quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Desafios e oportunidades na transição energética brasileira. Por José Edilberto da Silva Resende e Carmen Greice Renda

 


A falta de regulamentação adequada e coordenação governamental na transição energética são assuntos de grande importância e complexidade para o Brasil, especialmente em relação à preservação dos recursos hídricos na matriz elétrica e à remuneração dos serviços ecossistêmicos por meio de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). 

A Privatização da Eletrobras e Desmonte do Sistema Elétrico Brasileiro devem ser cuidadosamente avaliados em termos de seus impactos potenciais no sistema elétrico brasileiro.

A privatização não trouxe eficiência nem econômica, pois o dinheiro de parte das ações que foram disponibilizadas, não foi reinvestido na melhoria do sistema, mas bancou inicialmente a manutenção dos preços dos combustíveis fósseis e apenas 10% dos valores foram para ações regionais de revitalização de bacias hidrográficas, até o momento, não colaborando diretamente para a transição energética e com a promessa de investir na geração de energia “limpa” na Amazônia. Enquanto isso, foram pelo menos nove grandes apagões, e diversos menores, contando com os mais recentes em São Paulo e no Rio de Janeiro. 


A privatização de forma geral levanta preocupações sobre decisões estratégicas no controle dos recursos hídricos e a sustentabilidade da matriz elétrica, sem manutenções e investimentos em modernizações. As privatizações dos recursos hídricos devem ser consideradas neste mesmo contexto, por exemplo, a da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE – RJ) que teve a promessa de dividir os valores arrecadados entre 29 municípios para investirem em infraestrutura de saneamento, porém sem acompanhamento, os mesmos recursos não estão sendo corretamente destinados, aumentando as desigualdades. 

O Sistema Elétrico Brasileiro é basicamente de matriz hidrelétrica, interligado nacionalmente, fazendo com mesmo as cidades que geram 100% da sua energia elétrica, exemplo, Poços de Caldas, paguem o mesmo custo da geração em todo o país. Tarifas e bandeiras são especificadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, variando conforme escassez hídrica e aumento das demandas, com decisões como as ligações de termoelétricas, térmicas e outras fontes de energia como gás, carvão e combustíveis, tendo o planejamento e a fiscalização dos sistemas coordenados e controlados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). É essencial que as privatizações sejam acompanhadas por regulamentações robustas e que garantam a gestão sustentável dos recursos hídricos, e que, enquanto a matriz for hídrica, preveja a continuidade do acesso à energia para todos os brasileiros. 

NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO NA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA. 

A falta de regulamentação clara e coordenada é um obstáculo para o desenvolvimento de fontes de energia alternativas e tecnologias de captura de carbono. O governo deve desempenhar um papel fundamental na criação de regulamentações que incentivem o investimento em energias renováveis, como a eólica offshore e hidrogênio, de preferência o branco, que não se baseia em combustíveis fósseis. Estas gerações devem garantir a proteção ambiental e a remuneração adequada pelos serviços ecossistêmicos. Lembrando que no caso de placas solares, as soluções são temporárias, visto que em um prazo de 25 a 30 anos, gerarão resíduos que ainda não temos destinação correta de disposição (além da melhoria da eficiência envolver uma mistura de materiais como metais e semimetais, polímeros, cerâmicas, por exemplo), coleta, reciclagem e retorno a cadeia (logística reversa). 

COORDENAÇÃO INTERMINISTERIAL 

A dispersão dos temas relacionados à sustentabilidade em diversos ministérios pode dificultar a implementação eficaz de políticas ambientais. É crucial que o governo promova a coordenação entre os ministérios para garantir uma abordagem holística e eficiente para questões ambientais, incluindo a transição energética. 

REMUNERAÇÃO PELOS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS (PSA). 

A remuneração pelos serviços ecossistêmicos, no contexto da captura de carbono, é uma estratégia importante para preservar os recursos naturais. O governo deve desenvolver políticas que incentivem a adoção de práticas sustentáveis e recompensem os serviços prestados que excederem aos normatizados, como a proteção das áreas de recarga de aquíferos, a conservação de florestas, a manutenção da fauna entre outros.

