Não era nada fácil cobrir energia nuclear na ditadura, sem as ferramentas digitais disponíveis hoje, correndo de uma matéria para a outra, esperando na fila do telex para enviar um texto. Essas são algumas das lembranças da jornalista Tereza Lobo, carinhosamente chamada de Teca, pela legião de amigos. Depois de passar pelo Jornal do Comércio, Folha de S. Paulo, ela saiu do Jornal do Brasil, acumulando na bagagem muitas lembranças de reportagens das mais variadas sobre a história nuclear brasileira. Quem “correu atrás da notícia” naquela época sabe bem das intenções que rondavam algumas cabeças em defender de armas nucleares. “Era difícil cobrir o setor nuclear, em plena ditadura. A grande pergunta, com respostas duvidosas, era se o Brasil queria fazer sua bomba atômica. Afinal, era um governo de militares”, relembra Tereza. Aqui, ela conta parte de sua trajetória profissional, conta como era preciso vencer as dificuldades para apurar uma matéria e até de uma passagem em Angra 1 quando um jornalista foi proibido de entrar na usina. Tereza não lembra ter vivido preconceito ou machismo., nesta entrevista no mês em homenagem às mulheres.
A cobertura hoje? “A quantidade de acontecimentos e notícias é gigantesca neste mundo em ebulição, o que desloca o setor nuclear pra fora da pauta. A cobertura mais detalhada e confiável fica por conta de publicações cientificas ou, no dia a dia, blog especializado que acompanha o setor e busca informações com fontes diversas, não se restringindo ao oficial. São muitos argumentos contra e a favor da energia nuclear. Fica difícil bater o martelo”. Eis a entrevista:
BLOG: Quando começou a cobrir a área da energia nuclear? Onde trabalhava?
TEREZA LOBO: Foi no meu primeiro emprego, no Jornal do Comércio, final dos anos 1970. Fiquei responsável por toda a área de energia: petróleo, elétrica e nuclear. Logo depois fui para a sucursal do Estado de S. Paulo, no Rio, cobrindo o mesmo setor, e acabei me especializando. Por isso mesmo fui para a Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil.
BLOG: Já conhecia o assunto ou foi novidade?
TEREZA: Conhecia muito pouco, mas pesquisei e estudei bastante. Adoro o tema até hoje, muito polêmico e de grande importância geopolítica. Afinal, é uma energia que pode levar à bomba atômica, daí a interferência do mundo, liderada pelos EUA, no programa nuclear do Irã.
BLOG: Como analisa as dificuldades daquela época sem internet?
TEREZA: O Google da época eram os folhetos das empresas, matérias de jornais e revistas, departamento de pesquisa do jornal onde trabalhava, um ou outro livro achado depois de vasculhar muito as livrarias. Um calhamaço de papel que entupia as gavetas na redação. E uma busca frenética por fontes de informação. Corria-se contra o tempo para que as matérias ficassem prontas até o fechamento do jornal. As redações usavam uma engenhoca, chamada telex, que perfurava uma fita amarela com códigos que reproduziam o texto. As sucursais transmitiam tal fita para a sede do jornal, que a decodificava. Simples assim. Viajar e voltar no mesmo dia pra escrever matéria na redação era uma aventura. Às vezes levava minha maquininha de escrever, meu notebook. Aí a dificuldade era passar a matéria para o jornal. Se havia algum telefone disponível – não havia celular – ditava-se o texto para um paciente colega da redação. Ou corria-se para o Correios que transmitiria a matéria por telex. Em um evento com cobertura de vários jornais era preciso voar para não enfrentar fila no telex, o que atrasaria o fechamento do jornal.
BLOG: Como era a busca por informação?
TEREZA: Era difícil cobrir o setor nuclear, em plena ditadura. A grande pergunta, com respostas duvidosas, era se o Brasil queria fazer sua bomba atômica. Afinal, era um governo de militares. A CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) fez um curso técnico para jornalistas, mas evitava entrevistas. Aprendemos muito no curso, o que foi fundamental para não cometer erros na parte técnica e desqualificar a matéria toda. Sabia até desenhar um esquema grotesco das usinas nucleares.
BLOG: Os físicos ajudavam.
