O
desembargador federal do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª
Região, em São Paulo, Marcos César Amador Alves, acaba de indeferir o pedido de
liminar ajuizado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), tentando se
eximir do pagamento do plano de saúde vitalício para cerca de 200 ex-empregados
de sua unidade industrial, a extinta Nuclemon. No passado, eles foram expostos
à radiação e a diversos agentes químicos, sofrendo até hoje de doenças relacionadas
ao trabalho, como o câncer e severos problemas pulmonares.
A INB, sucessora da Nuclemon,
recorreu da decisão do juiz titular da 20ª Vara do Trabalho de São Paulo,
Eduardo Marques Vieira Araújo, na ação civil pública ajuizada pela Associação
Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (ANTPEN), presidida
pelo ex-empregado José Venâncio Alves. A entidade foi criada em 2006 para lutar
pelos direitos das vítimas da empresa.
A Nuclemon, em sua antiga usina
industrial de Santo Amaro (USAM), beneficiava areias monazíticas, contendo os
minerais radioativos urânio e tório. A empresa fechou no início da década de
90, após denúncias de contaminação divulgadas pela imprensa, deixando como
herança um número incontável de doentes. Muitos já morreram sem receber
qualquer assistência ou indenização.
COVID-19 -
A pandemia pelo coronavírus (COVID-19)
pesou na decisão de Vieira Araújo, determinando a concessão do plano de saúde
para as vítimas. O magistrado levou em conta que a maior parte dos
trabalhadores têm mais de 50 anos e é extremamente vulnerável, “devido à
fragilidade do sistema imunológico, tornando o caso ainda mais delicado”.
Além
de lutar pela sobrevivência, as vítimas vêm enfrentando interrupções no
tratamento por conta de paralisações do atendimento, em decorrência da falta de
pagamento pela INB. A decisão do TRT ratifica a determinação do juiz Vieira
Araújo, divulgada em abril.
ALTAS DOSES DE RADIAÇÃO -
A falta de transparência
da Nuclemon, ao longo de décadas, ficou provada para a Justiça em documentos
mostrando que os efeitos da radiação “podem eclodir tardiamente”, como ocorreu
com diversos trabalhadores da empresa.
Entre a documentação comprobatória, a
ANTPEN anexou relatório da própria Nuclemon, reconhecendo que, em 1987, um
grupo de 59 trabalhadores recebeu doses de radiação superiores ao limite permitido à população em geral. Além disso, nos registros da própria empresa,
entre 1973 e 1989, aparecem casos de trabalhadores que receberam doses anuais
muito acima do limite ocupacional permitido pelas normas legais.
A Justiça se
respaldou em relatórios sobre as consequências orgânicas provenientes da
manipulação de elementos químicos como urânio e tório, elaborados pelo Instituto
de Radioproteção e Dosimetria (IRD), da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN).
DESCASO -
“Não se trata de um fato isolado de descaso e exposição da
população e o meio ambiente a riscos de contaminação radioativa”, frisou o
juiz. A própria Nuclemon, desde 1990, já vinha sendo objeto de acompanhamento
por parte da Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, a partir de denúncia
de seus próprios empregados e de entidades como o Sindicato dos Trabalhadores
na Industrias Químicas, sobre os riscos de contaminação radioativa.
A advogada
Érica Coutinho, que representa a ANTPEN, lembrou que antes da decisão do juiz
Vieira Araújo, apenas 60 associados, que integram uma outra ação, movida pelo
advogado Luis Carlos Moro, estavam assistidos pelo plano de saúde. Mas a
decisão do magistrado, agora ratificada pelo TRT, abrange todo o grupo.
MORTES
AO LONGO DO PROCESSO -
A advogada
lembrou que muitas vítimas da Nuclemon, atual INB, morreram ao longo do
processo, que ainda depende de uma sentença final, sobre a indenização pelos
danos causados durante os anos trabalhados.
A Nuclemon funcionou no bairro
paulistano do Brooklin, entre as décadas de 40 e 90. Chegou a ter entre 500 a
700 empregados na planta, manuseando o material radioativo sem as mínimas
condições de segurança. Importante lembrar que a maioria, praticamente
analfabeta, era recrutada nas roças, sem nunca ter sido informada sobre os
dados causados pela radiação.
O trabalhado de alguns órgãos foi fundamental
para que o caso chegasse à opinião pública, como o extinto Ministério do
Trabalho, através da auditora fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi; a direção
do Sindicato dos Químicos de São Paulo; o Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador (CEREST) de Santo Amaro e o Ministério Público Estadual.
Eles
realizaram várias inspeções e comprovaram contaminação na Usina de Santo Amaro
(USAM) e na de Interlagos (USIN), para onde o material radioativo era também
transportado e armazenado. As inspeções identificaram mais de 150 trabalhadores
doentes. A médica Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano, diretora do CEREST,
atuou na identificação dos trabalhadores contaminados e permanece realizando o acompanhamento
das vítimas até hoje.
Parabéns ao magistrado e parabéns pra vocé pela matéria.
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