segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Angra 1: Coppe utiliza IA para analisar viabilidade de extensão de vida útil da usina nuclear

 


O programa de extensão da vida útil da Usina Nuclear de Angra 1 está sendo realizado com um novo sistema de inteligência artificial desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Monitoramento e Processos (LMP), do Programa de Engenharia Nuclear (PEN) da Coppe.  A tecnologia é a nova versão do Sistema de Vida Qualificada (SVQ).


Responsável pela operação de Angra 1, a Eletronuclear mantém uma parceria com a Coppe desde 1983. Um dos primeiros resultados dessa parceria foi o desenvolvimento do Sistema Integrado de Computadores de Angra 1 (SICA), responsável pela monitoração de segurança em operação até hoje. Dentre outros projetos, pesquisadores da Coppe também desenvolveram o Sistema de Gerenciamento de Otimização de Recarga Nuclear (SIGOR), responsável pela otimização do processo de recarga do reator. 

Eis a entrevista com os professores do PEN, Roberto Schirru e Andressa Nicolau, coordenador e gerente do projeto, respectivamente, divulgada pela Assessoria de Imprensa da Coppe. Eles discutem a importância deste sistema para a prorrogação da licença operacional da usina, que está prevista para expirar em dezembro deste ano. 

O que é o SVQ e como ele começou? 

Roberto Schirru: O Sistema de Vida Qualificada (SVQ), é uma ferramenta de inteligência artificial que desenvolvemos na Coppe, baseada em redes neurais artificiais. Ele tem a capacidade de calcular a vida útil de cada equipamento em uma usina, mesmo sem a presença de sensores em todos os pontos. 

Andressa Nicolau: O projeto começou em 2020, analisando dados de sensores de temperatura instalados em 2015 em equipamentos mais críticos, por exigências de normas regulamentadoras. A nova versão do sistema abrange todos os outros equipamentos, mesmo aqueles que não têm sensores instalados. 

Quais são os principais fatores que determinam a vida útil dos equipamentos da usina, e como eles impactam a decisão de substituir ou manter um equipamento em operação? 

Roberto Schirru: Alguns equipamentos conseguem operar por mais 20 anos, outros precisam ser trocados. O tempo de vida de cada equipamento depende de quanto tempo ele foi realmente utilizado e das temperaturas e das radiações as quais eles foram submetidos. Todo equipamento é certificado para operar tanto tempo a uma determinada temperatura. 

Quanto maior a temperatura a que foi submetido, menor é sua vida útil. Quais foram os principais desafios enfrentados durante o desenvolvimento do sistema? 

Roberto Schirru: Um dos maiores desafios foi determinar a temperatura exata a que cada equipamento foi submetido durante toda a vida da usina, desde 1985, especialmente antes de 2015, quando não havia sensores de temperatura instalados em todos os equipamentos críticos para a segurança. Tivemos que criar modelos que fossem capazes de preencher essas lacunas de dados.

Andressa Nicolau: Outro desafio foi garantir que o sistema pudesse se ajustar automaticamente, caso houvesse uma divergência entre a previsão e os dados reais, algo que conseguimos superar com o retreinamento automático do sistema. 

Qual é a maior vantagem que o SVQ traz para a operação da usina? 

Andressa Nicolau: Assim como o sistema é capaz de fazer inferência sobre o passado e identificar as temperaturas às quais cada equipamento foi submetido desde 1985, ele também tem a capacidade de fazer inferência sobre o futuro. Ele prevê as temperaturas futuras. Fizemos as validações dessas previsões com os dados gerados entre 2015 e 2020. O índice de acerto dessas previsões confirma sua precisão. Este novo sistema retreina o algoritmo, se houver diferença entre a previsão feita e as condições reais que a usina vai apresentando com o passar do tempo. Assim, ele reaprende a fazer uma previsão melhor, com a capacidade de se adaptar rapidamente às condições reais da usina, garantindo que as previsões sejam sempre as mais precisas possíveis. 

Roberto Schirru: A precisão no monitoramento de Angra 1 aumenta significativamente sua confiabilidade em comparação com outras usinas nucleares ao redor do mundo. O sistema permite que a Eletronuclear tenha uma compreensão detalhada das condições operacionais em toda a usina, mesmo em locais sem sensores instalados. Isso não só ajuda na manutenção preditiva, mas também garante que a usina opere dentro dos parâmetros de segurança estabelecidos. 

