Ao iniciar e liderar uma árdua
luta pelo banimento do cancerígeno amianto, no Brasil e no mundo, a Associação
Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) está recebendo homenagens de todo o
mundo, esta semana, quando completa 30 anos de fundação, em Osasco, em São
Paulo. Na cidade funcionava a Eternit, conhecida da multinacional produtora de
telhas, tubulações, caixas d’água e outros artefatos de cimento-amianto. A
Eternit permaneceu em Osasco por 56 anos, entre 1937 a 1993, deixando para trás
um enorme passivo socioambiental, um legado de contaminação e morte, como fez
em vários países, principalmente Itália e Bélgica.
Por sua luta permanente por justiça socioambiental, a entidade será homenageada nesta sexta-feira (12/12), às 19h, na na Câmara Municipal de São Paulo (Sala Prestes Maia).
MEMORIAL PELAS VITIMAS -
Cerca
de 600 vítimas amianto foram homenageadas em dezembro de 2022, em Osasco, com a
inauguração de um memorial criado pelo artista brasilense W. Hermusch, que
reuniu representações do Brasil e do mundo. A criação do memorial foi uma
parceria da Prefeitura de Osasco, por meio da Secretaria de Emprego, Trabalho e
Renda (SETRE), com a ABREA. O memorial é uma escultura chamada “Árvore-Pulmão”,
que materializa metaforicamente a luta pela vida de milhares de vítimas do
mineral, que no final da vida não conseguem mais respirar em virtude das
doenças provocadas pela fibra mortal.
A ABREA é fundamental para a
sociedade brasileira tomar consciência dos males do amianto e a fibra assassina
ser banida. Só que a atuação da ABREA não se limitou ao território brasileiro. Ela
se espalhou, tornando a ABREA símbolo da luta pelo banimento do amianto no
Brasil e no mundo. A prova disso é o comunicado de dez associações parabenizando-a
pelos 30 anos. Dez associações do Reino Unido, Austrália, Japão e Itália
assinam. PARABÉNS ABREA - “Já se passaram 30 anos desde a fundação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA –,
em 9 de dezembro de 1995, em Osasco, Brasil.
Por décadas, as empresas de
amianto obtiveram lucros exorbitantes enquanto as vítimas morriam sem
reconhecimento, sem tratamento e sem indenização. Passo a passo, os membros da
ABREA, composta inteiramente por voluntários, trabalhou para mudar essa realidade.
A ABREA tornou evidente o legado mortal dessa indústria letal, expondo médicos
cúmplices das empresas, desafiando autoridades governamentais ineficazes e
documentando a existência de um ambiente jurídico hostil.
Os sucessos
alcançados pela ABREA são inúmeros, e incluem: revolucionar o debate nacional
sobre o amianto, passando de uma postura que aceitava o “uso controlado” do
amianto para uma que denuncia todo e qualquer uso; estabelecer jurisprudências que reconheçam o
direito dos lesados de reivindicar indenização por danos morais, bem como por
danos físicos; facilitar a proibição do amianto em níveis municipal, estadual e
nacional; promover colaborações regionais e internacionais entre grupos de
vítimas, sindicatos, centrais sindicais, associações médicas, organizações de
saúde e segurança ocupacional e cientistas independentes.
A Associação Italiana
de Familiares e Vítimas do Amianto (Associazione Famigliari e Vittime
dell’Amianto/AFeVA) mantém laços emocionais e familiares estreitos com a ABREA;
muitos brasileiros afetados por doenças relacionadas ao amianto imigraram de
áreas economicamente desfavorecidas da Itália.
Ao parabenizar a ABREA por seu
aniversário marcante, em sua mensagem de solidariedade, a presidente da AFeVA,
Giuliana Busto, enfatizou o papel fundamental desempenhado pela ABREA “na luta
comum contra o amianto”. Em sua manifestação, Sugio Furuya, da Rede Asiática
para a Proibição do Amianto (ABAN), observou que: “A ABREA se destaca como um
símbolo de solidariedade e companheirismo em toda a Ásia. Seus esforços
contínuos para proibir as exportações de amianto para a Ásia salvaram e
salvarão muitas vidas enquanto trabalhamos por um futuro livre de amianto para
todos!”
