Rio de Janeiro, 13 de março de 2025 -
Um dos mais poderosos causadores de câncer e de gravíssimas doenças pulmonares, o amianto, está novamente em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). A produção é proibida no país desde 2017, quando o próprio STF declarou a constitucionalidade de uma lei do Rio de Janeiro que proibia a fabricação e venda de produtos com amianto e deu à decisão efeitos erga omnes (para todos).
O caso em apreciação no STF é da constitucionalidade da Lei 20.514/2019, de Goiás, que driblou a proibição ao prever a exploração do mineral para fins exclusivos de exportação. A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6200). A ação teve julgamento de mérito retomado no Plenário virtual na sexta-feira (7/3), com previsão de encerramento nesta sexta-feira (14/3).
INTERRUPÇÃO DA MINERAÇÃO DO AMIANTO -
O minério é produzido na mina de Cana Brava, em Minaçu, a 490 km de Goiânia. Conforme a imprensa tem divulgado, apenas no terceiro trimestre do ano passado, a mineração gerou R$ 156 milhões em exportações. A discussão no STF, portanto, diz respeito à interrupção abrupta da atividade e suas consequências. O Supremo já tem quatro votos para reconhecer a inconstitucionalidade da lei, mas está divergindo sobre a modulação temporal dos efeitos dessa decisão. Caso não haja modulação, todos os efeitos da lei até hoje serão invalidados, o que significa que a exploração deve ser cessada imediatamente.
POSSÍVEIS DANOS -
O caso foi e voltou no Plenário do STF inúmeras vezes ao longo dos últimos anos, dando uma sobrevida a esta indústria altamente nociva de aproximadamente 8 anos desde sua proibição. Mais recentemente, o governador de Goiás sancionou mais uma lei inconstitucional de nº. nº 22.932, prevendo o encerramento da exploração de amianto em cinco anos, isto é, somente em 2029, O prazo adotado em voto divergente do ministro Gilmar Mendes, segundo o qual os efeitos da inconstitucionalidade devem ser iniciados, foi inicialmente de cinco anos da publicação do acórdão de julgamento do STF.
Gilmar Mendes defendeu a mesma posição da empresa pela necessidade de “tomada de especial cautela para que a finalização da exploração do amianto crisotila não gere impactos socioeconômicos gravosos à coletividade (ou para que esses impactos sejam, o máximo quanto possível, mitigados).” Mas, em 7/3/2025, o ministro Gilmar admitiu, em caso de ser vencido no plenário virtual em sua proposição, que o prazo para encerramento da mina seja de dois anos, no que foi acompanhado pelo Ministro relator, Alexandre de Moraes, que inicialmente tinha votado pelo encerramento em um ano.
Relator, o ministro Alexandre de Moraes inicialmente previu prazo de um ano após ter apresentado seu voto em 9/6/2023. Em aditamento, já considerando as duas leis goianas e o voto divergente do Ministro Gilmar Mendes, propôs tempo maior, de 24 meses a partir da publicação da ata de julgamento. Dois ministros votaram pela declaração de inconstitucionalidade sem modulação de efeitos: a ministra Rosa Weber, antes de sua aposentadoria, e o ministro Luiz Edson Fachin.
O CANCERIGENO AMIANTO EM PAUTA -
O BLOG entrevistou a engenheira de Segurança do Trabalho Fernanda Giannasi, fundadora da ABREA. Eis a entrevista:
BLOG: Quantas pessoas foram vitimadas pelo amianto no Brasil? Há provas documentais sobre quantas pessoas morreram no Brasil?
Fernanda: Um número preciso de vítimas do amianto no Brasil ainda não foi possível de se obter.
BLOG: Por quê?
