quinta-feira, 7 de maio de 2020

Morre mais uma vítima do trabalho com radiação


Mais uma vítima do trabalho com radiação, na Nuclemon, em São Paulo, sucedida pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), morreu de câncer esta semana, sem receber a indenização requerida na Justiça. Seu nome é Otaviano Inácio de Oliveira, 63 anos, que trabalhou sozinho num forno do setor de tório (material radioativo), de março de 1977 a agosto de 1993, quando  foi demitido. 

“Me mandaram embora quando a empresa fechou”, contou Otaviano, no ano passado, durante entrevista, enquanto amparava a bolsa injetada em seu corpo, parte do tratamento, após a extração de tumor maligno no intestino.  Otaviano pesava cerca de 45 quilos e mal conseguia falar.  Até hoje, dezenas de ex-trabalhadores da Nuclemon, a maioria doentes, lutam na Justiça, para tentar receber indenizações. 

A Nuclemon (sucessora da Usina de Santo Amaro/USAM) funcionou no bairro paulistano do Brooklin, entre as décadas de 40 e 90, período em que chegou a ter entre 500 a 700 empregados na planta, manuseando material radioativo, extraído de terras raras, como urânio e tório, sem as mínimas condições de segurança. As areias monazíticas eram subtraídas do litoral das praias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia. 

A empresa fechou no início da década de 90, após denúncia de contaminação divulgada pela imprensa, deixando como herança um número incontável de doentes. Na época, várias inspeções comprovaram contaminação nos estabelecimentos de beneficiamento das terras raras do Brooklin e de Interlagos (USIN), para onde o material radioativo era também transportado. 

Inicialmente foram identificados cerca de 150 trabalhadores doentes, pela médica Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro (CEREST). Ela começou a observar um grande número de trabalhadores da empresa que procurava o local com problemas graves de saúde. O cerco às instalações da empresa teve a participação do então Ministério do Trabalho, através da auditora fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi; a direção do Sindicato dos Químicos de São Paulo; e o Ministério Público Estadual. 

Os casos de doentes por contaminação radioativa motivaram a criação da Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN), presidida por José Venâncio Alves. A entidade reúne hoje cerca de 200 vítimas e familiares dos que já morreram. 

A ANTPEN luta, desde então, para que as vítimas tenham pelo menos tratamento, através de plano de saúde, o que já foi várias vezes contestado pela empresa na Justiça. 

COVID-19 e VITIMAS - 

No início de abril, o Blog divulgou uma decisão da Justiça, favorável aos ex-trabalhadores, por conta do coronavírus (COVID-19). A pandemia pesou na decisão judicial determinando a concessão de plano de saúde para cerca de 200 trabalhadores. 

A decisão tem a assinatura do juiz titular da 20ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região de São Paulo, Eduardo Marques Vieira Araújo, atendendo ao pedido da ANTPEN. 

O magistrado levou em conta que a maior parte dos trabalhadores têm mais de 50 anos e está vulnerável, “devido à fragilidade do sistema imunológico, tornando o caso ainda mais delicado”. 

Segundo a advogada Érica Coutinho, que defende à ANTPEN, até agora apenas 60 associados, que integram uma outra ação, movida pelo advogado Luis Carlos Moro, são assistidos pelo plano de saúde. Mas a decisão do magistrado Eduardo Marques Vieira Araújo, abrange todo o grupo, e familiares de trabalhadores falecidos. 

“O juiz verificou a urgência da situação, diante da COVID-19, porque o plano de saúde estanca a sangria do problema”, comentou a advogada. Segundo ela, o juiz analisou o perigo da demora do atendimento aos enfermos, diante da pandemia que se alastra no país. O magistrado analisou também a verdade dos fatos, de acordo com os documentos que estão no processo. 

“Esperamos que a Justiça seja cumprida, porque os trabalhadores estão morrendo ao longo de todo esse processo, que ainda terá uma sentença final, na qual requeremos outros benefícios como tratamento de quimioterapia, radioterapia, psicológico, entre outros”, informou a advogada.  Segundo ela, a INB não contestou a decisão.

Um comentário:

  1. Lamentável a morosidade de nossa Justiça causando muitas mortes de trabalhadores em todo Brasil em todas áreas

    ResponderExcluir

Em destaque

Bomba atômica! Pra quê? Brasil e Energia Nuclear - Editora Lacre

O livro “Bomba atômica! Pra quê? Brasil e Energia Nuclear”, da jornalista Tania Malheiros, em lançamento pela Editora Lacre, avança e apr...