Natural de Campina Grande, na Paraíba, a engenheira química Isolda Costa está na direção do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), em São Paulo, administrando os mais diversos campos da ciência e tecnologia. da produção de radioisótopos (medicamentos para diagnósticos e tratamento contra o câncer), a quantidade e procedência de rejeitos radioativos (fato inédito revelado ao blog) e enriquecimento de urânio, parceria com a Marinha; até novos projetos para 2024, com apoio da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), como a Despoluição dos Oceanos por Microplásticos, como tema principal no Meio Ambiente. Aqui, Isolda conta como divide o comando com Wilson Calvo, que tentaram afastar no governo Bolsonaro; revela a impressionante queda no número de funcionários do sexagenário IPEN, um dos mais importantes da América Latina; enfatiza a sua esperança no governo do presidente Lula, com a ministra Luciana Santos no comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; e fala também sobre preconceitos e machismo, sobretudo porque estamos no mês Internacional das mulheres. Eis a entrevista:
BLOG: Qual a importância do acordo que acaba de ser assinado entre o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e a Indústria Nucleares do Brasil (INB)?
ISOLDA COSTA: O Brasil desenvolveu vários projetos na área nuclear e continua avançando no domínio de várias tecnologias que fazem o seu uso pacífico. O Brasil já dominou a tecnologia de enriquecimento isotópico de urânio, o que se tornou um patrimônio do país, o que, juntamente ao fato de deter umas das 10 maiores reservas de urânio do mundo, o coloca em um seleto grupo de países que possuem estas características. O INB e o IPEN possuem longa história de cooperação em diversos projetos de desenvolvimento das tecnologias nucleares. Estas duas instituições detêm conhecimentos tecnológicos que são complementares para a produção de urânio metálico enriquecido, o que é fundamental para a produção de combustíveis nucleares para reatores de pesquisa. O acordo de parceria entre IPEN e INB viabilizará desenvolvimentos científicos e tecnológicos na área Nuclear do país. Permitirá assegurar a produção de materiais nucleares especiais, melhorar os processos de fabricação de combustíveis, além de capacitar profissionais quanto à integridade dos elementos combustíveis, e o aprimoramento no controle de rejeitos radioativos no setor de fabricação de elementos combustíveis nucleares. Além disso, apoiará o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB).
BLOG: E os resultados?
ISOLDA: O desenvolvimento destes projetos resultará em domínio de novas tecnologias extremamente importantes para o desenvolvimento e autonomia do setor nuclear do país, principalmente na fabricação de componentes altamente qualificados para a indústria nuclear. Inicialmente, as áreas de cooperação mútua que serão destacadas são: (1) aprimoramento e ampliação do processo de produção do urânio metálico, (2) desenvolvimento de tecnologias para melhoria do processo de fabricação de pó e pastilhas de dióxido de urânio, (3) pesquisa aplicada e capacitação profissional na área de corrosão em revestimentos e nas áreas de solda de varetas combustíveis e/ou estruturas de elementos combustíveis, e (4) aplicação de tecnologia e inovação na análise e controle de rejeitos radioativos no âmbito da fabricação do elemento combustível nuclear. Os recursos envolvidos neste acordo serão provenientes de ambas as instituições envolvidas, IPEN, pelo uso da sua infraestrutura e de recursos humanos altamente qualificados, e a INB, com recursos financeiros de seus orçamentos destinados à inovação e desenvolvimento tecnológico.
BLOG: Em 2022, a senhora passou a atuar como diretora substituta do IPEN, função que ocupa até hoje. Como analisa o afastamento do seu antecessor, Dr. Wilson Calvo, naquele momento? Foi injustiçado?
