Os ataques com drones à usina nuclear de Zaporozhye, sejam perpetrados pela Ucrânia ou Rússia, inserem uma nova e perigosa dimensão no conflito entre as duas maiores ex-Repúblicas Socialistas Soviéticas. Isto, com possíveis ramificações extensas, não apenas para a região imediatamente no entorno da maior central nuclear da Europa, mas também para todos os países da União Europeia e, de forma mais ampla, para a comunidade internacional.
A maior preocupação é o potencial risco de um acidente nuclear severo, que poderia ter efeitos desairosos não só na Ucrânia e na Rússia, mas também em países vizinhos. A liberação de material radioativo não conhece fronteiras e uma nuvem contaminada poderia se espalhar por várias nações, dependendo das condições climáticas, colocando em risco a saúde pública e o meio ambiente em uma escala significativa.
As consequências de ataques a instalações nucleares são potencialmente vastas e graves. Um acidente nuclear pode resultar na contaminação de grandes áreas, afetando a terra, a água e a vida selvagem, com consequências duradouras para o meio ambiente e a saúde humana. Poderia ainda forçar a evacuação em massa de áreas afetadas, criando crises humanitárias e de refugiados.
Além dos custos diretos de limpeza e contenção, um desastre nuclear pode ter um impacto econômico substancial na agricultura, no uso do solo e na saúde pública. Conter um vazamento em uma usina nuclear é uma operação extremamente complexa e desafiadora, que depende de vários fatores. Isso inclui o tipo de dano ao reator ou a outras partes críticas da instalação, bem como a quantidade e tipo de material radioativo liberado.
A capacidade de uma usina de conter um vazamento depende de seu projeto, dos sistemas de segurança existentes e de quão bem esses sistemas podem lidar com o tipo específico de acidente. A eficácia da resposta imediata, incluindo o confinamento da área, a evacuação de pessoal e a implementação de medidas de descontaminação, é crucial para minimizar os impactos de um vazamento. A disponibilidade de recursos técnicos, humanos e financeiros para gerenciar a situação é fundamental. Isso inclui também o apoio internacional, como visto após o acidente de Chernobyl e o desastre de Fukushima.
O alcance de um acidente nuclear na Europa dependerá de diversos fatores, incluindo a direção e velocidade do vento que determina a dispersão de partículas radioativas na atmosfera, a quantidade de material liberado, que quanto maior for, maior será a área potencialmente afetada e a eficácia das medidas de contenção e descontaminação que pode limitar significativamente o alcance da contaminação.
De toda forma, é importante ressaltar que a gravidade de um acidente severo na Central de Zaporozhye muito provavelmente teria consequências significativamente menores do que o acidente de Chernobyl, ocorrido em 26 de abril de 1986, devido às características técnicas dos diferentes tipos de reatores envolvidos: Pressurized Water Reactors PWR, moderados e resfriados a água leve líquida em Zaporozhye e Reaktor Bolshoy Moshchnosty Kanalnyy RBMK, moderados a grafite e resfriados a água leve fervente em Chernobyl.
A grande severidade do acidente de Chernobyl se deu, fundamentalmente, pelo incêndio de centenas de toneladas de grafite. A energia liberada essa imensa “fogueira” lançou por sua vez centenas de toneladas de material radioativo a grande altitude que se dispersou pelo efeito da direção e da intensidade dos ventos a grandes distâncias da central.
Num reator PWR não existe equivalentes quantidades de energia a serem liberadas em condições acidentais, o que limita a quantidade, altura e alcance dos materiais nucleares lançados na atmosfera mesmo nas mais severas condições acidentais. É importante notar que a Europa possui um sistema de alerta rápido para emergências nucleares, o ECURIE, que garante que os países membros sejam rapidamente informados sobre acidentes nucleares que possam afetá-los, permitindo uma resposta coordenada e eficaz.
A possibilidade de que tais ataques desencadeiem uma terceira guerra mundial é uma preocupação grave e plausível. A dinâmica do conflito atual é influenciada por uma teia intricada de alianças militares, interesses geopolíticos e estratégias de contenção. Ataques contra instalações nucleares são percebidos como escaladas significativas de conflito. Se considerados atos de guerra, podem justificar retaliações severas.
A natureza e a extensão de tais retaliações dependeriam de muitos fatores, incluindo a percepção internacional do incidente e as decisões estratégicas das principais potências mundiais. O envolvimento de membros da OTAN, fornecendo apoio à Ucrânia, complica ainda mais a situação. Enquanto a OTAN tem sido cuidadosa em sua abordagem para evitar uma escalada direta com a Rússia, a linha entre apoio e envolvimento direto é tênue e delicada.
A prevenção de uma escalada para um conflito mais amplo provavelmente dependerá de intensos esforços diplomáticos e de tentativas de desescalada por todas as partes envolvidas. Enquanto o risco de uma terceira guerra mundial decorrente de tais ataques não podem ser descartada completamente, muitos países e organizações internacionais estão profundamente empenhados em evitar tal cenário. A situação exige uma vigilância constante, uma diplomacia cuidadosa e, possivelmente, uma reavaliação dos protocolos de segurança em torno de instalações nucleares em zonas de conflito.
No passado, a segurança de usinas nucleares em meio à guerra era uma parte puramente teórica de seus relatórios de análise de segurança. Geralmente, ela era considerada em termos de uma única ocorrência, como a queda de um avião na cúpula da estrutura de contenção ou danos a um dos elementos importantes do funcionamento de uma usina após um ataque terrorista.
Durante a projeção e construção da maioria dos reatores atualmente em operação, um ataque terrorista parecia muito improvável. Foi o suficiente para que fosse levada em conta a falha completa de quaisquer elementos, independentemente da causa. O projeto garantiu a segurança de uma estação após tais eventos iniciais.
Em 2011, o terremoto e o tsunami no Japão, que haviam sido avaliados como de probabilidade insignificante, certamente mudaram as percepções de segurança. A probabilidade de ser afetado pela guerra mudou de maneira semelhante. A suposição de que um país com energia nuclear é suficientemente desenvolvido para não ser arrastado para um conflito militar em seu território influencia a avaliação de que tal possibilidade seja baixa. No entanto, eventos podem contrariar nossas previsões otimistas com uma frequência surpreendente.
Na Ucrânia, eventos recentes aumentaram a probabilidade de tais eventos ocorrerem. A relação entre energia nuclear e guerra começa na década de 1950. Desde então, houve conflitos em pelo menos oito países com usinas ou programas nucleares, como Iugoslávia, Irã, Iraque, Síria, Índia, Paquistão, Armênia e, finalmente, Ucrânia. Vamos examiná-los em um próximo artigo.
AUTOR - Leonam dos Santos Guimarães: Doutor em Engenharia Naval e Oceânica pela USP e Mestre em Engenharia Nuclear pela Universidade de Paris XI, é CEO da Eletrobrás Eletronuclear, membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), membro do Conselho de Representantes da World Nuclear Association (WNA). Foi Presidente da Seção Latino Americana da Sociedade Nuclear Americana, Diretor Técnico-Comercial da AMAZUL, Assistente da presidência da Eletrobrás Eletronuclear e Coordenador do Programa de Propulsão Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).
(Reprodução autorizada pelo autor - foto arquivo pessoal) -
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