Enquanto o governo adia a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em Iperó (SP), que daria independência à produção de material radioativo para a realização de exames e tratamento contra o câncer e outras doenças, os centros de medicina nuclear correm o risco de ficar desabastecidos. O drama para pacientes que dependem de tratamento deve ocorrer a partir da próxima segunda-feira (20/09), quando o Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) terá a produção suspensa de todos os fármacos e de isótopos radioativos por falta de verbas.
À noite, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações divulgou nota informando que desde junho de 2021 vem trabalhando com o Ministério da Economia para a maior disponibilização de recursos para a produção de radiofármacos pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), vinculado a esta pasta por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN/MCTI). Para a recomposição do orçamento do Instituto, o Governo Federal por meio do MCTI está sensibilizando o Congresso Nacional pela votação e aprovação do PLN 16/2021 prevista para a próxima semana.
“Tão logo tenhamos a informação quanto ao recebimento dos recursos orçamentários extras e, consequentemente, à normalização nos fornecimentos, entraremos em contato imediatamente por meio do Serviço de Gestão Comercial do IPEN-CNEN”, consta parte de comunicado do IPEN/CNEN enviado aos serviços de medicina nuclear.
O problema é gravíssimo e pode afetar milhares de pessoas. Cerca de dois milhões de procedimentos médicos são realizados, por ano, utilizando radioisótopos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 440 clinicas cadastradas para realizar o trabalho semanalmente. Somente o RMB, dará autonomia ao Brasil na área de produção de radioisótopos. Mas o projeto não recebe nenhuma verba há anos, conforme o blog vem divulgando desde março do ano passado.
A suspensão da produção anunciada pelo IPEN agora, segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), “causará importantes danos à sociedade como um todo”, seja em pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja por permitir diagnósticos mais precisos para cirurgias, por exemplo. Na nota da SBMN, o IPEN anunciou que depende da liberação de verbas orçamentárias extraordinárias para a retomada de seu funcionamento. “Até que isso aconteça, a Medicina Nuclear Brasileira fica de mãos atadas e os pacientes, sem seus devidos procedimentos médicos”, afirmo presidente da SBMN, George Coura Filho.
EMPOLGADOS DISCURSOS -
O projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (PMB) costuma motivar empolgados discursos políticos pela autossuficiência nacional na produção de radioisótopos e fontes radioativas, aplicados no diagnóstico e tratamento de doenças como o câncer. Mas o projeto não sai do papel. Os radioisótopos possibilitam que os médicos vejam o funcionamento de órgãos e tecidos vivos por meio de imagens como as tomografias, radiografias e cintilografias.
A falta de decisão de governos para destravar a construção do RMB levará o país este ano a gastar mais de R$ 60 milhões (de acordo com a alta do dólar), importando radioisótopos da África do Sul, Rússia, Holanda e principalmente da Argentina. O Brasil importa cerca de 4% da produção mundial anual do radioisótopo molibdênio-99. O decaimento radioativo do molibdênio-99 produz o radioisótopo tecnécio-99m, utilizado nos radiofármacos (substância química) mais empregados na medicina nuclear. Para se ter ideia da necessidade do RMB, cerca de dois milhões de procedimentos médicos são realizados, por ano, utilizando radioisótopos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 440 clinicas cadastradas para realizar o trabalho semanalmente.
Cerca de 440 mil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante pela rede privada. O apelo social do projeto é que a partir do funcionamento do RMB, haveria um aumento significativo da utilização do serviço pelo SUS. As informações são do engenheiro civil, mestre em engenharia nuclear e doutor em tecnologia nuclear, José Augusto Perrotta, coordenador do RMB, tecnologista sênior da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pelo empreendimento. A construção do RMB foi orçada em US$ 500 milhões, quando idealizada em 2009. Até hoje foram aplicados apenas R$ 230 milhões. Para a sua entrada em funcionamento, teriam que ser aplicados, em média, cerca de US$ 100 milhões, ao longo de cinco anos.
CRISE MUNDIAL –
O projeto do RMB ganhou força em 2009, a partir da crise mundial provocada pela paralisação do reator canadense National Research Universal (NRU), que atendia na época a cerca de 30% da demanda mundial de molibdênio-99. “O problema gerou o primeiro desabastecimento internacional do medicamento, algo sem precedentes”, comentou Perrotta. Quatro reatores de pesquisa estão em funcionamento no Brasil. Somente o reator EIA-R1, instalado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), produz radioisótopos. O EIA-R1 funciona há 63 anos, e espera-se que tenha mais 10 anos de vida. Contudo, ele não tem capacidade de produzir radioisótopos em escala necessária. Por isso, o IPEN, através da CNEN, importa todo o molibdênio-99 utilizado na produção de radiofármacos.
Segundo Perrotta, a CNEN
gasta US$ 15 milhões por ano com essa importação, que gera um faturamento de R$
120 milhões, ano, recursos que vão direto para o caixa do governo. Sem o
EIA-R1, o país ficará ainda mais dependente, alerta Perrotta, em seus mais de
40 anos de experiência no setor nuclear no Brasil e exterior. “Alguns estádios para as olimpíadas custaram
mais do que o valor do RMB”, comentou Perrotta. Lembrou que a Argentina iniciou
projeto semelhante no mesmo tempo que o Brasil. Mas o projeto argentino já está
com 70% das obras prontas. “Acreditamos que podemos recuperar o tempo perdido”,
acredita.
FOTO: Ilustração da maquete do RMB - CNEN
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