A definição dos marcos claros para a precificação do PSA é fundamental, considerando fatores como a localização geográfica, o tipo de serviço ambiental prestado e o impacto desse serviço na qualidade de vida das comunidades locais. A participação de múltiplos stakeholders, incluindo produtores rurais, agências governamentais, ONGs e investidores, é fundamental para criar um sistema de precificação equitativo e eficaz, com uma abordagem baseada em regulamentações sólidas e éticas, visando alcançar a transição energética desejada e a conservação ambiental, garantindo um futuro mais sustentável para o Brasil e o mundo. 

Um exemplo notável de parceria que promove o PSA no Brasil é o "Programa Produtor de Águas” da Agência Nacional de Águas (ANA). Esse programa incentiva produtores rurais a adotarem práticas de conservação de solo e água em suas terras para proteger e melhorar a qualidade da água em bacias hidrográficas críticas. Os produtores são recompensados financeiramente pelos serviços de conservação que prestam. A ANA fornece uma estrutura clara de precificação e diretrizes para a implementação do programa, garantindo que os participantes sejam adequadamente recompensados pelos benefícios ambientais que proporcionam. 

Esses tipos de parcerias e programas bem-sucedidos demonstram como a definição de marcos claros para a precificação do PSA pode estimular a conservação ambiental, proteger os recursos hídricos e promover a sustentabilidade rural. A replicação de tais modelos em todo o país pode ter um impacto significativo na preservação do meio ambiente e na melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. A proposta é estabelecer marcos claros para a precificação do mercado de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no Brasil, a fim de incentivar a conservação ambiental, proteger os recursos hídricos e promover práticas sustentáveis. 

Esses marcos devem incluir diretrizes para a remuneração adequada dos serviços ecossistêmicos prestados, considerando fatores como a localização geográfica e o tipo de serviço ambiental. A definição de marcos claros para a precificação do PSA é uma ferramenta poderosa para impulsionar a conservação ambiental, mas é fundamental garantir que ela seja implementada de maneira ética e eficaz, evitando práticas enganosas que possam minar seus objetivos ambientais. 

IMPACTO GLOBAL 

O ideal seria que o entendimento do papel protagonista do Brasil não precisasse ser reforçado a todo tempo no cenário global. Os países que mais poluem estão utilizando a compra de créditos de carbono para não terem que fazer a redução de emissões de carbono, conforme assinadas as metas nos acordos ambientais, exemplo Acordo de Paris e as Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), inclusive a atual 28a

A regulamentação e a promoção de tecnologias de baixo carbono podem não apenas beneficiar o país economicamente, mas também devem contribuir para acelerar os esforços globais de combate às alterações climáticas. Visto que já chegamos em um estado de emergência climática e que já sentimos os efeitos do racismo ambiental, onde os países menos favorecidos financeiramente são os que mais sofrem com os efeitos das mudanças extremas que estão acontecendo com maior frequência, exemplo a elevação do nível do mar, os degelos, as queimadas e secas severas. 

A transição energética no Brasil deve ser cuidadosamente planejada e regulamentada para equilibrar as necessidades econômicas com a preservação dos recursos naturais e o cumprimento dos compromissos ambientais globais. A coordenação governamental é essencial para alcançar esse equilíbrio e garantir um futuro sustentável para o país e para o mundo. 

A definição de marcos claros para a precificação do mercado de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é fundamental para garantir o sucesso dessa abordagem e maximizar seus benefícios. Aqui estão alguns impactos que podem advir da falta de definição de marcos claros e como é importante estabelecê-los: 

INCERTEZAS PARA OS PROVEDORES DE SERVIÇOS AMBIENTAIS. 

Os serviços ambientais devem ser corretamente descritos, pois normalmente quem tem maiores áreas, latifúndios, com maior quantidade de pecuária ou monoculturas, não tem interesse em preservar se não houver retorno financeiro. Sem marcos claros de precificação, os produtores rurais e proprietários de grandes áreas terras, raras exceções, prejudicarão os pequenos produtores que são os que desempenham um papel fundamental na prestação de serviços ecossistêmicos. 

Os valores dos serviços prestados podem variar, o que pode desestimular a adoção de práticas sustentáveis e causar incertezas financeiras. Exemplo: casos de disputas de áreas, invasões de terras indígenas para exploração de recursos naturais para vender justificando que os provedores ambientais estão recebendo por isto, ou utilizar reservas legais para receber como se fossem serviços ambientais. 

DIFICULDADES DE ATRAIR INVESTIMENTOS. 

