quinta-feira, 7 de abril de 2022

IPEN contesta acusações da SBMN sobre "interrupções frequentes" do fornecimento de radioisótopos para tratar pacientes com câncer

 


A nota oficial do presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), médico George Coura Filho, com “acusações” ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN-CNEN), responsabilizando a entidade por “interrupções frequentes" do fornecimento de radioisótopos para tratar pacientes com câncer, gerou mal estar. Ele diz na nota que recebeu com “muita satisfação” a aprovação, pela Câmara dos Deputados da PEC-517-2010, que autoriza a privatização da produção de radioisótopos (medicamentos com radiação para combater o câncer). Até aí, tudo bem, segundo os servidores - "é questão de opinião". Nos bastidores, contudo, contam que pode haver dificuldade na execução das parcerias entre as duas instituições.  A SBMB tem convênio com a  Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com repasses de verbas através do IPEN. 

O blog contatou o gerente do Centro de Radiofarmácia do IPEN, o farmacêutico Emerson Bernardes, que tem mestrado e doutorado em Imunologia Básica e Aplicada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Segundo ele, foram aportados recursos pela AIEA da ordem de 755 mil EUROS (cerca de RS 4 milhões), divididos de forma igualitária entre o IPEN, CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) e SBMN. “Os recursos repassados para a SBMN, através da parceria com o IPEN-AIEA, serão utilizados para produção de Lutécio-177-PSMA, um novo radiofármaco para tratamento de um tipo de câncer de próstata mais agressivo (câncer de próstata metastático resistente à castração)”, informou, ao descartar o rompimento da parceria, que vem sendo comentada nos bastidores do IPEN..  

Quanto às acusações da SBMN, não desculpou: “O que deixou perplexa a maioria dos servidores do Centro de Radiofarmácia não foi o posicionamento da SBMN a favor da PEC 517-2010, mas sim a forma desrespeitosa com a qual se referiram ao IPEN. É uma inverdade, para não dizer leviandade, afirmar categoricamente que interrupções frequentes de fornecimento pelo IPEN prejudicaram a população brasileira”. 

Emerson Bernardes assegura que, nos últimos cinco anos, a única interrupção na produção de geradores foi devido à pandemia, a partir de 2020. Mesmo assim, afirmou, a instituição foi afetada apenas nas primeiras semanas quando não havia voos para o transporte de radioisótopos vindo do exterior. (O Brasil importa radioisótopos da Rússia, África do Sul e Holanda). 

“Nessa situação de pandemia, qualquer grupo privado que já estivesse estabelecido no Brasil sofreria as mesmas consequências. Fora a pandemia, tivemos o problema recente com a falta de orçamento para o IPEN em setembro de 2021, que já não vem ao caso neste momento. Portanto, sinto muito dizer que a SBMN e a sociedade brasileira dependem da importação da maior parte dos radioisótopos necessários para produção dos radiofármacos utilizados em cerca de 80% dos procedimentos de medicina nuclear e não há grupo privado que vá alterar essa situação de dependência internacional”, comentou. 

Na avaliação do gerente do Centro de Radiofarmácia, a falta de conhecimento leva a afirmações que acabam colocando a população brasileira contra o Instituto. “Nesse sentido, gostaria de destacar que o IPEN trabalha há mais de 60 anos, tendo sido pioneiro na produção e introdução de novos radiofármacos no Brasil. Se agora o momento for de abertura, se o Congresso Nacional  entendeu isso - não pelos motivos corretos-, se a população brasileira e a SBMN apoiam essa decisão, então que venham os novos tempos”, comentou.  

E foi adiante: “Por que acusar o IPEN, que vem sobrevivendo sem investimentos, e não questionar os grupos políticos, partidos políticos que deixaram esquecida a PEC por 10 anos? Além de ter seus servidores se aposentando, sem a devida reposição, mantendo a produção com trabalhos aos finais de semana e feriados atendendo a sociedade”. 

