segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Medicina Nuclear: reator para salvar vidas, verbas ficam nas promessas

 


Mais um ano começando e o governo mantém na estaca zero o programa de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que tornaria o Brasil autossuficiente na produção de radioisótopos (insumos para a produção de radiofármacos, medicamentos com radiação para combater e diagnosticar o câncer). 

Sem verbas, o reator para salvar vidas tem servido apenas como promessas de governo feitas, por exemplo, pelo Ministério de Minas e Energia, que divulga a importância do projeto, inclusive em eventos no exterior. Para se ter ideia, cerca de dois milhões de procedimentos são feitos por ano em clínicas particulares e conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), em pacientes com câncer, que necessitam dos medicamentos. 

Por não ter o RMB, o Brasil precisa importar os insumos fabricados no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).  A CNEN mantém o projeto na vitrine de seu site. 

Enquanto isso, cresce o lobby para a privatização da produção, que cairia nas mãos da iniciativa privada nacional e internacional, elevando os preços do tratamento. Em dezembro avançou a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC- 517), na Câmara dos Deputados, que propõe a flexibilização do monopólio da União na fabricação de radiofármacos. A PEC é do senador Álvaro Dias (Podemos-PR). 

Os radioisótopos são importados de países como a África do Sul, Holanda e Rússia, pelo IPEN/SP). Com o RMB, além de não precisar importa, o Brasil também poderia exportar os insumos. Em agosto, por falta de verbas para a importação dos radioisótopos, o tratamento de milhares de pacientes foi interrompido gerando uma grave crise sem precedentes. Com a liberação dos recursos, o abastecimento se normalizou. Mas veio à tona o lobby para a quebra do monopólio da produção dos medicamentos. 

“O que justifica viabilizar esse empreendimento da ordem de U$ 500 milhões? Ser o principal empreendimento de base científica e tecnológica da área nuclear do país e permitir dobrar imediatamente o número de procedimentos anuais realizados em medicina nuclear; garantir a estabilidade no fornecimento de radioisótopos; contribuir para ampliação do número de clínicas e hospitais que oferecem serviços de medicina nuclear; e promover economia de mais de U$15 milhões/ano com custos de importação de insumos”. São alguns dos pontos que o coordenador do projeto, José Augusto Perrota, tem destacado. 

Ele aponta que a situação atual do setor é de muita preocupação: “O IPEN/CNEN-SP já teve mais de 1600 funcionários e hoje são menos que 600 por falta de reposição das vagas. Os laboratórios estão encerrando atividades e a manutenção e transferência do conhecimento estão comprometidas. O desenvolvimento do RMB sente por demais essa perda das equipes técnicas. Por sua vez, o interesse do setor privado é comercial. Não vai se interessar na pesquisa ampla”. 

CRÍTICAS - 

São relevantes as críticas à privatização da produção dos radioisótopos.  Em artigo para o blog, publicado em 16/12/21, o deputado federal Alexandre Padilha (PT/SP), escreveu: “A tramitação da PEC segue no Congresso e qualquer marco legal em relação aos radioisótopos deveria ter como ponto central o direito à saúde e à vida, estabelecidos com a nossa Constituição, que determina que o direito à saúde da população não deve ser algo movido aos interesses do mercado. Pode haver parceria privada no desenvolvimento e tecnologia, mas desde que liderada pelo interesse público, pelo SUS. Vamos permanecer na luta para que o direito seja garantido”.  

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, também alertou que a quebra do monopólio causará danos gravíssimos. “Entendemos que poderá trazer irremediáveis prejuízos à saúde da população brasileira, além de afetar o desenvolvimento cientifico e tecnológico nesta área tão estratégica da medicina nuclear, a comunidade cientifica gostaria de ser ouvida para que possa apresentar seus argumentos contrários a aprovação desta PEC”. O que não ocorreu até agora. 

FOTO: Maquete do RMB - 

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4 comentários:

  1. Em 1995, a Comissão Nacional de Energia Nuclear deu inicio ao projeto de construção do Centro Regional de Ciências Nucleares em Recife. O projeto tinha o apoio do Vice Presidente da Republica, Dr. Marco Maciel e vários deputados e senadores por Pernambuco. A finalidade do Centro era a construção de um Reator Multipropósito Brasileiro para produção de radioisótopos, um acelerador de partículas Ciclotron e um irradiador de Co-60 para irradiação de alimentos e artefatos. Como no caso citado no artigo, o Reator e o Irradiador também ficaram na promessa. Acredito que a jornalista Tânia Malheiro conhece este projeto.

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  2. Nada de surpreendente. A imprensa NUNCA deixou de censurar qualquer coisa da área nuclear. Esse RMB foi idealizado há 25 anos (sim, 25!) como parte do Centro Regional de Ciências Nucleares, então sendo implantado em Pernambuco. A proposta era usar a tecnologia argentina da INVAP, que tinga construído reator similar no Egito e se preparava para ganhar a concorrência do reator de pesquisas australiano. A Direção da CNEN foi contra, dizendo estar pensando nos modelos americano ou sul-coreano. Ao final, repetiu-se o desfecho do início dos anos 1960: reator NENHUM no Nordeste. E, pelo visto, nenhum em canto nenhum. Mais um ponto para a imprensa, que sempre foi contra.

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  3. Agradecemos a sua participação. O espaço aqui é democrático, desde que as pessoas se identifiquem e façam comentário respeitosos. Participe sempre.

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  4. Tania sempre prestando relevante serviço com suas informações precisas, bem apuradas e transmitidas com objetividade.

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