Como o SVQ contribui para o Programa de Extensão da Vida Útil de Angra 1? 

Andressa Nicolau: O SVQ é uma ferramenta crucial para a renovação da licença que expira no final deste ano de 2024. Os cálculos da vida útil dos equipamentos fazem parte dos procedimentos exigidos pelas normas regulamentadoras como garantia de segurança para a obtenção da prorrogação da licença pela Eletronuclear por mais 20 anos. Roberto Schirru: Isso permitirá que a Eletronuclear saiba quais componentes precisam ser substituídos e quais ainda podem operar de maneira segura e por quanto tempo. 

FONTE E FOTO: Comunicação Social COPPE/UFRJ) – ANGRA 1 - ELETRONUCLEAR  

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Marcelo Linardi fala sobre a economia do hidrogênio no Ceará

 


Um dos mais renomados especialistas em hidrogênio verde no mundo, o engenheiro químico Marcelo Linardi, pós doutorando pela Universidade de Darmstadt, Alemanha, participou do evento “Proenergia Summit2024”, que acaba de ser realizado no Espaço Eletrobras, Centro de Eventos no Ceará.  Pesquisador emérito do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), ele divulgou informações importantes como valores sobre os investimentos do setor que devem somar US$ 500 bilhões até 2030. 

“Mais de 30 países possuem estratégias para o hidrogênio e a produção pode ultrapassar 10 milhões de toneladas/ano em 2030”, informou. Segundo ele, até 2050 a demanda por hidrogênio verde deverá chegar de 300 milhões de toneladas (nas previsões mais pessimistas) e a 800 milhões de toneladas (no cenário mais otimista), trazendo, de fato, os benefícios da Economia do Hidrogênio. De acordo com o especialista, a Região Nordeste do Brasil é rica em recursos naturais favoráveis à produção de energia limpa, com grande potencial para protagonizar a transição energética do país. 

Em suas considerações sobre a Economia do Hidrogênio, ele apresentou o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC): “O mundo atingirá 1,5 °C de aquecimento em duas décadas. Noventa países já estão comprometidos com as metas de zero emissões até 2050. O hidrogênio é o pilar da descarbonização: desde o início de 2021, foram anunciados, em todo o mundo, 400 /projetos, dos quais 140 de grande escala”. 

Ao BLOG, Linardi destacou eu, quem pretende entender as prováveis e promissoras mudanças no cenário energético futuro, que incluirão, na matriz energética mundial, parcelas crescentes de renováveis e, neste filão, a energia proveniente do hidrogênio, deve conhecer o seu conversor por excelência, a célula a combustível. “Estas são os dispositivos mais apropriados para a utilização do hidrogênio como vetor energético”, afirmou. 

“As tecnologias do binômio hidrogênio/células têm-se desenvolvido bastante nos últimos anos, encontrando aplicações diversas como geradores de energia para meios de transporte (eletrotração para automóveis, caminhões e outros veículos, bem como trens, barcos e outros), para unidades estacionárias (edifícios, condomínios, hospitais, repartições públicas, bancos, torres de comunicação, etc.) e para fins portáteis (laptops, celulares, dispositivos militares, etc.)”, comentou. 

Segundo destacou ao BLOG, os grandes diferenciais são o baixo (ou nenhum) impacto ambiental e a alta eficiência. Embora a tecnologia de células a combustível não esteja ainda completamente madura e estabelecida (custos, durabilidade), verifica-se que a sua implementação no mercado já começou. Entretanto, é crescente o desenvolvimento da área de novos materiais para equacionar os desafios finais dessa tecnologia. 

“Resumindo, o hidrogênio já está em fase de implantação e testes em diversos setores energéticos, pavimentando uma possível futura Economia do Hidrogênio, como no setores automotivo, marítimo, da aviação, de fertilizantes (amônia a partir de hidrogênio verde), siderurgia verde, mineração verde (que pode ser a resposta para a obtenção de insumos para baterias e células a combustível), cimento verde, combustíveis híbridos, entre outros”. Enfatizando, para finalizar, Linardi pontuou que os obstáculos à introdução da chamada Economia do Hidrogênio não se configuram como dificuldades intransponíveis. O Brasil já possui o seu roteiro para a Economia do Hidrogênio e um programa nacional de pesquisa e desenvolvimento para esta tecnologia. 

