Doutor em Ciências da Engenharia Nuclear e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lotado desde 1977 no Programa de Pós Graduação em Engenharia Nuclear da COPPE, Aquilino Senra, tem na bagagem farta experiência para opinar sobre o setor no Brasil. Para ele, a criação da autarquia Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que altera a atuação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é “bem vinda”, mas contém “lacunas, incoerência e fragilidade que exigirão aperfeiçoamento”.
Ex-presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), o professor Aquilino apoia a conclusão da usina nuclear Angra 3 e a prorrogação de vida útil de Angra 1, por exemplo. Contudo, faz um alerta sobre a falta de mercado de trabalho para jovens com excelente capacitação técnica, egressos de cursos de engenharia nuclear, que acabam sendo contratados em outros setores da economia, inclusive pelo mercado financeiro. “Um verdadeiro desperdício. Ele também acha que a comunicação do setor nuclear com a sociedade precisa melhorar muito e avisa, lembrando o Chacrinha: “Quem não se comunica, se trumbica!”. Eis a entrevista exclusiva:
BLOG: O Governo acaba de publicar no Diário Oficial da União (DOU) a Medida Provisória (MP-1049) instituindo a autarquia Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que altera a atuação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O que acha?
AQUILINO SENRA: A separação entre as funções do órgão regulatório da energia nuclear no país e aquelas relativas à promoção ou utilização dessa fonte de energia para qualquer fim é uma reivindicação antiga da comunidade científica. Além disso a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), através da Convenção sobre Segurança Nuclear recomenda fortemente essa separação. Portanto, a criação da ANSN é bem-vinda. Contudo contém algumas lacunas, incoerência e fragilidade que certamente exigirão aperfeiçoamentos no Congresso Nacional. Como disse, a MP 1049 está baseada no pilar da independência entre a política de governo, de fomento e execução de projetos do uso da energia nuclear, das atividades de fiscalização e controle.
BLOG: Outras lacunas?
AQUILINO: A MP não explicita a qual Ministério Supervisor estará a ANSN hierarquicamente vinculada. Essa lacuna necessita ser preenchida porque a independência na gestão é condição fundamental para o exercício pleno das atividades regulatórias e de fiscalização da ANSN. Outra lacuna é a característica dos cargos dos dirigentes no tocante a independência funcional, isto é, esses dirigentes deveriam ter mandato fixado na MP. Melhor ainda seria seguir exemplos de outros países e constituir uma comissão deliberativa na ANSN, com membros com mandato, para analisar e aprovar ou não os pedidos de licenças. Também senti falta da atribuição de responsabilidade pelo controle de material nuclear, ou seja, as salvaguardas nucleares. Segurança e salvaguarda nuclear são conceitos distintos.
BLOG: Pressões internacionais?
AQUILINO: A excepcionalidade dada na MP 1049 para usinas nucleares embarcadas não atende ao objetivo da separação de atividades do órgão regulador e não deixa clara a independência nas atividades reguladoras. Essa excepcionalidade poderá ser um argumento para pressões internacionais de países centrais que são, e serão no futuro, contrários ao importantíssimo desenvolvimento autônomo no país da tecnologia nuclear para a propulsão naval. Como sempre é de se esperar pressões internacionais para impedir que o Brasil se torne um player no mercado internacional da tecnologia nuclear. Foi assim com a tecnologia do enriquecimento isotópico do urânio.
BLOG: Está de acordo com a finalização das obras de Angra 3?
AQUILINO: Estou plenamente de acordo. A usina nuclear Angra-3 já está com mais de 60% do projeto executado. A descontinuidade do projeto seria um desperdício porque entre o desmonte da estrutura já existente, a quitação de empréstimos realizados, multas contratuais e a desativação completa do canteiro de obras seria necessário arcar com um prejuízo de mais de 15 bilhões de reais. Ou seja, abandonar o projeto seria jogar dinheiro fora. Além do que a energia gerada por essa usina será necessária no curto prazo, caso ocorra a desejável recuperação da economia brasileira.
BLOG: Angra 1 está sendo preparada para ter vida útil prorrogada por mais 20 anos. Qual a sua opinião:
AQUILINO: Os projetos originais da maioria das usinas nucleares ao redor do mundo foram feitos estimando-se uma vida útil de 40 anos. Contudo ao longo dos anos de operação dessas usinas foi verificado, através de testes específicos, que essa estimativa foi muito conservadora, sendo possível estender à vida útil pelo menos por mais 20 anos. BLOG: Como é no mundo? AQUILINO: Das 440 usinas nucleares em operação, mais de 100 já receberam autorização para a extensão do tempo de vida dada pelos órgãos reguladores nacionais do uso da energia da energia nuclear. A autorização foi dada após um longo processo de análise que comprovou as condições de operação segura das usinas nucleares após a extensão de vida. As extensões de vida útil das usinas nucleares foram possíveis devido ao avanço tecnológico que resultou em novos materiais e técnicas que permitem a operação segura dessas usinas por um prazo maior que o previsto originalmente.
BLOG: A construção da Unidade de Armazenamento a Seco (UAS) para armazenar os elementos combustíveis usados das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2 tem gerado descontentamentos, inclusive ações na Justiça. Como avalia a questão?
