quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Situação financeira da Eletronuclear pode piorar com o desligamento de Angra 2 em janeiro; e incertezas sobre a contratação de brasileiros e estrangeiros

 


A situação financeira da Eletronuclear tende a piorar e ficar ainda mais complicada em 2026. Além da falta de recursos já mencionada várias vezes pelo Ministério de Minas e Energia (MME), mais um agravante poderá levar à companhia a dias piores: em janeiro, a usina nuclear Angra 2 deverá ser desligada de forma programada para a troca de combustível (urânio enriquecido) e manutenção. Para isto, terá que contratar cerca de 1000 trabalhadores entre brasileiros e estrangeiros. 


O cenário se complica porque em dezembro, dezenas de servidores deixam a companhia via o PDV (Plano de Demissão Voluntária). A empresa se prepara para apresentar uma proposta, mas os trabalhadores já acenderam o alarme da desconfiança. Enquanto isso continua a indefinição sobre como será o acordo envolvendo a parada da central nuclear que possibilite mudança no regime de trabalho em turma. 

Em abril de 2024, sob ameaça de demissão de pelo menos 100 servidores mais antigos, a categoria paralisou as atividades em movimento grevista jamais registrado na empresa. E o comando da companhia teve que desistir das demissões.  

TRANSPORTE DO COMBUSTÍVEL - 

Além das cifras milionárias sobre a parada de Angra 2, o combustível produzido pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), é uma das partes que envolve verbas que podem ultrapassar a R$ 300 milhões. A INB concluiu, em meados de setembro, a fabricação dos 52 elementos combustíveis da 21ª recarga da usina Angra 2. O transporte do material está previsto para ocorrer entre novembro e dezembro, durante operação coordenada pela Eletronuclear com apoio de órgãos externos, como Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). 


Outro desafio financeiro é a manutenção dos elementos combustíveis usados (irradiados) armazenados nas Unidades de Armazenamento a Seco (UAS) da central nuclear. E ainda a construção do Centena, local para abrigar os rejeitos radioativos de baixa e média atividade, conforme reportagens publicadas várias vezes pelo Blog. As piscinas que armazenam os rejeitos dentro das usinas passaram por reformas no ano passado, atendendo a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).

ANO 2020 – OXIDAÇÃO - Em julho, conforme o BLOG divulgou, problemas ocorreram durante o reabastecimento de combustível (urânio enriquecido), em Angra 2, que havia sido desligada no dia 22/6. Segundo a estatal, na inspeção foi detectada, “nos elementos combustíveis carregados no último ciclo, uma oxidação inesperada no revestimento dos tubos que contém as pastilhas de urânio enriquecido”. 

UM POUCO DA HISTÓRIA - Angra 2 começou a ser construída em 1981, mas teve o ritmo das obras desacelerado a partir de 1983, parando de vez em 1986. A unidade foi retomada no final de 1994 e concluída em 2000, para entrar em operação em 2001. A usina conta com um reator de água pressurizada (PWR) de tecnologia alemã da Siemwns/KWU (hoje Areva NP), fruto de acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, assinado em 1975. 

O custo da produção da usina não costuma ser revelado, nem as despesas com as paradas por problemas técnicos, muito menos, com a troca de combustível. Há cerca de cinco anos, o combustível custava R$ 286 milhões. Com potência de 1.350 megawatts, produz o equivalente a 20% da energia elétrica consumida na cidade do Rio de Janeiro. 

(FOTO: ELETRONUCLEAR e INB)  - CENTENA/BLOG

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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

TERRAS RARAS: MPF alerta sobre riscos de contaminação com material radioativo; e recomenda suspensão de licenciamento a empresas em MG

 


Riscos de contaminação radioativa com materiais como urânio e tório, entre outros, incluindo a possibilidade de a cava de mineração poder ocasionar o rebaixamento do nível do lençol freático; a ausência de um estudo de impacto regional sobre os recursos hídricos, por exemplo. Estes são alguns dos alertas que constam nas recomendações urgentes mencionadas em documento do Ministério Público Federal (MPF), através do núcleo ambiental da Região Centro-Sul, à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) visando garantir a suspensão da análise de dois processos de licenciamento ambiental referentes aos projetos Colossus, em Poços de Caldas (MG), e Caldeira, em Caldas (MG), ambos de exploração e beneficiamento de terras raras em Minas Gerais. 


O MPF recomenda a retirada dos processos da pauta de votação do Copam marcada para o próxima sexta-feira (28/11). A medida busca a realização de estudos e consultas complementares que tratem dos riscos ambientais e sociais pendentes, segundo documento do MPF. 

O MPF solicitou que a Feam exija manifestação da INB e da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN) sobre o risco à segurança nuclear que decorre da movimentação de argila e veículos pesados nas proximidades. 

TERRAS RARAS – 

“ALTO NÍVEL DE POTENCIAL POLUIDOR” - 

Os projetos Colossus (da Viridis Mineração Ltda.) e Caldeira (da Meteoric Caldeira Mineração Ltda.) estão localizados no Planalto Vulcânico de Poços de Caldas. Ambos são classificados como empreendimentos de mais alto nível de potencial poluidor, classe 6. 