LIVRO DEDICADO AO TEMA  


O livro “O IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) e a Economia do Hidrogênio”, de Marcelo Linardi, editora SENAI, de São Paulo, com 288 páginas, também foi autografado para cerca de 100 pessoas durante o evento. A obra é um´importante trabalho sobre o tema, que no momento está sendo debatido no Brasil e no mundo. 

As mudanças climáticas apontam para a relevância do estudo da utilização do hidrogênio, considerado o pilar da descarbonização e, desde fevereiro de 2021, foram anunciados em todo o mundo 131 projetos de grande escala, em um total de 359, com investimentos estimados em cerca de US$ 500 bilhões até 2050. 


De acordo com o Marcelo Linardi, mais de 30 países possuem estratégias para o hidrogênio e a capacidade de sua produção pode ultrapassar 10 milhões de toneladas/ano, em 2030. Até 2050, a demanda por hidrogênio verde (de origem renovável) deverá chegar de 300 milhões de toneladas, segundo as previsões mais pessimistas, e a 800 milhões de toneladas, no cenário mais otimista, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, tecnológico, a sustentabilidade e a proteção do meio ambiente. 

“Internamente, entre as maiores riquezas do Brasil estão as inúmeras fontes de produção de hidrogênio, em sua maioria renovável, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Temos sol, vento, água, biomassa, energia geotérmica, energia dos oceanos, biocombustíveis, e ainda vários tios de resíduos”, comenta Linardi. 

Para a diretora de Relações Institucionais da Associação da Associação Brasileira de Hidrogênio, Monica Saraiva Panik, o hidrogênio já está entre as mais importantes fontes de energia no futuro. “Vislumbramos o sonho do hidrogênio tornando-se realidade, quando tantos pesquisadores e especialistas do IPEN e de outros institutos de ensino e pesquisa têm trabalhado, incansavelmente, durante os últimos 30 anos, nesse tema, no Brasil. De fato, considerando a imensa porta de oportunidades que se abriu em 2021, o que importa que tenha demorado tanto tempo?

 As experiências bem sucedidas serviram de legado e as experiências frustradas, de aprendizado. E agora, é preciso aproveitar esse momento do nascer do sol do hidrogênio, pelo qual todos nós espetávamos e que é tão maravilhoso que parece que ainda estamos sonhando. Mas não estamos”, escreveu a diretora da Associação, ao prefaciar o livro. Hoje, segundo os pesquisadores, já está garantido que o hidrogênio passou a ser finalmente considerado veto energético importante e a sua demanda mundial está vinculada às metas de descarbonização. “Não se trata de mais uma onda ou moda, e sim de um processo sem volta”, afirmaram os pesquisadores”. 

Em fevereiro de 2021, segundo eles, o governo do Estado do Ceará lançou o primeiro hub de hidrogênio verde, atraindo outros estados. Para a presidente da ABH2, a obra de Marcelo Linardi, além de promover um resgate histórico, tem o mérito de demonstrar o legado cientifico, tecnológico e de formação de recursos humanos especializados que o IPEN deixou em áreas da economia do hidrogênio para o Brasil. Ela espera que o trabalho “estimule instituições de pesquisa e desenvolvimento do País a continuar contribuindo para a realizado do sonho, em parceria com órgãos do governo responsáveis”. No Brasil, segundo ela, o hidrogênio pode combinar a rota da eletrificação com a de biocombustíveis e o sonho brasileiro de ter um veículo a hidrogênio movido a etanol pode virar, finalmente, realidade, conforma descrito no livro, que contou com a coautoria de uma equipe formada por 27 pesquisadores. Entre os temas estão a infraestrutura e ensino, as células a combustível, o programa brasileiro, os resultados institucionais das pesquisas nos últimos 20 anos, publicações de estaque e patentes, os grandes projetos entre outros. Para obter o trabalho, escreva para o endereço: dpde@ipen.br

MARCELO LINARDI – PERFIL -

Pesquisador emérito do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Marcelo Linardi, é graduado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1983), com mestrado em Ciências Nucleares pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1987), doutorado em Engenharia Química - Universitat Karlsruhe (1992) e Pós-Doc pela Universidade de Darmstadt, Alemanha em 1998. Na área da Química, tem experiência em Eletroquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: célula a combustível, eletroquímica, eletrocatálise, hidrogênio e etanol. 

