quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

ABREA comemora 30 anos de luta pelo banimento do cancerígeno amianto

 


Ao iniciar e liderar uma árdua luta pelo banimento do cancerígeno amianto, no Brasil e no mundo, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) está recebendo homenagens de todo o mundo, esta semana, quando completa 30 anos de fundação, em Osasco, em São Paulo. Na cidade funcionava a Eternit, conhecida da multinacional produtora de telhas, tubulações, caixas d’água e outros artefatos de cimento-amianto. A Eternit permaneceu em Osasco por 56 anos, entre 1937 a 1993, deixando para trás um enorme passivo socioambiental, um legado de contaminação e morte, como fez em vários países, principalmente Itália e Bélgica. 

MEMORIAL PELAS VITIMAS -

Cerca de 600 vítimas amianto foram homenageadas em dezembro de 2022, em Osasco, com a inauguração de um memorial criado pelo artista brasilense W. Hermusch, que reuniu representações do Brasil e do mundo. A criação do memorial foi uma parceria da Prefeitura de Osasco, por meio da Secretaria de Emprego, Trabalho e Renda (SETRE), com a ABREA. O memorial é uma escultura chamada “Árvore-Pulmão”, que materializa metaforicamente a luta pela vida de milhares de vítimas do mineral, que no final da vida não conseguem mais respirar em virtude das doenças provocadas pela fibra mortal.

 


A ABREA é fundamental para a sociedade brasileira tomar consciência dos males do amianto e a fibra assassina ser banida. Só que a atuação da ABREA não se limitou ao território brasileiro. Ela se espalhou, tornando a ABREA símbolo da luta pelo banimento do amianto no Brasil e no mundo. A prova disso é o comunicado de dez associações parabenizando-a pelos 30 anos. 

Dez associações do Reino Unido, Austrália, Japão e Itália assinam. PARABÉNS ABREA - “Já se passaram 30 anos desde a fundação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA –, em 9 de dezembro de 1995, em Osasco, Brasil.

 Por décadas, as empresas de amianto obtiveram lucros exorbitantes enquanto as vítimas morriam sem reconhecimento, sem tratamento e sem indenização. Passo a passo, os membros da ABREA, composta inteiramente por voluntários, trabalhou para mudar essa realidade. 

A ABREA tornou evidente o legado mortal dessa indústria letal, expondo médicos cúmplices das empresas, desafiando autoridades governamentais ineficazes e documentando a existência de um ambiente jurídico hostil. 

Os sucessos alcançados pela ABREA são inúmeros, e incluem: revolucionar o debate nacional sobre o amianto, passando de uma postura que aceitava o “uso controlado” do amianto para uma que denuncia todo e qualquer uso;  estabelecer jurisprudências que reconheçam o direito dos lesados de reivindicar indenização por danos morais, bem como por danos físicos; facilitar a proibição do amianto em níveis municipal, estadual e nacional; promover colaborações regionais e internacionais entre grupos de vítimas, sindicatos, centrais sindicais, associações médicas, organizações de saúde e segurança ocupacional e cientistas independentes. 

A Associação Italiana de Familiares e Vítimas do Amianto (Associazione Famigliari e Vittime dell’Amianto/AFeVA) mantém laços emocionais e familiares estreitos com a ABREA; muitos brasileiros afetados por doenças relacionadas ao amianto imigraram de áreas economicamente desfavorecidas da Itália. 

Ao parabenizar a ABREA por seu aniversário marcante, em sua mensagem de solidariedade, a presidente da AFeVA, Giuliana Busto, enfatizou o papel fundamental desempenhado pela ABREA “na luta comum contra o amianto”. Em sua manifestação, Sugio Furuya, da Rede Asiática para a Proibição do Amianto (ABAN), observou que: “A ABREA se destaca como um símbolo de solidariedade e companheirismo em toda a Ásia. Seus esforços contínuos para proibir as exportações de amianto para a Ásia salvaram e salvarão muitas vidas enquanto trabalhamos por um futuro livre de amianto para todos!” 

Durante 25 anos, o Secretariado Internacional para a Proibição do Amianto (IBAS) tem sido um parceiro ativo e solidário da ABREA. Recordando os muitos membros da ABREA que perderam a vida devido ao amianto, a coordenadora do IBAS, Laurie Kazan-Allen, afirmou: “A ABREA deu uma face a um desastre humano mundial. Os seus membros lideraram esforços no seu país, na América Latina e em todo o mundo para apoiar as vítimas, desafiar os dogmas da indústria e derrubar leis e precedentes legais injustos. A aliança ABREA-IBAS tem sido a pedra angular das iniciativas que impulsionaram a discussão sobre o amianto, transformando-o de uma questão de saúde ocupacional em um diálogo central sobre saúde pública, direitos humanos, justiça social e sustentabilidade.” 

Os grupos que emitem este comunicado à imprensa representam associações de vítimas do amianto, sindicatos, profissionais de saúde e outros que apoiam os expostos e lesionados pelo amianto na Europa, Ásia e Austrália. Estamos unidos em enviar os nossos melhores votos, neste aniversário marcante, a toda diretoria e membros da ABREA pelas suas três décadas de trabalho árduo. O mundo é um lugar melhor e mais seguro graças à ABREA! 

Assinam este comunicado: Secretariado Internacional para a Proibição do Amianto (Ban Asbestos Secretariat/IBAS)/Reino Unido; Associação Italiana de Familiares e Vítimas do Amianto (Associazione Famigliari e Vittime dell’Amianto/ AFeVA)/Itália; Rede Asiática para a Proibição do Amianto (Asian Ban Asbestos Network/ABAN)/Japão; Ajuda Sindical no Exterior (Union Aid Abroad – APHEDA)/Austrália; Sociedade Australiana de Doenças Relacionadas ao Amianto (Asbestos Diseases Society of Australia); Instituto de Pesquisa de Doenças Relacionadas ao Amianto e Poeiras (Asbestos and Dust Diseases Research Institute/ADDRI)/Austrália; Fórum do Grupo de Apoio às Vítimas do Amianto (Asbestos Victims Support Group Forum)/ Reino Unido. Apoio às Vítimas do Amianto de Merseyside (Merseyside Asbestos Victims Support)/Reino Unido; Mesotelioma Reino Unido (Mesothelioma UK) /Reino Unido. 

UMA MULHER DE LUTA - 


Nos 30 anos de ABREA, não se pode deixar de mencionar o trabalho da fiscal do trabalho Fernanda Giannasi, uma das fundadoras da Associação, incansável no acolhimento às vítimas, em denunciar os estragos provocados pelo amianto, em acompanhar os processos pelo banimento do mineral na Justiça brasileira. Em uma das entrevistas ao BLOG, Giannasi explicou porque não se sabe exatamente o número de mortos pelo amianto no Brasil.

 “Um número preciso de vítimas do amianto ou asbesto no Brasil ainda não foi possível de se obter. Por conta vários motivos: o  silêncio epidemiológico reinante no país em função de diversos mecanismos de invisibilidade social, tais como a inércia das instituições de saúde, que não cumprem seu papel de vigilância, como previsto em nossa legislação; pelos pactos estabelecidos entre empresas e vítimas, através de acordos extrajudiciais (mais de três mil instrumentos particulares de transação firmados pelas duas empresas líderes do mercado de fibrocimento e da mineração), que remuneram parcamente o silêncio das vítimas e de seus familiares pelas doenças adquiridas e pela ausência de formação médica especializada e de retaguarda laboratorial competente para diagnósticos de maior complexidade”. 

Eis a entrevista: 

BLOG: É um problema de grande subnotificação.... 

FERNANDA: Certamente e outro agravante para esta subnotificação está no fato de que as doenças relacionadas ao amianto são de grade latência, isto é, levam em média de 20 até 60 anos para se manifestarem, quando em geral o trabalhador já está afastado de seu local de trabalho. Os casos diagnosticados devem ser registrados tanto nos órgãos da Previdência Social como da Saúde, mas ainda isto é incipiente e representam somente a ponta de um imenso iceberg. 

BLOG: Quantas vítimas estão em tratamento? 