DANOS GRAVES – 

As empresas preveem a movimentação e o processamento químico de 5 milhões de toneladas de argila por ano, cada uma, utilizando a técnica de lixiviação ácida. O MPF baseia-se no “princípio da precaução, que exige a adoção de medidas para prevenir danos graves, visto que o conhecimento científico sobre os impactos da mineração de terras raras na atualidade ainda é limitado”. 

RISCOS DE PROXIMIDADE COM A ÁREA NUCLEAR DE CALDAS – 

No Projeto Caldeira, uma das principais preocupações é a proximidade do empreendimento com a Unidade de Descomissionamento de Caldas (UDC) das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A UDC é um complexo desativado, que armazena rejeitos e materiais radioativos. “Embora a área nuclear tenha sido excluída da Área Diretamente Afetada (ADA) do projeto, as instalações estão dentro da Área de Influência Direta (AID) socioeconômica. A mineração está a 1,83 km da Barragem de Rejeitos e a 2,55 km da Barragem D4. 

Em consulta à Agência Nacional de Mineração (ANM), o MPF verificou que as barragens de rejeitos da UDC/INB, especificamente a Barragem D4 e a Barragem "Bacia Nestor Figueiredo" (BNF), estão classificadas em Nível de emergência 1. Além disso, a procuradora da República Flávia Cristina Tavares Torres, que assina a recomendação relativa ao projeto da Meteoric, também demandou estudos complementares para analisar se o processo de lixiviação química, que usa grande volume de água, pode capturar outros metais pesados, como tório e urânio, o que poderia gerar rejeitos radioativos pelo aumento da concentração desses elementos. 

Prejuízos hídricos e tecnologia experimental em Poços de Caldas – 

No Projeto Colossus, o foco está nos riscos ambientais e hídricos. A área de mineração é de recarga do Aquífero Alcalino de Poços de Caldas, que abastece a região e já enfrenta risco de escassez hídrica. A previsão é de supressão de 98 nascentes nesse aquífero. A cava de mineração pode ocasionar o rebaixamento do nível do lençol freático, um efeito classificado como negativo e relevante. O MPF ressalta a ausência de um estudo de impacto regional sobre o recurso hídrico, que seria utilizado no abastecimento do próprio projeto. Outra grande preocupação é o uso do método de lixiviação da argila retirada da natureza. 

O procurador da República Marcelo José Ferreira, que assina a recomendação do projeto Colossus, destaca a falta de estudos que demonstrem a ausência de risco de contaminação das águas subterrâneas pelo nitrato. O MPF também destacou a ausência de estudos sobre os impactos a longo prazo, com a água da chuva ao penetrar no solo, que passou pelo processo de lixiviação, e se a devolução dessa argila compactada impedirá o processo de reflorestamento previsto. "Dada a natureza experimental da tecnologia no Brasil, o MPF recomenda que a Feam inclua como condicionante a instalação de uma planta piloto para o Projeto Colossus e Caldeiras. Essa planta deve comprovar que 99% do sulfato de amônio será removido da argila, atestando quimicamente que o resíduo é compatível com um fertilizante agrícola comum e não um contaminante tóxico". 

OUTRAS IRREGULARIDADS E EXIGÊNCIAS LEGAIS – 

Na recomendação, o MPF alertou para o fato de o Projeto Colossus estar proposto a menos de 300 metros de um hospital e a, aproximadamente, 50 metros de bairros residenciais. A atividade também está dentro da Área de Segurança Aeroportuária (ASA) do Aeroporto de Poços de Caldas, o que requer aprovação prévia do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), devido ao risco de colisão com aves e elevação de obstáculos. 

COMUNIDADES TRADICIONAIS – 

No Projeto Caldeira, foi identificada a violação de um direito fundamental de populações locais: a falta de consulta livre, prévia e informada às Comunidades Indígenas e Quilombolas da região. Essa consulta é um requisito legal estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e sua ausência impede o prosseguimento da licença. O Projeto Caldeira também inclui parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Santuário Ecológico da Pedra Branca, em Caldas, onde a lei municipal proíbe atividades minerárias. O Conselho Gestor da APA já indeferiu o pedido. 

LICENCIAMENTO FRAGMENTADO – 

Para ambos os projetos, o MPF argumenta que o licenciamento ambiental fragmentado, focado em projetos individuais, é insuficiente para tratar dos impactos cumulativos e sinérgicos da região, que tem múltiplos projetos de mineração. Por isso, o MPF solicitou que a Feam exija uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Avaliação Ambiental Integrada (AAI) para o Planalto de Poços de Caldas. A região é sensível e abrange ecossistemas e corpos hídricos interconectados a bacias hidrográficas interestaduais e integra o bioma Mata Atlântica. 