Sobre os preços que serão praticados pela iniciativa privada, questionou: “não serão os mesmos preços praticados pelo IPEN; obviamente serão muito mais altos. Ora, se é consenso que os preços serão mais altos, por que então a SBMN diz estar preocupada com o SUS (Sistema Único de Saúde)”? - 

CARTA DA SBMN - 

A SBMN – Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, recebe com muita satisfação a aprovação da PEC 517/2010, em seu inteiro teor, que autoriza a produção privada de radioisótopos de uso médico. Nos últimos cinco anos, muitos pacientes deixaram de realizar exames de cintilografia e tratamentos com radioisótopos por interrupções frequentes de fornecimento pelo IPEN - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.

A possibilidade da produção destes insumos pela iniciativa privada é um alento para milhares de pacientes e uma esperança para inúmeros serviços de medicina nuclear, que oferecem esses exames a pacientes do SUS - Sistema Único de Saúde e das operadoras de saúde, bem como geram empregos diretos e indiretos. Reforçamos o entendimento do caráter autorizativo da medida, o que não exclui que a União continue a investir tanto no IPEN, como nos diversos institutos da CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear, visando não apenas a manutenção da produção atual, o retorno de insumos que não estão sendo produzidos, bem como o desenvolvimento de pesquisas na área, objetivo que está no DNA da fundação do próprio Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares. 

Esperamos que as empresas interessadas na produção de radiofármacos possam trabalhar lado a lado com o IPEN, complementando o mercado de radioisótopos para fins médicos onde ele está deficitário. A quebra do monopólio estatal permitirá o crescimento da Medicina Nuclear como especialidade médica, a exemplo do que ocorreu previamente na questão dos radiofármacos de meia vida curta. Desta forma, a SBMN não acredita que a PEC 517/2010 represente o fim do IPEN, que continuará fundamental, como sempre foi, no desenvolvimento da medicina nuclear brasileira. (Presidente George B. Coura Filho). 

FUTURO DO IPEN: PROJETO PARA QUATRO MIL PACIENTES - 

Sobre o futuro do IPEN, ele garantiu que o Instituto continuará buscando reafirmar a sua marca na inovação. “Hoje mesmo estávamos (alguns de nós) participando de um encontro científico promovido pela AIEA e tivemos a oportunidade de mostrar nosso trabalho, coordenado pelo IPEN e com a parceria do CNPEM e da própria SBMN! 

“Estamos trabalhando num projeto. O IPEN planeja demonstrar a viabilidade de produzir o radionuclídeo Actínio-225 a partir de materiais contidos em rejeito radioativo. O Actínio-225 tem mostrado resultados melhores em casos onde o radionuclídeo Lutécio-177 não foi efetivo em eliminar o tipo de câncer de próstata mais agressivo (câncer de próstata metastático resistente à castração)”. 

A boa notícia é que já fizemos os cálculos. “Em princípio, temos rejeito radioativo material suficiente para produzir o Actínio -225, capaz de tratar mais de quatro mil pacientes, pensando em 4 ciclos de tratamento por paciente. Obviamente, os desafios são imensos, mas temos expertise, interesse, e financiamento da AIEA para buscar soluções para os desafios. E qual a finalidade maior disso tudo?  Voltarmos a ser pioneiros em pesquisa e desenvolvimento, onde a atividade privada ainda não vislumbra lucro, ou seja: função de estado, função do IPEN”.

Mas afinal, o que são esses rejeitos que poderão ser tão bem utilizados? “São agulhas de Rádio-226 que eram usadas para braquiterapia há décadas, mas que foram descartadas. São fontes radioativas seladas deixadas em depósitos de rejeito radioativo. O Rádio-226 tem meia vida muito longa (1600 anos), e pode ser usado como alvo para produção de um outro radionuclídeo (Actínio-225) de muito interesse atual na medicina nuclear. 

FOTO: Acervo do Centro de Radiofarmácia do IPEN - Leia no blog diversas matérias sobre o caso PEC-517/2010; o afastamento do superintendente do IPEN, Wilson Calvo; o projeto sem verbas do reator multipropósito (RMB) que daria autonomia ao Brasil na produção de radiofármacos; o desabastecimento em agosto do ano passado, entre outras. 

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