sexta-feira, 12 de julho de 2019

Usinas nucleares no Nordeste, segundo Carlos Mariz, especialista que trabalhou no projeto



Ele atuou como Chefe Executivo da Eletronuclear no Nordeste, com a missão de desenvolver sítios e promover a Energia Nuclear no Nordeste e no Brasil, participando de missões internacionais, nos Estados Unidos, França e Argentina. Integrante da Academia Pernambucana de Engenharia, o professor Carlos Henrique da Costa Mariz, gerenciou os estudos de implantação da Usina Nuclear do Nordeste, no âmbito do Programa Nuclear da Alemanha, assinado em 27 de junho de 1975, que não foi adiante. Aqui, Carlos Mariz opina sobre a trajetória da questão nuclear brasileira, e a atual gestão que poderá resultar em usinas nucleares na Região Nordeste. Eis a entrevista:  

BLOG: O Brasil busca parceiros internacionais para concluir a usina nuclear Angra 3. O que o senhor sabe sobre isso? 
CARLOS MARIZ: Muito provavelmente através de uma licitação a ser realizada, para a conclusão da construção de Angra 3, se tornando sócias do empreendimento. 

BLOG: O Brasil planeja construir seis usinas nucleares no Nordeste. O que há de concreto sobre a intenção? 
CARLOS MARIZ: Para saber o número exato de usinas que o Brasil pretende construir é necessário aguardar, ainda, a publicação do Plano Nacional de Energia 2050 que o Ministério de Minas e Energia estará concluindo até o final do ano. Sabe-se, entretanto, que o Programa Nuclear estará sendo reativado e que teremos usinas nucleares, pós Angra 3, tanto no Nordeste quanto no Sudeste. Os sítios nucleares pré-escolhidos no Brasil, em estudos conduzidos pela Eletronuclear com participação da COPPE/UFRJ, comportam a possibilidade de construção de no mínimo 6 usinas nucleares. 

BLOG: O acordo nuclear com a Alemanha, em 1975, vislumbrava oito usinas. Desse acordo, apenas Angra 2 saiu do papel e Angra 3, se arrasta há décadas. Esse plano de seis usinas no Nordeste tem chances de concretização? Não remete a intenção das oito usinas há 40 anos? 
CARLOS MARIZ: Se o programa do acordo nuclear com a Alemanha tivesse sido realizado, ou pelo menos 50% dele, o Brasil seria hoje um país muito mais desenvolvido. A falta que a não construção dessas usinas fizeram ao nosso país é impressionante. 

BLOG: Como assim? 
CARLOS MARIZ: Basta fazer o seguinte raciocínio: não teríamos tido o apagão de 2001 e muito menos essa sucessão de térmicas consumindo óleo combustível, a preços absurdamente altos, que perduram e vão continuar perdurando, ainda por um bom tempo. São bilhões e bilhões de reais sendo queimados continuamente, onerando nossa tarifa e a balança de pagamentos do país além de   poluir nosso meio ambiente. A Coreia do Sul, iniciou seu programa nuclear exatamente na mesma época que iniciamos o nosso com Angra I. Eles não pararam e fizeram 25 usinas nucleares, nesse período. Veja quem é a Coreia do Sul hoje! Espero que o Brasil tenha tomado consciência disto e não venha repetir, de novo, tamanho erro para o futuro. Energia elétrica segura, em abundancia e barata é a base para o desenvolvimento e a geração de empregos de um país ou região. O Brasil e particularmente o Nordeste precisa da geração nuclear. 

BLOG: Por que o Nordeste precisa de seis usinas? 
CARLOS MARIZ: Se observarmos o programa energético chinês, base para o continuado e elevado crescimento econômico desse país, vamos verificar a importância da energia como força propulsora do crescimento, sobretudo energia de qualidade, continua e de grande fator de capacidade anual. A energia de base. Quanto mais dotarmos o Nordeste com energia mais resposta teremos em seu desenvolvimento. Assim foi com Paulo Afonso e Boa Esperança e assim esperamos que venha a ser com as novas usinas nucleares.

BLOG: Quais os estados ou locais já escolhidos e por quê? 
CARLOS MARIZ:  A escolha de sítios nucleares no Brasil seguiu a metodologia do EPRI (Electric Power Research Institute ), na Califórnia, EUA,, através da utilização dos critérios de seleção do EPRI SITE GUIDE. Sem entrar em detalhes, é necessário que um sítio satisfaça um conjunto de condicionantes tipo: disponibilidade de água, solos, topografia, distância mínima de populações, áreas de preservação ambiental, possibilidades de terremotos, etc. A aplicação dessa metodologia, indicou áreas as margens do rio São Francisco nos estados de Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas, no Nordeste. 

BLOG: Quais as vantagens e os benefícios para cada uma das regiões? 
CARLOS MARIZ: A primeira vantagem evidente é a disponibilidade de energia de base contínua, limpa e a potência constante e ou pré-definida, sem intermitências e sem dependência do clima. As demais vantagens virão dos impactos na geração de empregos e no aumento da renda média dos salários, na construção de benfeitorias, nos royalties oriundos da venda de energia, etc. 