AQUILINO: O armazenamento a seco do combustível irradiado das usinas nucleares está consagrado pelo uso. Boa parte das usinas nucleares em operação no mundo já ficaram sem esse espaço, porque as piscinas de armazenamento temporário dentro destas usinas não foram projetadas com este objetivo em longo prazo e espaço suficiente precisa ser reservado para emergencias, quando for necessário descarregar todo o combustível do reator nuclear. Na ausência de uma solução de longo prazo como o depósito geológico do combustível irradiado, a indústria nuclear passou a usar o chamado armazenamento a seco em cascos de concreto. Os cascos são colocados em fileiras ao ar livre em uma base de concreto para estabilidade. Geralmente, eles são colocados dentro da área controlada da usina nuclear para que fiquem protegidos pela segurança física da usina. Para se ter ideia, em todo o mundo, cerca de 100.000 elementos combustíveis irradiados já estão armazenados inseridos em cerca de 3.400 desses cascos.
BLOG: Como avalia a questão do armazenamento dos rejeitos produzidos no Brasil?
AQUILINO: Segue o padrão adotado internacionalmente até o momento. Armazenamento temporário em piscinas de combustível, localizadas no interior das usinas de Angra dos Reis. Posterior armazenamento a seco em cascos que estão sendo instalados dentro do limite físico da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, enquanto se aguarda o projeto e a construção de um depósito final para o armazenamento dos combustíveis nucleares irradiados.
BLOG: O governo pretende construir seis ou oito usinas no Nordeste. O que acha?
AQUILINO: É fato que o novo Plano Nacional de Energia (PNE) prevê para 2050 a construção de novas usinas nucleares com uma potência total entre 8GW e 10GW. Dependendo da potência de cada uma das novas usinas o número total pode ser superior a oito e serão localizadas em diferentes regiões do país. Contudo, esse é apenas um planejamento e não necessariamente será executado em sua totalidade. Em planejamentos anteriores já foram feitas previsões de construções de um número significativo de usinas nucleares e nenhuma unidade foi construída. Espero que desta vez seja diferente.
BLOG: O governo está retomando a extração de urânio em Caetité, na Baia; e na jazida de Itataia, no Ceará. O que acha?
AQUILINO: Considero a retomada da extração de urânio em Caetité pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB) uma importantíssima realização, comprovando a capacidade técnica dos profissionais da empresa que luta com restrições orçamentárias severas, não obstante o elevado volume de recursos próprios. É uma retomada de produção do concentrado de urânio, importante para a empresa e para o país que economizará divisas. No caso da jazida de Itataia o urânio é um produto secundário da produção do fosfato, essencial para produção de fertilizantes no país. Portanto, o projeto atende a dupla finalidade, ambas importantes para o país e com grandes oportunidades para o desenvolvimento socioeconômico da região.
BLOG: Como avalia a questão nuclear no Brasil nos próximos anos?
AQUILINO: Há inúmeras ações importantes que estão previstas e que devem ser priorizadas, entre elas: retomada da construção da usina nuclear Angra-3, conclusão dos projetos nacionais dos reatores nucleares para produção de radiofármacos e para propulsão naval, aplicações de radioisótopos na medicina, indústria, agricultura, entre outras. Também deve ser priorizada a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico nas universidades e nos institutos de pesquisa do setor nuclear. Por último e não menos importante deve ser priorizada a formação e contratação de recursos humanos no setor nuclear.
BLOG: O que acha da comunicação do setor nuclear com a sociedade?
AQUILINO: Necessita de aperfeiçoamentos, através do uso massivo das mídias sociais para a divulgação de informações técnicas e científicas sobre o uso das inúmeras formas do uso da energia nuclear. A informação correta, transparente e atualizada é melhor forma de mostrar para a sociedade os enormes benefícios dessa fonte de energia. Como dizia o Chacrinha: “quem não se comunica se trumbica!”.
BLOG: Como está o mercado de trabalho para o setor especializado da área nuclear? O Brasil investe em profissionais dessa área?
AQUILINO: Essa é uma excelente pergunta. O setor nuclear caso se concretizem as previsões do PNE 2050, necessitará com urgência de forte investimento na formação e contratação de recursos humanos para construir, licenciar, operar e fazer a manutenção das novas usinas nucleares. Em 2010 foi criado na Escola Politécnica da UFRJ o primeiro e único curso de graduação em Engenharia Nuclear no país e não há um planejamento do Governo Federal para contratação dos egressos desse curso. Esses egressos são jovens com excelente capacitação técnica que não encontram colocação nas empresas e instituições do setor nuclear e acabam sendo contratadas em outros setores da economia, inclusive no setor financeiro. Um verdadeiro desperdício! Atribuo a responsabilidade ao Governo Federal, porque a quase totalidade das empresas do setor nuclear são estatais, dado que as atividades nucleares são monopólio da União segundo nossa Constituição Federal.
PERFIL:
Aquilino Sena é doutor em Ciências da Engenharia Nuclear e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lotado desde 1977 no Programa de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ. É Pesquisador Nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Foi membro dos Comitês Assessores do CNPQ (1988-1990 e 1993-1996) e da CAPES (1989-1993), Editor da Revista Brasileira de Engenharia Nuclear (1986-1994), presidente do Conselho de Administração da Fundação COPPETEC (2002-2004), do Conselho Deliberativo da COPPE/UFRJ (2002-2005); membro do Conselho Superior da FAPERJ (2006-1012), vice-diretor da COPPE/UFRJ (2007-2012).
Atuou também na Academic Representative of the Executive Board of The China–Brazil Center for Climate Change and Energy Technology Innovation (2009–2013 e 2016-2019), coordenou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Reatores Nucleares Inovadores (2009-2011), foi membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República (2010–2014) e presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de (2013-2016).
Entre outros, recebeu os seguintes prêmios: Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio Lobo Carneiro de Mérito Acadêmico, Medalha Almirante Tamandaré e LAS/ANS Personalidade do Ano.
FOTO: AQUILINO SENRA - Assessoria de Imprensa da COPPE/RJ.
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