MANDATOS VENCIDOS -

Por fim, o MPF exige a suspensão dos Pareceres de Licença Prévia já emitidos e que a Feam realize consultas aos órgãos competentes e à população afetada antes de qualquer deliberação. O órgão também destacou que o Copam e sua Câmara de Atividades Minerárias (CMI) estão com mandatos vencidos e sem composição renovada desde maio de 2025, o que afeta o princípio da paridade entre Estado e sociedade civil. O MPF ressalta que as recomendações não encerram sua atuação sobre o tema e que os destinatários estão cientes da situação, podendo ser responsabilizados por omissões futuras. O núcleo ambiental da Região Centro-Sul do MPF reúne as atribuições das Procuradorias da República em Divinópolis e Varginha. 

LEIA REPORTAGEM EXCLUSIVA NO BLOG - 09/09/2023 - Sobre o caso - Herança maldita da ditadura - 

(FONTE – ASCOM MPF – MG) – 

FOTOS ORIGINAIS DE PROPRIEDADE DO BLOG - INSTALAÇÕES DA INB EM CALDAS - NÃO PODEM SER PUBLICADAS SEM AUTORIZAÇÃO. A TERCEIRA FOTO FOI DOADA AO BLOG POR FONTES. 

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SBPC manifesta preocupação após Congresso Nacional retomar debate sobre o PL da devastação

 


A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulga esta semana manifesto registrando a sua profunda preocupação diante da iminente votação, pelo Congresso Nacional, dos vetos presidenciais à Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A lei, originada do Projeto de Lei nº 2.159/2021, representa uma mudança estruturante no marco regulatório do licenciamento no país. A entidade reforça a importância da manutenção dos vetos presidenciais à Lei nº 15.190/2025 (originada do PL 2.159/2021) e republica o Manifesto da Ciência Brasileira. 

“O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.190/2025 com uma série de vetos essenciais para garantir a integridade técnica, a segurança jurídica e a proteção socioambiental. Esses vetos respondem às melhores evidências científicas e asseguram que o Brasil mantenha coerência com suas responsabilidades nacionais e internacionais em matéria ambiental. Entre os vetos mais relevantes, destaca-se a manutenção do caráter vinculante dos pareceres dos órgãos gestores de Unidades de Conservação, garantindo que análises especializadas continuem determinantes nos processos que envolvem áreas sensíveis. 

O Presidente Lula também vetou a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto, evitando autorizações por autodeclaração em casos que exigem avaliação qualificada. Igualmente, foi vetada a versão monofásica do Licenciamento Ambiental Especial (LAE), que eliminaria etapas fundamentais e poderia fragilizar o controle de projetos complexos. Outro veto central impediu a transferência irrestrita de competências para estados e Distrito Federal definirem porte, potencial poluidor e atividades sujeitas a licenciamento, preservando padrões nacionais uniformes e evitando assimetrias regulatórias geradoras de insegurança jurídica. 

Para proteger direitos socioambientais, o governo também vetou dispositivos que restringiam o direito de consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, assegurando a proteção de territórios em processo de regularização. Além disso, foram preservadas proteções específicas a biomas sensíveis, como a Mata Atlântica, impedindo retrocessos que poderiam resultar em perda irreversível de biodiversidade. Essas salvaguardas são indispensáveis para evitar retrocessos profundos no sistema nacional de proteção ambiental. A eventual derrubada dos vetos colocaria em risco biomas sob forte pressão, ampliaria perdas de biodiversidade, comprometeria a segurança hídrica, fragilizaria direitos de povos e comunidades tradicionais e criaria insegurança jurídica ao fragmentar procedimentos e competências. 

A SBPC sublinha que a manutenção dos vetos é condição necessária para que o Brasil cumpra os compromissos assumidos na COP30, incluindo: o fortalecimento das estratégias de adaptação e resiliência climática; a redução de emissões em setores de alto impacto; a proteção de ecossistemas essenciais à regulação climática; e a implementação alinhada ao Acordo de Paris e ao Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, que exigem salvaguardas robustas, transparência e participação social significativa. 

A consistência entre o marco legal nacional e os compromissos climáticos e ambientais internacionais é essencial para preservar a credibilidade do Brasil, assegurar acesso a financiamentos de clima e biodiversidade e consolidar a posição do país como liderança global na agenda ambiental no período pós-COP30. Diante desse contexto, a SBPC republica o Manifesto da Ciência Brasileira sobre o PL 2.159/2021, documento que apresenta análises técnicas e evidências consolidadas sobre os riscos associados ao enfraquecimento do licenciamento ambiental. 

A SBPC conclama as parlamentares e os parlamentares do Congresso Nacional a atuarem com responsabilidade, atenção à ciência e visão de futuro, assegurando a manutenção integral dos vetos presidenciais — condição indispensável para a proteção do interesse público e para a garantia do direito constitucional de todas e todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

A seguir, republicamos o Manifesto da Ciência Brasileira de 14 de julho de 2025. 

Veja a nota na íntegra: 

Manifesto da Ciência Brasileira sobre o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021. 