Fernanda: Por conta de vários motivos: o silêncio epidemiológico reinante no país em função de diversos mecanismos de invisibilidade social, tais como a inércia das instituições de saúde, que não cumprem seu papel de vigilância à saúde dos expostos, como previsto em nossa legislação; pelos pactos estabelecidos entre empresas e vítimas, através de acordos extrajudiciais (mais de três mil instrumentos particulares de transação firmados pelas duas empresas líderes do mercado de fibrocimento e da mineração), que remuneram parcimoniosamente o silêncio das vítimas e de seus familiares pelas doenças adquiridas e por liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que protegeu as empresas até recentemente de não serem obrigadas a informar os dados de seus trabalhadores expostos e doentes para os órgãos de saúde.
BLOG: É um problema de grande subnotificação....
Fernanda: Certamente e outro agravante para esta subnotificação está no fato de que as doenças relacionadas ao amianto são de grade latência, isto é, levam em média de 20 até 60 anos para se manifestarem, quando em geral o trabalhador já está retirado de seu local de trabalho. Os casos diagnosticados têm sido registrados parcialmente tanto nos órgãos da Previdência Social como os da Saúde, representando apenas a ponta de um imenso iceberg.
BLOG: Quantas estão em tratamento?
Fernanda: Em todo o país, por onde se utilizou o amianto de maneira intensiva e sem nenhum controle, diariamente nos deparamos com novos casos de doenças sendo diagnosticadas, entre as quais a asbestose (fibrose pulmonar que endurece o pulmão, tornando-o rígido – o chamado “pulmão de pedra”), diversos tipos de cânceres, entre eles o de pulmão, laringe, aparelho digestório, ovário, túnica vaginal e o mesotelioma, chamado o “câncer do amianto”, que atinge as membras que envolvem o pulmão (pleura), a cavidade abdominal (peritônio) e o coração (pericárdio). São centenas de casos em tratamento nas diversas estruturas do Sistema Único de Saúde (SUS) e em entidades privadas para aqueles que celebraram os acordos extrajudiciais.
BLOG: Há indenizações?
Fernanda: Com a Emenda Constitucional 45, que atribuiu à Justiça do Trabalho o poder decisório em processos de indenização por doenças adquiridas no e pelo trabalho, os processos individuais das vítimas do amianto se tornaram mais céleres. E, em geral, mais bem-sucedidos em relação ao que ocorria anteriormente na esfera cível, em especial quanto aos valores de dano moral. Nosso país ainda não goza de uma cultura judicial sobre as ações civis públicas, coletivas ou também chamadas “class actions”, e se percebe uma certa timidez nos julgamentos destes processos, diferentemente do que ocorre nas ações individuais. Essas ações, depois da EC 45 têm indenizado de maneira mais justa e rápida às vítimas e seus familiares.
BLOG: Onde estão localizadas as fábricas de amianto no Brasil? Quantas pessoas trabalham nessas fábricas? Estão cientes do perigo?
Fernanda: Atualmente só a mineração de amianto, em Minaçu, continua a explorar a fibra cancerígena. As demais fábricas substituíram esta matéria-prima reconhecidamente nociva para a saúde dos seres humanos. Na mineração, atualmente, algo em torno de 300 empregados diretamente contratados na mina de Cana Brava, da Sama, em Minaçu, no Estado de Goiás. A cidade tem ainda uma dependência econômica muito grande desta empresa, que é a maior atividade produtiva do local, o que faz com que a população tenha estabelecido um pacto de silêncio, negando fortemente a nocividade de sua principal riqueza local. Inclusive se auto intitula orgulhosamente de a “capital nacional do amianto”, como podemos ver no pórtico de entrada da cidade. Outros equipamentos públicos e privados de Minaçu têm a marca registrada do poderio econômico exercido pela atividade de exploração do minério de amianto, como pode-se ver na decoração do principal hotel da cidade, que tem o sugestivo nome de CRISOTILA (o amianto branco explorado em Minaçu) Palace Hotel, e na porta do fórum, ambos ostentando enormes pedras do minério in natura.
