A
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulga esta semana manifesto
registrando a sua profunda preocupação diante da iminente votação, pelo
Congresso Nacional, dos vetos presidenciais à Lei nº 15.190, de 8 de agosto de
2025, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A lei, originada do
Projeto de Lei nº 2.159/2021, representa uma mudança estruturante no marco
regulatório do licenciamento no país.
A entidade reforça a
importância da manutenção dos vetos presidenciais à Lei nº 15.190/2025
(originada do PL 2.159/2021) e republica o Manifesto da Ciência Brasileira. “O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sancionou a Lei nº 15.190/2025 com uma série de vetos essenciais para garantir
a integridade técnica, a segurança jurídica e a proteção socioambiental. Esses
vetos respondem às melhores evidências científicas e asseguram que o Brasil
mantenha coerência com suas responsabilidades nacionais e internacionais em
matéria ambiental. Entre os vetos mais relevantes, destaca-se a manutenção do
caráter vinculante dos pareceres dos órgãos gestores de Unidades de
Conservação, garantindo que análises especializadas continuem determinantes nos
processos que envolvem áreas sensíveis.
O Presidente Lula também vetou a
ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio
impacto, evitando autorizações por autodeclaração em casos que exigem avaliação
qualificada. Igualmente, foi vetada a versão monofásica do Licenciamento
Ambiental Especial (LAE), que eliminaria etapas fundamentais e poderia
fragilizar o controle de projetos complexos. Outro veto central impediu a
transferência irrestrita de competências para estados e Distrito Federal
definirem porte, potencial poluidor e atividades sujeitas a licenciamento,
preservando padrões nacionais uniformes e evitando assimetrias regulatórias
geradoras de insegurança jurídica.
Para proteger direitos socioambientais, o
governo também vetou dispositivos que restringiam o direito de consulta prévia
a povos indígenas e comunidades tradicionais, assegurando a proteção de
territórios em processo de regularização. Além disso, foram preservadas
proteções específicas a biomas sensíveis, como a Mata Atlântica, impedindo
retrocessos que poderiam resultar em perda irreversível de biodiversidade. Essas
salvaguardas são indispensáveis para evitar retrocessos profundos no sistema
nacional de proteção ambiental. A eventual derrubada dos vetos colocaria em
risco biomas sob forte pressão, ampliaria perdas de biodiversidade,
comprometeria a segurança hídrica, fragilizaria direitos de povos e comunidades
tradicionais e criaria insegurança jurídica ao fragmentar procedimentos e
competências.
A SBPC sublinha que a manutenção dos vetos é condição necessária
para que o Brasil cumpra os compromissos assumidos na COP30, incluindo: o
fortalecimento das estratégias de adaptação e resiliência climática; a redução
de emissões em setores de alto impacto; a proteção de ecossistemas essenciais à
regulação climática; e a implementação alinhada ao Acordo de Paris e ao Marco
Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, que exigem salvaguardas robustas,
transparência e participação social significativa.
A consistência entre o marco
legal nacional e os compromissos climáticos e ambientais internacionais é
essencial para preservar a credibilidade do Brasil, assegurar acesso a
financiamentos de clima e biodiversidade e consolidar a posição do país como
liderança global na agenda ambiental no período pós-COP30. Diante desse
contexto, a SBPC republica o Manifesto da Ciência Brasileira sobre o PL
2.159/2021, documento que apresenta análises técnicas e evidências consolidadas
sobre os riscos associados ao enfraquecimento do licenciamento ambiental.
A
SBPC conclama as parlamentares e os parlamentares do Congresso Nacional a
atuarem com responsabilidade, atenção à ciência e visão de futuro, assegurando
a manutenção integral dos vetos presidenciais — condição indispensável para a
proteção do interesse público e para a garantia do direito constitucional de
todas e todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A seguir,
republicamos o Manifesto da Ciência Brasileira de 14 de julho de 2025.
Veja a nota
na íntegra:
Manifesto da Ciência Brasileira sobre o Projeto de Lei (PL) nº
2.159/2021.
O licenciamento ambiental vigente está sob séria
ameaça. Ele é o principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente
(Lei nº 6.938/ 1981) que garante proteção constitucional sobre direitos da
coletividade brasileira, sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para
as suas presentes e futuras gerações. E esta ameaça vem, infelizmente, do
Congresso Nacional. Está para ser votado, na Câmara dos Deputados, o Projeto de
Lei (PL) nº 2.159/2021.
Este PL representa o mais grave retrocesso ao sistema
de proteção ambiental do país. Ele fragiliza as regras e mecanismos de análise,
controle e fiscalização. E, ainda, ignora solenemente o estado de emergência
climática em que a humanidade se encontra e o fato de que quatro biomas brasileiros
(floresta Amazônica, Cerrado, Pantana e Caatinga) estão muito próximos dos
chamados de “pontos de não retorno”.