O licenciamento ambiental vigente está sob séria ameaça. Ele é o principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/ 1981) que garante proteção constitucional sobre direitos da coletividade brasileira, sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as suas presentes e futuras gerações. E esta ameaça vem, infelizmente, do Congresso Nacional. Está para ser votado, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021. 

Este PL representa o mais grave retrocesso ao sistema de proteção ambiental do país. Ele fragiliza as regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização. E, ainda, ignora solenemente o estado de emergência climática em que a humanidade se encontra e o fato de que quatro biomas brasileiros (floresta Amazônica, Cerrado, Pantana e Caatinga) estão muito próximos dos chamados de “pontos de não retorno”. 

Se ultrapassados estes pontos, estes biomas poderão entrar em colapso ambiental deixando de prestar seus múltiplos serviços ecossistêmicos. A ciência já demonstrou, com fartas evidências, que para evitarmos o tal colapso é necessário, urgentemente, zerar a destruição da vegetação nativa, combater os incêndios e a degradação ambiental e iniciar a restauração em grande escala destes biomas incluindo, entre eles, a Mata Atlântica. 

A propósito, o PL altera também a Lei da Mata Atlântica, bioma que já perdeu 76% de sua cobertura original, deixando os remanescentes de floresta madura vulneráveis ao desmatamento. Além de ameaçar os biomas e o bem-estar dos brasileiros a aprovação desse PL mostra-se incompatível com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris e do Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, entre outros atos internacionais, inclusive aqueles que protegem os direitos humanos fundamentais. 

Se aprovado, o poder legislativo do país estará colocando em dúvida o papel de liderança do Brasil no âmbito dos esforços globais de mitigação e adaptação com respeito às mudanças climáticas. E isto em plena recepção, em solo nacional, da COP 30 a ser realizada em Belém do Pará no final deste ano. Claramente, o PL é uma ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros. Mas, também, é uma afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo, incluindo aqueles reunidos no âmbito da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do Painel Científico da Amazônia e do IPCC. Esta afronta é, brevemente, ilustrada abaixo caso o PL seja aprovado. 

Aumento potencial de emissões de carbono. A proposição de uma Licença por Adesão e Compromisso (LAC) permitirá emissões de licenças automáticas, com base apenas na autodeclaração do empreendedor, para empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor. Esse processo desconsidera análises técnicas prévias e sobre os efeitos futuros da LAC sobre as emissões nacionais de gases de efeito estufa e sobre recursos naturais, incluindo a rica biodiversidade do país. O PL, ainda, coloca em risco papel do Estado em exercer sua capacidade e dever de prevenir danos, já que o empreendedor será dispensado de grande parte de suas obrigações. 

Dispensa de licenciamento para o agronegócio. O simples preenchimento de um formulário auto declaratório (LAC) passará a ser suficiente para garantir a dispensa de licenciamento, sem qualquer verificação sobre impactos ambientais ou compromissos firmados no âmbito dos programas de regularização ambiental. Do ponto de vista científico, esta proposta submete os biomas, já ameaçados por uma trajetória de “não retorno”, em situação crítica. Algo que prejudicará o próprio agronegócio. Por exemplo, já há evidências científicas suficientes que o regime de chuvas no país sofreu alterações (redução) significativas com impactos na produção de alimentos e commodities. Estas alterações não estão sendo provocadas somente pela mudança global do clima, mas por alterações na vegetação nativa que cobrem estas áreas. Considerando que no Brasil 90% da agricultura não é irrigada, depende da vegetação nativa para produzi-la, o enfraquecimento do licenciamento ambiental será, literalmente, um “tiro no pé” da agricultura nacional. 

Desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água. A proposta do PL em tramitação na Câmara, determina que o licenciamento ambiental fique desvinculado de outorgas, desconsiderando que a outorga de uso da água é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, de gestão da água, fundamental para garantir segurança hídrica e o acesso à água em qualidade e quantidade. Dessa maneira a análise do licenciamento ambiental ficará totalmente prejudicada para empreendimentos que utilizam a água (como por exemplo hidrelétricas, reservatórios de abastecimento público, estações de tratamento de esgotos e de efluentes). Tal desvinculação ignora, por completo, a progressiva redução de disponibilidade de água no solo devido ao avanço da redução de chuvas já sofridas por vastas regiões do país. Em alguns biomas (Cerrado, por exemplo) mais da metade dos municípios já apresentam uma redução de água superficial da ordem de 30%. Ainda, a fragmentação do licenciamento, de forma isolada das outorgas, potencializará conflitos e tende a agravar impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere à água. 

Ameaça às Unidades de Conservação (UCs). O texto em tramitação na Câmara, prevê a avaliação de impactos e definição de condicionantes somente quando, nas regiões diretamente afetadas pelos empreendimentos, existirem UCs ou suas zonas de amortecimento. Da forma como está, portanto, o texto exclui todas as UCs, federais, estaduais e municipais, da avaliação de impactos ambientais indiretos. Esta é uma visão míope, uma vez que ignora a conectividade espacial e funcional entre diferentes regiões com coberturas de vegetação nativa distintas. Os pareceres dos órgãos de gestão (ICMBio e órgãos estaduais e municipais competentes) envolvidos não terão caráter vinculante, permitindo que os órgãos licenciadores sem competência legal e capacidade técnica para dispor sobre as temáticas referidas o façam.