Orientou 10 teses de doutorado, 10 dissertações de mestrado, 15 trabalhos de iniciação científica, 7 estágios e 5 pós-doc, na CPG USP/IPEN. Atuou no Programa Brasileiro de Células a Combustível e Hidrogênio do Ministério de Ciência e Tecnologia. Escreveu o primeiro livro em língua portuguesa sobre ciência e tecnologia de células a combustível. Possui atualmente mais de 100 publicações internacionais arbitradas, incluindo uma publicação na Advanced Materials, revista mais prestigiada na área de materiais do mundo. Participou de mais de 100 eventos científicos nacionais e internacionais e ministrou várias palestras e conferências como convidado. Ocupou o cargo de Diretor de P&D e Ensino do IPEN de 2013 a 2019, onde atuou em Inovação, Ensino, Projeto Institucionais e Gestão de Tecnologias. Coordena projetos institucionais na FAPESP, chamada da Secretaria do Estado de SP, na área de radiofarmácia e nanotecnologia; e na FINEP, de equipamentos multiusuários. É responsável por várias ações de Internacionalização do instituto, como o livro sobre o passado, presente e futuro da inovação tecnológica no IPEN; e o livro sobre o IPEN, entre outros. 

FOTOS: EVENTO - 

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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Acidente radioativo em Goiânia com césio-137 faz 37 anos. Físico paulista autônomo descobriu por acaso

 


O maior acidente radioativo em área civil do mundo, ocorrido com uma cápsula de césio-137, em Goiânia (GO), completa 37 anos nesta sexta-feira (13/9), e vale à pena lembrar como se deu a sua descoberta casual,  por um físico natural de Presidente Prudente, interior de São Paulo, que no dia 29 de setembro daquele ano participava de comemoração familiar na cidade. Aos 29 anos, Walter Mendes Ferreira, na época, trabalhador autônomo, comemorava o aniversário do pai quando foi acionado por um amigo médico, intrigado com o caso de duas pessoas internadas na região, com problemas e diagnóstico desconhecidos; diarreia, dor de cabeça, febre e queda de cabelos. O médico soube do caso em jantar na semana anterior, com amigos do setor da saúde. Walter, então, entrou no caso, sem ter a menor ideia do que se tratava. No mesmo dia, descobriu a origem, o furto do cilindro com o césio-137, no Instituto de Radioterapia em Goiânia, o local do ferro-velho para onde o material fora levado, e tudo mais. Uma de suas decisões mais importantes, impediu que bombeiros levassem o cilindro com o material radioativo para ser atirado no Rio Capim Puba. Ao mesmo tempo, descobriu que um detector de radiação estava na unidade da Nuclebras, na região, onde a estatal realizava prospecção de urânio. As informações estão registradas em relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). 


DEPOIMENTO – EXCLUSIVO -  

Físico Walter Mendes Ferreira  - Coordenador do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste, Unidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em Goiás - 

“Falo para você sobre o que ocorreu em Goiânia há 37 anos, um acidente com a violação de uma fonte de radioterapia com césio 137. Minha história vinculada ao acidente é um caso interessante. Eu tinha 29 anos.  Estava de passagem por Goiânia, quando fui chamado por um amigo da Vigilância Sanitária para verificar se uma peça que estava na vigilância sanitária para saber se era radioativa ou não. Esse amigo me dizia que duas pessoas haviam levado esse material e colocado sobre uma cadeira na Vigilância Sanitária e que a peça era o artefato que estava causando mal a toda a família e que algumas pessoas estavam internadas no hospital de doenças tropicais. 

O nome dele era Jadson de Araújo Pires, diretor da fundação estadual do meio ambiente. Ele me relatou que no final de semana passado em uma reunião com alguns amigos entre eles um médico do hospital de doenças tropicais um médico lhe contou que havia onze pessoas internadas com vômito, febre, diarreia e perda de cabelo e me perguntou se podia ser radiação. Eu disse a ele que isso acontece com altíssimas doses de radiação . Eu não acreditava que em Goiás havia material para esse tipo de coisa e assim foi feito. E ele me disse que ia manter contato com um médico, dr. Alonso Monteiro e me ligaria relatando o que havia ocorrido e assim foi feito. 