ISOLDA: A exoneração do meu antecessor do cargo de Diretor do IPEN, Dr. Wilson Calvo, não ocorreu segundo o rito do processo de afastamento de um Diretor/Superintendente descrito no Convênio estabelecido entre o IPEN e a USP e com validade até 2037. Segundo o rito, o Diretor/Superintendente só pode ser afastado após análise pelo Conselho Superior do IPEN composto por dois representantes da CNEN, dois representantes da USP, um representante da FIESP, e u da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo (hoje estamos subordinados à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, cujo secretário é o Dr. Vahan Agopyan). Apenas após a análise (período em que o Diretor/Superintendente ficaria afastado temporariamente) e aprovação pelo Conselho, o afastamento definitivo poderia acontecer. Isso não ocorreu, bem como não foi explicitada a motivação da exoneração do Dr. Calvo, apesar de consultas terem sido feitas. O processo ficou em sigilo. O Dr. Calvo continuou no cargo de Superintendente, desde então, pois a exoneração deste cargo se dá apenas pelo Estado de São Paulo, o que não ocorreu. Pela primeira vez na história do IPEN temos duas pessoas ocupando os cargos de Superintendente e a Diretoria. Antes sempre a mesma pessoa ocupava os dois cargos. Esperamos que neste novo governo, o equilíbrio entre as instituições partícipes do Convênio seja restabelecido e este seja respeitado.
BLOG: Como tem dirigido o IPEN desde aquele momento? São muitos os desafios? Quais os mais difíceis?
ISOLDA: Temos dirigido o IPEN desde aquele momento com a colaboração e apoio do Superintendente. No momento de sua exoneração ele estava iniciando o sexto ano de sua gestão, pois havia sido reconduzido ao cargo após quatro anos na Direção do IPEN, após ter passado pelo rito de escolha pelo Conselho Superior. Este rito é regulado pelo convênio vigente que estabelece para o processo de escolha a formação de uma lista tríplice a qual é avalizada pelo presidente da CNEN, pelo reitor da USP, e, finalmente, a escolha é feita pelo governador do Estado de São Paulo. Este geralmente opta pelo primeiro colocado na lista tríplice. A formação da lista tríplice se dá pela apresentação da proposta do plano de gestão para o período de quatro anos ao Conselho Superior que em seguida sabatina o candidato e finalmente os classifica em uma lista tríplice. Eu passei por todo este processo tendo sido a segunda colocada na lista, enquanto o Dr. Calvo ficou como primeiro colocado. Uma vez que na ocasião da exoneração eu era a substituta do Diretor, quando esta ocorreu assumi o cargo de Diretora Substituta, no qual me encontro até hoje.
BLOG: Tem apoio? Recursos?
ISOLDA: Sim. Além do apoio do Superintendente, tive e tenho tido grande apoio do Conselho Técnico Administrativo (CTA) do IPEN, dos servidores em geral, os quais, apesar de não concordarem com a exoneração do diretor, ofereceram o suporte necessário para que a instituição continuasse operando normalmente e sem grandes sobressaltos. Os desafios na gestão do IPEN são muitos em tempos de escassos recursos para a Ciência e Tecnologia no país. Estes têm sido enfrentados com a dedicação dos servidores que “vestem a camisa” da instituição, mas cada vez mais em menor número. O IPEN conta com um número insuficiente de servidores para o tamanho das responsabilidades e funções que deve e poderia realizar. Sem dúvida, o principal e mais difícil desafio do IPEN são os recursos humanos escassos na instituição e que diminuem rapidamente devido ao grande número de aposentadorias nos últimos anos sem reposição. Este é um desafio que esperamos ver sendo enfrentado pelo novo Governo.
BLOG - Como o IPEN está atuando desde a aprovação da PEC que abriu caminho para a produção de radiofármacos pela iniciativa privada? E como analisa a questão tão combatida por autoridades, como o atual ministro Alexandre Padilha?
ISOLDA- O IPEN vem atuando de forma regular e rotineira desde a aprovação da PEC mas muito preocupado com o futuro da instituição a partir da instalação de radiofarmácias no país com Boas Práticas de Fabricação. Vale ressaltar que a continuidade da produção da Radiofarmácia do IPEN, apesar de todas as dificuldades existentes e crescentes, é um verdadeiro milagre que só se dá pelo amor e dedicação dos seus funcionários que assumem as suas funções como uma verdadeira missão. A quebra do monopólio não seria um problema para o IPEN e, digo que também para o país, se as condições necessárias para a modernização da Radiofarmácia do IPEN estivessem dadas e a modernização concluída. O IPEN não teme a concorrência, mas sim a falta de condições para concorrer na área de produção de radiofármacos. Tendo os recursos financeiros e humanos que possibilitem a modernização rápida e imediata da Radiofarmácia, estaríamos prontos para concorrer em condições de igualdade.
