A Indústrias Nucleares do Brasil (INB) terá que perfurar vinte poços para poder monitorar as águas subterrâneas de suas instalações nucleares no município de Caldas (MG), que apresentaram recentemente concentração dos radionuclídeos urânio, tório, rádio-226, rádio 228 e chumbo-210. Mesmo com algumas doses consideradas dentro dos limites, “são conhecidos os impactos ambientais no Córrego Consulta e na Bacia de Águas Claras”, com exigências de órgãos de fiscalização do governo que ainda não foram atendidas. O nível do lago da cava da mina – a primeira mina de extração de urânio no Brasil - estava acima da cota máxima autorizada, mas os técnicos esperavam que haveria uma baixa por conta do período de seca.
A Bacia de Águas Claras possui em seu leito sedimentos que são resíduos gerados pelo sistema de tratamento de águas ácidas do empreendimento inaugurado na década de 70, pelo governo militar. A mina parou de operar em 1982, por ser inviável economicamente: não havia compradores para o urânio extraído da cava. Até hoje não há informações sobre a real contaminação do meio ambiente, e muito menos dos trabalhadores.
Sabe-se, contudo, que centenas de operários da Nuclemon, em São Paulo, parte do mesmo sistema, que manuseavam material radioativo, estão morrendo ainda hoje sem receber indenização da INB, em processos movidos pela Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção Nuclear (ANTPEN). Desde 20 de setembro a INB tem nova diretoria; estando sob a presidência de Adauto Seixa, ex-funcionário de Caldas há muitos anos.
MATERIAL ARRASTADO PELO FLUXO DA ÁGUA -
Segundo o documento “estes resíduos deveriam ter ficado totalmente confinados nas bacias de decantação D3 e D4”, o que não aconteceu em virtude do assoreamento progressivo de ambas as bacias, “parte do material foi sendo arrastado pelo fluxo de água” que atravessa há décadas.
A INB já recebeu muitos outros alertas sobre a gravidade dos problemas nas instalações em Caldas. A respeito das tentativas de pelo menos reduzir o aporte de sedimentos da baia D4 para a Bacia, implementando telas de retenção e barreiras de turbidez na região próxima, recentemente foi constatado que o sistema está saturado e tornou-se ineficiente.
LAGO ARTIFICIAL -
Nos documentos obtidos pelo blog não faltam informações sobre a relação dos problemas e a tentativa de minimizá-los. São contratos em vigência com o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e com empresas privadas para aperfeiçoamento do modelo hidrogeológico, como nas regiões da pilha de estéreis 4 e bacia de rejeitos; estudo complementar de geofísica em quase toda a extensão da instalação.
E mais: unificação das duas estações de tratamento de águas ácidas; elaboração de projeto conceitual de nova estação de águas ácidas, para substituição da existente, visando o tratamento de 600 metros cúbicos por hora de águas ácidas, em duas linhas independentes. Segundo o documento, o processo químico trará diversas melhorias em relação ao sistema atual. “Destaca-se a situação apontada pela empresa (contratada) que o resíduo gerado seja armazenado em sistema de pond (lago artificial) a ser construído no antigo pátio de minérios, no interior da unidade”.
MAIS UMA VEZ: ESTABILIDADE NÃO ATESTADA -
As barragens de rejeitos e a barragem D4 já enquadradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em nível 1 de emergência, o que significa que têm anomalias, ou seja, permanece a mesma situação. Na tentativa de equacionar alguns dos muitos entraves, a INB inseriu no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM), da (ANM), a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da Barragem de Rejeitos e da Barragem D4, mas o auditor não atestou a estabilidade das estruturas e indicou que as barragens devem passar por obras de adequação, reiterando posição anterior.
A INB informa esta semana que finalizou a primeira ação para regredir o nível de emergência 1 da Barragem D4, de acordo com as exigências da ANM. A ação consistiu na construção de canal de desvio do efluente tratado, concluída no final de agosto, e na sua operação no início de setembro com autorizações da CNEN.
“O desvio do efluente tratado resultou na almejada redução dos fluxos de líquidos no reservatório da Barragem D4, aumentando a segurança estrutural do barramento e minimizando as influências ambientais na Barragem de Águas Claras, localizada à jusante, o que vem sendo evidenciado por monitorações”.
Outras ações estão em andamento para continuar reduzindo os fluxos de líquidos no reservatório da D4, dessa vez a drenagem pluvial, e também para restabelecer sua capacidade de retenção de resíduos sólidos. O diagnóstico da estabilidade do seu barramento encontra-se em andamento para balizar possíveis adequações estruturais. As ações em curso também buscam a adequação da gestão da segurança da barragem aos requisitos estabelecidos na regulamentação da ANM, com destaque para a instalação de equipamentos de monitoração, elaboração de projetos de engenharia e planos de gestão. São informações da INB. “A barragem, anteriormente caracterizada como bacia de decantação, foi enquadrada no nível 1 de emergência pela ANM no dia 7 de junho. As obras e projetos para a D4 já estavam previstos pela INB, porém foram acelerados por conta das exigências da ANM”. Por que não antes?
INSPEÇÃO - A Inspeção de Segurança Regular deve ser realizada a cada seis meses por auditor independente, informou a INB. Este ano, a Barragem de Rejeitos já havia passado por uma inspeção em fevereiro, quando o órgão fiscalizador da estrutura ainda era a CNEN. Como a D4, construída como bacia de decantação, foi recentemente classificada como barragem, esta foi a primeira Inspeção de Segurança Regular realizada na estrutura. A inspeção vem apontado os graves problemas, minimizados pela empresa.
RESOLUÇÕES
Com a promulgação da lei 14.514 de dezembro de 2022, a ANM passou a regular e fiscalizar as estruturas de mineração das unidades da INB. Tanto a Barragem de Rejeitos quanto a D4 foram incluídas em junho de 2023 pela INB no SIGBM e ficaram enquadradas no nível 1 de emergência.
Os critérios para definição dos níveis de emergência são estabelecidos pela Resolução ANM n° 95/2022 e Resolução ANM nº 130/2023. A aplicação desses critérios aos dados das duas barragens da INB em Caldas resultou no enquadramento no nível 1 de emergência. A INB garante que “as barragens são permanentemente monitoradas, que segue à determinação para atender aos requisitos estabelecidos pela ANM e às recomendações de consultores geotécnicos contratados pela empresa”. Entre 25 e 28 de setembro a ANM realizou mais uma vistoria no empreendimento.
FOTO: CALDAS –
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