O processo democrático requer que as atividades em qualquer área sejam desenvolvidas e regulamentadas dentro de um arcabouço legal. Atualmente o processo de licenciamento de instalações nucleares e o uso de material nuclear e radioativo é de responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) por lei. A Portaria da Marinha não tem preponderância sob a Lei da CNEN, isto é, nos marcos legais de hoje, a CNEN mantém a responsabilidade pelo licenciamento de submarinos. A Portaria da Marinha que cria uma organização interna pode ser considerado como auxiliar no desenvolvimento de um projeto seguro e para servir de apoio nos contatos com a CNEN nas questões de licenciamento. Portanto, para legalizar a atual situação foi necessária a inserção do artigo sétimo da MP que dá poderes à Marinha do Brasil de licenciar as instalações embarcadas (submarinos nucleares). Em outras palavras, o artigo sétimo da MP cria a Autoridade de Segurança Nuclear da Marinha do Brasil exclusivamente para os submarinos nuclear.
As especificidades dos submarinos nucleares foram a justificativa para a emissão da Portaria da Marinha do Brasil. No entanto, cabe enfatizar que todas as instalações nucleares têm suas especificidades, seja de usinas nucleares, de repositórios como a (Unidade de Armazenamento a Seco (UAS), de instalações do ciclo do combustível, ou seja das instalações radioativas dos mais variados tipos de grande e de pequeno porte. Portanto, o licenciamento de um submarino nuclear pela CNEN ou pela Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN) será apenas mais um exercício, não cabendo uma organização própria devido à especificidade de um submarino nuclear.
O artigo “Medida Provisória da Autoridade de Segurança Nuclear afronta à Lei Brasileira do setor” procurou alertar para a necessidade de seguirmos o exemplo de países desenvolvidos em energia nuclear e democraticamente organizados, utilizando o sistema de pesos e contrapesos. Para garantir a segurança nuclear sempre é necessário existir uma organização de estado com independência com relação aos projetistas e aos operadores e isto inclui as instalações militares em terra ou embarcadas.
A organização do Estado dos EUA para as aplicações militares da energia nuclear, particularmente no que diz respeito às instalações da Marinha, seja em terra como embarcadas pode ser vista em detalhes no organograma do Departamento de Energia (DoE) que conta atualmente com a “National Nuclear Security Administration” (NNSA), criada pelo Congresso em 2000 e comandada pela Engenheira Mecânica Jill Hruby, ex-Sandia, recém-nomeada. A NNSA é o órgão do DoE dedicado às instalações militares, inclusive de submarinos nucleares. Subordinado à NNSA está o “Naval Reactors”. Portanto, existe nos EUA um órgão civil, NNSA/DoE, dirigido por uma engenheira, ex-Sandia, responsável pela segurança nuclear das instalações militares, inclusive dos submarinos. Estas informações podem ser vistas no site do DoE.
Também é atribuição da NNSA/DoE, a partir de 2000, o Programa de Propulsão Nuclear da Marinha Estadunidense (Naval Nuclear Propulsion Program (NNPP)) de coordenação do projeto, operação e gerenciamento sob responsabilidade de civis e militares, utilizando inclusive documentação e regulamentação de segurança da USNRC, agência estadunidense para licenciamento de instalações comerciais. Esta estrutura de forma nenhuma prejudica a atuação das FFAA estadunidenses, mas fortalece as instalações nucleares militares nos aspectos de segurança nuclear. Isto faz parte dos pesos e contrapesos para o bom funcionamento de uma sociedade democrática, no caso em não permitir que a raposa tome conta do galinheiro. Inclusive, quando as instalações pertencem ao DoE, a USNRC tem participação ativa para garantir que haja independência nos aspectos relativos à segurança nuclear. É bem interessante este aspecto da legislação estadunidense, pois sempre se procura garantir a independência na avaliação de segurança e seus desdobramentos.
Portanto, a forma mais simples de garantir a segurança nuclear das Instalações militares em terra e embarcadas é a adotada pelos EUA, através do DoE/NNSA. No entanto, a realidade brasileira de um pessoal qualificado em segurança nuclear em pequeno número nos indica que a melhor solução é manter aglutinado em um só órgão o licenciamento de instalações civis e militares, tanto em terra como embarcadas (submarinos), desde que lhe seja garantida a independência política.
Mesmo que o Brasil venha a reproduzir o modelo estadunidense, é necessária a elaboração de uma lei específica com todo o detalhamento para a formalização de uma nova organização, isto é, não se pode resumir apenas a um artigo inserido na lei da ANSN, conforme está na MP.
Uma lei específica dará mais transparência e segurança jurídica para a Marinha do Brasil e uma garantia de proteção para os servidores civis e militares da Marinha do Brasil, para a população brasileira e o meio ambiente contra os efeitos danosos das aplicações da energia nuclear. Em conclusão, cabe enfatizar a inestimável contribuição da Marinha do Brasil no debate sobre a segurança nuclear, no que diz respeito à Medida Provisória (MP-1049) para a criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), pouco comum atualmente na comunidade nuclear civil.
Autor: Sidney Luiz Rabello
é formado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo (USP), especializado em Segurança Nuclear, pós graduado em Engenharia
Nuclear. Foi diretor da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Associação
dos Empregados (ASSEC-CNEN), do Sindicato dos Servidores Públicos (Sintrasef) e
conselheiro do CREA-RJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário