terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Heitor Scalambrini alerta sobre os perigos à vida e ao ecossistema, por conta da retomada da produção de urânio em mina na Bahia

 


A retomada da produção de urânio na mina do Engenho, em Caetité (BA), a construção de pelo menos quatro usinas nucleares no Nordeste; entre outros temas polêmicos, são comentados pelo físico Heitor Scalambrini Costa, doutor em Energética, pela Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França. Um dos mais respeitados protagonistas do movimento antinuclear no Brasil, Scalambrini alerta que a decisão “viola os reais interesses das populações que vivem no entorno da mina, colocado em risco a vida das pessoas e de todo o ecossistema”. A contaminação por radiação provoca câncer, entre outras graves doenças, lembrou. Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), com mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Scalambrini afirma que as decisões tomadas pelo setor no país “sofrem um  déficit de participação popular e de democracia”. E completa: “Assim, a soberba prevalece e os interesses econômicos estão representados fortemente, ofuscando os legítimos interesses da sociedade”. Eis a entrevista:  

BLOG - O governo está retomando a exploração da mina de urânio do Engenho, em Caetité, na Bahia. Sua opinião?  

SCALAMBRINI: O histórico da mineração e o trato de material radioativo no país não são nada abonadores. Ao contrário. A memória das populações locais e os registros dos meios de comunicação não permitem o esquecimento diante das sequelas provocadas pela radiação, dos problemas ambientais causados pela mineração, e da inadequada fiscalização e controle de materiais radioativos. A única mineração de urânio em atividade está situada no município de Caetité (BA), na Unidade de Concentração de Urânio, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estava paralisada desde 2015. E os trabalhos da INB em Caetité são marcados por críticas, denúncias, mobilizações da população, e processos judiciais contra a empresa. Bem próximo do local da mineração existem moradores de pequenas comunidades rurais. Segundo a Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador do governo da Bahia, existe uma incidência muito alta de câncer em Caetité, sendo alguns tipos possivelmente ligados à mineração de urânio - como câncer de tireoide e de pulmão, mais prováveis graças à emissão de gases tóxicos da mina. 

BLOG – Agora a INB têm licença. 

SCALAMBRINI: A licença concedida recentemente pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é para o início das operações na mina do Engenho, que é parte da usina de beneficiamento nuclear da INB em Caetité. Ato que viola os reais interesses das populações que vivem no entorno da mina, colocando em risco a vida das pessoas e de todo ecossistema. Em função desta herança maldita na área nuclear, e dos reais perigos e riscos que podem causar, a única maneira de evita-los e assim preservar vidas, é de abandonar de vez a mineração do urânio, criando áreas livres da mineração. 

BLOG - Qual a sua opinião sobre o Consórcio Santa Quitéria, parceria da INB com a Galvani, para a exploração de urânio e fosfato, em Itataia, no Ceará? 

SCALAMBRINI: A mineração de urânio, hoje, é um monopólio estatal, segundo a Constituição Federal de 1988. No artigo 177, inciso V, fica estabelecido que constitui monopólio da União “a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados (…)”. Ainda, no artigo 21 da Constituição, em seu inciso XXIII, afirma expressamente ser competência da União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados (…)”. Portanto, a constituição do Consórcio Santa Quitéria, entre a empresa privada Galvani Indústria Comércio e Serviços S.A (controlada pela mineradora norueguesa Yara) e a INB, com a finalidade de implantação de um complexo minero-industrial no Ceará, explorando urânio e fosfato, nada mais é que uma tentativa de burlar a Constituição, de quebrar o monopólio estatal.

BLOG – São muitos os riscos? E a questão da água?  

