quarta-feira, 4 de maio de 2022

Instituto de Engenharia Nuclear (IEN-CNEN) faz 60 anos. Fabio Staude, diretor, conversa com o blog sobre depósitos para rejeitos radioativos, produção de radioisótopos, reator nacional e muito mais.

 


O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), na Ilha do Fundão (RJ) comemora 60 anos de fundação nesta quinta-feira (5/5) realizando o workshop “Reatores de Pesquisa e de Potência no Brasil e no mundo e as Perspectivas da Energia Nuclear no País”. As apresentações terão a participação de especialistas da Eletronuclear, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Westinghouse, entre outros. O diretor do IEN, Fabio Staude, conversou com o BLOG sobre a produção dos radioisótopos e a quebra do monopólio; pesquisa sobre reator nacional; reprocessamento de combustível nuclear e trabalho pioneiro para tratamento de rejeitos radioativos líquidos. Isso, mesmo tendo perdido cerca de 120 servidores nos últimos anos, a maioria por aposentadoria. Eis a entrevista:  

BLOG: O que o motivou a seguir a carreira na Engenharia? Por que não cursou a Nuclear? 

FABIO STAUDE: Meu interesse pela Engenharia surgiu durante o 2º grau. Após a conclusão do curso de técnico em mecânica pelo CEFET-RJ, cursar Engenharia Mecânica, na época, parecia ser uma excelente opção para dar continuidade à minha formação acadêmica. 

BLOG:  Está na CNEN desde quando? Como ingressou? Fez concurso? 

STAUDE: Estou na CNEN desde 1995. O meu último estágio durante a faculdade de engenharia mecânica na UERJ foi na área de garantia da qualidade nuclear, na época em que a Eletronuclear ainda era uma diretoria na estrutura organizacional de Furnas Centrais Elétricas. Como estagiário, eu tive a oportunidade de acompanhar, com admiração, algumas inspeções realizadas pelos servidores da área de regulação nuclear da CNEN. Para a minha sorte, a abertura do primeiro concurso público da Instituição coincidiu com o meu último ano de engenharia. Fui aprovado no concurso logo após o término da faculdade, o que permitiu que a CNEN fosse a minha primeira e única empregadora formal até hoje.

BLOG: Quando ingressou no IEN? É diretor desde 2016, ou seja, ingressou no governo anterior ao atual. Isso pode representar que a sua gestão transcende a política? 

STAUDE: A minha vinda para o IEN foi a partir de um convite do Dr. Paulo Berquó, diretor do IEN na época, para exercer as funções de chefe da Divisão de Gestão e Infraestrutura e de diretor substituto. Com a sua saída da Direção, em 2016, continuei como diretor em exercício até o final de 2019, quando fui selecionado por um comitê de busca para mandato de quatro anos como diretor do Instituto. Mesmo considerando que a seleção por meio de comitê de buscas pode inibir a interferência política no processo de preenchimento de cargos, é interessante observar que, desde que o Instituto passou a fazer parte da estrutura da CNEN, em 1979, todos os profissionais que ocuparam a Direção do IEN foram servidores pertencentes ao quadro de servidores da CNEN. 

BLOG:  Quais foram as maiores dificuldades e desafios quando assumiu? 

STAUDE: Mesmo parecendo lugar-comum, acho que os maiores desafios estavam associados à falta de “dinheiro e gente”, além de uma infraestrutura laboratorial, em parte, subutilizada ou obsoleta. Por outro lado, sempre ficou transparente que teríamos durante toda a nossa gestão pouca ou nenhuma recomposição do quadro de pessoal do Instituto. Em função disso, o maior desafio, nesse caso, seria ampliar a participação do IEN em redes de cooperação, fortalecendo nossas parcerias e buscando novos parceiros. Considerando que o sucesso das nossas entregas à sociedade está associado à nossa capacidade de articulação com outras instituições públicas e privadas, a estratégia priorizada pelo Instituto está sendo investir na modernização de parte de sua infraestrutura laboratorial, com a finalidade de aumentar a atratividade das nossas instalações e laboratórios junto aos parceiros atuais e potenciais e, por consequência, ampliar a participação do IEN em redes de cooperação. 

