quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Dois ministros, promessas antigas e um projeto de reator para salvar vidas parado

 


Poucos projetos nacionais são tão mencionados em discursos dentro e fora do Brasil, como o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que tornaria o país autossuficiente na produção de radioisótopos utilizados na Medicina Nuclear para o diagnóstico e tratamento contra o câncer. Pode ter passado despercebido, mas na semana passada, na Conferência Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, na Áustria, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez questão de mencionar o RMB como prioridade de sua gestão. 

Em audiência na Câmara dos Deputados, anteontem (27/9), para explicar sobre a falta recursos destinados à produção de radioisótopo no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN-CNEN), o ministro da Ciência Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, voltou a lembrar que o Brasil depende do RMB para alcançar a sua independência no produção dos radioisótopos. 

Quem está sentindo o problema na pele é a população doente que na semana passada esteve na iminência de parar o tratamento por falta de radiofármacos (medicamentos) produzidos a partir dos radioisótopos, lembrou um médico da área da medicina nuclear. Os radioisótopos possibilitam que os médicos vejam o funcionamento de órgãos e tecidos vivos por meio de imagens como as tomografias, radiografias e cintilografias. O problema da falta de verba foi resolvido momentaneamente com a liberação de R$ 19 milhões para o IPEN. 

Em 10 dias, se outros R$ 34 milhões não forem liberados, o risco do desabastecimento volta a ocorrer. Logo em seguida serão necessários R$ 55 milhões para atender à demanda dos pacientes até o final do ano, comentou Marcos Pontes.  O valor liberado pelo governo este ano foi de cerca de R$ 63 milhões, muito aquém do necessário. Na Câmara, os parlamentares criticaram Marcos Pontes, que não teria levado a gravidade do problema ao Congresso. 

IMPORTAÇÃO - 

O IPEN produz uma parte dos radioisótopos, mas gasta cerca de R$ 60 milhões (de acordo com a alta do dólar) importando o produto da África do Sul, Rússia, Holanda e Argentina. O Brasil importa 4% da produção mundial do radioisótopo molibdênio-99. O decaimento radioativo do molibdênio-99 produz o radioisótopo tecnécio-99m utilizado nos radiofármacos mais empregado na medicina nuclear. Até o ano passado o IPEN gastava US$ 15 milhões por ano com essa importação, que gerava um faturamento de R$ 120 milhões, ano, recursos que seguiram direto para o caixa do governo. 

Para se ter ideia da importância do RMB, basta verificar a demanda dos radioisotipos para a população. Cerca de dois milhões de procedimentos médicos são realizados, por ano, utilizando radioisótopos, em 440 clínicas cadastradas para realizar o trabalho semanalmente. Cerca de 440 mil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante pela rede privada. 

TIRADO DA CARTOLA - 

Por incrível que pareça, apesar de ser frequentemente lembrado e tirado da cartola quando interessa, o projeto do RMB, continua parado há anos. A construção do RMB foi orçada em US$ 500 milhões, quando idealizada em 2009. Até o ano passado, foram aplicados apenas R$ 230 milhões. Para a sua entrada em funcionamento teriam que ser aplicados, em média, cerca de US$ 100 milhões por cinco anos. 

Em cerimônia disputada em 2018 o projeto do RMB teve até lançamento de pedra fundamental, com a presença do presidente Michel Temer. Agora, enquanto o Brasil permanece na dependência de importação de radioisótopos, pacientes com câncer sofrem com a incerteza sobre a manutenção do tratamento. Mas o RMB permanece em alta nos discursos. O projeto (veja a maquete) está numa área de dois milhões de metros quadrados em Iperó, a 130 quilômetros de São Paulo. Parado. FOTO: Maquete - CNEN. 

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