SCALAMBRINI: O urânio tem características bastante especiais, em particular pela sua radioatividade, e suas graves consequências para à saúde e à vida. As nossas preocupações devem ser redobradas, na intenção de privatização da mineração do urânio, principalmente pelos últimos episódios catastróficos protagonizados pela iniciativa privada em Mariana e Brumadinho. Os números não desmentem. Um exemplo que mostra claramente a insustentabilidade socioambiental deste empreendimento é a injustiça hídrica provocada pelo Projeto Santa Quitéria. A previsão é de utilização de 1 milhão e 100 mil litros de água por hora (125 carros-pipa/hora) no complexo minero-industrial. Para isso, o governo do Ceará se dispõem construir uma adutora para transportar a água do Açude Edson Queiroz até a jazida, o que levaria a um aumento da demanda desse açude em 400%, caso o empreendimento entre em operação, levará a uma disputa desproporcional pela água entre a mineração e as comunidades e os assentados do entorno da mina que consomem, segundo dados de 2012, o equivalente a 14 carros-pipa/mês. 

BLOG:  O Governo também paneja construir outras usinas nucleares no Nordeste. O que acha? 

SCALAMBRINI: O Plano Decenal de Energia–PDE 2029, trouxe pela primeira vez a indicação de que novas usinas nucleares poderiam serem construídas no país, além de Angra 3. O que verificamos nas declarações de membros do atual governo, e que é inadmissível, é a entrega do setor nuclear ao capital internacional, não somente a mineração, mas também a geração de energia. Sob o ponto de vista econômico, os custos da energia gerada são os mais caros e certamente incidirá no aumento da conta de energia para o consumidor final em todo país. A chamada modicidade tarifária, desejada pela política energética, definitivamente será enterrada. A insanidade do atual governo de propor a construção de novas centrais nucleares é tanta que não é levado em conta o fato da energia nuclear ser perigosa, cara e suja. 

BLOG - O governo pretende concluir as obras da usina nuclear Angra 3, paralisadas desde 2015, que se arrastam há 30 anos. Para concluir, precisa de R$ 15 bilhões e se não concluir, perderia R$ 12 bilhões. Qual a sua opinião? 

SCALAMBRINI:  Com um histórico de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas na execução do projeto, tais crimes, segundo as investigações, acabaram condenando o contra-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, a 43 anos de prisão, teriam que injetar mais R$ 15 bilhões para concluir a usina. Diante das inúmeras opções de fontes energéticas renováveis abundantes no país, é desnecessário investir em uma fonte geradora com tantas controvérsias, polêmicas, representando real risco e perigo a vida das pessoas e da preservação ambiental. Um escapamento, fuga de material radioativo, quando acontece, do interior de um reator é um desastre, uma tragédia sem comparação. Então porque correr o risco? Concluir Angra 3 e expandir a geração nuclear, com a construção de novas usinas, é seguir um caminho contrário ao que o mundo atual almeja. Diante de tantas prioridades necessárias e urgentes, investir em usinas nucleares represente mau uso do dinheiro público. 

BLOG - A usina Angra 1 já deveria estar sendo desmontada... mas a Eletronuclear contratou a Westinghouse para projeto de prorrogação da vida útil da usina por mais 20 anos. Qual a sua avaliação? 

SCALAMBRINI:  Em novembro de 2019 a Eletronuclear, empresa estatal que controla as usinas em Angra dos Reis (RJ), solicitou formalmente à CNEN a extensão de vida útil de Angra 1, de 40 para 60 anos.  Seus 40 anos de atividade, portanto, se completam no ano de 2024. Com a obra contratada junto a Westinghouse, a vida útil de Angra 1 será estendida até 2044. Deve-se levar em conta que os processos de envelhecimento são de difícil detecção porque geralmente ocorrem no nível microscópico da estrutura interna dos materiais. Eles frequentemente se tornam aparentes somente depois da falha de um componente, por exemplo, quando ocorre o rompimento de uma tubulação. Neste caso a prevenção torna uma tarefa mais difícil. 

É previsível o aumento do número de incidentes e eventos em uma usina que teve sua vida útil estendida – pequenos vazamentos, rachaduras, curtos-circuitos por falhas em cabos etc. O processo de envelhecimento levará ao enfraquecimento gradual de materiais que poderiam causar falhas catastróficas de certos componentes, com subsequentes liberações radioativas severas. Os programas de aumentar a vida útil de uma usina priorizam os aspectos econômicos em detrimento da segurança. Sem dúvida aumentar a vida útil de uma usina nuclear representa aumentar o risco de acidentes que não podem ser previstos. 