BLOG: Quais os maiores desafios hoje? 

STAUDE: Os maiores desafios continuam associados ao atual esforço de modernização da infraestrutura laboratorial do Instituto e ao fortalecimento da participação do IEN nas redes de cooperação estabelecidas na área nuclear. Outro grande desafio é a consolidação de mecanismos que permitam uma melhor articulação dos nossos pesquisadores com a iniciativa privada, visando facilitar o desenvolvimento conjunto ou a transferência de tecnologia às empresas, ou demonstrar a viabilidade de novas aplicações. Trata-se de uma relação de causa e efeito. Apostamos que, com a modernização e adequação da infraestrutura de P&D nas nossas principais competências, conseguiremos atrair mais parceiros e ampliar a nossa participação nessas redes, o que pode favorecer a aproximação do IEN com empresas interessadas no desenvolvimento ou na transferência de tecnologia desenvolvida por nossos pesquisadores. 

BLOG: E metas e projetos? 

STAUDE: Todas as nossas metas estão associadas ao fortalecimento de parcerias, com a consequente abertura dos nossos laboratórios e instalações para a comunidade envolvida com o ensino e com o desenvolvimento das atividades nucleares do país. Estamos concluindo o projeto de modernização e adequação das instalações do Reator Argonauta (FOTO) e laboratórios associados, com orçamento de cerca de R$ 9 milhões, com o objetivo de aperfeiçoar as atividades já existentes e abrir novas áreas de P&D. Queremos tornar as instalações do Instituto mais adequadas para os pesquisadores e mais atrativas para as demais instituições de ensino, pesquisa e outras do setor produtivo. Para garantir a expansão de sua utilização, o projeto prevê o aumento da participação de instituições parceiras nas atividades desenvolvidas no Instituto, a partir da criação de uma rede de usuários focada em P&D e ensino, envolvendo pesquisadores, estudantes e profissionais de várias instituições. 

BLOG: Outras novidades? 

STAUDE: Também está em fase de finalização a reforma e modernização das instalações do Laboratório de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) do IEN, que é uma das mais bem equipadas instalações no Rio de Janeiro para o ensino e a pesquisa de qualidade na área de termo-hidráulica experimental. O LTE também está se reposicionando como instalação multiusuário. Atualmente, além das atividades de pesquisa voltadas ao desenvolvimento de técnicas experimentais avançadas, que permitem a realização de estudos sobre o escoamento do fluido refrigerante de reatores nucleares de pesquisa e de potência, são realizadas aulas práticas para estudantes dos cursos de graduação em engenharia da UFRJ e dos programas de pós-graduação em engenharia nuclear do IEN/CNEN e da COPPE/UFRJ. A ideia é ampliar o uso do laboratório, abrindo as suas portas para novos usuários. Ainda com o objetivo de trazer novos atores para as nossas instalações, estamos iniciando em 2022 a oferta de cursos associados ao novo Centro de Capacitação e Treinamento do IEN, voltado para o setor nuclear. A ideia é aproveitar nossa peculiar infraestrutura laboratorial (reator, cíclotron e seus diversos laboratórios), bem como a competência técnica existente no Instituto e nas instituições parceiras, para contribuir na capacitação e treinamento de recursos humanos. O Programa de Capacitação conta atualmente com o portifólio de 17 cursos a serem oferecidos entre 2022 e 2023. 

BLOG: Parcerias com o setor privado?