FERNANDA: Em todo o país, por onde se utilizou o amianto de maneira intensiva e sem nenhum controle, diariamente nos deparamos com novos casos de doenças sendo diagnosticadas, entre as quais a asbestose (fibrose pulmonar que endurece o pulmão, tornando-o rígido – o chamado “pulmão de pedra”), diversos tipos de cânceres, entre eles o de pulmão, laringe, aparelho digestório, ovário, túnica vaginal e o mesotelioma, chamado o “câncer do amianto”, que atinge as membras que envolvem o pulmão (pleura), a cavidade abdominal (peritônio) e o coração (pericárdio). São centenas de casos em tratamento nas diversas estruturas do Sistema Único de Saúde (SUS) e em entidades privadas para aqueles que celebraram os acordos extrajudiciais ou também chamados de instrumentos particulares de transação (IPT).

BLOG: Há indenizações? 

FERNANDA: Com a Emenda Constitucional 45, que atribuiu à Justiça do Trabalho o poder decisório em processos de indenização por doenças adquiridas no e pelo trabalho, as ações individuais das vítimas do amianto se tornaram mais céleres. E, em geral, mais bem-sucedidos em relação ao que ocorria anteriormente na esfera cível, em especial quanto aos valores de dano moral. Nosso país ainda não goza de uma cultura judicial sobre as ações civis públicas, coletivas ou também chamadas “class actions”, e se percebe uma certa timidez nos julgamentos destes processos, diferentemente do que ocorre nas ações individuais. Essas ações, depois da mencionada EC 45 têm sido indenizadas de maneira mais justa e rápida às vítimas e seus familiares. 

BLOG: É verídica a informação de que a Eternit continuará exportando as fibras de amianto para dezenas de países, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Índia, Indonésia, Malásia e outros países asiáticos? A informação é documentada? 

FERNANDA: Sim. A empresa de mineração Sama do grupo Eternit continua sua produção nociva à saúde para fins de exportação, impunemente, mesmo após a decisão histórica do STF, em 2017, que baniu o amianto de nosso país, e continua a explorar e exportar essa matéria-prima cancerígena, graças a duas leis inconstitucionais do governo de Goiás, uma que permite a exportação e outra que dá sobrevida até 2029 para esta situação irregular e, por que não dizer, criminosa, condenando sociedades mais vulneráveis do que a nossa à doenças graves e até a morte de inocentes. Trata-se de um verdadeiro crime de racismo ambiental. 

BLOG: Onde estão localizadas as fábricas de amianto no Brasil? Quantas pessoas trabalham nessas fábricas? Estão cientes do perigo? 

FERNANDA: Atualmente só a mineração de amianto, em Minaçu, continua a explorar a fibra cancerígena. As demais fábricas substituíram esta matéria-prima reconhecidamente nociva para a saúde dos seres humanos. Na mineração, atualmente, trabalham, em média 300 empregados diretamente na mina de Cana Brava, da Sama, em Minaçu, no Estado de Goiás. A cidade tem ainda uma dependência econômica muito grande desta empresa, que é a maior atividade produtiva do local, o que faz com que a população tenha estabelecido um pacto de silêncio, negando fortemente a nocividade de sua principal riqueza local. Inclusive se auto intitula orgulhosamente de a “capital nacional do amianto”, como podemos ver no pórtico de entrada da cidade. Outros equipamentos públicos e privados de Minaçu têm a marca registrada do poderio econômico exercido pela atividade de exploração do minério de amianto, como pode-se ver na decoração do principal hotel da cidade, que tem o sugestivo nome de CRISOTILA (o amianto branco explorado em Minaçu) Palace Hotel, e na porta do fórum, ambos ostentando enormes pedras do minério in natura. 

BLOG:  O que as autoridades da saúde no Brasil têm feito pelas vítimas do amianto? E as autoridades da segurança do trabalho? 