BLOG - O Brasil precisa de fato de energia nuclear? De que forma? 

SCALAMBRINI: Para responder a perguntar acima, eis outras perguntas necessárias de serem respondidas: “Por que vamos correr o risco de um acidente nuclear com vazamento de radiação no rio São Francisco, se não precisamos para atender nossa demanda por energia elétrica, e que hoje o nuclear somente contribui com menos de 3% de toda potência elétrica instalada no país?”; “Por que recorrer a uma fonte de energia no mínimo polêmica, com alto grau de periculosidade, se dispomos em abundância de outras fontes fornecidas pela natureza, como Sol, vento, água e matéria orgânica (biomassa)?”; “Por que recorrer a uma fonte que produz energia cara, que vai provocar mais ainda o aumento da fatura para o consumidor final?”; “Por que deixar para as gerações futuras o problema que ainda hoje é insolúvel, o que fazer com os resíduos, criados nas usinas nucleares, com elementos químicos que podem continuar emitindo altas doses de radiação por milhares de anos. Além das usinas criarem artificialmente um isótopo do elemento químico plutônio, considerado o mais nocivo, o mais tóxico de tudo que existe no mundo?”; “Se a energia nuclear é cara, perigosa e poluente, qual o motivo para instalar estas usinas em nosso país, no Nordeste brasileiro, ao lado do rio São Francisco?”; “A quem interessa um investimento projetado de US$ 30 bilhões (com câmbio atual: valor próximo a 180 bilhões de reais) para a construção do Complexo Nuclear de Itacuruba (6 usinas até 2050), diante de tantas outras necessidades mais urgentes e prioritária para a população nordestina, brasileira?”.  

nfim são algumas das questões levantadas sobre a instalação de novas usinas nucleares no país, que precisamos discutir amplamente, com participação da sociedade, e menos movida aos interesses econômicos que acabam contaminando o debate. Afinal a energia nuclear não é um assunto somente para técnicos. Quanto as outras aplicações de materiais radioativos para medicina, agricultura, engenharia são assuntos, que a princípio não tem nada a ver com a produção de energia elétrica. Devemos sim aprofundar também esta discussão. 

BLOG:  De que forma o Brasil poderia investir em energias alternativas para o desenvolvimento do país? 

SCALAMBRINI: Discutir fontes energéticas é responder a três questões básicas: Energia para quê? Energia para quem? E como produzir? Para uma matriz sustentável, diversificada e complementar, a energia solar, a eólica, a biomassa, a energia das hidroelétricas, entre outras, se apresentam como as melhores candidatas. Sem, obviamente contar com a energia nuclear, cujas desvantagens são muito maiores comparadas as fontes renováveis de energia. Todavia, o crescimento das fontes solar e eólica na matriz elétrica está acontecendo no país de forma desordenada, nem planejada, provocando sérias consequências socioambientais. As usinas solares e os parques eólicos, concentram em grandes superfícies placas solares e aerogeradores. 

As instalações no litoral ou no interior tem provocados inúmeros impactos diretamente nas populações que vivem em seu entorno, e aos ecossistemas. Problemas estudados pelas universidades, centros de pesquisa e organizações não governamentais tem relatado em trabalhos, teses, comunicações, os inúmeros transtornos provocados por estas grandes instalações, que geram grandes pacotes de energia, que são transmitidos para os centros consumidores. Mesmo hoje, com a transição energética ocorrendo no mundo, com a substituição dos combustíveis fosseis (carvão mineral, derivados do petróleo e gás natural), maiores emissores de gases de efeito estufa, pelas fontes renováveis de energia (sol, vento, biomassa, água, ...), várias críticas são necessárias com relação ao modo de produção destas fontes de energia. 