STAUDE: Sim. Outra prioridade nossa é fortalecer e ampliar a transferência de tecnologia para o setor produtivo. Como exemplo de sucesso da aproximação das nossas pesquisas com o setor privado, temos acordo de cooperação com uma empresa privada para o desenvolvimento de metodologia para detecção e localização de pontos de vazamento em permutadores de calor, com o uso de radiotraçadores. No âmbito deste projeto, foram investidos pela Petrobrás cerca de R$ 2 milhões, envolvendo, além do financiamento da pesquisa, o repasse de recursos para a modernização do laboratório de radiotraçadores do IEN. 

BLOG: O IEN tem quantos funcionários? Este número é suficiente? 

STAUDE: Atualmente o IEN possui em seu quadro de servidores 142 profissionais extremamente bem qualificados. Possuía 265 servidores em 2010, o que representa a perda de quase a metade de seu corpo técnico em um período de 12 anos. Essa redução acarretou na perda de várias competências essenciais à manutenção das atividades realizadas pelo IEN, limitando as nossas entregas em algumas das nossas áreas de atuação, além de comprometer a prestação de parte dos serviços de ensaios e análises. Apesar de todo o esforço da gestão da CNEN visando a autorização de um novo concurso público, junto ao MCTI e Ministério da Economia, sabemos que não existe, a curto prazo, a perspectiva de recomposição do quadro de pessoal da CNEN. 

BLOG: Qual a alternativa? 

STAUDE: Este cenário contribui para o entendimento de que devemos priorizar a criação de espaços de interação com novos atores do sistema de C&T, destacadamente em áreas de conhecimento do interesse de nossos pesquisadores. Precisamos abrir as portas do Instituto e fortalecer o relacionamento com os parceiros atuais, como UFRJ, IME, Institutos da CNEN e outras unidades de pesquisa do MCTI, e criar novas parcerias com outros órgãos e empresas públicas e privadas. 

BLOG: O IEN tem ou terá parcerias internacionais? Quais as mais significativas? 

STAUDE: No final de abril assinamos um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA para a realização de um curso de pós-graduação inédito na área de Direito Nuclear, com a primeira turma prevista já para o segundo semestre de 2022. Na área de salvaguardas de materiais nucleares, alguns servidores do IEN participam do programa de inspeções da Agência Brasileiro - Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), contribuindo para o fortalecimento da competência do Instituto na área de verificação do uso pacífico da energia nuclear. Temos também, há cerca de 20 anos, uma parceria internacional significativa com o Forschungszentrum Karlsruhe (FZK), da Alemanha, intermediada pela AIEA, para a instalação no IEN, por doação, do sistema KIPROS de produção do radioisótopo iodo-123. Essa parceria com o grupo desenvolvedor do KIPROS perdura até os dias atuais para a garantia de fornecimento de peças e assistência técnica. 

BLOG: O que o IEN realiza hoje na área de rejeitos? 

STAUDE: O IEN possui dois depósitos de rejeitos, ambos ainda em fase de licenciamento pela autoridade reguladora brasileira, viabilizando a prestação de serviço de armazenamento de rejeitos radioativos de baixa e média atividade gerados pelas diversas aplicações das radiações ionizantes na saúde, indústria, agricultura e meio ambiente, a fim de minimizar os riscos de contaminação do meio ambiente e da população. Esses rejeitos são fontes radioativas sem mais utilidade, resultantes de atividades de pesquisa e das diversas aplicações da energia nuclear, como detectores de fumaça, para-raios e fontes radioativas de aplicações na medicina e indústria. Entre 2015 e 2019, por exemplo, foram armazenados mais de 3 mil itens nos depósitos de rejeitos do IEN, provenientes basicamente dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em 2020, a atividade de recebimento foi suspensa e redirecionada para o CDTN, unidade da CNEN em Belo Horizonte, para a realização de avaliação das condições de segurança no armazenamento e eventuais adequações nos depósitos, solicitadas pelo órgão regulador. 

BLOG: Soluções para os rejeitos? 