Durante 25 anos, o Secretariado Internacional para a Proibição do
Amianto (IBAS) tem sido um parceiro ativo e solidário da ABREA. Recordando os
muitos membros da ABREA que perderam a vida devido ao amianto, a coordenadora
do IBAS, Laurie Kazan-Allen, afirmou: “A ABREA deu uma face a um desastre
humano mundial. Os seus membros lideraram esforços no seu país, na América
Latina e em todo o mundo para apoiar as vítimas, desafiar os dogmas da
indústria e derrubar leis e precedentes legais injustos. A aliança ABREA-IBAS
tem sido a pedra angular das iniciativas que impulsionaram a discussão sobre o
amianto, transformando-o de uma questão de saúde ocupacional em um diálogo
central sobre saúde pública, direitos humanos, justiça social e
sustentabilidade.”
Os grupos que emitem este comunicado à imprensa representam
associações de vítimas do amianto, sindicatos, profissionais de saúde e outros
que apoiam os expostos e lesionados pelo amianto na Europa, Ásia e Austrália. Estamos
unidos em enviar os nossos melhores votos, neste aniversário marcante, a toda
diretoria e membros da ABREA pelas suas três décadas de trabalho árduo. O mundo
é um lugar melhor e mais seguro graças à ABREA!
Assinam este comunicado: Secretariado
Internacional para a Proibição do Amianto (Ban Asbestos Secretariat/IBAS)/Reino
Unido; Associação Italiana de Familiares e Vítimas do Amianto (Associazione
Famigliari e Vittime dell’Amianto/ AFeVA)/Itália; Rede Asiática para a
Proibição do Amianto (Asian Ban Asbestos Network/ABAN)/Japão; Ajuda Sindical no
Exterior (Union Aid Abroad – APHEDA)/Austrália; Sociedade Australiana de
Doenças Relacionadas ao Amianto (Asbestos Diseases Society of Australia); Instituto
de Pesquisa de Doenças Relacionadas ao Amianto e Poeiras (Asbestos and Dust
Diseases Research Institute/ADDRI)/Austrália; Fórum do Grupo de Apoio às
Vítimas do Amianto (Asbestos Victims Support Group Forum)/ Reino Unido. Apoio
às Vítimas do Amianto de Merseyside (Merseyside Asbestos Victims Support)/Reino
Unido; Mesotelioma Reino Unido (Mesothelioma UK) /Reino Unido.
UMA MULHER DE
LUTA -
Nos 30 anos de ABREA, não se pode deixar de mencionar o trabalho da engenheira civil e auditora fiscal, Fernanda Giannasi, uma das fundadoras da Associação, incansável no
acolhimento às vítimas, em denunciar os estragos provocados pelo amianto, em acompanhar
os processos pelo banimento do mineral na Justiça brasileira. Em uma das
entrevistas ao BLOG, Giannasi explicou porque não se sabe exatamente o número
de mortos pelo amianto no Brasil.
“Um número preciso de vítimas do amianto ou
asbesto no Brasil ainda não foi possível de se obter. Por conta vários motivos:
o silêncio epidemiológico reinante no país em função de diversos
mecanismos de invisibilidade social, tais como a inércia das instituições de
saúde, que não cumprem seu papel de vigilância, como previsto em nossa
legislação; pelos pactos estabelecidos entre empresas e vítimas, através de
acordos extrajudiciais (mais de três mil instrumentos particulares de transação
firmados pelas duas empresas líderes do mercado de fibrocimento e da
mineração), que remuneram parcamente o silêncio das vítimas e de seus
familiares pelas doenças adquiridas e pela ausência de formação médica
especializada e de retaguarda laboratorial competente para diagnósticos de
maior complexidade”.
Eis a entrevista:
BLOG: É um problema de grande
subnotificação....
FERNANDA: Certamente e outro agravante para esta
subnotificação está no fato de que as doenças relacionadas ao amianto são de
grade latência, isto é, levam em média de 20 até 60 anos para se manifestarem,
quando em geral o trabalhador já está afastado de seu local de trabalho. Os
casos diagnosticados devem ser registrados tanto nos órgãos da Previdência
Social como da Saúde, mas ainda isto é incipiente e representam somente a ponta
de um imenso iceberg.
BLOG: Quantas vítimas estão em tratamento?
