sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Tarifa de energia elétrica nas nuvens. Revisão já. Por Heitor Scalambrini Costa


No Brasil, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), os consumidores já pagam a terceira maior tarifa de energia elétrica do planeta: o dobro da média mundial. Muitas explicações e justificativas têm sido dadas para chegarmos a atingir tais patamares, principalmente pelas distribuidoras, pelo governo, e por aqueles que mais se locupletam com este verdadeiro atentado ao bolso do povo brasileiro. Me refiro aos lobistas, especialistas, escritórios de consultoria, por exemplo. 

As atuais tarifas comprometem desde o crescimento da produção, a geração de mais empregos e renda, o aumento do consumo e, consequentemente, maior arrecadação com impostos em geral, que beneficiariam toda a sociedade. Daí ser uma questão, cuja discussão e solução extrapolam simplesmente a opinião dos “experts”. É a sociedade que tem que ser ouvida. 

Os chamados “especialistas” insistem em apontar: os impostos, subsídios, cobrança de outorgas em licitações, não autorização e demora de liberações para hidrelétricas, entre outros pontos que impactam nas tarifas para o consumidor. Todavia tais posições devem ser refutadas, pois geralmente defendem seus próprios interesses e de seus “patrões”. Agem como lobistas, contra o interesse nacional. Não vão ao ponto central da questão. 

Nos últimos tempos foram acrescidos novos argumentos, e medidas foram implementadas para impulsionar as tarifas astronômicas que provocam uma extraordinária transferência de renda no país. 

Menos chuvas e consequentemente menos água nos reservatórios das hidroelétricas foi a motivação da criação das bandeiras tarifárias. Mecanismo usado para arrecadar e aumentar mais ainda o caixa das distribuidoras, onerando os consumidores.


A energia solar está sendo usada como bode expiatório para as altas tarifas. Alegam que os subsídios dados a geração fotovoltaica é injusto, pois contribui para a elevação das tarifas para a maioria dos consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que funciona como um “puxadinho” da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica-ABRADEE, propôs taxar o Sol. Mas o cinismo dos lobistas, transvestidos de especialistas não para por aí. 

Os defensores das usinas nucleares no país, os mesmos que sempre boicotaram as fontes renováveis solar e eólica, dizem agora que além da geração fotovoltaica contribuir para o aumento das tarifas, a oferta de energia elétrica pelas novas usinas nucleares ajudará a reduzir as tarifas. Mesmo o MWh da nucleoeletricidade custando hoje R$ 480,00, o que corresponde 4 a 6 vezes mais caro comparada aos preços finais por fonte que ocorreu no leilão A6 (outubro/2019). Neste leilão a hidroeletricidade alcançou R$ 157,08/MWh, a energia eólica R$ 98,89/MWh, e a solar R$ 84,39/MWh. 

Ao focar o cerne da questão das altas tarifas no país, este preço atual inaceitável decorreu de uma política de mudança no setor elétrico, iniciada em 1995, cujo pilar foi, segundo os idealizadores, a criação de um mercado competitivo no setor, facilitado pela privatização das empresas de geração e distribuição. 

Os conhecidos defensores do processo de privatização, se confundem com os mesmos que querem taxar o Sol, instalar novas usinas nucleares, instalar mais e mais termoelétricas a combustíveis fosseis, em nome da diversificação da matriz elétrica e da segurança energética. Escondem da população seus reais interesses, que não tem nada a ver com uma política energética sustentável e de interesse nacional. 

Propagavam aos “quatro cantos” que com a privatização das empresas estatais haveria redução das tarifas e melhoria dos serviços prestados à população. E que os Estados assim poderiam investir mais e mais nas áreas sociais, como educação e saúde, deixando para o capital privado a tarefa de ampliar e melhorar o setor. Quem não se lembra deste discurso? 

Na realidade o que se constata é inversamente o contrário, altas tarifas e serviços de baixa qualidade. São as distribuidoras privatizadas de energia elétrica as maiores beneficiadas com esta situação reinante. Basta acompanhar nos balancetes e nas demonstrações financeiras apresentados pelas empresas, para verificar seus lucros exorbitantes, inaceitáveis. 

Mas por que as distribuidoras ganham tanto dinheiro, cobrando tarifas que fogem a realidade econômica do país? A resposta está nos contratos draconianos de privatização (conhecidos também como contratos de concessão). Tais contratos conhecidos como “juridicamente perfeitos” garantem que não haja a diminuição de lucros destas empresas. 

A noção de equilíbrio econômico-financeiro, introduzida nos contratos, funcionam como mecanismo de proteção ao capital (estrangeiro) investido no setor elétrico, garantindo que tais investimentos sejam sempre remunerados. Criando assim, no setor elétrico, o “capitalismo sem risco”. 

Na prática os aumentos nas tarifas das concessionárias, concedidos pela ANEEL, estão previstos na lei 8.631, de 4 de março de 1993[DH1] , previstos nos contratos de concessão ou privatizacão. Assim é o consumidor que sempre paga, via aumento das tarifas, subsidiando a saúde financeira das empresas, e seus ganhos estratosféricos. 

Que não reste dúvidas. Foi a “maracutaia” do famigerado equilíbrio econômico-financeiro, introduzida sob encomenda nos contratos de privatização, é quem garante que estas empresas sempre ganhem (muito) às custas do consumidor. Revisão já dos contratos de privatização das distribuidoras de energia elétrica. 

(Artigo de Heitor Scalambrini Costa, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física na UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na UFPE, e doutorado na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França).





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