BLOG: O que as autoridades da saúde no Brasil têm feito pelas vítimas do amianto? E as autoridades da segurança do trabalho? Fernanda: Muito pouco tem sido feito pelos órgãos de saúde e trabalho, em geral, no país, com raríssimas e notórias exceções como a Fundacentro e INCOR em São Paulo e a Fiocruz no Rio de Janeiro, que realizam os diagnósticos das doenças relacionadas ao amianto dos ex-empregados expostos. As fiscalizações praticamente estão paralisadas pelo desmonte de órgãos como o Ministério do Trabalho, que carecem de profissionais qualificados para estas ações.
BLOG: Quando a luta pelo banimento começou no Brasil? O que motivou essa luta?
Fernanda: A luta pelo banimento no Brasil se inicia mais efetivamente após o evento da conferência das Nações Unidas (ONU), a UNCED, popularmente conhecida como a Rio/92, onde tivemos a oportunidade de conhecer e interagir com movimentos sociais internacionais na luta para a eliminação dos produtos tóxicos, os quais incluem o amianto, a tecnologia nuclear, etc.
BLOG: Por que entrou nessa luta?
Fernanda: Desde 1983, quando fui admitida em concurso público para a inspeção do trabalho, em São Paulo, me dediquei a estudar e inspecionar empresas que utilizavam produtos e tecnologias cancerígenas. Em 1985, criei com um colega médico o GIA-Grupo Interinstitucional do Asbesto – outro nome para o amianto -, para fiscalizar as empresas usuárias de amianto no estado de São Paulo. Isto, no momento em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU, discutia se o amianto deveria ser proibido em todo o mundo ou permitido seu uso sob restritas condições de segurança. Dali para frente, os enfrentamentos com a indústria do amianto foram se sucedendo e se tornando cada vez mais acirrados, nos diversos campos, pois enfrentamos um dos mais organizados e poderosos lobbies industriais mundiais, comparado em importância e poderio ao do tabaco.
BLOG: A senhora ganhou o prêmio Faz a Diferença de O GLOBO por sua atuação pelo banimento do amianto no Brasil e no mundo. O que representou esse prêmio?
Fernanda: A coroação de um esforço, inicialmente solitário, mas que foi ganhando adeptos e se tornando numa luta coletiva ao longo desta jornada de 40 anos. O prestigioso prêmio tornou a nossa batalha ainda mais visível e palatável para uma grande parcela da sociedade brasileira. Uma grande honra tê-lo recebido junto a tantas personalidades brilhantes deste país.
BLOG: No Brasil, quais os principais próximos passos para acabar de vez com o amianto?
Fernanda: O mais importante no momento é o julgamento pelo STF da inconstitucionalidade da lei que permite a exploração do minério amianto para fins de exportação. O julgamento em curso porá um fim definitivo à exploração da fibra mortal, que condena não somente os trabalhadores da mineração, transporte e nas atividades portuárias em nosso país, como as populações em países importadores em situação ainda mais vulneráveis sócio-política e ambientalmente do que a sociedade brasileira, constituindo-se numa prática cruel de duplo padrão ou mesmo um crime de racismo ambiental.
PERFIL: FERNANDA GIANNASI -
Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho. Auditora Fiscal do Trabalho por 30 anos no Ministério do Trabalho e Emprego (MTb) em São Paulo, onde atuou na inspeção das condições de saúde e segurança no trabalho com ênfase na insalubridade, letalidade e periculosidade dos agentes cancerígenos (amianto, nuclear, sílica) e outros tóxicos. Atualmente, aposentada, é consultora na área de saúde, trabalho e meio ambiente para entidades de trabalhadores (as) e vítimas de processos industriais. Fundou a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) em 1995 e é coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina desde 1993. Tem recebido vários prêmios nacionais e internacionais, como mencionado anteriormente, entre os quais: a Ordem do Mérito Judiciário tanto pelo Tribunal Regional da 15ª. região (TRT -15), como pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de Brasília. Em novembro de 2018, foi agraciada com o Prêmio Bernardino Ramazzini, em homenagem ao Pai da Medicina do Trabalho, pelo prestigiado Collegium Ramazzini, de Carpi, na Província de Módena, Itália.
(FOTOS: ACERVO STF E ACERVO ABREA) –
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