quinta-feira, 26 de maio de 2022

Brasil forma, mas não retém recursos humanos em Engenharia Nuclear no País, por Aquilino Senra. Exclusivo para o blog.

 


Há muitos exemplos de desenvolvimentos tecnológicos feitos no Brasil que resultaram em relevantes contribuições para o país. Alguns se tornaram referência mundial, com grande repercussão no mercado internacional. Entre eles, destacam-se: os avanços que tornaram o Brasil líder na exploração e produção de óleo e gás em águas profundas, alcançando a autossuficiência na produção de petróleo; e a criação de uma indústria aeronáutica nacional, cujos projetos de construção de aeronaves para uso civil e militar têm obtido ótimo desempenho no mercado mundial.

Vale ressaltar também o domínio autônomo da tecnologia para enriquecimento isotópico do urânio, que colocou o país no seleto clube de onze países que dominam essa tecnologia estratégica; a produção de biocombustíveis, como alternativa energética que contribui para a melhoria da qualidade ambiental e para a valorização das atividades rurais, que tem merecido a atenção de países interessados em reduzir a dependência do petróleo ou atender aos compromissos internacionais assumidos para redução da emissão de gases causadores do efeito estufa.

Todos os exemplos citados têm dois pontos em comum: a capacidade da engenharia de transformar os conhecimentos das ciências básicas em tecnologias avançadas, que impulsionam o desenvolvimento econômico e contribuem para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Outro ponto é a natureza multidisciplinar dos projetos, envolvendo áreas distintas do conhecimento, inclusive no âmbito da própria Engenharia. Todos esses avanços foram conquistados com forte interação entre profissionais e pesquisadores de empresas, institutos de pesquisa e das universidades.

As universidades desempenham papel primordial na formação de recursos humanos, em nível de graduação e pós-graduação, e contribuem ativamente no desenvolvimento de projetos tecnológicos demandados pelas empresas. A formação da necessária quantidade de engenheiros com sólida formação é, portanto, o primeiro grande desafio para a ampliação da capacidade tecnológica do país. 

Atualmente apesar de todas as mazelas a economia brasileira ocupa a 13ª posição no ranking das economias mundiais. De forma consistente ocupa a 13ª posição no número de publicações científicas em revistas indexadas de circulação internacional, principalmente pelas relevantes pesquisas desenvolvidas nas universidades públicas do país. No entanto, ocupa a triste 57ª posição no ranking de inovação tecnológica. A conclusão científica é que o Brasil necessita com urgência transformar o conhecimento científico em produtos tecnológicos inovadores. E nesta atividade o engenheiro desempenha um papel importante. 

Há diferentes motivos para tal situação, mas dois se destacam: a desindustrialização crescente ano após ano no país e a recente desconstrução de empresas de engenharia, empreiteiras e empresas estatais. Esta última principalmente em consequência da operação Lava Jato que jogou fora a água do banho com o bebê junto, ao punir aqueles que cometeram algum desvio de recursos, mas não preservando as empresas nacionais e seus trabalhadores. Especificamente, no setor nuclear observa-se a redução da capacidade produtiva dos institutos de pesquisa, com uma perda significativa de mais de 50% dos quadros de profissionais altamente especializados em relação à média histórica. Ainda que em menor escala, o mesmo ocorre com as empresas estatais do setor nuclear e as universidades que formam recursos humanos para esse setor. 

A situação parece piorar a cada dia com pouquíssima oferta de empregos para os jovens engenheiros nucleares no país, com a exceção da Amazul, empresa estatal responsável pelo desenvolvimento de projetos de engenharia das atividades nucleares da Marinha do Brasil. As demais empresas e instituições não têm aberto concursos públicos e quando abrem os números de vagas disponíveis para contratação imediata não são significativos. Isto desestimula os egressos dos cursos de engenharia nuclear e frustra os professores, que investiram muito do seu tempo e esforços na criação e manutenção desses cursos. 

Apenas, para exemplificar, em 2010 a Escola Politécnica da UFRJ de forma pioneira criou o curso de graduação em Engenharia Nuclear, visando formar um engenheiro com uma sólida base técnica, científica e profissional, com capacidade para absorver e desenvolver novas tecnologias da energia nuclear. O curso também estimula a atuação crítica e criativa dos estudantes na identificação e solução de problemas de engenharia, incentivando fortemente a inovação tecnológica. 

Transcorridos 12 anos desde a criação do curso de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ se verifica que a maioria dos egressos está sendo contratada por instituições fora do setor nuclear brasileiro e do país. Estão sendo contratados por empresas no exterior, em empresas nacionais sem qualquer vinculação com cadeia produtiva do setor nuclear, nas instituições do setor financeiro ou se inscrevendo e sendo aceitos em cursos de pós-graduação de universidades estrangeiras, visando ampliar o leque de oportunidades futuras. 

O curioso é que o Programa Nuclear Brasileiro, aprovado através do Decreto No 9.600 de 5/12/2018, explicita em alguns dos seus artigos o incentivo e fomento a formação continuada de recursos humanos necessários para o desenvolvimento da tecnologia nuclear e a sua fixação nesse setor. 

Para não ser letra morta, é necessário criar um programa especial de contratação de engenheiros nucleares formados nas universidades brasileiras. Caso contrário, acabarão saindo do país ou sendo contratados por empresas fora do setor nuclear. 

O futuro do uso da energia nuclear para geração de eletricidade e aplicações de radioisótopos nos mais diferentes segmentos da sociedade brasileira depende fortemente da capacidade de atração e retenção de jovens talentos no setor nuclear do país. 

PERFIL:

Aquilino Sena é doutor em Ciências da Engenharia Nuclear e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lotado desde 1977 no Programa de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ. É Pesquisador Nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Foi membro dos Comitês Assessores do CNPQ (1988-1990 e 1993-1996) e da CAPES (1989-1993), Editor da Revista Brasileira de Engenharia Nuclear (1986-1994), presidente do Conselho de Administração da Fundação COPPETEC (2002-2004), do Conselho Deliberativo da COPPE/UFRJ (2002-2005); membro do Conselho Superior da FAPERJ (2006-1012), vice-diretor da COPPE/UFRJ (2007-2012). 

Atuou também na Academic Representative of the Executive Board of The China–Brazil Center for Climate Change and Energy Technology Innovation (2009–2013 e 2016-2019), coordenou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Inovadores (2009-2011), foi membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República (2010–2014) e presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de (2013-2016). 

Entre outros, recebeu os seguintes prêmios: Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio Lobo Carneiro de Mérito Acadêmico, Medalha Almirante Tamandaré e LAS/ANS Personalidade do Ano.

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2 comentários:

  1. Uma análise objetiva de um cenário triste, descrito por Aquilino Senra, Pena que o grande público desconheça essa realidade.

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    1. Agradecemos imensamente a sua participação, o que muito nos honra.

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