Investidores, organizações não governamentais e agências governamentais interessados em apoiar programas de PSA podem hesitar em participar sem uma estrutura de preços e regras claras. Isso pode limitar o financiamento disponível para programas de conservação. Seria interessante uma política pública que apoiasse e fiscalizasse os interessados em receber este tipo de fomento. 

INEFICIÊNCIA NA ALOCAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECURSOS. 

Se não houver um fundo ou destinação obrigatória para esta finalidade ou faltar precificação adequada, a alocação ineficiente de recursos, onde os serviços ecossistêmicos mais críticos podem não receber a atenção necessária devido à ausência de incentivos financeiros adequados pode levar à desistência da participação dos programas de PSA.

Os recursos que forem pagos não devem servir para “greenwashing”, ou, com tradução livre para “lavagem verde”, que ocorre quando uma organização ou empresa se apresenta como ecologicamente responsável, mas, na realidade, não adota práticas sustentáveis significativas. Nesse contexto, os riscos incluem: 

Manipulação de Dados: Empresas ou entidades podem fornecer informações enganosas sobre os serviços ambientais que estão sendo prestados, exagerando seus impactos positivos para obter benefícios financeiros. 

Falta de Transparência: A falta de transparência na definição de marcos de precificação pode criar oportunidades para ocultar práticas insustentáveis. Isso pode minar a confiança dos investidores e do público em geral. 

Mensagens Enganosas: Empresas podem utilizar táticas de marketing enganosas, apresentando-se como defensoras do meio ambiente, enquanto suas práticas de negócios continuam prejudicando o ambiente. 

Impacto Limitado: Se a precificação dos serviços ecossistêmicos não for rigorosa e adequada, os benefícios reais para o meio ambiente podem ser limitados, mesmo que a aparência seja de um compromisso ambiental sólido. 

Para mitigar esses riscos, é essencial: 

Transparência: Garantir que todas as partes envolvidas no mercado de PSA sejam transparentes em relação aos serviços prestados, métricas de impacto e remuneração. Isso ajudará a evitar práticas enganosas. 

Regulamentação Adequada: Estabelecer regulamentações sólidas que definam claramente os critérios para a participação no mercado de PSA e exijam que as empresas e entidades cumpram padrões ambientais rigorosos.  

Monitoramento e Auditoria: Implementar mecanismos eficazes de monitoramento e auditoria para verificar a conformidade com os compromissos ambientais e a precisão das informações divulgadas. 

Educação e Conscientização: Promover a educação pública sobre a importância do PSA e os riscos do greenwashing, capacitando o público a fazer escolhas informadas e responsáveis.

Diante dos desafios e oportunidades da transição energética e da conservação ambiental, a definição de marcos claros para a precificação dos serviços ambientais é uma prioridade. Esses marcos devem abranger regulamentações robustas, transparência nas práticas, monitoramento eficaz e educação pública sobre a importância dessas iniciativas. 

No entanto, é fundamental reconhecer os riscos de "greenwashing" e abordá-los com regulamentações sólidas e fiscalização adequada, além de reduzir o consumo, de pesquisa e desenvolvimento de produtos que possam substituir os de fontes que emitam gases do efeito estufa, buscar o cumprimento das metas dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS e ir além. 

Desafios na Mensuração e Monitoramento

A definição de marcos claros também está relacionada à forma como os serviços ecossistêmicos são medidos e monitorados. Sem diretrizes claras, pode ser difícil estabelecer métricas consistentes e confiáveis para avaliar o desempenho dos programas de PSA. 

Desigualdades Regionais: A ausência de preços definidos pode levar a discrepâncias na remuneração pelos serviços ecossistêmicos em diferentes regiões do país. Isso pode criar desigualdades econômicas e prejudicar a participação de comunidades em áreas mais carentes. 

Perda de Benefícios Ambientais Potenciais: Sem uma estrutura de preços eficaz, pode haver uma perda de oportunidades para maximizar os benefícios ambientais. Por exemplo, a conservação de áreas de recarga de aquíferos pode ser fundamental para a segurança hídrica, mas pode não ser incentivada sem preços adequados. 

O Programa PSA deveria ser apenas mais um gatilho para a mudança de mentalidade, visto que os efeitos do aquecimento global já estão sendo sentidos em todos os locais do planeta e já deveriam ser motivos suficientes para uma mudança de paradigma. 