Isso ocorreu no dia 29 de setembro de 1987, por volta das 8h30 da manhã, quando o Dr. Alonso me ligou dizendo a mesma coisa: que as pessoas estavam, com vômito, febre e diarreia e ele não conseguia fazer o diagnóstico sobre de qual doença tropical era.  E me perguntou novamente se podia ser radiação.  Eu disse que isso seria um caso muito sério. E que não havia material em Goiás para isso. E me perguntou se eu poderia checar uma peça de 23 quilos que estava na vigilância sanitária que havia sido deixada por uma senhora, a Dona Maria Gabriela e por um dos catadores que estava com ela. Eu disse que poderia verificar sobre o material radiativo, mas, no entanto, necessitaria de um equipamento especifico, um detector para fazer a medida. Ele me disse então que havia um escritório de prospecção de urânio em Goiânia da Nuclebras e se ele conseguisse o detector eu poderia efetuar essa medida.  

Ele me disse que dois veterinários da vigilância Sanitária me procurariam para ir até o escritório da Nuclebrás e assim foi feito. O que ocorreu é que a uns 70 a 80 metros de distância com o detector ligado casualmente verifiquei que o detector a essa distância já dava sinal da presença do material radioativo bem acima do back ground. Eu achei que o detector estava com defeito. Retornamos ao escritório da Nuclebrás e pedimos ao chefe que me emprestasse um outro detector que estivesse corretamente calibrado .  Retornei novamente ao local e com o detector ligado no mesmo ponto ele saturou a medida. Tecnicamente isso significaria que os dois estavam com defeito ou eu estava num campo de radiação muito intenso. 

Fiquei com segunda opção. Nessa segunda vi que havia um caminhão de Bombeiros com três integrantes que estavam saindo com essa peça envolta num saco plástico que, segundo um deles, iriam jogar no Rio Capim Puba. Eu disse para eles, deixa esse material porque acho que é radioativo e eu preciso saber de onde veio esse material. Por sorte, os dois veterinários haviam anotado os endereços das duas pessoas que haviam levado o cilindro até o local. 

 A Dona Maria Gabriela e o catador de papel do ferro velho, que moravam na parte central da cidade situado no setor norte. Eu dirigi até o local e me aproximando a um quarteirão do ferro velho o detector já dava sinal de presença de material radioativo. Eu fui diretamente ao ferro velho e perguntei a dois cantadores de papel, de onde havia sido retirado aquele cilindro. E eles informaram terem retirado o material de uma Clínica na Avenida Paranaíba com a avenida Tocantins, no instituto de Radiologia. Coincidentemente eu conhecia o Instituto que era o Instituto Goiano de Radioterapia. E perguntei pra eles se era o Instituto. Eles disseram exatamente. Perguntei quem havia levado o material para eles? Nós compramos de dois jovens da Rua 57.

 E como eu conhecia os médicos do hospital, perguntei a um deles o que havia acontecido com a Clínica e a fonte radiativa de Césio.  Fui informado por eles que uma fonte de cobalto havia sido transferida para um outro local já aprovado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear e havia deixado a fonte de césio 137 no antigo Instituto. Eu disse que provavelmente a sua fonte foi roubada. Eles disseram que era impossível. Fomos lá e fizemos uma monitoração e verificamos que não havia rastro de nenhum material radiativo e que o material havia sido roubado. Fiz contato com o secretário de saúde, avisei que era gravíssimo e perguntei se havia algum prospecto sobre a fonte de Césio, que havia sido importada em 1971. Me perguntaram se eu tinha contato com o pessoal do Comissão Nacional de energia nuclear. O Dr. José Júlio Rosental, diretor da CNEN foi avisado e foram tomadas as primeiras providências. No Palácio das Esmeradas, avisamos às autoridades sobre a situação gravíssima.

Foi decidido que todos as pessoas contaminadas seriam levadas para o antigo estádio olímpico. Voltamos ao ferro velho e evacuamos o local. Havia ainda um ferro velho dois, que também foi evacuado. Nesse ferro velho dois morava a menina Leide com a família. Quase todo o material havia ficado com a própria família. Tudo estava contaminado. 

O Dr. Rosental chegou a Goiânia às 00:30 do dia 30 de setembro de 1987 e a Comissão passou a assumir todas as ações e responsabilidade pelo acidente.” 

MEMÓRIA DO ACIDENTE - 

A história que chocou a opinião pública não pode ser esquecida. Uma cápsula de césio-137 – substância radioativa componente de um aparelho usado no tratamento de câncer, de propriedade do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), foi deixada na antiga sede do já desativado instituto. De acordo com as notícias da época, no dia 13 de setembro de 1987, os catadores de papel Wagner Motta Pereira e Roberto Santos Alves entraram no local, retiraram o aparelho, abriram algumas partes e venderam uma delas, a que continha a cápsula com o césio-137, para Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho. Ao arrombar a cápsula, a golpes de marreta, Devair liberou o césio, um pó brilhante, parecido com purpurina. 