Como não existe energia 100% limpa, mesmo as fontes renováveis acabam contribuindo para o desmatamento, devastação da vegetação e a mudança nos modos de vida de populações ribeirinhas, pescadores, agricultores rurais, populações indígenas e quilombolas. Pequenas unidades de potência, minimizam impactos e são mais apropriadas para atender as necessidades energéticas de residências, pequenos comércios, prédios públicos, etc. A questão fundamental é o papel estratégico da energia no contexto de um desenvolvimento integral e sustentável, que inclua as pessoas, que não concentre renda, nem gere desigualdades sociais, e respeite a natureza. 

BLOG – Estamos, assim, na contramão mundial? 

SCALAMBRINI: Os atuais padrões de produção e consumo de energia estão apoiados nas fontes fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral), o que geram emissões de poluentes locais, gases de efeito estufa e põem em risco o suprimento a longo prazo do planeta, por serem finitas. É preciso mudar esses padrões, incentivar a economia e uso eficiente de energia, e estimular o uso das energias renováveis (solar, eólica, hidroelétricas, biomassa, ...). Nesse sentido, o Brasil apresenta uma condição bastante favorável em relação ao resto do mundo. Não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. 

Não há produção de energia sem controvérsias, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento de radiação, não deve ser utilizada para produzir eletricidade, ao menos em nosso país, onde existem tantas outras opções. Vários países do mundo, Alemanha, Suíça, Suécia, Bélgica, Itália; depois das tragédias de Chernobil e Fukushima, decidiram recuar, ou mesmo abandonar progressivamente a energia atômica para geração de energia elétrica. Outros como o Japão, têm um importante movimento de resistência, composto por setores da sociedade japonesa, que se opõem a construção de novas usinas no arquipélago. 

BLOG: OS recursos do setor estimulam o mercado...

SCALAMBINI: Os negócios do nuclear são poderosíssimos, envolvendo em torno de US$ 5 bilhões por cada usina de 1.300 MW. Além dos interesses militares que rondam, e estão associados diretamente a energia nuclear, desde seus primórdios. Principalmente diante da possibilidade de construção de artefatos nucleares. Tecnologia para a construção da bomba o país detém, assim como a matéria prima. Diante da forte investida destas corporações, de grupos econômicos, de militares que alçaram posições de poder na burocracia federal, aliados a políticos que são cooptados para a causa nuclear; verifica-se uma mudança substancial na postura do atual governo em relação ao seu apoio explícito a expansão do programa de construção de novas usinas nucleares no país, e de outras aplicações, como a construção de submarinos nucleares. 

A rejeição das usinas nucleares para produção de energia elétrica deve ser vista sob diferentes aspectos: Segurança energética, aspectos econômicos, questão ambiental, Riscos, Proliferação e militarização nuclear, sustentabilidade energética, democracia. O Brasil precisa erradicar a geração núcleo-elétrica de sua matriz energética. Não é possível que somente interesses econômicos prevaleçam em uma discussão que envolve a vida, como a conhecemos. 

BLOG - Como avalia a questão do lixo atômico, ou rejeitos radioativos, no Brasil? A questão do armazenamento do urânio irradiado também. 

SCALAMBRINI: Os rejeitos radioativos de uma usina nuclear têm diferentes níveis de atividade. Os papéis, panos de limpeza, vestuários, entre outros, utilizados na usina são classificados como rejeitos de baixa atividade. São geralmente compactados para redução de volume ou incinerados antes da disposição final. As resinas iônicas, lamas químicas, revestimentos metálicos etc., de média atividade, na maioria das vezes, são enterrados em baixa profundidade. No caso de Angra 1 e Angra 2, esses rejeitos estão guardados em área reservada, dentro da própria área da usina. Já os rejeitos de alta atividade, que resultam do tratamento químico do combustível já irradiado que é descarregado do reator após produzir energia, são altamente radioativos. Têm atividade de vida longa, geram quantidades consideráveis de calor e necessitam ser resfriados por 20 a 50 anos – período que coincide com o tempo de vida útil da própria usina – antes da disposição final. No caso de Angra 1 e Angra 2, esses rejeitos são mantidos encapsulados dentro de piscinas com 15 metros de profundidade, no interior da própria usina. 

BLOG: Como é no exterior? 