A catálise do pensamento crítico, a finalização do pensamento negacionista depende do investimento, para motivar os mais resistentes. A síntese envolve a necessidade de estabelecer marcos claros para a precificação de serviços ambientais no Brasil, garantindo que a transição energética e a conservação ambiental sejam eficazes. Isso inclui a criação de regulamentações sólidas, transparência, monitoramento rigoroso e educação pública. 

A sociedade desempenha um papel crucial na fiscalização desses processos, acompanhando e avaliando a conformidade com os padrões ambientais e denunciando práticas enganosas. É uma parceria entre governos, empresas, ONGs e cidadãos que pode promover uma transição energética sustentável e a preservação de recursos naturais. 

Nesse cenário, a sociedade desempenha um papel crucial como fiscalizadora e defensora dos padrões ambientais. Os cidadãos têm o poder de monitorar e avaliar a conformidade das empresas e entidades envolvidas, denunciando práticas enganosas. Além disso, a parceria entre governos, empresas e ONGs é fundamental para impulsionar uma transição energética sustentável e a preservação dos recursos naturais. 

Desafios e Oportunidades na Transição Energética Brasileira: Regulamentação, Coordenação e Sustentabilidade em Foco, nosso título, é amplo. A transição energética é um tema crucial no cenário atual, com a necessidade urgente de abraçar fontes de energia mais limpas e sustentáveis. No entanto, no contexto brasileiro, essa transição enfrenta obstáculos significativos devido à falta de regulamentação e coordenação governamental. Atualmente, mais de dez projetos de lei estão em discussão no Legislativo federal, abordando regras para fontes de energia alternativas e a captura de carbono. A falta de coordenação entre os diferentes ministérios e a ausência de regulamentações claras são desafios que precisam ser superados para garantir uma transição energética eficaz. 

Os temas relacionados à sustentabilidade estão espalhados por diversos ministérios, o que dificulta a criação de políticas holísticas e alinhadas com os objetivos ambientais. Isso pode prejudicar a posição do Brasil em relação a compromissos globais de redução de emissões de carbono. Para abordar essa lacuna, é fundamental estabelecer marcos regulatórios sólidos que incentivem a adoção de fontes de energia alternativas, como eólica e hidrogênio, ao mesmo tempo em que garantem a proteção do meio ambiente. 

A transparência e a fiscalização são essenciais para evitar práticas de “greenwashing” onde empresas ou entidades se apresentam como ambientalmente responsáveis, mas não adotam práticas sustentáveis significativas. Além disso, é importante considerar a matriz hídrica como uma fonte renovável crítica. Os recursos hídricos desempenham um papel vital na produção de energia no Brasil, por meio de usinas hidrelétricas. No entanto, a gestão adequada desses recursos é essencial para evitar impactos negativos nos ecossistemas aquáticos e garantir a disponibilidade de água potável para as comunidades. Em suma, a transição energética brasileira enfrenta desafios significativos relacionados à regulamentação e coordenação. No entanto, com a definição de marcos regulatórios claros, transparência e envolvimento ativo da sociedade civil, o Brasil pode caminhar em direção a uma matriz energética mais sustentável e resiliente, preservando ao mesmo tempo seus valiosos recursos hídricos. É uma jornada essencial para o futuro do país e do planeta. 

JOSÉ EDILBERTO DA SILVA RESENDE - Advogado, membro da Comissão de Meio Ambiente e Construção da OAB-MG/Subseção Poços de Caldas, Coordenador Adjunto do CBH do Rio Grande na Câmara Técnica de Integração e Legalidade (CTIL), Presidente do CBH do Rio Mogi/Pardo. Auditor da Norma ISO 14.000 com ênfase na Certificação em Sistema de Gestão Ambiental.  Membro da Associação Poços Sustentável e do Observatório Social Poços Sustentável e titular da Comissão das Águas da Câmara de Vereadores de Poços de Caldas pela OAB-MG-PCS. 

CARMEN GREICE RENDA: Pesquisadora com pós-doutorado na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Instrumentação - CNPDIA no Laboratório Nacional de Nanotecnologia para Agricultura (LNNA) e pós-doutorado na Fundação Oswaldo Cruz (Laboratório de Micro e Nanotecnologia LMN). Possui Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (ago/2019). Voluntária na Associação Poços Sustentável - APS e no Observatório Social Poços Sustentável

FOTOS:  Arquivos pessoais – 

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