A cápsula com o césio 137 passou de mão em mão, em várias casas de família.  Por fim, foi levada de ônibus à Vigilância Sanitária por Maria Gabriela Ferreira, mulher de Devair. Ela suspeitou que os problemas de saúde da sua família tivessem alguma relação com o equipamento. 

O então presidente da República, José Sarney, mandou prender os culpados pelo acidente e visitou dez pessoas contaminadas, internadas no Hospital Geral do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) em Goiânia. O diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma, anunciou a abertura de inquérito. O presidente da CNEN, Rex Nazaré, admitiu a necessidade de rever as normas de licenciamento e fiscalização de instituições de Medicina Nuclear o país. O ferro-velho e as moradias dos pacientes mais contaminados foram demolidos. O Exército deslocou pessoas para região.  

Funcionários da CNEN ainda sem saber a dimensão do acidente, não tomaram precauções de segurança ao medirem a radiação: usavam calça jeans, tênis e sapatos. Os médicos Orlando Alves Teixeira, Criseide Castro Dourado e Carlos Bezzerril, sócios-proprietários do Instituto de Radioterapia; e o responsável técnico do instituto, físico hospitalar Flamarion Barbosa Coulart, foram indiciados pela Polícia Federal (PF). Na CNEN, só houve um indiciado: o chefe do Departamento de Instalações Nucleares e Materiais Nucleares, físico José Rosental. 

Mais tarde, a Procuradora da República solicitou a exclusão de Rosental do caso e a Justiça acolheu o pedido. Enquanto a CNEN afirmava que o caso estava sob controle, a cada dia apareciam outros focos de contaminação. No dia 23 de outubro de 1987 ocorreram as duas primeiras mortes. A menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, filha de Ivo Alves Ferreira e sobrinha de Devair, foi uma das quatro vítimas fatais. Com as mãos contaminadas, Leide havia comido um pedaço de pão. Ela teve ulcerações na língua, boca e garganta, e lesões internas. A segunda vítima foi a tia da menina e mulher de Devair, Maria Gabriela, de 38 anos. Ambas morreram no Hospital Naval Marcilio Dias, no Rio de Janeiro, onde foram internadas com outros contaminados. 

 No dia 27 de outubro daquele ano morreu a terceira vítima: Israel Batista dos Santos de 22 anos, que trabalhava no ferro-velho e ajudara Devair a abrir o aparelho. No dia seguinte, morreu o empregado do ferro-velho Admilson Alves de Souza, de 18 anos. O catador de papel Roberto Santos Alves, de 21 anos, sobreviveu, mas teve o antebraço amputado por causa das lesões provocadas pela contaminação. O medo da contaminação levou a uma atitude violenta os moradores da vizinhança do Cemitério-Parque, em Goiânia, onde a menina Leide foi sepultada. Eles atiraram pedras e pedaços de cruzes de concreto contra o cortejo, em protesto pela escolha do local para enterrar as vítimas da contaminação radioativa.  

O presidente da CNEN, Rex Nazaré Alves culpou os donos da clínica, que não teriam comunicado à Comissão a desativação do aparelho radiológico. Os donos, por sua vez, culparam os catadores de papel e a própria CNEN, que deixou de fiscalizar o equipamento na antiga sede do instituto. 

Cerca de 112 mil pessoas que temiam estar contaminadas foram examinadas durante dois meses no Estádio Olímpico de Goiânia. Para atender às vítimas do acidente, o governo de Goiás criou a Fundação Leide das Neves. Segundo a médica Maria Paula Curado, que presidiu a Fundação naquela época, 244 pessoas estavam realmente contaminadas e 50 delas tiveram que receber tratamento hospitalar. Entre as 50 pessoas, 28 tiveram lesões e queimaduras causadas pela radiação.

 Desse grupo, 10 pacientes foram submetidos a cirurgias plásticas reparadoras, das quais oito sofreram síndrome aguda da radiação, depressão da medula, hemorragias e distúrbios de comportamento. No grupo de pessoas mais graves, cinco pessoas contraíram câncer e duas estavam em tratamento, naquela época. “Mas não existe um exame sequer capaz de provar que o câncer foi provocado pelo acidente”, avisava a médica. Devair morreu em maio de 1994 de insuficiência renal e hepática, conforme atestado médico. 


