Uma operação inédita de transferência de combustível usado (urânio queimado), material altamente radioativo, da piscina da usina nuclear Angra 2, para a Unidade de Armazenamento a Seco (UAS), está prevista para acontecer em março, na central nuclear de Angra dos Reis (RJ). Isto porque a capacidade da piscina da usina, onde o material está armazenado, se esgota em junho próximo. Será, portanto, a inauguração da UAS, que vem sendo construída há dois anos.
Na semana passada, a Justiça Federal revogou a liminar que impedia a transferência do combustível usado para a UAS. A ação civil pública foi movida no Ministério Público Federal, pelo procurador Igor Miranda. A ação não tem sentença e ainda cabe recurso, o que não ocorreu até o momento.
Sem impedimento judicial, a Eletronuclear, gestora das usinas e da UAS, informa que, em novembro próximo, transferência idêntica deverá ser feita em relação à Angra 1. Afinal, a capacidade da piscina da usina se esgota em julho do ano que vem (2022). Com o transporte do combustível usado para a UAS, abre-se espaço nas piscinas para o armazenamento os combustíveis usados por mais cinco anos.
A Eletronuclear ressaltou, em 2018, que combustíveis usados ("queimados") não são considerados rejeitos, uma vez que guardam uma grande capacidade de gerar energia. E que mantê-los de "forma segura faz parte da politica brasileira, até que se tenha uma definição sobre seu reprocessamento ou deposição final". Agências Internacionais acompanham o estoque brasileiro do material que pode ser usado como plutônio.
NOVAS RECARGAS -
O transporte da 26ª recarga de Angra 1 começou nesta terça-feira (23/2) e termina no dia 12/3, conforme cronograma da Indústrias Nucleares do Brasil INB), que o blog divulgou anteontem (22/2). Cada recarga de Angra 1 custava cerca de R$ 188 milhões, mais outros R$ 80 milhões destinam-se ao transporte. São informações oficiais da Eletronuclear, divulgadas em 2018.
Para quem não sabe, as recargas são produzidas na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). De lá, em comboio, seguem para a central nuclear, por conta da pandemia do coronavirus, os cuidados tem que ser redobrados.
No período de abril a maio será feito o transporte da 17ª recarga de combustível para alimentar o reator de Angra 2. A usina produz cerca de 1.350 Megawatts, quando opera 100% sincronizada ao Sistema Integrado Nacional (SIN. É o dobro da produção de Angra 1, que está sendo modernizada para durar mais 20 anos, com investimentos de US$ 27 milhões.
Nos próximos cinco anos, a partir de agora, o combustível usado será armazenado nas piscinas, já desocupadas, com a transferência para a UAS. Cada reator - de Angra 1 e Angra 2 – será abastecido por uma nova recarga de elementos combustíveis (urânio enriquecido de 3,5% a 4,7%) para operar cerca de um ano, quando o processo recomeça.
RISCOS DE ACIDENTES -
Somente em 2018, o governo iniciou as ações para a construção da UAS, conforme o blog divulgou no dia 4 de agosto daquele ano. Há décadas se discute a questão, sempre deixada de lado, até que as piscinas das usinas chegaram ao limite. O prefeito de Angra, Fernando Jordão (MDB), concorda com a construção da UAS, com ressalvas: “desde que sejam cumpridas todas as exigências relacionadas à segurança”. E acrescentou: “Confiamos no trabalho do Ibama, que tem vasto conhecimento e experiência no assunto”.
Localizada dentro da central nuclear, a UAS envolve investimentos de US$ 50 milhões. Inicialmente terá 15 módulos, podendo chegar a 72, com capacidade para armazenar combustível usado até 2045. No total, 288 elementos combustíveis serão retirados de Angra 2 e 222, de Angra 1, o que abrirá espaço nas piscinas.
AÇÃO NA JUSTIÇA -
Desde o ano passado a Eletronuclear, responsável pelas usinas e pela UAS, se viu às voltas com uma ação civil pública, movida pelo procurador Igor Miranda. Miranda pontuou diversos problemas gerados pela construção da UAS, como a falta de segurança, riscos de acidentes com radiação, entre outros.
O procurador conseguiu liminar à ação civil pública proibindo a transferência do combustível. Mas a liminar foi revogada no último dia 18/2, pela juíza substituta da 1ª Vara Federal de Angra, Daniela Berwanger Martins.
A Eletronuclear divulgou que a magistrada “reconheceu a urgência” da transferência ocorrer, de acordo com o cronograma atual, “sob o risco de ser preciso desligar, as duas usinas, de forma desnecessária”. Nesse caso, acrescentou, haveria prejuízo à estatal e à comunidade em geral pela falta de uma fonte de energia.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI Regional Sul) contesta a decisão da magistrada. O CIMI representa as Comunidades Tradicionais de Angra Paraty e Ubatuba (FCT). Seu principal propósito é auxiliar o diálogo junto às comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras da região, para que tenham suas vozes consideradas, e que seus direitos garantidos no processo de implementação da UAS. (Leia a nota do CIMI em sua página na Internet).
PREVISÍVEL -
Técnicos lembraram que o esgotamento das piscinas era previsível desde a inauguração comercial de Angra 1, em 1985 e de Angra 2, em 2001. Se as usinas estavam operando, gerando energia, naturalmente, teriam que receber novas recargas para substituir o combustível usado, desde então armazenados nas piscinas, há anos. “Era óbvio que as piscinas chegariam ao limite, o que acontece agora”, comentou um engenheiro da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que trabalhou em projetos de depósitos na década de 90.
Pela complexidade de projetos envolvendo material radioativo, ele enfatizou que o setor nuclear deveria ter iniciado o processo de construção da UAS há mais tempo, dialogando com as partes, principalmente a população e seus representantes. Lembrou que, em caso de acidente, serão os primeiros a serem afetados.
Ativistas reclamam da falta de divulgação do licenciamento do projeto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que realizou uma audiência pública, no dia 22/01, no formato virtual, às 18h. A audiência do Ibama foi amplamente criticada pela Sociedade de Proteção Angrense (SAPÊ) e diversos ambientalistas. Muitos sequer conseguiram acessar o evento. Outros disseram que as suas perguntas não foram apresentadas no debate.
Em nota ao blog, o Ibama declarou: em relação ao licenciamento da UAS, encontra-se em fase de licenciamento de instalação. Lembramos, que a UAS, quando concluída, comporá o empreendimento já licenciado e em operação da chamada Central Nuclear formado pelas usinas Angra 1 e Angra 2, “não se tratando, portanto, de um novo empreendimento”.
Mas os ambientalistas contestam a falta de respeito em relação às comunidades indígenas de Angra, que habitam os arredores da usina, muito antes da instalação nuclear ser cravada no local, nas décadas de 70 e 80. “O desrespeito é absoluto”, comenta Maria Clara Sevalho, membro da SAPÊ. Outra fonte comentou que, por isso também, “é natural o medo” que a energia nuclear provoca nas pessoas.
A Eletronuclear informou que a audiência virtual de 22/1 foi “o segundo evento realizado pela entidade (Ibama) para dar informações sobre o empreendimento à população da Costa Verde”. Não é pouco para uma obra tão importante e complexa? Fica a pergunta.
(FOTO- UAS - Eletronuclear)
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