Depois de vender urânio para a produção de combustível destinado às usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, em 2019, conforme o blog divulgou, o governo do Cazaquistão retorna ao Brasil visando novos negócios. Representando a estatal Kazatomprom, líder mundial em mineração de urânio, o embaixador do Cazaquistão, Bolat Nussupov, se reuniu com o presidente da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Carlos Freire Moreira, na quinta-feira (12/8). “Temos uma cooperação de muita confiança e orientada para o futuro”, afirmou o embaixador Nussupov.
A fim de ampliar as parcerias entre as duas empresas estatais, o embaixador convidou a INB para participar do Conselho Empresarial Cazaque-Brasileiro, que está sendo criado e deve ter sua primeira reunião realizada nos próximos meses. Nussopov também intenciona estabelecer um memorando de entendimento que poderá abrir novas oportunidades de negócios entre os dois países.
Oficialmente, os negócios entre Brasil e Cazaquistão começaram em 2019. Foi quando o Brasil importou urânio na forma de pó amarelo, mais conhecido como yellowcake (U3O8) do Cazaquistão, para começar a produzir a recarga de combustível para a usina nuclear Angra 2, em dezembro de 2020. Um ano antes, a INB confirmou o negócio ao blog: “Para a produção da 16º recarga de Angra 2, que tem previsão de entrega em maio de 2020, a empresa já adotou as medidas visando as aquisições de matérias-primas e componentes”, informou. “Os valores são tratativas comerciais de cunho estratégico”, acrescentou a empresa.
O urânio para ser usado na produção da recarga para a usina Angra 1 também foi importado do Cazaquistão. Segundo a INB informou na época, o processo foi realizado via licitação.
Na quinta-feira passada, durante o encontro, a INB apresentou ao embaixador Nussopov um vídeo sobre a retomada das atividades de produção de urânio na Unidade de Caetité, na Bahia.
CRÍTICAS DE ESPECIALISTAS -
A retomada da produção em Caetité tem sido criticada por especialistas como o professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em Engenharia de Produção na área de Planejamento Urbano e Regional pela COPPE/UFRJ e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP, Bermann faz um retrospecto da atividade no Brasil e explica por que o empreendimento não é seguro.
“O Brasil teve o primeiro local de exploração de urânio em Caldas (MG) cuja mina se encontra atualmente esgotada. Essa exploração do minério deixou uma barragem com rejeitos que coloca em risco a região em caso de rompimento. Vários casos de câncer nos trabalhadores da mina foram notificados pelos serviços de saúde local, muito embora a relação causa-efeito com a exposição a material radioativo nunca tenha sido estabelecida”, relembrou Bermann.
Segundo ele, a partir do ano 2000, o local de exploração de urânio no país passou para os municípios de Lagoa Real e Caetité (BA), onde a estatal INB explorou o minério até 2014. “Nessas minas também não faltaram problemas graves ligados à mineração do material radioativo”, comentou. “São vários casos de câncer na população local provocados pelo contato com a radiação e danos ao ambiente. Entre 2000 e 2009, houve pelo menos cinco acidentes que contaminaram parte dos rios e solo da região, de acordo com um relatório da Secretaria de Saúde da Bahia”.
Mesmo assim, de acordo com o especialista, em outubro de 2019 a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) emitiu licença autorizando operações na mina do Engenho, que é parte da usina de beneficiamento nuclear da INB em Caetité. Com isso, a exploração do urânio na região foi retomada.
“O que parece explicar essa obsessão pela exploração do urânio é o fato de o Brasil possuir reservas estimadas em 309.200 toneladas, o que situa o país como uma das maiores reservas do mundo. Mas creio que esta retomada tem a ver com a decisão estratégica de cunho militar de controle de todo o ciclo nuclear, iniciando com a exploração do urânio para alcançar propósitos de uso pacífico, sempre alegados, mas de difícil controle social”, completou.
MEMÓRIA DA POPULAÇÃO -
O físico Heitor Scalambrini Costa, doutor em Energética, pela Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França, também critica a retomada da produção em Caetité. Um dos mais respeitados protagonistas do movimento antinuclear do Brasil, Scalambrini alerta que a decisão “viola os reais interesses das populações que vivem no entorno da mina, colocado em risco a vida das pessoas e de todo o ecossistema”. Ele também falou ao blog recentemente. “A contaminação por radiação provoca câncer, entre outras graves doenças”, lembrou.
Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), com mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Scalambrini afirma que as decisões tomadas pelo setor no país “sofrem um déficit de participação popular e de democracia”. E reafirma: “Assim, a soberba prevalece e os interesses econômicos estão representados fortemente, ofuscando os legítimos interesses da sociedade”.
Em relação a exploração da mina de urânio do Engenho, em Caetité, ele vai mais longe e afirma que o histórico da mineração e o trato de material radioativo no país não são nada abonadores. De acordo com o físico, “a memória das populações locais e os registros dos meios de comunicação não permitem o esquecimento diante das sequelas provocadas pela radiação, dos problemas ambientais causados pela mineração, e da inadequada fiscalização e controle de materiais radioativos”.
Leia no blog as entrevistas completas de Célio Bermann (06/10/2020) e Heitor Scalambrini (01/12/2020). Foto: mina de Caetité - INB.
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