FERNANDA: Em
todo o país, por onde se utilizou o amianto de maneira intensiva e sem nenhum
controle, diariamente nos deparamos com novos casos de doenças sendo
diagnosticadas, entre as quais a asbestose (fibrose pulmonar que endurece o
pulmão, tornando-o rígido – o chamado “pulmão de pedra”), diversos tipos de
cânceres, entre eles o de pulmão, laringe, aparelho digestório, ovário, túnica
vaginal e o mesotelioma, chamado o “câncer do amianto”, que atinge as membras
que envolvem o pulmão (pleura), a cavidade abdominal (peritônio) e o coração
(pericárdio). São centenas de casos em tratamento nas diversas estruturas do
Sistema Único de Saúde (SUS) e em entidades privadas para aqueles que
celebraram os acordos extrajudiciais ou também chamados de instrumentos
particulares de transação (IPT).
BLOG: Há indenizações?
FERNANDA: Com a Emenda
Constitucional 45, que atribuiu à Justiça do Trabalho o poder decisório em
processos de indenização por doenças adquiridas no e pelo trabalho, as ações
individuais das vítimas do amianto se tornaram mais céleres. E, em geral, mais
bem-sucedidos em relação ao que ocorria anteriormente na esfera cível, em
especial quanto aos valores de dano moral. Nosso país ainda não goza de uma
cultura judicial sobre as ações civis públicas, coletivas ou também chamadas “class
actions”, e se percebe uma certa timidez nos julgamentos destes processos,
diferentemente do que ocorre nas ações individuais. Essas ações, depois da
mencionada EC 45 têm sido indenizadas de maneira mais justa e rápida às vítimas
e seus familiares.
BLOG: É verídica a informação de que a Eternit
continuará exportando as fibras de amianto para dezenas de países, incluindo
Estados Unidos, Alemanha, Índia, Indonésia, Malásia e outros países asiáticos?
A informação é documentada?
FERNANDA: Sim. A empresa de mineração Sama do grupo
Eternit continua sua produção nociva à saúde para fins de exportação,
impunemente, mesmo após a decisão histórica do STF, em 2017, que baniu o
amianto de nosso país, e continua a explorar e exportar essa matéria-prima
cancerígena, graças a duas leis inconstitucionais do governo de Goiás, uma que
permite a exportação e outra que dá sobrevida até 2029 para esta situação
irregular e, por que não dizer, criminosa, condenando sociedades mais
vulneráveis do que a nossa à doenças graves e até a morte de inocentes.
Trata-se de um verdadeiro crime de racismo ambiental.
BLOG: Onde estão
localizadas as fábricas de amianto no Brasil? Quantas pessoas trabalham nessas
fábricas? Estão cientes do perigo?
FERNANDA: Atualmente só a mineração de
amianto, em Minaçu, continua a explorar a fibra cancerígena. As demais fábricas
substituíram esta matéria-prima reconhecidamente nociva para a saúde dos seres
humanos. Na mineração, atualmente, trabalham, em média 300 empregados
diretamente na mina de Cana Brava, da Sama, em Minaçu, no Estado de Goiás. A
cidade tem ainda uma dependência econômica muito grande desta empresa, que é a
maior atividade produtiva do local, o que faz com que a população tenha
estabelecido um pacto de silêncio, negando fortemente a nocividade de sua
principal riqueza local. Inclusive se auto intitula orgulhosamente de a
“capital nacional do amianto”, como podemos ver no pórtico de entrada da
cidade. Outros equipamentos públicos e privados de Minaçu têm a marca
registrada do poderio econômico exercido pela atividade de exploração do
minério de amianto, como pode-se ver na decoração do principal hotel da cidade,
que tem o sugestivo nome de CRISOTILA (o amianto branco explorado em Minaçu)
Palace Hotel, e na porta do fórum, ambos ostentando enormes pedras do
minério in natura.
BLOG: O que as autoridades da saúde no Brasil têm
feito pelas vítimas do amianto? E as autoridades da segurança do trabalho?