BLOG: É complicada a questão dos recursos...
ISOLDA: Precisamos de investimentos na forma de recursos financeiros e humanos para que a quebra do monopólio, que ocorreu de forma muito rápida e sem discussão com a sociedade, em suas diversas representações, não resulte em impacto aos pacientes, principalmente os do SUS. O atual ministro, e então deputado, Alexandre Padilha batalhou bravamente na Comissão, juntamente com a deputada Jandira Feghali e o deputado Jorge Solla, todos médicos e conhecedores das implicações da quebra do monopólio para a população carente e o SUS. O deputado Ivan Valente foi também um combativo defensor da manutenção pelo Estado do monopólio da produção dos radiofármacos de meia vida longa. Diferentemente do que se propaga que a entrada da iniciativa privada na produção de radiofármacos deve causar redução nos preços dos radiofármacos, o custo do principal radiofármaco produzido pelo IPEN a partir da importação de insumos, ou seja, o gerador de tecnécio, é um terço do oferecido pela iniciativa privada. Este produto é fornecido aos hospitais públicos e privados. São cerca de 450 clínicas e hospitais atendidos no país e cerca de dois milhões de procedimentos (diagnóstico e terapia) por ano. A quebra do monopólio deve resultar em custos muito elevados dos tratamentos de radioterapia os quais inviabilizariam o atendimento de parte da população carente. O ministro Alexandre Padilha conhece bem esta situação havendo já sido ministro da Saúde no governo Dilma Roussef e secretário municipal da Saúde de Fernando Haddad. Vale lembrar implicações de quebra do monopólio estatal como a ocorrida na produção de insulinas no país que resultou no desabastecimento do mercado pelo setor privado.
BLOG : O IPEN continua produzindo, importando os insumos? Qual o investimento nesta área? Qual a sua opinião sobre a demora na construção do RMB?
ISOLDA: O IPEN continua produzindo e importando os insumos para produção de radiofármacos e assim deve continuar enquanto não for solicitada a interrupção da produção pela ANVISA. Isto pode ocorrer caso uma empresa privada, instalada e com a BPF para a produção dos radiofármacos solicite à ANVISA esta interrupção. Os investimentos para a modernização da Radiofarmácia no IPEN ao longo dos últimos anos foram insuficientes para que este processo ocorresse a tempo de estarmos com a BPF já por ocasião da quebra do monopólio na produção de radiofármacos de meia vida longa. Há necessidade de se aumentar os investimentos nesta direção e de acelerar este processo de modernização para que possamos estar aptos a continuar produzindo e atendendo a população brasileira. A demora na construção do RMB se deu por falta de priorização deste projeto nos últimos seis anos. Já devíamos estar com o reator construído e em operação se tivéssemos seguido os planos iniciais. Temos o terreno, em parte (40%) doado pelo Estado de São Paulo na gestão do então governador Geraldo Alckmin, e parte (60%) doado pela Marinha do Brasil. Temos todos os projetos prontos, autorizações ambientais e da Comissão Nacional de Energia Nuclear para o início das obras do RMB. Caso o investimento necessário seja feito, o RMB poderá ser concluído em quatro anos. Temos observado pelas manifestações da nova ministra do MCTI, Luciana Santos, em seus pronunciamentos e manifestações nas mídias, que o RMB é uma prioridade e um dos projetos estratégicos de sua gestão, o que tem encontrado eco nas declarações do novo Presidente do CNPq, Prof. Ricardo Galvão. Portanto, temos muita esperança que ele saia do papel nestes próximos anos e seja uma realização do novo governo.
BLOG - Como sobrevive o IPEN?