Ameaças a direitos dos povos e comunidades tradicionais. Se o PL for aprovado, cerca de 80% dos territórios quilombolas (TQs) e 32,6% das Terras Indígenas (TIs), que são áreas aguardando titulação e homologação, serão ignoradas nos processos de licenciamento ambiental. Não estão previstas quaisquer medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais ou de controle do desmatamento. Isto coloca em xeque, não somente os direitos, mas também o papel que estes povos e comunidades têm na conservação ambiental e na prestação de serviços ambientais. Por exemplo, uma boa parte do regime de chuva e do armazenamento de carbono em vegetação nativa são mantidos por estas populações. Terras indígenas na Amazônia, por exemplo, funcionam como um grande “ar-condicionado”, da paisagem. As temperaturas dentro das Tis chegam a ser 2-5 oC mais baixas do que nos arredores.  O PL não atenta a estes serviços, pois a atuação das autoridades envolvidas, assim como a análise técnica e a exigência de condicionantes fica restrita apenas aos casos de impactos nas áreas de influência direta do empreendimento potencialmente degradadores, não considerando impactos indiretos ou na escala da paisagem.

Condicionantes ambientais fragilizadas. O PL limita a responsabilidade do empreendedor diante dos danos causados ou agravados pelo próprio empreendimento, inclusive em casos de grandes obras que pressionam serviços públicos ou estimulam desmatamento e grilagem. Esta falta de responsabilização poderá agravar ainda mais o avanço do desmatamento ilegal e da grilagem, em especial na Amazônia. Atualmente, cerca de 50% do desmate nesse bioma ocorre em terras públicas, em especial nas chamadas “Florestas Públicas não Destinadas. São aquelas florestas que aguardam, por lei, a destinação, pelos governos federal e estaduais, para conservação ou uso sustentável de recursos naturais.

Inexistência de uma lista mínima de atividades sujeitas ao licenciamento: A proposta do PL é que Estados e municípios decidirão, isoladamente, o que licenciar. Isto levará a distorções profundas entre regiões, com atividades semelhantes sendo tratadas de formas distintas, onde o critério técnico-científico é ignorado dependendo da pressão política local. O resultado será um sistema fragmentado, ignorante do ponto de vista científico e sujeito a lógica meramente do poder público local e regional. A falta de harmonização das regras também aumentará a insegurança jurídica. 

Criação da Licença Ambiental Especial (LAE): A emenda transfere ao Conselho de Governo, órgão político vinculado à Presidência da República, o poder de definir diretrizes nacionais e enquadrar projetos como “estratégicos”, sem critérios claros, transparência ou controle social, rompendo com os princípios técnicos e legais do licenciamento ambientalAqui, novamente, a ciência será, no máximo, coadjuvante. A LAE será concedida por procedimento monofásico, ou seja, sem a análise prévia, de instalação e de operação em fases distintas. Sem maiores detalhes, tal emenda pode institucionalizar a liberação acelerada de projetos que necessitam de análise mais aprofundada. Inúmeros estudos científicos já demonstraram, por exemplo, o grave efeito socioambiental de investimentos em infraestrutura mau planejados. Isto mesmo sob a vigência do sistema atual de licenciamento que é mais rigoroso do que aquele proposto pela Câmara. Sabe-se, por exemplo, que 70% de todo o desmatamento na Amazônia está concentrado ao redor de obras de infraestrutura. A tal LAE poderá, portanto, agravar esta condição, em especial nas inciativas que buscam a abertura e pavimentação de rodovias (Ex. BR-319) e ferrovias (Ex. Ferrogrão) e a exploração de petróleo e gás em áreas ecologicamente sensíveis (Ex. Margem Equatorial). Finalmente, além da clara ameaça a preceitos Constitucionais, o PL proposto, fere uma série de legislações fundamentais para proteção dos ecossistemas e sua biodiversidade, como a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938/1981), o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), além de fragilizar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Assim, a discussão sobre aprimoramentos no licenciamento ambiental precisa ser feita com responsabilidade e ampla participação da sociedade, em especial da comunidade científica. 

Considerações finais. As alterações propostas no sistema de licenciamento ambiental pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021 parecem favorecer a interesses particulares ou setoriais, pois ignoram as inúmeras evidências científicas que demonstram a gravidade da crise climática e ambiental em curso no país. A Constituição Federal de 1988 prevê o licenciamento ambiental como matéria para garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. O PL ameaça esse direito que é de todos os brasileiros. Um direito fundamental para um futuro minimamente promissor num mundo sob estado de “emergência climática”. 

(FOTO E TEXTOS DA SBPC) – 

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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Dança das cadeiras na Eletronuclear: presidente interino substitui outro que renunciou a mesmo cargo.

