que não houve debate no processo de aprovação desta MP, nem no Senado nem na Câmara dos Deputados. O expediente da utilização de uma Medida Provisória para fazer valer um projeto de um Governo que vive seu estertor, não deve se consumar.
Apenas o debate, que inclua instituições como a Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN), pode consubstanciar a democracia sobre um tema tão relevante".
CÉLIO BERMANN: É Professor Associado 3 do Instituto de Energia e Ambiente da USP, doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela COPPE/UFRJ e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP.
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Alerta providencial a favor do Brasil. Ainda bem que a gestão Lula está para começar. Que janeiro chegue logo.
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