ISOLDA: O IPEN sobrevive hoje com recursos orçamentários do Governo Federal que são destinados à CNEN e suas Unidades Técnico Científicas (UTCs). O valor do orçamento provisionado para o IPEN-CNEN variou nos últimos anos entre R$ 174 milhões (2020) e R$ 203 milhões (2022). Em 2022 contamos muito com a ajuda do Ministro da Ciência e Tecnologia à época, Paulo Alvim, para o aumento ocorrido nos recursos. É importante ressaltar que o IPEN gera recursos (receita arrecadada) da ordem de R$ 100 milhões com a venda dos radiofármacos, recursos estes que são devolvidos à União e desde 2017 não houve aumento nos preços dos radiofármacos fornecidos pelo IPEN. O IPEN sobrevive também com recursos de grandes projetos institucionais de agências de fomento, principalmente nos últimos seis anos.
BLOG: Exemplo?
ISOLDA: Como exemplo, temos um projeto com recursos de cerca de R$ 17 milhões em Nanotecnologia apoiado pela FAPESP cujo principal beneficiário é a Radiofarmácia, e um outro projeto financiado pela FINEP com recursos de R$ 16 milhões para equipamentos multiusuários. É fundamental que um novo modelo de gestão seja pensado e implementado para o IPEN pelo novo governo para que a instituição possa ter vida longa e continuar dando sua contribuição tão essencial para o bem estar da sociedade brasileira. Vale ressaltar que aproximadamente 85% de todos os radiofármacos utilizados para exames e tratamentos no Brasil são produzidos no IPEN.
BLOG: – Quais os principais projetos futuros? O que acha que o novo governo, do presidente Lula, através da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, pode promover de melhor para a pesquisa, a ciência, no IPEN?
ISOLDA: Muitos dos principais projetos em andamento hoje, e a serem iniciados em futuro próximo no IPEN, são na área da Saúde. Estamos trabalhando para a melhoria da infraestrutura laboratorial para pesquisas nesta área. Em breve iniciaremos um projeto coordenado pelo IPEN já aprovado pela FAPESP e em parceria com a iniciativa privada (CMR do Brasil) que foi submetido ao Edital do Programa Ciência para o Desenvolvimento. Este projeto é intitulado “Programa multicêntrico utilizando radioligantes de PSMA para o diagnóstico e terapia de pacientes com câncer de próstata” e conta com a participação do Hospital de Câncer de Barretos, da Faculdade de Medicina da USP, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), do Hospital das Clínicas da Unicamp e da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP.
BLOG: E com o setor privado?
ISOLDA: Sim. Além desse, temos vários projetos de inovação em desenvolvimento em parceria com o setor privado que têm como temas principais de pesquisa: Meio Ambiente, Nuclear, Energia e Indústria. Temos vários projetos em andamento que têm como objetivo o desenvolvimento de tecnologia de células a combustível e hidrogênio verde. Estes são sistemas energéticos eficientes e de baixo impacto ambiental. Um dos projetos com início programado para 2024 será apoiado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e tem como tema principal o Meio Ambiente e visa a despoluição dos Oceanos por microplásticos por meio do uso de tecnologias nucleares. O IPEN tem também uma longa história de pesquisa em Materiais e na área de Lasers e suas Aplicações. Temos muitas expectativas positivas com relação ao novo governo.
BLOG: Acredita em novos investimentos?
ISOLDA: Acreditamos que haverá aumento nos investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação na gestão da ministra Luciana Santos com a recomposição dos recursos do FNDCT e o reajuste das bolsas de graduação e pós graduação. Retomaremos o caminho do qual nunca deveríamos ter nos afastado. Estamos muito esperançosos que as pesquisas na área Nuclear serão uma prioridade neste governo. É fundamental que haja recomposição dos recursos humanos perdidos ao longo dos últimos anos. Grande parte dos servidores que adquiriram suas expertises ao longo de anos de trabalho estão prontos para fazerem a transmissão destes conhecimentos, mas à espera da chegada dos novos para que o processo ocorra.
BLOG: Boas expectativas agora?