 


A Eletronuclear, gestora das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, em funcionamento) e Angra 3, com obras paradas, anunciou no final da tarde desta terça-feira (25/11) o novo presidente interino da companhia, Alexandre Caporal, após a renúncia há cerca de um mês de Sinval Zaidan Gama, também interino, que acumulava o cargo com a de diretor técnico. Alexandre Caporal, que já respondia pela diretoria financeira da empresa e estava como presidente substituto desde o início do mês. 

A reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para decidir sobre a retomada ou não as obras de Angra 3 está prevista para acontecer em breve. 


A diretoria técnica foi assumida por Raphael Ehlers dos Santos, eleito em votação do conselho de administração da Eletronuclear no final de outubro, no dia 21 de novembro. Com a alteração, fica modificado também o Conselho Fiscal da empresa, até então presidido por Ehlers. A vaga de Ehlers será ocupada pelo suplente, Cristiano Augusto Trein. A presidência do CF ainda não foi definida. 

O Comitê Estatutário de Acompanhamento do Projeto da Usina Termonuclear Angra 3 (COANGRA) também passou por uma reforma com a renúncia de seu coordenador, Armando Casado, no dia 18. Os outros integrantes do comitê permanecem os mesmos e ainda não foi divulgado qual deles assumirá sua coordenação, informou a companhia. Os outros conselhos e diretorias da Eletronuclear seguem sem alterações. 

DESTINO DE ANGRA 3

A reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para decidir sobre a retomada ou não as obras de Angra 3 estava prevista para acontecer este ano. 


A usina começou a ser construída em1984. Consumiu R$ 8 bilhões e depende de mais R$ 22 bilhões para entrar em operação. No último dia 4/11, a Eletronuclear enviou ao Ministério de Minas e Energia (MME), o resultado do estudo atualizado sobre a modelagem econômico-financeira de Angra 3, elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De acordo com os números do levantamento encomendado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), concluir a usina é a opção mais lógica e benéfica para o Brasil. 


O MME remeteu os estudos ao CNPE, que decidirá pela conclusão ou não da usina em reunião com realização prevista ainda em 2025. O tema já foi debatido pelo CNPE em três oportunidades desde 2024 — em dezembro de 2024, fevereiro de 2025 e outubro de 2025 — ocasiões em que houve voto favorável à conclusão do empreendimento proferido pelo presidente do Conselho, o ministro de Minas e Energia, seguido, contudo, de pedido de vista coletivo pelos demais conselheiros. 

“A entrada em operação comercial da usina está prevista para 2033. Os resultados do estudo reafirmam as conclusões apresentadas em 2024, mantendo-se dentro dos limites esperados de revisão e preservando a mesma ordem de grandeza entre os cenários de continuidade e de abandono do projeto”, segundo a Eletronuclear.

 (FOTOS: Eletronuclear) – 

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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Marinha lança ao mar o submarino “Almirante Karam” e mostra armamento do “Tonelero”

 


A Marinha do Brasil realizará cerimônia na próxima quarta-feira (26/11), reunido dois marcos do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB): a Mostra de Armamento do Submarino “Tonelero” (S42), ato que oficializa sua transferência ao Setor Operativo da Força Naval, e o batismo e lançamento ao mar do Submarino “Almirante Karam” (S43), quarto submarino convencional construído no País pelo PROSUB. As presenças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da primeira-dama Janja ainda não foram confirmadas. 

Cerimônia de Mostra de Armamento do Submarino “Tonelero” e Lançamento ao Mar do Submarino “Almirante Karam” serão realizadas no Complexo Naval de Itaguaí - Estrada Prefeito Wilson Pedro Francisco, às 10h30. 

Iniciado em 2008, o PROSUB consiste em um acordo de transferência de tecnologia através de uma parceria estratégica entre o Brasil e a França, visando a construção no país de quatro submarinos convencionais e do primeiro submarino com propulsão nuclear da América Latina, previsto para estar pronto em 2029. O programa brasileiro tem um custo de US$ 8,9 bilhões. 

Apesar de o Brasil ser um País de tradição pacífica, o programa coloca o Brasil em uma importante, e estratégica, posição de destaque no Atlântico Sul. Ao fim do programa, a Marinha do Brasil terá a mais moderna e avançada Força de Submarinos da América Latina, que vai lhe permitir patrulhar o Atlântico Sul com muito mais efetividade. 

MEMÓRIA - 

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e da França, Emmanuel Macron participam da cerimônia de lançamento do Tonelero (S-42), em Itaguaí (RJ), no dia 27/3/2024, fruto da parceria entre os dois países, iniciada em 2008. O fato que vem sendo guardado a sete chaves é que militares da Marinha brasileira já estão embarcados em submarinos nucleares franceses para receber treinamento. Formar a tripulação para comandar o submarino de propulsão nuclear nacional é mais um desafio, além de concluir toda a montagem do submarino, com previsão de lançamento em 2033. 