LIXO RADIOATIVO - 

Além de famílias destroçadas e outras que lutam na Justiça para serem indenizadas, o acidente deixou um grande problema para o futuro: seis mil toneladas de rejeitos radioativos armazenados no depósito em Goiânia com atividade radioativa por pelo menos 300 anos. Nesse total, estão 1.343 caixas metálicas; 4223 tambores de 200 litros; 10 contêineres marítimos; e oito recipientes de concreto.

 FOTO: CNEN – ARQUIVOS – BLOG -   

Leia no BLOG, em 16/9/2021: "Acidente com capsula de césio-137 em Goiânia faz 34 anos. Foi batismo de fogo, deixou mortos, medo e seis mil toneladas de lixo radioativo”; em 28/09/2021: “Acidente com césio-137 em Goiânia, 34 anos depois”, por Célio Bermann. 

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terça-feira, 3 de setembro de 2024

BNDES entrega estudo final com estimativas de custos para a conclusão ou não de Angra 3.

 


O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entregou nesta terça-feira (3/9) a Eletronuclear o estudo de viabilidade sobre a usina nuclear Angra 3, cujas obras foram iniciadas em 1984. Segundo a Eletronuclear, estima-se que o custo para abandonar as obras de Angra 3 pode passar de R$21 bilhões, sem gerar energia elétrica. Já o custo para finalizar a construção foi avaliado em torno de R$23 bilhões. O montante já investido na obra é de quase R$12 bilhões. A expectativa é que a usina entre em operação comercial em 2031, se o governo bater o martelo pela conclusão das obras.

O estudo apresenta a viabilidade técnica, econômica e jurídica do projeto, e será enviado ao Ministério de Minas e Energia (MME) e aos acionistas (ENBPar e Eletrobras) no mesmo dia e, em seguida, o MME deverá encaminhar para o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que decidirá pela conclusão ou não da usina. A tarifa proposta no estudo está estimada em R$653,31 por megawatt-hora (MWh), valor similar à tarifa de referência definida pelo CNPE em 2018 (R$480,00, que atualmente correspondem a R$639,00). 

“O estudo identificou também que cerca de R$800 milhões em equipamentos de Angra 3 foram utilizados por Angra 2. Da mesma forma, entre R$500 milhões a R$600 milhões em combustível nuclear foram utilizados pela segunda usina brasileira, e tinham sido inicialmente comprados para a terceira. Por isso, aproximadamente R$1,4 bilhão será reembolsado pelo próprio caixa de Angra 2. Tal fato impacta positivamente a competitividade tarifária de Angra 3”, informou a Eletronuclear. 

Segundo a companhia, seguem algumas dívidas, por conta da desistência de continuar a usina; o que implicaria em um custo de cerca de R$21 bilhões, divididos da seguinte forma, com valores aproximados: R$9,2 bilhões para quitar financiamentos já existentes com a Caixa Econômica Federal (CEF) e o BNDES, incluindo multas e penalidades decorrentes da não conclusão da obra; R$2,5 bilhões para a rescisão de contratos firmados e suas respectivas penalidades; R$1,1 bilhão para a devolução de incentivos fiscais recebidos na importação e aquisição de equipamentos;  R$940 milhões em desmobilização da obras já realizada;R$7,3 bilhões de custo de oportunidade de capital investido. 

Com a sua finalização, a obra será financiada pela própria Eletronuclear junto a um consórcio de bancos, sem informar quais. Angra 3 fez parte do pacote do acordo nuclear Brasil-Alemanha, assinado em 1975, pelo general Ernesto Geisel. Iniciadas em 1984, as obras foram diversas vezes paralisadas. Terá potência de 1.405 megawatts, sendo capaz de produzir cerca de 12 milhões de MWh anuais. Com a conclusão de Angra 3, a Central Nuclear de Angra passará a gerar o equivalente a 70% do consumo do estado do Rio de Janeiro. 