STAUDE: Em 2019, foi iniciada pesquisa visando desenvolver uma técnica inovadora para o tratamento de rejeitos líquidos utilizando nanopartículas de grafeno. (LEIA ABAIXO). No momento, a prioridade do IEN é dar continuidade ao licenciamento de suas instalações de rejeitos, bem como ao desenvolvimento de soluções para tratamento de rejeitos com o uso de grafeno. 

BLOG: Qual a sua opinião sobre o destino final dos rejeitos no Brasil? 

STAUDE: Um dos projetos prioritários da CNEN é a implementação de uma nova unidade de pesquisa, o CENTENA – Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental, que, além de desenvolver pesquisas na área de meio ambiente, representará uma alternativa para a deposição segura dos rejeitos radioativos de baixo e médio níveis, gerados em território nacional.

 BLOG: A questão mais complicada são os de alta atividades.

STAUDE: Em relação aos rejeitos radioativos de alta atividade, aqueles gerados a partir da queima dos combustíveis das usinas nucleares de Angra, precisamos considerar que o volume associado a esses rejeitos é muito pequeno. Na minha opinião, esses rejeitos devem continuar armazenados temporariamente com segurança na própria usina, até que o seu reaproveitamento seja viável economicamente, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias de reprocessamento. Atualmente, o urânio reciclado é bem mais caro que o natural. Assim, não faz sentido reaproveitar o combustível se esse procedimento não for economicamente viável, como também não faz sentido armazenar definitivamente uma fonte de energia que poderá ser reaproveitada no futuro. Além disso, o reprocessamento do combustível nuclear é visto com desconfiança por outros países, porque podem gerar material para a fabricação de bombas nucleares, no caso, o plutônio. Talvez por esses motivos não exista até hoje, no mundo, um único depósito definitivo e permanente de rejeito de combustível queimado de reator. 

BLOG: O que o IEN realiza hoje no campo dos radioisótopos? 

STAUDE: Desenvolve pesquisas para a produção de radioisótopos como o iodo-124 e actínio-211, para aplicações na área da saúde; cobalto-57 e xenônio-127 para aplicações de radiotraçadores; além de produzir iodo-123, cobalto-56 e flúor-18, sob demanda, para pesquisa, desenvolvimento e ensino, em parceria com instituições como IF/UFRJ e COPPE/UFRJ. Na área da saúde o IEN busca estabelecer parcerias com o INCA e o HUCFF/UFRJ no desenvolvimento de pesquisas para a marcação de moléculas específicas de interesse para o diagnóstico e terapia de doenças oncológicas. A demanda para pesquisa e desenvolvimento é da ordem de 200 mCi/ano. O atendimento à área de rádiotraçadores para desenvolvimento e aplicações de técnicas nucleares na indústria e preservação do ecossistema tem uma demanda estimada de 500 mCi/ano. Já para a área de ensino e pesquisa a demanda é da ordem de 100 mCi/ano. O investimento previsto para a produção de radioisótopos com o acelerador CV-28 do IEN no ano de 2022 é de cerca de 1,2 milhões de reais. Esse valor cobre as necessidades do setor para o ano. 

BLOG: O IEN domina toda essa tecnologia? Caso positivo, há possibilidade de ampliação para aumento da produção? 

STAUDE: O Instituto está buscando o desenvolvimento de uma nova planta de produção de radiofármacos, a ser equipada com um acelerador de médio porte capaz de produzir em larga escala radiofármacos emissores de partículas alfas, como o astatínio-211, e garantir o fornecimento de radioisótopos de meia-vida curta, como o iodo-123. É nosso entendimento que o Brasil deve investir na manutenção e aprimoramento de sua capacidade de produzir radiofármacos que atendam às demandas por novos produtos, além de garantir o fornecimento daqueles produtos que não despertem o interesse da iniciativa privada, em razão da baixa demanda, embora seu uso tenha forte apelo social, como o uso pediátrico do iodo-123. 

BLOG: O que acha sobre a quebra do monopólio da produção de radioisótopos? 