SCALAMBRINI: Países como a França, Alemanha e Suíça reprocessam esses resíduos para reduzir ao máximo a sua atividade. Outros países estão desenvolvendo tecnologias para dispor esses resíduos em depósitos subterrâneos de 200 a mil metros de profundidade, em formações geológicas milenarmente estáveis, como as de Yuka Montain, em Nevada, nos Estados Unidos. Já existem depósitos subterrâneos semelhantes na Finlândia e na Suécia. Todavia estas soluções técnicas desenvolvidas não são consideradas soluções duradoras e seguras, visto que a atividade desses resíduos pode resistir por milhões de anos. Por exemplo, a meia-vida do plutônio, produzido artificialmente, é de 25 mil anos. Trata-se de uma ordem de tempo maior que a história da humanidade. Será que vale a pena submetermos a este risco? Ao mesmo tempo é ético deixar como herança as gerações futuras este “presente”? No caso da usina de Angra 1, desde o início de operação, estima-se que já produziu 3.166 m3 de rejeitos sólidos (de baixa e média radioatividade) guardados em tambores e caixas metálicas. Por sua vez Angra 2 desde que começou a funcionar produziu 201 m3 de rejeitos sólidos (de baixa e alta radioatividade). 

BLOG: Está sendo construída a Unidade de Armazenamento a Seco (UAS). 

SCALAMBRINI: Até porque com sua capacidade de armazenamento de rejeitos saturada, a UAS servirá de depósito para os elementos combustíveis usados. É considerada um armazenamento complementar ao das piscinas existentes dentro das usinas. Os rejeitos de baixa e média atividade serão armazenados nestes locais. Esta solução está sendo adotada em alguns países, mas tem recebido muitas críticas. 

BLOG:  Diante de tantas críticas, por que ampliar o número de usinas e abrir novas minas?  

SCALAMBRINI: Existe uma estratégia clara dos defensores da energia nuclear, para produção de energia elétrica, em minimizar os acidentes que podem ocorrer nas indústrias envolvidas no chamado ciclo do combustível nuclear, em particular nas usinas núcleo-elétricas. Querem nos fazer crer que a segurança das centrais nucleares é infalível, e que acidentes com a liberação de material radioativo não acontecem, e nem acontecerão. Além de tentarem desqualificar aqueles que são contrários a utilização desta fonte de energia. 

O discurso da infalibilidade de usinas nucleares é recorrente, como se fosse possível - risco zero - acontecer um acidente. O desastre em Fukushima mostrou ao mundo, que mesmo em um país de grande conhecimento e domínio tecnológico, a natureza está fora do domínio do homem. E que acidentes podem sim acontecer, e quando acontecem são catastróficos. 

Acidentes em usinas nucleares acontecem com muita mais frequência do que os conhecidos, e divulgados. Geralmente não chegam ao domínio público, não são revelados a população. E diferentemente de um acidente, por exemplo de avião, que atinge diretamente os passageiros, terminando no local e no instante que ocorrem; um acidente em uma usina nuclear com liberação de material radioativo, começa no instante e no local, mas depois centenas e mesmo milhares de pessoas em territórios inteiros sofrerão as consequências provocadas pela radiação. E anos depois crianças nascerão com aberrações cromossômicas e desenvolverão leucemia, causadas pela absorção, por seus pais, de doses de radiação acima do tolerável. 

BLOG: São muitos os interesses? 

SCALAMBRINI: Não é muito difícil apontar os grandes interessados pela expansão das usinas nucleares em nosso país. Apesar dos percalços, seguir o dinheiro” ainda é a maneira mais indicada. Logo, “Follow the Money – Siga o dinheiro”. As empreiteiras são grandes interessadas nas obras civis deste complexo. Os fornecedores (players) de equipamentos e outros serviços, alguns acadêmicos que se beneficiam com projetos financiados pelo governo federal e outras instituições, grupos de políticos que ganham benefícios e participam dos grupos lobistas que existem em defesa desta causa. E, sem dúvida alguma, setores militares, que sonham com o Brasil-Grande detentor de artefatos nucleares. Por outro lado, existe todo um discurso vazio, já “cansado”, que é o do desenvolvimento (?), a geração de empregos, e de renda. Essa ladainha que já não convence mais os homens e mulheres de bom senso, de boa vontade, que escutam essa mesma ladainha para justificar empreendimentos que só beneficiam alguns (os de sempre) e trazem sérios prejuízos à maioria. O Brasil não precisa da energia nuclear. 

