quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Ailton Krenak condena usinas nucleares no Nordeste, como em Itacuruba (PE): "Eles vão receber um sonoro não!"

 


Uma cidade pouco conhecida dos brasileiros, outrora ocupada por comunidades indígenas, vive hoje sob o medo de abrigar uma usina nuclear que, consequentemente, produzirá lixo atômico e incertezas quanto ao seu futuro. Trata-se de Itacuruba, que significa “grão de pedra, seixo”, no tupi antigo itakuruba, localizada nas proximidades do Rio São Francisco, o tão castigado “Velho Chico”, em Pernambuco. 

A história de Itacuruba remonta ao século XVII, em pleno sertão da região Nordeste, com índios catequisados por jesuítas, que marcaram o seu passado. A velha cidade foi inundada e passou por várias transformações.  A atual Itacuruba foi projetada na década de 1980 para receber a população deslocada em decorrência da criação do Lago Itaparica, a Barragem Luiz Gonzaga, entre outras. A possibilidade de transformar a cidade num polo de produção de energia nuclear - primeiro no Nordeste – vem fortalecendo os movimentos sociais e ambientais contrários ao empreendimento. 

Natural da aldeia Krenak na região do médio Rio Doce (MG), líder que influenciou a inclusão de um capítulo na Constituição sobre a proteção dos direitos dos indígenas, Ailton Krenak concede esta entrevista exclusiva ao Blog.  Aqui, ele critica a intenção do governo de construir a usina nuclear em Itacuruba, aponta falhas históricas, entre outras coisas.  

- A primeira vez que eu soube dessa intenção foi através de indígenas da região, o povo Pancararu, perto de Paulo Afonso, durante o governo de Michel Temer. Eles viram o movimento de engenheiros e técnicos por lá e ficaram apavorados. Sondei, na época, quando fiquei sabendo que o Brasil não estava com dinheiro para retomar o projeto de usinas nucleares. Mas há cerca de dez dias o assunto voltou novamente à tona, com sujeitos do governo anunciando a construção da usina. Estamos vendo novamente esse movimento. São projetos políticos e oportunistas.  Sabemos que o Brasil não tem dinheiro pra isso, comentou Krenak. 

Ele lembra que Organizações Não Governamentais (ONGs) como a Articulação Antinuclear Brasileira, formada por mais de trinta entidades civis; e a Diocese da Floresta, em Pernambuco, estão organizadas, promovendo eventos virtuais, debatendo o assunto, mostrando os problemas decorrentes da energia nuclear e os estragos que poderá provocar em Itacuruba. “Há um movimento forte no Nordeste, atento às intenções dos governos em levar esse projeto adiante, mas eu acho difícil, porque não há dinheiro”, comentou. 

Krenak chama a atenção para problemas ambientais já ocorridos em polos atômicos no Brasil. Não à toa os índios tupis-guaranis, antigos habitantes de Angra dos Reis, batizaram de “Itaorna”, a praia em que está erguida a central nuclear com as usinas Angra 1 e Angra 2, em funcionamento. Em tupi-guarani “Itaorna” significa “pedra mole”. No caso específico do município de Angra dos Reis, Krenak lembra que, na década de 60, início do projeto de instalação da central nuclear, o governo militar promoveu uma das maiores remoções de populações indígenas nativas. 

- Foi uma desocupação desordenada com índios sendo levados para as regiões próximas e hoje vimos que eles estão muito próximos às usinas nucleares (Angra 1 e Angra 2 e Angra 3 em construção), o que é lamentável. 

Hoje, além do momento complicado da pandemia do coronavirus (COVID-19), da escassez de recursos e da falta de credibilidade do governo, Krenak utiliza o caso da usina Angra 3, a fim de exemplificar o quanto o projeto de Itacuruba tem poucas chances. 

Com as obras iniciadas em 1984, interrompidas por falta de decisão política e denúncias de corrupção, apesar de o governo garantir que estão sendo retomadas e que a usina entrará em operação em 2026, Krenak reitera que não leva fé nisso. 