(FOTO - Tonelero - SINAVAL) - 

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Ministra firma acordo para a criação de subsidiária chinesa no Brasil visando a produção de radiofármacos, insumos para combater o câncer

 


A China se prepara para a criação, em 2026, de uma subsidiária no Brasil capaz de duplicar a produção de radiofármacos. insumos essenciais para diagnósticos e tratamentos de câncer e outras doenças. A parceria foi selada pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, e o presidente do Conselho da Corporação de Isótopos e Radiação da China (Circ), Xiao Yafei, na semana passada, em Brasília. evolvendo também a área da pesquisa e tecnologia da saúde. 

A subsidiária será instalada no Instituto de pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, que no ano que vem completa 70 anos de fundação. O IPEN produz uma variedade de radiofármacos fundamentais para a medicina nuclear, como o Gerador de Tecnécio-99m (sendo o único produtor no Brasil), Iodo-131 e Lutécio-177. Além desses, o instituto também produz outros como Gálio, Tálio e Samário, e participa da produção de FDG-18F e iodo-123 ultrapuro, fornecendo cerca de 90% dos radiofármacos utilizados no país para diagnóstico e terapia. A parceria com a China poderá duplicar esta produção. 


Durante a reunião, a ministra e o presidente da Circ,discutiram também formas para garantir proteção à propriedade intelectual. A proposta é assegurar que os investimentos em pesquisa e inovação resultem em maior autonomia tecnológica e benefícios diretos para a área da saúde, informou o MCTI. A ministra destacou que “o cerne desta parceria é o avanço conjunto em pesquisa e desenvolvimento de novos radiofármacos, a realização de ensaios clínicos, a transformação industrial e o escalonamento da produção em território nacional. Nossa meta é garantir a localização da produção para termos maior autonomia e segurança, mantendo o foco em inovação e saúde”. 

Ela também ressaltou o progresso alcançado nas tratativas bilaterais. “As conversas regulares entre nossas equipes têm permitido avanços importantes na definição dos aspectos técnicos, comerciais e jurídicos que sustentam a viabilidade do empreendimento que pretendemos avançar conjuntamente”. Xiao Yafei reafirmou o compromisso da corporação chinesa. Segundo ele, “a Circ quer promover essa parceria entre China e Brasil na área de tecnologia nuclear mais aprofundada”. 

O representante chinês observou que aspectos tributários de importação de insumos é uma das questões práticas em discussão. Sobre a criação de uma subsidiária no Brasil, anunciou “a formação de uma equipe especializada para viabilizar a operação”, no Ipen. 

FONTES DE COBALTO

A parceria inclui ainda a aquisição pelo Ipen de fontes de cobalto da China. Wilson Calvo, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) disse que um segundo acordo, firmado recentemente em missão à China, inclui a área de aplicações industriais (armazenamento de rejeitos radioativos e reatores nucleares de pesquisa), conforme recente missão à China.  

“Esperamos que o trabalho conjunto se desdobre em outras possibilidades, até mesmo em equipamentos estratégicos hospitalares mais acessíveis; então, vislumbramos não apenas o fortalecimento da medicina nuclear, mas também a possibilidade de outros materiais na área de indústria. A empresa dispõe, por exemplo, de irídio-192 e selênio-75 para radiografia industrial, equipamentos para diagnóstico e terapias. São diversos produtos para o fortalecimento da medicina nuclear, da radioterapia, que vão beneficiar a população brasileira como um todo”, disse. 

(FOTO E FONTE – ASCOM MCTI) –  E DO BLOG

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sábado, 15 de novembro de 2025

Usinas nucleares: Leonam dos Santos Guimarães contesta opiniões de Heitor Scalambrini Costa

 


"O artigo Usinas Nucleares e Manipulações apresenta críticas duras ao setor nuclear brasileiro e à atuação das instituições responsáveis pela política, operação e fiscalização dessa área estratégica. Trata-se de um debate legítimo e necessário, mas que exige rigor técnico, precisão factual e responsabilidade na formulação de juízos. Infelizmente, o texto em questão incorre em generalizações amplas, interpretações desproporcionais e conclusões que, embora retoricamente eficazes, carecem de sustentação técnica e documental. É essencial separar críticas pertinentes — que existem e devem ser acolhidas — de narrativas que distorcem o estado real da energia nuclear no Brasil e no mundo. 

1. O enquadramento do setor como “manipulação” é injustificado e empobrece o debate público. A expressão “manipulações” utilizada no título sugere a existência de uma coordenação deliberada de enganos, ocultações ou fraudes sistêmicas no setor nuclear brasileiro. Essa sugestão não é sustentada por fatos apresentados no próprio artigo. O que existe, e é amplamente reconhecido internamente, são desafios típicos de empreendimentos de grande escala: licenciamento complexo, histórico de atrasos e interrupções, dificuldades de gestão e problemas de governança que precisam ser corrigidos — e que não são exclusivos do Brasil. Usinas nucleares nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Finlândia enfrentaram ou enfrentam dificuldades semelhantes. Apresentar tais desafios como “manipulação” substitui a análise estruturada por uma alegoria conspiratória que nada acrescenta à compreensão pública do problema. 