Se ultrapassados estes pontos, estes
biomas poderão entrar em colapso ambiental deixando de prestar seus múltiplos
serviços ecossistêmicos. A ciência já demonstrou, com fartas evidências, que
para evitarmos o tal colapso é necessário, urgentemente, zerar a destruição da
vegetação nativa, combater os incêndios e a degradação ambiental e iniciar a
restauração em grande escala destes biomas incluindo, entre eles, a Mata
Atlântica.
A propósito, o PL altera também a Lei da Mata Atlântica, bioma que
já perdeu 76% de sua cobertura original, deixando os remanescentes de floresta
madura vulneráveis ao desmatamento. Além de ameaçar os biomas e o bem-estar dos
brasileiros a aprovação desse PL mostra-se incompatível com os compromissos
assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris e do Marco Global da
Biodiversidade de Kunming-Montreal, entre outros atos internacionais, inclusive
aqueles que protegem os direitos humanos fundamentais.
Se aprovado, o poder
legislativo do país estará colocando em dúvida o papel de liderança do Brasil
no âmbito dos esforços globais de mitigação e adaptação com respeito às
mudanças climáticas. E isto em plena recepção, em solo nacional, da COP 30 a
ser realizada em Belém do Pará no final deste ano. Claramente, o PL é uma
ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros. Mas, também, é
uma afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo,
incluindo aqueles reunidos no âmbito da Academia Brasileira de Ciências, da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do Painel Científico da
Amazônia e do IPCC. Esta afronta é, brevemente, ilustrada abaixo caso o PL seja
aprovado.
Aumento
potencial de emissões de carbono. A proposição de uma Licença
por Adesão e Compromisso (LAC) permitirá emissões de licenças automáticas, com
base apenas na autodeclaração do empreendedor, para empreendimentos de médio
porte e médio potencial poluidor. Esse processo desconsidera análises técnicas
prévias e sobre os efeitos futuros da LAC sobre as emissões nacionais de gases
de efeito estufa e sobre recursos naturais, incluindo a rica biodiversidade do
país. O PL, ainda, coloca em risco papel do Estado em exercer sua capacidade e
dever de prevenir danos, já que o empreendedor será dispensado de grande parte
de suas obrigações.
Dispensa de licenciamento para o agronegócio. O
simples preenchimento de um formulário auto declaratório (LAC) passará a ser
suficiente para garantir a dispensa de licenciamento, sem qualquer verificação
sobre impactos ambientais ou compromissos firmados no âmbito dos programas de
regularização ambiental. Do ponto de vista científico, esta proposta submete os
biomas, já ameaçados por uma trajetória de “não retorno”, em situação crítica.
Algo que prejudicará o próprio agronegócio. Por exemplo, já há evidências
científicas suficientes que o regime de chuvas no país sofreu alterações
(redução) significativas com impactos na produção de alimentos e commodities.
Estas alterações não estão sendo provocadas somente pela mudança global do
clima, mas por alterações na vegetação nativa que cobrem estas áreas.
Considerando que no Brasil 90% da agricultura não é irrigada, depende da
vegetação nativa para produzi-la, o enfraquecimento do licenciamento ambiental
será, literalmente, um “tiro no pé” da agricultura nacional.
Desvinculação
do licenciamento da outorga de uso da água. A proposta do
PL em tramitação na Câmara, determina que o licenciamento ambiental fique
desvinculado de outorgas, desconsiderando que a outorga de uso da água é um
instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, de gestão da água,
fundamental para garantir segurança hídrica e o acesso à água em qualidade e
quantidade. Dessa maneira a análise do licenciamento ambiental ficará
totalmente prejudicada para empreendimentos que utilizam a água (como por
exemplo hidrelétricas, reservatórios de abastecimento público, estações de
tratamento de esgotos e de efluentes). Tal desvinculação ignora, por completo,
a progressiva redução de disponibilidade de água no solo devido ao avanço da
redução de chuvas já sofridas por vastas regiões do país. Em alguns biomas
(Cerrado, por exemplo) mais da metade dos municípios já apresentam uma redução
de água superficial da ordem de 30%. Ainda, a fragmentação do licenciamento, de
forma isolada das outorgas, potencializará conflitos e tende a agravar impactos
relacionados a eventos climáticos no que se refere à água.
Ameaça às
Unidades de Conservação (UCs). O texto em tramitação na
Câmara, prevê a avaliação de impactos e definição de condicionantes somente
quando, nas regiões diretamente afetadas pelos empreendimentos, existirem UCs
ou suas zonas de amortecimento. Da forma como está, portanto, o texto exclui
todas as UCs, federais, estaduais e municipais, da avaliação de impactos
ambientais indiretos. Esta é uma visão míope, uma vez que ignora a
conectividade espacial e funcional entre diferentes regiões com coberturas de
vegetação nativa distintas. Os pareceres dos órgãos de gestão (ICMBio e órgãos
estaduais e municipais competentes) envolvidos não terão caráter vinculante,
permitindo que os órgãos licenciadores sem competência legal e capacidade
técnica para dispor sobre as temáticas referidas o façam.