- As notícias sobre a retomada das obras de Angra 3 podem ser um “ensaio” para distrair a opinião pública. Pode ser que haja a intenção de manter o mundo em suspense, em estado de sofrimento permanente, gerando mais uma crise social, em plena pandemia. Eles tentam retomar uma fissura nuclear, num governo precário. Em vez de anunciar investimentos sem recursos, o governo deveria arrumar emprego para 30 milhões de brasileiros que vivem hoje na linha da pobreza. O que mais me preocupa é a insegurança institucional política e permanente. 

MINAS DE URÂNIO, OUTRO PROBLEMA - 

Ailton Krenak também opinou sobre a intenção do governo, já colocava em prática, de extrair urânio de jazidas que estavam praticamente desativadas, por conta de riscos de contaminação do solo e meio ambiente, além de registros de doenças como o câncer na população próxima ao local. 

O nome Caetité deriva da língua tupi e significa “Mata da pedra grande”, segundo a literatura disponível. Pelo nome original de batismo, os índios possivelmente conheciam muito bem a riqueza que a região guardava. A retomada da extração de urânio em Caetité, criticada por pesquisadores e ambientalistas, no Brasil, faz parte de “um pacote gerido por tecnocratas”, avalia Krenak. 

- Esses tecnocratas têm ideia fixa em projetões e sentem saudades da época do Brasil grande, que  não se importavam com questões ecológicas e ambientais. É uma visão que às vezes até desanima. Eles querem lidar com tecnologia de alto risco, sem respeitar a terra, a natureza. No caso de Itacuruba, os movimentos estão muito fortes. Seria uma aventura insana. Eles vão receber um sonoro não”. E completou: “O mundo é cada um de nós”. 

PERFIL - 

Um dos mais respeitados líderes indígenas do País, que influenciou a inclusão de um capítulo na Constituição sobre a proteção dos direitos dos indígenas segue lutando pela questão ambiental: Ailton Krenak. Ele fincou definitivamente seu nome, símbolo na de luta pelos povos indígenas, desde a década de 80. No discurso em setembro de 1987, na Assembleia Nacional Constituinte, chamou a atenção do mundo sobre a questão indígena. 

No plenário da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo em que fazia um apelo às lideranças políticas para que aprovassem uma emenda constitucional tratando dos direitos dos índios, Krenak  aplicava sobre a própria face tinta preta de jenipapo, produto usado por sua tribo, os Krenaks, em situações de luto. 

Registrado para ficar na História, o gesto significava um protesto contra o risco de a emenda não ser aprovada. O discurso chamou a atenção do país e, como resultado do trabalho de Krenak e de outras lideranças da época, foi incluído na Constituição um capítulo sobre a proteção dos direitos dos indígenas, uma conquista inédita até então. 

A carreira de liderança de Krenak vai muito além. Pesquisas mostram que em seu histórico de luta pelos povos indígenas constam a participação na fundação de entidades como a União das Nações Indígenas, que existiu nos anos 1980, a Aliança dos Povos da Floresta (que, além de índios, incluía grupos extrativistas, como seringueiros) e a criação do Núcleo de Cultura Indígena, na Serra do Cipó, em Minas Gerais. Com vários livros publicados, recentemente, a sua vida foi tema do documentário Ailton Krenak: o sonho de pedra

FOTO: Ailton Krenak – arquivo pessoal.

5 comentários:

  1. Sr. Mariz. Temos Sol, durante o dia, e ventos mais intensos durante a noite! Porque essa energia cara, suja, radiativa e produtora de lixo nuclear, as margens de um lago artificial no Rio São Francisco, já esgotado e sem vasão segura para esse empreendimento?

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  2. Prezado senhor, obrigada por comentar. A sua opinião é muito importante para o nosso trabalho democrático.

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  3. Esta frase do Paulo Rabello
    é tudo o que resume tudo o que queremos para o futuro do Brasil:
    “A pessoa que venha a liderar os rumos do Brasil não pode ter a audácia maligna dos corruptos nem o vigor estúpido dos ignorantes.”

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  4. Esta frase do Paulo Rabello
    é tudo o que resume tudo o que queremos para o futuro do Brasil:
    “A pessoa que venha a liderar os rumos do Brasil não pode ter a audácia maligna dos corruptos nem o vigor estúpido dos ignorantes.”

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