BLOG:  Como avalia a comunicação do setor nuclear oficial com a sociedade? 

SCALAMBRINI: Nem se pode afirmar que existem falhas nos processos de comunicação pública no setor nuclear. O que existe de fato é uma estratégia deliberada de desinformação, de informação inadequada e insuficiente. Inexiste o fornecimento de informações, nem a escuta, e nem o atendimento da população em suas preocupações, inclusive a de possuir a opção de recusar o projeto. As decisões tomadas pelo setor elétrico/energético no país sofrem um déficit de participação popular, um déficit de democracia. Quem decide a política energética são as 10 a 12 pessoas que compõem o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em sua maioria funcionários do executivo, ministros de Estado. A sociedade civil nem tem voz e nem acento neste órgão de assessoramento da presidência. Assim a soberba prevalece, e os interesses econômicos estão representados fortemente, ofuscando as decisões ali tomadas, que acabam não representando os legítimos interesses da sociedade. As atividades de divulgação da área nuclear são formas de influenciar e não de informar a população. Este problema se acentua ainda mais por algumas razões, como: a falta de participação da população no processo de tomada de decisão sobre esta fonte de energia; a oposição crescente à energia nuclear por uma parte significativa da sociedade diante das tragédias de Chernobyl, Fukushima, desastre de Goiânia, ...; a divulgação de informações fragmentadas, insuficientes, facilita o surgimento de boatos, que nada contribui a um debate sério e responsável sobre o tema. 

BLOG: Como avalia a mobilização da sociedade civil em relação ao programa nuclear brasileiro? 

 SCALAMBRINI: Atualmente observa-se em quase toda parte do mundo que a energia nuclear é objeto de contestação e de resistência a sua implantação. Diante das enormes dificuldades que o país atravessa o tema das usinas nucleares não está na ordem do dia. As desigualdades sociais, o “apartheid” na sociedade brasileira ganha proporções alarmantes. A pobreza extrema e a fome retornaram a serem discutidas diante de políticas econômicas excludentes. 

O ressurgimento do programa nuclear brasileiro na década de 90, incluindo a construção de novas usinas colocou em alerta setores da sociedade brasileira. Em todo território onde se concentram atividades nucleares surgiram movimentos antinuclear: no Ceará (Santa Quitéria) e na Bahia (Caetité), com a mineração do urânio; em Minas Gerais (Caldas) com a barragem de rejeitos radioativos; em São Paulo, com o processamento e rejeitos de areia monazítica; em Pernambuco (Itacuruba) construção de novas usinas; e no Rio de Janeiro (Angra dos Reis), com o complexo de Angra 1 e 2, e a retomada de Angra 3. Estes grupos contrários à mineração, a construção de novas usinas, a favor do fechamento das já existentes; tem atuado de maneira pedagógica, de formação e organização destas populações diretamente atingidas. 

A informação juntamente com a participação das populações envolvidas nos debates, e nas diferentes atividades locais tem sido nosso objetivo comum. Estes movimentos não só dizem não, mas apresentam opções e soluções no campo da energia, mas também a necessidade do Estado em implementar políticas públicas que potencializam atividades econômicas locais. Estes movimentos integrados na Articulação Antinuclear Brasileira e na Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares tem crescido muito nos últimos 10 anos. (Foto - Arquivo pessoal Heitor Scalambrini).

Um comentário:

  1. Essa entrevista com o cientista Scalambrini está super especial. Muito esclarecedora. É inacreditável que os brasileiros não estejam atentos a essas questões. Graças ao seu Blog Stout tendo a oportunidade de me informar sobre o assunto. Os balões envolvidos, de bilhões, mostram quais são os verdadeiros interessese do governo. Com certeza não é com a vida.

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