O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) iniciou, nesta segunda-feira (24), as obras de infraestrutura do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), na cidade de Iperó, interior de São Paulo, que contou com a presença da ministra Luciana Santos. Com o RMB o Brasil poderá produzir matéria-prima para a produção de radioisótopos utilizados no diagnóstico e tratamento contra o câncer, que são importados, evitando o desabastecimento, como ocorreu em 2021. Esta é a primeira vez que projetos na área de ciência e tecnologia entram nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). Em 2024, foram contratados mais de R$300 milhões para o RMB. E, até 2026, a previsão é de que o aporte total do MCTI seja de R$ 926 milhões.
A construção do RMB foi orçada em US$ 500 milhões, quando idealizada em 2009. Até 2021, foram aplicados apenas R$ 230 milhões. Para a sua entrada em funcionamento teriam que ser aplicados, em média, cerca de US$ 100 milhões por cinco anos, conforme dados oficiais, já publicados pelo BLOG. O projeto inicial (veja a maquete) está numa área de dois milhões de metros quadrados em Iperó, a 130 quilômetros de São Paulo.
Na área de saúde, especificamente em medicina nuclear, o RMB garantirá a autossuficiência na produção do radioisótopo Molibdênio-99, essencial para a obtenção do Tecnécio-99m, utilizado em diagnósticos médicos, assegurando um fornecimento para atender a demanda da população brasileira. Também possibilitará a nacionalização de outros radioisótopos usados em diagnóstico e terapia.
Na área de reatores e ciclo do combustível nuclear, o RMB será uma infraestrutura essencial para o desenvolvimento de combustíveis nucleares e materiais utilizados em reatores, viabilizando a qualificação de combustíveis para propulsão nuclear, reatores das centrais nucleares brasileiras e novas tecnologias, como os pequenos reatores modulares (SMR).
Na pesquisa científica e inovação, o RMB ampliará a capacidade nacional com a utilização de feixes de nêutrons, possibilitando análises avançadas por ativação com nêutrons, desenvolvimento de novos materiais e aplicações em nanotecnologia, biologia estrutural e outras áreas científicas, tornando-se um laboratório de referência na América Latina.
A cerimônia ontem em Iperó também contou com a presença do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Francisco Rondinelli Junior, nomeado por Luciana Santos; dos coordenadores técnicos do projeto, José Augusto Perrotta e Patricia Pagetti, da coordenadora de Gestão do RMB, Gabriela Borsatto, entre outras.
COLABORAÇÕES -
O RMB é um projeto do MCTI coordenado pela CNEN, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), e conta com a colaboração de diversas instituições, incluindo a Fundação PATRIA, AMAZUL, INVAP (Argentina), Intertechne (Brasil), WALM, TRACTEBEL e, mais recentemente, a SCHUNCK (Brasil).
O projeto de concepção foi elaborado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), unidade da CNEN em São Paulo, sob a coordenação de José Augusto Perrotta e sua equipe, com apoio das demais unidades da CNEN: Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) e Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), no Rio de Janeiro; Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte; e Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), em Recife.
SAINDO DO PAPEL -
Poucos projetos nacionais são tão mencionados em discursos dentro e fora do Brasil, como o RMB. Quem sentiu na o problema na pele foi a população doente que no ano de 2022 esteve na iminência de parar o tratamento por falta de radiofármacos (medicamentos) produzidos a partir dos radioisótopos. Os radioisótopos possibilitam que os médicos vejam o funcionamento de órgãos e tecidos vivos por meio de imagens como as tomografias, radiografias e cintilografias.
O IPEN produz uma parte dos radioisótopos, mas gastava cerca de R$ 60 milhões (de acordo com a alta do dólar) importando o produto da África do Sul, Rússia, Holanda e Argentina. O Brasil importava 4% da produção mundial do radioisótopo molibdênio-99. O decaimento radioativo do molibdênio-99 produz o radioisótopo tecnécio-99m utilizado nos radiofármacos mais empregado na medicina nuclear.
