“A arrogância” que norteia
setores da área nuclear contribui para dificultar que a informação sobre fatos
relevantes esteja ao alcance da população como deveria. A opinião é de Abel Julio
Gonzalez, da Autoridade Regulatória Nuclear de Argentina (ARN), líder do
projeto das organizações internacionais competentes das Nações Unidas (UN)
sobre Chernobyl. Gonzalez fez esta e outras críticas ao falar para cerca de 100
técnicos de empresas nucleares, no Workshop “Chernobyl – olhar o passado como
lição para o futuro”, realizado nesta segunda-feira (11/11), no auditório de
Furnas, em Botafogo.
A explosão de um dos quatro reatores de Chernobyl, na Ucrânia,
ex-União Soviética, ocorreu no dia 26 de abril de 1986. Desde então, Abel Gonzalez
participou das reuniões para avaliação da tragédia. Disse que somente dois anos
depois foram fechados os primeiros relatórios sobre o acidente. A arrogância, a
que se referiu, pode ser constatada até mesmo em um vídeo que simula os diálogos
entre a equipe que operava a sala de controle de Chernobyl, no dia do acidente.
Um superior dá ordens ao operador do reator, quando eles entram em discussão,
sem humildade.
Abel Gonzalez tem na bagagem experiência de sobra sobre a
tragédia. Ele foi diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), vice-presidente
da International Comission on Radiological Protection (ICRP) e representante da
United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation (UNSCEAR).
“Há também inadequação linguística quando se usa termos técnicos que não
comunicam”. O dirigente prosseguiu com as críticas lembrado que entre o fim da conclusão
do primeiro relatório sobre o acidente, em 1987, até hoje, há uma grande lacuna
e nada foi feito para o esclarecimento da população.
“Uma verdade não completa
pode induzir a uma mentira”, comentou. Segundo
ele, em 1989 membros de várias entidades pressionaram a delegação soviética a
enviar informações. Somente em 1990 mais de 100 pessoas participaram de um relatório
concluindo que foram centenas de milhares de vítimas: casos de depressão,
interrupção indesejada de gravidez, por exemplo.
O especialista também relembrou,
segundo ele, “mentiras divulgadas sobre a tragédia”, como um número de um
milhão de mortos, mulheres contaminadas que teriam defeitos físicos como várias
mamas, e todo o tipo de informação errada, fruto da incapacidade de gerenciar o
primeiro grande acidente nuclear no mundo, com consequências danosas que
alcançaram diversos países.
Ele mostrou gráficos sobre sete mil crianças, que
consumiram leite contaminado com iodo-131: resultado meninos e meninas com
câncer de tireoide. A ocultação e o mutismo sobre a informação provocaram tragédias
como essas em torno do acidente, que poderiam ter sido evitadas. “O que não
pode se repetir jamais. Num acidente, não se pode consumir esse tipo de leite
em hipótese alguma”.
A tragédia não foi ainda maior porque temia-se uma guerra
nuclear com os Estados Unidos e os hospitais estavam bem equipados, observou
Abel González.
CULTURA DA SEGURANÇA.
O Presidente da Eletronuclear, Leonam dos
Santos Guimarães, disse que Chernobyl foi o “pior caso de marketing da história”
na indústria nuclear. Ele acha que deve haver uma cultura de segurança em todas
as unidades nucleares, nas quais o operador da sala de controle deve ser ouvido
e, em caso de qualquer anormalidade, o que deve prevalecer é o “exercício da
humildade”.
A Eletronuclear, Associação Brasileira para Desenvolvimento de
Atividades Nucleares (ABDAN), Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica
(SBPR) e Furnas organizam o workshop "Chernobyl - olhar o passado como
lição para o futuro". O evento teve outras palestras técnicas sobre níveis
de radiação; remediação ambiental, eletricidade nuclear, proteção radiológica,
entre outros.
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