Ameaças a
direitos dos povos e comunidades tradicionais. Se o PL for
aprovado, cerca de 80% dos territórios quilombolas (TQs) e 32,6% das Terras
Indígenas (TIs), que são áreas aguardando titulação e homologação, serão
ignoradas nos processos de licenciamento ambiental. Não estão previstas
quaisquer medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos
socioambientais ou de controle do desmatamento. Isto coloca em xeque, não
somente os direitos, mas também o papel que estes povos e comunidades têm na
conservação ambiental e na prestação de serviços ambientais. Por exemplo, uma
boa parte do regime de chuva e do armazenamento de carbono em vegetação nativa
são mantidos por estas populações. Terras indígenas na Amazônia, por exemplo,
funcionam como um grande “ar-condicionado”, da paisagem. As temperaturas dentro
das Tis chegam a ser 2-5 oC mais baixas do que nos arredores. O PL
não atenta a estes serviços, pois a atuação das autoridades envolvidas, assim
como a análise técnica e a exigência de condicionantes fica restrita apenas aos
casos de impactos nas áreas de influência direta do empreendimento
potencialmente degradadores, não considerando impactos indiretos ou na escala
da paisagem.
Condicionantes
ambientais fragilizadas. O PL limita a responsabilidade do
empreendedor diante dos danos causados ou agravados pelo próprio
empreendimento, inclusive em casos de grandes obras que pressionam serviços
públicos ou estimulam desmatamento e grilagem. Esta falta de responsabilização
poderá agravar ainda mais o avanço do desmatamento ilegal e da grilagem, em
especial na Amazônia. Atualmente, cerca de 50% do desmate nesse bioma ocorre em
terras públicas, em especial nas chamadas “Florestas Públicas não Destinadas.
São aquelas florestas que aguardam, por lei, a destinação, pelos governos
federal e estaduais, para conservação ou uso sustentável de recursos naturais.
Inexistência
de uma lista mínima de atividades sujeitas ao licenciamento: A
proposta do PL é que Estados e municípios decidirão, isoladamente, o que
licenciar. Isto levará a distorções profundas entre regiões, com atividades
semelhantes sendo tratadas de formas distintas, onde o critério
técnico-científico é ignorado dependendo da pressão política local. O resultado
será um sistema fragmentado, ignorante do ponto de vista científico e sujeito a
lógica meramente do poder público local e regional. A falta de harmonização das
regras também aumentará a insegurança jurídica.
Criação da Licença Ambiental
Especial (LAE): A emenda transfere ao Conselho de Governo,
órgão político vinculado à Presidência da República, o poder de definir
diretrizes nacionais e enquadrar projetos como “estratégicos”, sem critérios
claros, transparência ou controle social, rompendo com os princípios técnicos e
legais do licenciamento ambiental. Aqui, novamente, a ciência será, no máximo,
coadjuvante. A LAE será concedida por procedimento monofásico, ou seja, sem a
análise prévia, de instalação e de operação em fases distintas. Sem maiores
detalhes, tal emenda pode institucionalizar a liberação acelerada de projetos
que necessitam de análise mais aprofundada. Inúmeros estudos científicos já
demonstraram, por exemplo, o grave efeito socioambiental de investimentos em
infraestrutura mau planejados. Isto mesmo sob a vigência do sistema atual de
licenciamento que é mais rigoroso do que aquele proposto pela Câmara. Sabe-se,
por exemplo, que 70% de todo o desmatamento na Amazônia está concentrado ao
redor de obras de infraestrutura. A tal LAE poderá, portanto, agravar esta
condição, em especial nas inciativas que buscam a abertura e pavimentação de
rodovias (Ex. BR-319) e ferrovias (Ex. Ferrogrão) e a exploração de petróleo e
gás em áreas ecologicamente sensíveis (Ex. Margem Equatorial). Finalmente, além
da clara ameaça a preceitos Constitucionais, o PL proposto, fere uma série de
legislações fundamentais para proteção dos ecossistemas e sua biodiversidade,
como a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938/1981), o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº
9.605/1998), além de fragilizar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).
Assim, a discussão sobre aprimoramentos no licenciamento ambiental precisa ser
feita com responsabilidade e ampla participação da sociedade, em especial da
comunidade científica.
Considerações finais. As alterações propostas no
sistema de licenciamento ambiental pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021
parecem favorecer a interesses particulares ou setoriais, pois ignoram as
inúmeras evidências científicas que demonstram a gravidade da crise climática e
ambiental em curso no país. A Constituição Federal de 1988 prevê o
licenciamento ambiental como matéria para garantia do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito fundamental, e impõe ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. O PL ameaça esse direito que
é de todos os brasileiros. Um direito fundamental para um futuro minimamente
promissor num mundo sob estado de “emergência climática”.
(FOTO E TEXTOS DA
SBPC) –
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