FERNANDA:
Muito pouco tem sido feito pelos órgãos de saúde e trabalho, em geral, no país,
com raríssimas e notórias exceções como a Fundacentro e INCOR em São Paulo e a
Fiocruz no Rio de Janeiro, que realizam os diagnósticos das doenças
relacionadas ao amianto dos ex-empregados expostos, expondo a gravidade da
situação. As fiscalizações praticamente estão paralisadas pelo desmonte
sistemático de órgãos como o Ministério do Trabalho, restando apenas
sabidamente a vigilância sanitária do estado de São Paulo e do município do Rio
de Janeiro, que têm realizado diligências esporádicas nos estabelecimentos
comerciais, apreendendo materiais, que ainda estão sendo vendidos para a
população de baixa renda contendo amianto, que são de estoques remanescentes.
BLOG:
Quando a luta pelo banimento começou no Brasil? O que motivou essa luta?
FERNANDA:
A luta pelo banimento no Brasil se inicia mais efetivamente após o evento da
conferência das Nações Unidas (ONU), a UNCED, popularmente conhecida como a
Rio/92, onde tivemos a oportunidade de conhecer e interagir com movimentos
sociais internacionais na luta para a eliminação dos produtos tóxicos, o qual
incluía o amianto, a tecnologia nuclear etc.
BLOG: Por que a senhora entrou
nessa luta?
FERNANDA: Desde 1983, quando fui admitida em concurso público para
a auditoria fiscal do trabalho, em São Paulo, me dediquei a estudar e
inspecionar empresas que utilizavam produtos e tecnologias cancerígenas. Em
1985, constituí com um colega médico o GIA-Grupo Interinstitucional do Asbesto
para fiscalizar as empresas usuárias de amianto no estado de São Paulo. Isto,
no momento em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU,
discutia se o amianto deveria ser proibido em todo o mundo ou permitido seu uso
sob restritas condições de segurança. Dali para frente, os enfrentamentos com a
indústria do amianto foram se sucedendo e se tornando cada vez mais acirrados,
nos diversos campos, pois enfrentamos um dos mais organizados e poderosos
lobbies industriais mundiais, comparado em importância e poderio ao do tabaco.
BLOG:
A senhora ganhou o prêmio Faz a Diferença de O GLOBO por sua atuação pelo
banimento do amianto no Brasil e no mundo. O que representou esse prêmio?
FERNANDA:
A coroação de um esforço, inicialmente solitário, mas que foi ganhando adeptos
e se tornando uma luta coletiva ao longo desta jornada de 40 anos. O
prestigioso prêmio tornou a nossa batalha ainda mais visível e palatável para
uma grande parcela da sociedade brasileira. Uma grande honra tê-lo recebido
junto a tantas personalidades brilhantes deste país.
BLOG: No Brasil, quais os
próximos passos para acabar de vez com o amianto?
FERNANDA: O mais urgente no
momento é a declaração pelo STF das imorais leis goianas, que permitem a
exploração para fins de exportação até 2029. Outras ações serão necessárias
para pôr um fim definitivo a este flagelo que será a desamiantização ou
retirada do amianto das edificações públicas ou privadas. Neste sentido, várias
ações estão em curso, do ponto de vista legal, com vários projetos de lei
tramitando nas diversas esferas de nossos legislativos estaduais e federal,
principalmente nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
PERFIL:
FERNANDA
GIANNASI é Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho. Auditora Fiscal do
Trabalho por 30 anos no Ministério do Trabalho e Emprego (MTb) em São Paulo,
onde atuou na inspeção das condições de saúde e segurança no ambiente de
trabalho com ênfase na insalubridade, letalidade e periculosidade dos agentes
cancerígenos (amianto, nuclear, sílica) e outros tóxicos. Atualmente,
aposentada, é consultora na área de saúde, trabalho e meio ambiente para
entidades de trabalhadores (as) e vítimas de processos industriais. Fundou a
Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) em 1995 e é coordenadora
da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina desde
1993. Tem recebido vários prêmios nacionais e internacionais, como mencionado anteriormente,
entre os quais: a Ordem do Mérito Judiciário tanto pelo Tribunal Regional da
15ª. região (TRT -15), como pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de
Brasília. Em novembro de 2018, foi agraciada com o Prêmio Bernardino Ramazzini,
o Pai da Medicina do Trabalho, pelo prestigiado Collegium Ramazzini, em Carpi,
na Província de Módena, Itália, cidade de nascimento, no século XVIII, do
ilustre médico.
(FOTOS: MEMORIAL E GIANNASI) –
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