ISOLDA: Essa é a esperança que nos une como servidores do IPEN e sonho que esperamos ver concretizado neste governo. Acreditamos que a ministra Luciana Santos tem a mesma expectativa que temos e valorizará o nosso potencial de recursos humanos altamente qualificados para que fiquem no país e tenhamos o reconhecimento internacional em várias áreas do conhecimento.
BLOG: A quantas anda a pesquisa do IPEN para o enriquecimento de urânio?
ISOLDA: O IPEN continua colaborando em pesquisas em parceria com a Marinha do Brasil no desenvolvimento de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio. Além disso, o IPEN também realiza pesquisas no desenvolvimento de novas ligas e elementos combustíveis para reatores de pesquisa.
BLOG: O IPEN ainda armazena material radioativo? Qual a quantidade, procedência?
ISOLDA: O IPEN recebe e armazena rejeitos radioativos que são materiais que não têm previsão de uso. São obrigações da Instituição: receber, tratar, acondicionar e armazenar. O material descartado como rejeito no Estado de São Paulo em resultado de aplicações médicas, industriais, pesquisa, etc. deve ser recebido pelo IPEN. O IPEN recebe também rejeitos de outros estados (Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul), principalmente dos mais vizinhos, por questão de logística. A situação atual dos depósitos intermediários de rejeitos no IPEN em volume armazenado é de 545 metros cúbicos.
BLOG: O IPEN tem quantos funcionários? É suficiente?
ISOLDA: O IPEN tem hoje 540 funcionários. Não é suficiente. No início dos anos 90 o IPEN contava com cerca de 1400 servidores. Entre 1990 e 2020 perdemos 784 servidores, ou seja, mais da metade de seu quadro, sem reposição. Em 2022 tivemos mais 40 aposentadorias, além dos óbitos que foram seis. Temos hoje 60% dos servidores na ativa em condições de aposentadoria imediata, o que, caso ocorra, inviabiliza o funcionamento da instituição. É urgente que este desafio seja enfrentado pelo novo Governo.
BLOG: Estudantes de engenharia nuclear da UFRJ, por exemplo, estão deixando o Brasil para estudar nos EUA, porque a oferta é irrecusável. Estamos perdendo mão de obra para o exterior. O que acha disso?
ISOLDA: Os concursos praticamente não existem. Qual a sua avaliação? A saída de recursos humanos para o exterior é uma lástima. O custo para a formação de um profissional bem qualificado no país é muito alto e estamos perdendo estas pessoas para o exterior por não serem valorizadas aqui. As bolsas para os estudantes de pós-graduação e iniciação científica estão sem reajuste há muitos anos. Os recursos para as pesquisas são muito escassos, a infraestrutura laboratorial em várias universidades e institutos de pesquisa necessita maiores investimentos para ser equiparada aos centros de referência mundial, e tudo isto faz com que os novos pesquisadores se sintam desestimulados a desenvolverem suas carreiras no país. E assim perdemos profissionais de alta qualidade para países que não investiram nenhum recurso na formação deles. É uma perda muito grande. Temos que trazer de volta para esta nova geração o sonho e a confiança de que é possível a realização de pesquisas de alto nível no Brasil. É importante que os pesquisadores do país se sintam valorizados para que desejem permanecer no país. Estimulados e valorizados, acreditamos que nossos recursos humanos bem formados queiram ficar e dar sua contribuição para o desenvolvimento do país. Esta valorização passa pela recuperação do valor das bolsas de pesquisa, já anunciada, pelo aumento nos recursos para atualização de infraestrutura laboratorial, e aumento no valor dos recursos destinados à pesquisa, em geral.
BLOG: A senhora possui 229 publicações em periódicos com política de avaliação por pares. Orientou 24 mestrados e 22 doutorados. Os principais temas de pesquisa são Corrosão, Biomateriais, Tratamentos de Superfície. Com este potente curriculum, se sente valorizada?