BLOG: Como será a disponibilidade de recursos? Quanto vai custar? E infraestrutura para receber as instalações? 
CARLOS MARIZ: Muito provavelmente os recursos serão originários de um mix de empresas privadas, linhas de financiamento internacionais, basicamente, mas poderá haver alguma participação do governo em termos de incentivos. Uma usina nuclear moderna, geração III+, de 1100 MW, pode custar, aproximadamente, US$ 7 bilhões.

 BLOG: Como está a negociação do governo federal com os Estados? 
CARLOS MARIZ: Não faço parte do governo, mas pelo que posso avaliar ainda não está havendo negociações. 

BLOG: A questão da segurança para a população está sendo avaliada? 
CARLOS MARIZ: Hoje a responsabilidade pela aprovação e acompanhamento da segurança nuclear está afeta a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a quem cabe fiscalizar e aprovar projetos nessa área. 

BLOG: De que forma o Governo administra as manifestações populares contra as usinas? 
CARLOS MARIZ: Aqui em Pernambuco – onde o estágio da discussão sobre a possibilidade de construção de usinas nucleares está mais avançado -  as manifestações populares se dão com elevado grau de desinformação. Tem-se aí uma grande oportunidade para que o governo explore o conteúdo dessas manifestações e a partir daí possa formular estratégias e mecanismos de ação afim de bem informar a população. 

BLOG: Já se estuda os locais para armazenar os rejeitos produzidos pelas usinas? Onde? Quanto vai custar? Quem vai pagar? 
CARLOS MARIZ: Sobre os rejeitos nucleares, sempre é possível encontrar soluções para o seu armazenamento. Esse assunto deverá ser estudado, em detalhes, na fase de desenvolvimento do projeto da central nuclear e dependerá da sua localização. 

BLOG:  O Senhor participou do “ Fórum Internacional de Renováveis versus nuclear”, no dia 4 de julho, em Pernambuco. Poderia fazer um balanço do evento? 
CARLOS MARIZ: A minha palestra se baseou em algumas pilastras: A primeira diz respeito a relação entre energia elétrica e desenvolvimento sócio econômico; a segunda, na matriz de energia elétrica e sua concepção a partir da necessidade de segurança energética, custos e impactos ambientais; a terceira, sobre a energia nuclear, suas principais características a nível nacional e internacional; e por último os estudos realizados até o presente para a implantação de energia nuclear no Nordeste do Brasil. P

PERFIL: 

Engenheiro Eletricista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), cursou especialização em Engenharia de Automática na Escola Nacional de Engenharia da Universidade de Toulouse – França. Master of Sciences – MSc em Engenharia de Sistemas COPPE/UFRJ, lecionou, por muitos anos, as disciplinas de Princípios de Controle e Servomecanismos, Planejamento Energético e Produção de Energia Elétrica no Departamento de Engenharia Elétrica da UFPE. Coordenou a implantação, desenvolveu e gerenciou a área de Planejamento Energético e Sistema de Geração da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), onde atuou como Chefe da Divisão de Estudos Energéticos, Chefe do Departamento de Estudos do Sistema de Geração, Adjunto do Diretor de Engenharia e Adjunto da Presidência. 

Ele também gerenciou os estudos de implantação da Usina Nuclear do Nordeste, no âmbito do Programa Nuclear da Alemanha e representante da CHESF no GCPS – Grupo de Planejamento do Setor Elétrico Brasileiro – Eletrobrás. Representou a CHESF no Congresso Mundial de Energia, no CIER – Comitê de Integração Elétrica Regional da América do Sul e no CEIVASF – Comitê de Estudos Integrados da Bacia do Rio São Francisco, realizou, estudos relativos ao uso múltiplo do Rio São Francisco. 

Em seguida, atuou como Diretor de Energia do Governo do Estado de Pernambuco, coordenando a implantação do primeiro Aerogerador do Brasil, na ilha de Fernando de Noronha, dando início a geração eólica no país. Posteriormente como Diretor e sócio majoritário da SER –Sistemas Energéticos Regionais realizou trabalhos para CELPE, SAELPA, Hospital Português, CHESF, PROMOM Engenharia, ABB –Asea Brown Boveri, – FGV –SP – Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, por exemplo. Junto a PROMON Engenharia trabalhou, no desenvolvimento das usinas termelétricas a Gás de Suape. E junto a ASEA Brown Boveri, a realização de estudos de transmissão para o parque eólico de Touros em Natal. 

Atuou ainda como chefe executivo da Eletronuclear no Nordeste, com a missão de desenvolver sítios e promover a Energia Nuclear no Nordeste e no Brasil tendo, inclusive, participado de missões internacionais, nos Estados Unidos, França e Argentina. Atualmente é consultor de energia, dirigindo a MIX Energia, em áreas de interesse como Hidroeletricidade, Energia Térmica, Nuclear e energia Renováveis. Atua ainda na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, no desenvolvimento de sistemas de produção independentes de energia, para suprimento a consumidores, usando tecnologia Solar-fotovoltaica e sistemas de dessalinização de agua. Pertence a Academia Pernambucana de Engenharia.


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