FERNANDA: Muito pouco tem sido feito pelos órgãos de saúde e trabalho, em geral, no país, com raríssimas e notórias exceções como a Fundacentro e INCOR em São Paulo e a Fiocruz no Rio de Janeiro, que realizam os diagnósticos das doenças relacionadas ao amianto dos ex-empregados expostos, expondo a gravidade da situação. As fiscalizações praticamente estão paralisadas pelo desmonte sistemático de órgãos como o Ministério do Trabalho, restando apenas sabidamente a vigilância sanitária do estado de São Paulo e do município do Rio de Janeiro, que têm realizado diligências esporádicas nos estabelecimentos comerciais, apreendendo materiais, que ainda estão sendo vendidos para a população de baixa renda contendo amianto, que são de estoques remanescentes. 

BLOG: Quando a luta pelo banimento começou no Brasil? O que motivou essa luta? 

FERNANDA: A luta pelo banimento no Brasil se inicia mais efetivamente após o evento da conferência das Nações Unidas (ONU), a UNCED, popularmente conhecida como a Rio/92, onde tivemos a oportunidade de conhecer e interagir com movimentos sociais internacionais na luta para a eliminação dos produtos tóxicos, o qual incluía o amianto, a tecnologia nuclear etc. 

BLOG: Por que a senhora entrou nessa luta? 

FERNANDA: Desde 1983, quando fui admitida em concurso público para a auditoria fiscal do trabalho, em São Paulo, me dediquei a estudar e inspecionar empresas que utilizavam produtos e tecnologias cancerígenas. Em 1985, constituí com um colega médico o GIA-Grupo Interinstitucional do Asbesto para fiscalizar as empresas usuárias de amianto no estado de São Paulo. Isto, no momento em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU, discutia se o amianto deveria ser proibido em todo o mundo ou permitido seu uso sob restritas condições de segurança. Dali para frente, os enfrentamentos com a indústria do amianto foram se sucedendo e se tornando cada vez mais acirrados, nos diversos campos, pois enfrentamos um dos mais organizados e poderosos lobbies industriais mundiais, comparado em importância e poderio ao do tabaco. 

BLOG:  A senhora ganhou o prêmio Faz a Diferença de O GLOBO por sua atuação pelo banimento do amianto no Brasil e no mundo. O que representou esse prêmio? 

FERNANDA: A coroação de um esforço, inicialmente solitário, mas que foi ganhando adeptos e se tornando uma luta coletiva ao longo desta jornada de 40 anos. O prestigioso prêmio tornou a nossa batalha ainda mais visível e palatável para uma grande parcela da sociedade brasileira. Uma grande honra tê-lo recebido junto a tantas personalidades brilhantes deste país. 

BLOG: No Brasil, quais os próximos passos para acabar de vez com o amianto? 

FERNANDA: O mais urgente no momento é a declaração pelo STF das imorais leis goianas, que permitem a exploração para fins de exportação até 2029. Outras ações serão necessárias para pôr um fim definitivo a este flagelo que será a desamiantização ou retirada do amianto das edificações públicas ou privadas. Neste sentido, várias ações estão em curso, do ponto de vista legal, com vários projetos de lei tramitando nas diversas esferas de nossos legislativos estaduais e federal, principalmente nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. 

PERFIL: 

FERNANDA GIANNASI é Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho. Auditora Fiscal do Trabalho por 30 anos no Ministério do Trabalho e Emprego (MTb) em São Paulo, onde atuou na inspeção das condições de saúde e segurança no ambiente de trabalho com ênfase na insalubridade, letalidade e periculosidade dos agentes cancerígenos (amianto, nuclear, sílica) e outros tóxicos. Atualmente, aposentada, é consultora na área de saúde, trabalho e meio ambiente para entidades de trabalhadores (as) e vítimas de processos industriais. Fundou a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) em 1995 e é coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina desde 1993. Tem recebido vários prêmios nacionais e internacionais, como mencionado anteriormente, entre os quais: a Ordem do Mérito Judiciário tanto pelo Tribunal Regional da 15ª. região (TRT -15), como pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de Brasília. Em novembro de 2018, foi agraciada com o Prêmio Bernardino Ramazzini, o Pai da Medicina do Trabalho, pelo prestigiado Collegium Ramazzini, em Carpi, na Província de Módena, Itália, cidade de nascimento, no século XVIII, do ilustre médico. 

(FOTOS: MEMORIAL E GIANNASI) – 

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