TEREZA? Sim. Foram os físicos, como Luís Pinguelli Rosa e Ênio Candotti, duas referências nacionais, engenheiros e geólogos, entre outros, que complementavam as informações técnicas e comentavam os acontecimentos, muitas vezes com declarações bombásticas (sem trocadilhos). Não era muito fácil conseguir informações. Em compensação, quando surgia algum fato, como atrasos, acidentes, custos ou alguma declaração polêmica, era comum ganhar a primeira página porque a notícia gerava discussão. Mesmo porque, havia uma discussão mundial sobre energia nuclear, com polaridade de opiniões, alimentando o interesse jornalístico. A Folha de S. Paulo me dava muita liberdade para escrever. O programa nuclear brasileiro foi uma tragédia desde o começo, um sorvedouro de dinheiro, impossível de ser contabilizado, uma sucessão de erros, muitos escândalos. O Brasil comprou a primeira usina nuclear, Angra 1, da americana Westinghouse, um projeto obsoleto abandonado pela empresa já naquela época. Não deu outra. Lá pelas tantas, o primeiro acidente. Diagnóstico: erro de projeto, devidamente apontado pelos físicos. Depois, em 1975, veio o Programa Nuclear firmado com a Alemanha que previa a construção de oito usinas e, até hoje, somente Angra 2 está em operação, enquanto Angra 3 está parada devido a denúncias de corrupção. Foram tantas as paradas e adiamentos de obras e de geração que as usinas acabaram com o apelido de vaga-lume nas páginas dos jornais. Os equipamentos de Angra 2 ficaram armazenados um tempão se deteriorando e acumulando custos de manutenção e juros. As usinas demoraram tanto a entrar em operação que já são consideradas obsoletas, embora o governo fale em atualização, o que gera muitas dúvidas, principalmente quanto à segurança. Tudo isso, é claro, gera muita polêmica e material para a mídia.
BLOG: Na época, o que achava sobre o uso da energia nuclear?
TEREZA: O abastecimento de energia é fundamental para o desenvolvimento de uma nação e usinas nucleares respondem por uma grande fatia da matriz energética de alguns países. No entanto, um acidente com vazamento de radioatividade para o meio ambiente pode levar à morte milhares de pessoas. Os acidentes na usina nuclear de Chernobil, em 1986, na Ucrânia ainda soviética, e na de Fukushima, em 2011, no Japão, deixaram marcas traumáticas e por muito tempo mobilizou a mídia. A radiação de Chernobil chegou a outros países europeus e a então URSS não pode mais esconder o ocorrido do mundo. Chernobil, até hoje, é uma cidade fantasma. E o grave acidente na usina de Fukushima levou a chanceler federal da Alemanha Angela Merkel a lançar o programa de desativação de 17 usinas até o final de 2022. E foi criticada por isso. No entanto, três usinas ainda estavam operando no ano passado quando começou a guerra na Ucrânia e o consequente corte no fornecimento de gás russo. Desativar usinas nucleares por serem consideradas perigosas ou ficar sem energia durante o inverno congelante? O atual chanceler Olaf Scholz, com apoio do parlamento, adiou a desativação das três usinas até abril. Diante disso, as críticas devem considerar o contexto da época em que as decisões são tomadas, com a liberdade de serem repensadas frente a um mundo velozmente mutável.
BLOG: O que achava da participação dos militares no setor? Era cordialmente recebida pelos assessores de imprensa na época?
TEREZA: O programa nuclear era um mistério, com notícias veladas sobre programas paralelos como o projeto Atlântico, dos militares, e o projeto Solimões, da Aeronáutica. A construção de submarinos em Itaguaí, incluindo um de propulsão nuclear, gerava desconfianças. Os assessores de imprensa eram cordiais, assim como as fontes oficiais, mas muita pergunta ficava com resposta atravessada. Certa vez o almirante Maximiano da Fonseca acabou falando para os jornalistas que o Brasil queria ter a bomba atômica. Manchete dos jornais e um reboliço no governo para desmentir. A Folha de S. Paulo chegou a interromper minhas férias porque eu seria processada por causa de uma matéria em que dizia que o programa nuclear tinha três preços: o oficial, o com juros e multas e o contabilizado pelo setor. Desistiram do processo.
BLOG: Havia algum tipo de preconceito ou machismo por ser repórter mulher? Alguma agressividade por parte de assessores ou entrevistados da área nuclear?
TEREZA: Nunca percebi preconceitos ou machismo nessa área. Mesmo o lado oficial não era agressivo, mas houve um caso em que um dos jornalistas foi impedido de entrar em um evento na usina Angra 1.
BLOG: Quando parou de cobrir nuclear? Boas lembranças?
TEREZA: Os jornais impressos foram acabando, pedi demissão do Jornal do Brasil em 1996, aos prantos. Muitas boas lembranças, muitas viagens, entrar em instalações de acesso restrito. Em uma viagem à Alemanha, desci a uma mina de sal onde ficam armazenados os tambores de rejeitos radioativos. Fiquei assombrada. A dezenas de metros abaixo da superfície abre-se uma caverna branca tão grande que permite o tráfego folgado de veículos de certo porte.
BLOG: O que acha da cobertura da energia nuclear na atualidade? E da energia nuclear?
TEREZA: A quantidade de acontecimentos e notícias é gigantesca neste mundo em ebulição, o que desloca o setor nuclear pra fora da pauta. A cobertura mais detalhada e confiável fica por conta de publicações cientificas ou, no dia a dia, blog especializado que acompanha o setor e busca informações com fontes diversas, não se restringindo ao oficial. São muitos argumentos contra e a favor da energia nuclear. Fica difícil bater o martelo.