ISOLDA: Nos últimos anos tenho assumido cargos de direção na instituição e acredito que estes vieram em função do meu curriculum. O meu antecessor, Dr. Marcelo Linardi, que é o pesquisador responsável por me trazer para atuar na Administração, valoriza o desempenho do pesquisador nas suas diversas áreas, como ensino, desempenho acadêmico (publicações e participações em eventos) e coordenação de projetos de grandes Agências de Fomento (aprovação, gestão e resultados), o que se reflete no curriculum.
BLOG: Quais as suas sugestões para o Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta área?
ISOLDA: Minhas sugestões são para que o investimento na contratação de pessoal na área Nuclear ocorra com a maior brevidade possível de forma que a transferência do conhecimento possa ocorrer antes da aposentadoria dos nossos reduzidos recursos humanos que representam a expertise atingida ao longo de décadas. Que o governo estabeleça como prioridade projetos de desenvolvimento científico que resultem em autonomia nacional em tecnologia e que nos permita atravessar períodos de crise, como ocorreu com a pandemia da Covid 19, sem grandes sobressaltos.
BLOG: Conte um pouco a sua história: origem, por que o interesse na área química e nuclear; por ser mulher, ingressando no IPEN em 1982, sofreu algum tipo de preconceito ou machismo entre tantos (a maioria) profissionais do gênero masculino?
ISOLDA: Sou natural de Campina Grande, Paraíba, de onde saí aos dois anos de idade indo morar em Recife até os oito anos. Morei em seguida em Belém, depois Manaus e aos 13 anos mudei para São Paulo, onde concluí o Curso Fundamental, cursei o Ensino Médio e a Universidade (Engenharia Química) na Unicamp. Logo após concluída a graduação ao final de 1981, iniciei o mestrado no IPEN em 1982, tendo escolhido o tema Corrosão de ligas de zircônio, e, em 1984 fui contratada para trabalhar na Metalurgia, hoje Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais (CECTM). Em 2018 fui convidada a gerenciar a Internacionalização do IPEN e em 2019 passei a ser a Coordenadora de Pesquisas, Desenvolvimento e Ensino (COPDE) do IPEN, cargo que mantive juntamente com o Diretora Substituta do IPEN, a partir de 2022. Venho de uma família que tem a educação como um valor e que sempre estimulou a leitura, desde cedo. As escolhas pelas áreas química e depois nuclear foram oportunidades que surgiram no momento e que foram aproveitadas, mas não foram planejadas nem sonhadas.
BLOG: Estamos no mês de muitas homenagens às mulheres. Daí, reiteramos, e o machismo?
ISOLDA: Sendo mulher e ingressando no IPEN em 1982, naturalmente experimentei situações de preconceito e machismo, por vezes, expressos de forma sutil, e outras de forma mais explícita. Porém, estes comportamentos são desestimulados na instituição. Espero que as mulheres se sintam encorajadas a não normalizarem estes comportamentos, principalmente pelo fato de haver uma mulher na Direção. Sou casada com um pesquisador do IPEN que conheci durante o período de desenvolvimento do mestrado, em 1982. Temos dois filhos, uma advogada e um engenheiro elétrico, ambos formados na Universidade de São Paulo que atualmente trabalham e cursam mestrado na USP.
BLOG: Panos para o futuro?
ISOLDA: Meus planos para o futuro mais imediato são o de criar uma Central de Análises no IPEN com os equipamentos de caracterização mais atuais com a finalidade de apoiar os trabalhos de pesquisas de nossos pesquisadores e da comunidade. Pensando em um futuro menos imediato, meus planos são o de deixar sucessores bem formados para assumirem a responsabilidade de coordenar os laboratórios e trabalhos de pesquisas que são estruturantes para a instituição. De forma geral, contribuir para que o IPEN continue sendo uma referência, nacional e internacional, na área Nuclear e que possa atravessar sem sobressaltos os tempos difíceis.
BLOG: Como se define?
ISOLDA: Sou uma pessoa determinada e muito pragmática.
FOTO: ACERVO PESSOAL -
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Pelo teor da entrevista, o IPEN está em boas mãos. Que o governo ponha em prática políticas públicas que contribuam para a retenção de cérebros no País. É indispensável garantir a transmissão do saber entre diferentes gerações em área tão vital para o Brasil.
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