STAUDE: Causa preocupação o risco de um possível desmantelamento da capacidade dos institutos da CNEN de produzirem radiofármacos em curto prazo. É fundamental garantir pelo menos o atual nível de investimento em nossas instituições e instalações, especialmente considerando as questões abordadas na resposta anterior. Também há de se considerar os possíveis impactos no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema no Brasil. A tendência dos grandes laboratórios multinacionais é de fazer esse investimento em países desenvolvidos, e a maioria dos laboratórios nacionais de menor porte priorizam investimentos naquilo que já está consolidado e, portanto, pode garantir um retorno imediato do capital investido. 

BLOG: Qual a sua opinião sobre o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB)? 

STAUDE: Acho estratégico para o Brasil garantir a independência na produção e fornecimento de tecnécio-99, abrindo perspectivas de exportação desse insumo tão importante para a medicina nuclear. Com o perfil multipropósito do reator, poderemos conciliar esse aspecto estratégico com a necessidade que a Marinha do Brasil tem de fazer testes específicos em componentes do reator para propulsão naval que desenvolve. O IEN vem participando, desde o início, do projeto dos sistemas de instrumentação e controle do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Em parceria com a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), tem participado da avaliação do projeto detalhado de todos os subsistemas de instrumentação e controle do reator, que envolvem instrumentação neutrônica, instrumentação de radioproteção, instrumentação de processos, sistemas de controle e supervisão e sistema de sala de controle. 

BLOG: No campo dos reatores, o que se pode apresentar hoje ao público no IEN, além do Argonauta? O reator do primeiro submarino nuclear que a Marinha está construindo conta com alguma colaboração do IEN? A Marinha pegou alguma “cola” na experiência do IEN? 

STAUDE: Nas próximas décadas a energia nuclear deverá desempenhar papel ainda mais importante na produção de eletricidade. Muitos países estão buscando fontes eficientes, confiáveis, de baixa emissão e localizadas próximas aos consumidores. Os reatores modulares pequenos – ou SMRs, como são conhecidos em inglês – são vistos pela indústria de energia nuclear como solução promissora, porque reduzem problemas de segurança de usinas muito maiores, além de exigirem menor investimento de capital e tempo de construção, arranjo compacto, modularidade e possibilidade de operação em diferentes tipos de redes. Assim, os SMRs se configuram como uma opção no cumprimento dos novos requisitos do setor. 

BLOG: Outras parcerias? E a Marinha? 

STAUDE: Estamos realizando estudos, em colaboração com os outros Institutos da CNEN, universidades (UFRJ, UFMG, UFPE), AMAZUL e CTMSP, com o objetivo de propor um novo reator modular otimizado para a cogeração de água potável e eletricidade. O experimento, conhecido como Projeto DESSAL, deve ser desenvolvido com tecnologia nacional, tendo como ponto de partida o projeto do LABGENE, protótipo do reator de propulsão naval (reator do submarino) da Marinha do Brasil. Por ser um reator pequeno, pode ser colocado em localidades remotas para prover infraestrutura de eletricidade e água para o desenvolvimento local. Os estudos em andamento envolvem o desenvolvimento de tecnologia para reatores que atendam aos requisitos da Geração III e pós-Fukushima, sendo buscadas inovações no projeto do sistema, tanto no processo de dessalinização em si, quanto no acoplamento entre o circuito secundário do reator e a unidade de dessalinização. 

BLOG:  Qual o futuro do IEN? 

STAUDE: O Instituto possui competência técnica e uma infraestrutura laboratorial diferenciada. Estamos priorizando a modernização e a adequação de algumas das nossas instalações para funcionarem como laboratórios multiusuários, com destaque para as instalações do Reator Argonauta (único reator nuclear de pesquisa no estado do Rio de Janeiro), do Laboratório de Termo-Hidráulica Experimental (LTE) e da radiofarmácia, que estão sendo preparadas para receberem novos parceiros. Esperamos que com essa estratégia seja possível abrir as portas do IEN para a comunidade, transformando o nosso Instituto em ponto de encontro dos atores que desenvolvem tecnologia nuclear no País, seja para capacitação e treinamento de recursos humanos para o setor, ou para o desenvolvimento de soluções para a nossa sociedade. 