PERFIL:
Me formei em Comunicação pela PUC – Rio. Trabalhei no Jornal do Comercio, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil. Passei um tempo escrevendo para alguns veículos como freelancer. E ingressei no mundo corporativo, sempre no setor de Comunicação, trabalhando para a Coca-Cola e depois, na Petrobras, como editora entre outras funções. Hoje me dedico ao estudo de história e geopolítica e me aventuro nas artes. Acompanho os astros pra entender um pouco o que acontece aqui Terra. O poderoso Plutão, por exemplo, foi descoberto em 1930. Início do nazismo, incubador da Segunda Guerra Mundial que culminou com o lançamento de duas bombas atômicas.
FOTO: Acervo pessoal –
COLABORE COM O BLOG – CINCO ANOS DE JORNALISMO INDEPENDENTE – AGRADECEMOIS A SUA CONTRIBUIÇÃO - PIX: 21 99601-5849.
E o grave acidente na usina de
Fukushima levou a chanceler federal da Alemanha Angela Merkel a lançar o
programa de desativação de 17 usinas até o final de 2022. E foi criticada por
isso. No entanto, três usinas ainda estavam operando no ano passado quando começou
a guerra na Ucrânia e o consequente corte no fornecimento de gás russo.
Desativar usinas nucleares por serem consideradas perigosas ou ficar sem
energia durante o inverno congelante? O atual chanceler Olaf Scholz, com apoio
do parlamento, adiou a desativação das três usinas até abril. Diante disso, as críticas
devem considerar o contexto da época em que as decisões são tomadas, com a
liberdade de serem repensadas frente a um mundo velozmente mutável. BLOG: O que
achava da participação dos militares no setor? Era cordialmente recebida pelos
assessores de imprensa na época? TEREZA: O programa nuclear era um mistério,
com notícias veladas sobre programas paralelos como o projeto Atlântico, dos
militares, e o projeto Solimões, da Aeronáutica. A construção de submarinos em
Itaguaí, incluindo um de propulsão nuclear, gerava desconfianças. Os assessores
de imprensa eram cordiais, assim como as fontes oficiais, mas muita pergunta
ficava com resposta atravessada. Certa vez o almirante Maximiano da Fonseca acabou
falando para os jornalistas que o Brasil queria ter a bomba atômica. Manchete
dos jornais e um reboliço no governo para desmentir. A Folha de S. Paulo chegou
a interromper minhas férias porque eu seria processada por causa de uma matéria
em que dizia que o programa nuclear tinha três preços: o oficial, o com juros e
multas e o contabilizado pelo setor. Desistiram do processo. BLOG: Havia algum tipo de preconceito ou machismo
por ser repórter mulher? Alguma agressividade por parte de assessores ou entrevistados
da área nuclear? TEREZA: Nunca percebi preconceitos ou machismo nessa área.
Mesmo o lado oficial não era agressivo, mas houve um caso em que um dos
jornalistas foi impedido de entrar em um evento na usina Angra 1. BLOG: Quando
parou de cobrir nuclear? Boas
lembranças? TEREZA: Os jornais impressos foram acabando, pedi demissão do
Jornal do Brasil em 1996, aos prantos. Muitas
boas lembranças, muitas viagens, entrar em instalações de acesso restrito. Em
uma viagem à Alemanha, desci a uma mina de sal onde ficam armazenados os
tambores de rejeitos radioativos. Fiquei assombrada. A dezenas de metros abaixo
da superfície abre-se uma caverna branca tão grande que permite o tráfego folgado
de veículos de certo porte. BLOG: O que acha da cobertura da energia nuclear na
atualidade? E da energia nuclear? TEREZA:
A quantidade de acontecimentos e notícias é gigantesca neste mundo em ebulição,
o que desloca o setor nuclear pra fora da pauta. A cobertura mais detalhada e
confiável fica por conta de publicações cientificas ou, no dia a dia, blog
especializado que acompanha o setor e busca informações com fontes diversas,
não se restringindo ao oficial. São muitos argumentos contra e a favor da
energia nuclear. Fica difícil bater o martelo. BREVE CURRICULUM - Me formei em
Comunicação Social pela PUC – Rio. Trabalhei no Jornal do Comercio, Folha de S.
Paulo e Jornal do Brasil. Passei um tempo escrevendo para alguns veículos como freelancer. E ingressei no mundo
corporativo, sempre no setor de Comunicação, trabalhando para a Coca-Cola e
depois, na Petrobras, como editora entre outras funções. Hoje me dedico ao
estudo de história e geopolítica e me aventuro nas artes. Acompanho os astros
pra entender um pouco o que acontece aqui Terra. O poderoso Plutão, por exemplo,
foi descoberto em 1930. Início do nazismo, incubador da Segunda Guerra Mundial
que culminou com o lançamento de duas bombas atômicas. FOTO: Acervo pessoal – COLABORE
COM O BLOG – CINCO ANOS DE JORNALISMO INDEPENDENTE – AGRADECEMOIS A SUA
CONTRIBUIÇÃO - PIX: 21 99601-5849.
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