2. Falta de dados, contextualização internacional e análise comparativa. Embora o artigo cite episódios e percepções, não apresenta indicadores técnicos, análises regulatórias comparadas ou dados empíricos que permitiriam ao leitor aferir a real dimensão dos problemas. Sem métricas — de segurança, desempenho, custos, atrasos, práticas de transparência, governança regulatória ou impacto ambiental — não é possível sustentar conclusões categóricas sobre a excepcionalidade brasileira. Em contraste, o setor nuclear brasileiro tem indicadores acima das médias internacionais em: segurança operacional, doses ocupacionais, cumprimento regulatório, histórico de acidentes, confiabilidade das unidades em operação (Angra 1 e Angra 2). A crítica perde profundidade e rigor ao ignorar essas informações disponíveis em relatórios públicos da Eletronuclear, CNEN, INPO, WANO e AIEA. 

3. Crítica seletiva aos riscos sem consideração pelos benefícios ou contrapesos. O artigo mobiliza uma narrativa centrada exclusivamente no medo e no risco, sem considerar:  a segurança de suprimento decorrente da energia firme,

o papel da energia nuclear na descarbonização, o custo sistêmico evitado por fontes de base, a demanda crescente por hidrogênio, data centers e eletrificação,

o avanço global dos SMRs e reatores avançados, a necessidade do Brasil de reconquistar autonomia energética diante de um sistema hidrotérmico tensionado.  

A omissão desses fatores conduz o leitor a uma visão incompleta, sugerindo que a energia nuclear é um fardo imposto à sociedade, quando na realidade integra a matriz de países técnicos, industrializados e ambientalmente responsáveis. 

4. O histórico citado exige precisão e contextualização. O texto evoca episódios antigos sem distinção entre fatos, interpretações e percepções, criando a impressão de uma continuidade inalterada entre passado e presente. Contudo:  A governança atual é substancialmente distinta daquela dos anos 1980 e 1990.  A regulação evoluiu profundamente após TMI, Chernobyl e Fukushima. Os mecanismos de transparência ampliaram-se, inclusive com auditorias independentes.  A Eletronuclear passou por reestruturações e programas de compliance de padrão internacional.  O setor nuclear tornou-se mais integrado aos compromissos ambientais e climáticos. Ignorar essas mudanças gera um quadro anacrônico que impede o leitor de enxergar o setor como ele é hoje, não como ele foi décadas atrás.

 5. A crítica perde força ao não propor soluções concretas. Um debate produtivo sobre energia nuclear — ou sobre qualquer política pública complexa — precisa conter três elementos: 

1. diagnóstico factual, 2. análise contextualizada e comparada, 3. recomendações implementáveis. O artigo apresenta essencialmente o primeiro elemento, mas carece de precisão factual e de qualquer esforço de proposição. Sem isso, transforma-se em denúncia vaga, e não em contribuição substantiva à política pública. Reformas úteis poderiam incluir:  fortalecimento regulatório da CNEN, avanços na transparência contratual, auditorias independentes periódicas, aprimoramento de governança nas estatais do setor, modernização jurídica para permitir SMRs e parcerias público-privadas, comunicação científica acessível à sociedade. Nada disso é debatido no texto criticado. 

6. A sociedade merece crítica firme, mas igualmente merece análise séria. A energia nuclear é, simultaneamente, um recurso estratégico e um objeto de paixões ideológicas. Exatamente por isso, precisa ser tratada com responsabilidade analítica, rigor e honestidade intelectual. A crítica jornalística desempenha papel fundamental no escrutínio do setor — mas ela precisa ser proporcional aos fatos, informada por dados verificáveis e formulada de maneira a enriquecer o debate democrático. A adoção de termos como “manipulação”, sem comprovação documental ou análise comparada, não esclarece: obscurece. Não fiscaliza: inflama. Não orienta: desinforma. 

O setor nuclear brasileiro possui falhas, desafios e urgências — mas também possui competência técnica, padrões de segurança reconhecidos internacionalmente, relevância estratégica para o país e um papel indispensável na transição energética. A crítica construtiva é bem-vinda. A generalização alarmista, não". 

TEXTO DE LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES: Doutor em Engenharia Naval e Oceânica pela USP e Mestre em Engenharia Nuclear pela Universidade de Paris XI, é CEO da Eletrobrás Eletronuclear, membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), membro do Conselho de Representantes da World Nuclear Association (WNA). Foi Presidente da Seção Latino Americana da Sociedade Nuclear Americana, Diretor Técnico-Comercial da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa SA – AMAZUL, Assistente da Presidência da Eletrobrás Eletronuclear e Coordenador do Programa de Propulsão Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP). 

LEIA:USINAS NUCLEARES E MANIPULAÇÕES RETÓRICAS, por Heitor Scalambrimi Costa.

FOTO: ACERVO PESSOAL – 

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