 

PESQUISA INÉDITA PARA TRATAMENTO DE REJEITOS RADIOATIVOS 

O IEN está realizando pesquisa inédita sobre o tratamento de rejeitos radioativos líquidos orgânicos com o uso de grafeno. O experimento surgiu de uma demanda do setor de rejeitos do IEN, que tem sob sua reponsabilidade o armazenamento de quase cinco mil litros de rejeitos radioativos líquidos, dos quais 500 litros são de soluções com presença de material orgânico. Sob coordenação do professor do IEN Ralph Santos-Oliveira, a pesquisa teve participação de Maria Isabel Barbosa da Silva, tecnologista da área de rejeitos do Instituto, e a colaboração de professores de outras instituições. “Existem protocolos de tratamento para rejeitos inorgânicos, mas os orgânicos não são tratados”, explica Isabel. O objetivo da pesquisa, informa Santos-Oliveira, é otimizar o armazenamento desses rejeitos, que ocupam muito espaço nos depósitos.  “Com essa técnica, podemos reduzir o volume final do rejeito em até 90%”. 

Na pesquisa foi utilizado grafeno na forma “quantum dots”, ou pontos quânticos, que são partículas de semicondutores com tamanho nanométrico. Com alta capacidade de adsorção, o GQD (Graphene Quantum Dot) consegue extrair boa parte das partículas em suspensão no meio líquido, inclusive os elementos radioativos urânio e tório, alvos do tratamento. Isso porque um grama do grafeno utilizado (em partículas de 160 a 220 nanômetros) equivale a uma área superficial adsorvente de até 500 m². No experimento, foram adsorvidos 40% do urânio presente na amostra. 

Há outra vantagem na técnica, conta o radiofarmacêutico: o rejeito líquido é uma solução complexa, mistura frações orgânicas e inorgânicas, e como o grafeno é solúvel em qualquer meio, não é preciso realizar o processo químico de separação. Além disso, o líquido que sobra pode passar por secagem, reduzindo drasticamente o volume e o risco de vazamentos. Segundo o coordenador Santos-Oliveira, a técnica é potencialmente aplicável a rejeitos líquidos com diversas características e pode beneficiar centros de pesquisa, hospitais e a indústria nuclear. 

O grafeno é um cristal formado por uma única camada de átomos de carbono, com estrutura organizada em hexágonos. É como uma folha plana extremamente fina e quase transparente, uma placa bidimensional do grafite - que é composto por várias camadas de carbono –, mas com características diferentes. Considerado um excelente condutor de calor e eletricidade, o grafeno é o material mais fino (espessura de um átomo), mais leve e mais resistente (mais que o diamante) que existe. É também flexível e impermeável. Todas essas propriedades fazem dele o novo material revolucionário, depois do plástico e do sílicio. 

A estrutura do grafeno é conhecida desde os anos 1960, mas as pesquisas sobre ele ganharam impulso a partir de 2004, quando os cientistas russos Geim e Novoselov, da Universidade de Manchester, conseguiram obtê-lo retirando camadas de uma placa de grafite usando fita adesiva (esfoliação mecânica) e passaram a estudar suas propriedades. Por seu trabalho a dupla recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2010. Desde então, novos métodos de obtenção de grafeno foram desenvolvidos, e surgiram inúmeras possibilidades de aplicação, da indústria à medicina. 

FONTE: IEN/CNEN - Ana Paula Saint'Clair - Assessoria de Imprensa.  

Informações pesquisa grafite - Valéria Campelo - FOTOS: acervo IEN/CNEN e fotos do Reator Argonauta - Alex Krusemark. 

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