Até 2021, o IPEN gastava US$ 15 milhões por ano com essa importação, que gerava um faturamento de R$ 120 milhões, ano, recursos que seguiram direto para o caixa do governo. Para se ter ideia da importância do RMB, basta verificar a demanda dos radioisótopos para a população. Cerca de dois milhões de procedimentos médicos são realizados, por ano, utilizando radioisótopos, em 440 clinicas cadastradas para realizar o trabalho semanalmente. Cerca de 440 mil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante pela rede privada.
PRIVATIZAÇÃO -
Por não ter o RMB, o Brasil precisa importar os insumos fabricados no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Enquanto isso, no ano de 2021, crescia o lobby para a privatização da produção, que cairia nas mãos da iniciativa privada nacional e internacional, elevando os preços do tratamento.
Em dezembro de 2021, avançou a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC- 517), na Câmara dos Deputados, propondo a flexibilização do monopólio da União na fabricação de radiofármacos. A PEC do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) deu muita dor de cabeça, foi adiante, mas parece que caiu no esquecimento. Segundo fontes do setor, o setor privado não conseguiu se preparar para acabar com a iniciativa pública.
Em agosto de 2022, por falta de verbas para a importação dos radioisótopos, o tratamento de milhares de pacientes foi interrompido gerando uma crise sem precedentes. Com a liberação dos recursos, o abastecimento se normalizou. Mas veio à tona com força o lobby para a quebra do monopólio da produção dos medicamentos. Foram relevantes as críticas à privatização da produção dos radioisótopos.
Em artigo para o blog, publicado em 16/12/21, o deputado Alexandre Padilha (PT/SP), anunciado hoje (25/02/2025) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, futuro ministro da Saúde, escreveu: “Além da área da saúde, a proposta dá uma facada no projeto do reator multipropósito, que garante soberania de produção do insumo para que o Brasil não precise mais importar”.
NOVA ONDA -
As notícias sobre as obras de construção do RMB divulgadas esta semana pelo MCTI dão gás ao setor e podem representar um estimulo à ciência, à soberania do país na autossuficiência da matéria prima vital para a saúde dos brasileiros. Mas a nova onda de otimismo precisa estar respaldada com a liberação de recursos para a realização do projeto.
O BLOG JÁ PUBLICOU DIVERSAS MATÉRIAS SOBRE O RMB. EIS ALGUMAS:
03/03/2020 – Reator nuclear para salvar vidas não saiu do papel;] 24/08/2021: Bento Albuquerque reafirma prioridades; usinas atômicas e construção de reator para medicina, emperrada há anos por fata de verbas; 16/09/2021: Governo adia construção de reator capaz de produzir insumos para a medicina nuclear. Desabastecimento em clínicas de tratamento contra o câncer pode ocorrer nos próximos dias; 20/09/2021: Falta de verba na medicina nuclear começa a paralisar o diagnóstico e tratamento contra o câncer. Ricos só terão atendimento e outros países; 22/09/2021: Governo libera R$ 19 milhões para a compra de insumos destinados à medicina nuclear. Valor é considerado insuficiente para o tratamento de pacientes com câncer até o final do ano; 15/10/2021; Medicina Nuclear: pacientes com câncer podem ficar novamente sem tratamento semana que vem. Recursos para a produção e radiofármacos ainda não foram liberados para o IPEN/CNEN; 01/12/2021 – Câmara aprova quebra do monopólio da produção de medicamentos contra o câncer. SBPC alerta sobre irremediáveis prejuízos para a população e ciência; 16/12/2021 – PEC-517/2010: proposta macabra. Facada no projeto do reator multipropósito. Por Alexandre Padilha. Exclusivo para o BLOG; 31/01/2022 – Medicina Nuclear; reator para salvar vidas, verbas ficam nas promessas.
(FOTOS: lançamento das obras /MCTI - maquete do RMB) –
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