(FOTO: ELETRONUCLEAR ) – 

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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

INB omite informações sobre barragens em Caldas (MG): a BAR está em nível de alerta e a D4, de emergência. O dano potencial associado é alto

 


A Indústrias Nucleares do Brasil (INB) omitiu ao público informações relevantes sobre a verdadeira situação da Barragem de Rejeitos (BAR) no município de Caldas (MG). Segundo a INB, a barragem teve o seu nível de emergência retirada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), levando a população a acreditar que não há mais nenhum problema no local. O fato é que a ANM alterou o enquadramento da Barragem de Nível de Emergência 1 (NE1) para Nível de Alerta. Já a Barragem D4, continua em nível de emergência.  

Apesar de diversas melhorias, a ANM admite que ambas permanecem com “Dano Potencial Associado alto”. 


Segundo a ANM, a alteração foi fundamentada uma vez que a estabilidade da estrutura foi atestada por dois auditores externos na Inspeção de Segurança Regular do 1º ciclo de 2024 e na Revisão Periódica de Segurança de Barragens (RPSB) realizadas pelas empresas VTB Engenharia e WN Engenharia, respectivamente informou a ANM. A última vistoria da ANM à estrutura ocorreu entre os dias 09 e 10 de abril deste ano.  

“No dia 19/08/2024, a ANM alterou o enquadramento da Barra gem de Rejeitos (BAR) de Nível de Emergência 1 (NE1) para Nível de Alerta. Essa alteração foi fundamentada nos critérios estabelecidos nos Artigos 40 e 41 da Resolução ANM n° 95/2022, uma vez que a estabilidade da estrutura foi atestada por dois auditores externos na Inspeção de Segurança Regular (ISR) do 1° ciclo de 2024 e na Revisão Periódica de Segurança de Barragens (RPSB), realizadas pelas empresas VTB Engenharia e WN Engenharia, respectivamente. A última vistoria da ANM à estrutura ocorreu entre os dias 09/04/2024 e 10/04/2024”, informou a ANM. 

Em relação à Barragem D4, a estrutura permanece enquadrada em (NE 1), nível de emergência, “por não atender aos critérios de segurança hidráulica” estabelecidos nos Artigos 5° e 24 da Resolução ANM n° 95/2022. “Apesar de já terem sido executadas diversas ações que contribuíram para a melhoria de sua segurança (implantação de drenagem superficial, roçagem dos taludes, regularização de crista, instalação de instrumentação, investigações geotécnicas, implantação do canal de desvio do efluente, canal de desvio de águas pluviais), por exemplo. Atualmente, estão sendo executadas medidas adicionais, como a dragagem parcial do reservatório, que visam, dentre outras coisas, aumentar a borda livre e, consequentemente, a segurança hidráulica da barragem. 

Desde maio/2023, quando a ANM passou a fiscalizar a segurança da Barragem D4 e da Barragem de Rejeitos, foram realizadas 34 exigências referentes a essas duas estruturas. Dessas, 32 já tiveram o cumprimento analisado pela ANM e foram encerradas; duas, referentes à Barragem D4, permanecem em aberto, dentro do prazo concedido para atendimento. As datas das próximas vistorias às estruturas ainda não foram definidas pela ANM. 

DANO POTENCIAL ASSOCIADO  ALTO - 

Segundo a ANM, “de modo geral, embora as estruturas permaneçam com Dano Potencial Associado (DPA) alto”, nota-se uma evolução significativa na gestão de segurança, o que se traduz em maior segurança para a população e o meio ambiente. A ANM reconhece que desde maio/2023, ocorreram melhorias na confiabilidade das análises técnicas, no monitoramento, na governança, a partir de auditores externos e da engenharia de registro, maior conhecimento sobre as estruturas, melhorias nas condições de conservação, maior conformidade legislativa e com boas práticas de segurança de barragens, e, especificamente em relação à Barragem D4, incremento da segurança hidráulica por meio de obras. 

“Ainda assim, destaca-se que, nas duas estruturas, ainda são necessárias ações para garantir a segurança e a conformidade legislativa, o que permitirá a remoção dos níveis de emergência e alerta atualmente vigentes. Essas ações estão sendo monitoradas pela ANM”. 

Finalizou reiterando que a competência fiscalizatória da ANM sobre essas estruturas abrange, exclusivamente, a segurança das barragens. Aspectos concernentes à segurança nuclear e proteção radiológica são de competência da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que ainda não foi regulamentada, e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). A Barragem de Rejeitos foi construída no início da década de 80 para conter os rejeitos procedentes da exploração na primeira mina de urânio do Brasil, Mina da Cava. Bacias e rios da região foram contaminados com esse material radioativo. 

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