O superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da Comissão Nacional de
Energia Nuclear (IPEN-CNEN), Wilson Calvo, enviou carta aos parlamentares da Comissão
Especial da Câmara dos Deputados, manifestando a sua preocupação em relação à Proposta
de Emenda à Constituição (PEC), 517/10, de autoria do senador Álvaro Dias
(PSDB-PR). A PEC visa à privatização da produção dos radioisótopos (insumos)
para a obtenção de radiofármacos (medicamentos que emitem radiação) utilizados
no tratamento contra o câncer, de responsabilidade do IPEN, um dos mais
importantes institutos de pesquisa da América Latina, com 60 anos de
existência.
“Atualmente, o preço do gerador de 2.000mCi (radiofarmaco)
produzido pelo IPEN-CNEN é de R$ 6.835,00 e o praticado pela iniciativa privada
é de R$17.200,00. Mesmo com a correção pela variação cambial do radioisótopo
(99Mo), o preço desse gerador praticado pelo instituto passaria a R$8.885,50.
Tratam-se de produtos injetáveis e o rigor da ANVISA e a saúde dos pacientes
são prioritários”, informa Wilson Calvo.
O
texto-base da PEC, do relator, deputado General Peternelli (PSL-SP) já foi
aprovado na semana passada. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), tenta impedir
a aprovação da PEC, afirmando que a produção é questão de “soberania nacional”
e será equacionada com a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB),
em São Paulo. O reator poderá produzir os radioisótopos importados pelo IPEN. O
tratamento é feito em cerca de 440 clinicas privadas e do Sistema Único de Saúde
(SUS).
Nesta quarta-feira (8/12) a votação de mais uma etapa da PEC-517 foi
adiada e ainda não tem data marcada para acontecer. Eis a carta do superintendente do IPEN:
“Participei de duas audiências públicas, nos dias 19 e
26/10/2021, e informo que não apoio a aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição n° 517-A de 2010. Nas audiências e na visita técnica das autoridades do
MCTI (Ministro Substituto, Secretário de Articulação e Promoção da Ciência
Substituto, Diretor de Administração), da CNEN (Presidente, Diretor da DPD) e
dos Deputados Federais (Dr. Zacharias Calil, General Peternelli e Dr. Alexandre
Padilha) ao IPEN-CNEN, em 22/10/2021, sempre externei a enorme preocupação no
caso dos parlamentares aprovarem a referida proposta.
Os principais motivos que
apresentei às autoridades e aos senhores parlamentares, nas audiências públicas
e na visita técnica ao Instituto são:
1) O monopólio da
União em vigor restringe-se apenas à importação de molibdênio-99 (99Mo) para
industrialização dos geradores de 99Mo/99mTc em território nacional, papel
exclusivo e desempenhado pelo IPEN-CNEN. Nesse sentido, as instituições
públicas e privadas podem produzir e comercializar os demais radiofármacos no
País, desde que registrados na ANVISA;
2) Os geradores
de 99Mo/99mTc são responsáveis por 85% dos diagnósticos de doenças em Medicina
Nuclear. Principalmente, representam 72,8% do faturamento/arrecadação anual no
Instituto, no total de R$ 120 milhões em 2019. Os radiofármacos de iodo-131
(131I), lutécio-177(177Lu) e gálio-67 (67Ga) respondem, respectivamente, por
13,18%, 4,38% e 2,71%. Assim, dos 24 produtos distribuídos pelo IPEN-CNEN
apenas esses 4 (quatro) têm grande interesse comercial pelo setor privado;
3) O
Instituto, juntamente com a CNEN e MCTI exercem a política de preços dos
radiofármacos no mercado, incluindo os geradores de 99Mo/99mTc, com o propósito
de se manter o fornecimento ao SUS. Atualmente, o preço do gerador de 2.000mCi
produzido pelo IPEN-CNEN é de R$ 6.835,00 e o praticado pela iniciativa privada
é de R$17.200,00. Mesmo com a correção pela variação cambial do radioisótopo
(99Mo), o preço desse gerador praticado pelo instituto passaria a R$8.885,50;
4) Há
possibilidade de mudança no Modelo de Gestão ao IPEN-CNEN, no qual a retenção
dos recursos financeiros gerados com a comercialização dos produtos e serviços
tecnológicos no próprios instituto, seriam reinvestimento em infraestrutura, na
contratação de profissionais qualificados e na aquisição de materiais primas
para produção de radiofármacos, geradores de 99Mo/99mTc, fontes radioativas
seladas para indústria, medicina e Braquiterapia, dentre outros. Em 2019, antes
da pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2), causador do Covid-19,
o Instituto recebeu recursos orçamentários próximos de R$ 160 milhões. Com a
comercialização de produtos radiofármacos, geradores de geradores de
99Mo/99mTc, fontes radioativas seladas para indústria, medicina e
Braquiterapia) e serviços tecnológicos (processamento de materiais por radiação
gama/feixe de elétrons/prótons/nêutrons, calibração de detectores e sensores de
radiação, trabalhos em Engenharia Nuclear), dentre outros, retornou-se à União
cerca de R$ 120 milhões. Contudo, esse valor faturado e arrecadado não é
garantia orçamentaria para o exercício seguinte;
5) A Fundação
Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a AMAZUL, a CNEN e o IPEN estudaram um
modelo autossustentável na operação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB),
no qual os recursos da comercialização dos radioisótopos a serem produzidos e
dos futuros serviços tecnológicos prestados fossem revertidos ao próprio
empreendimento. A proposta sustentável da FGV seria a criação de uma Empresa
Estatal Não Dependente do Estado. Por analogia, esse modelo seria plenamente
aplicável de imediato ao Centro de Radiofarmacia do Instituto. Há ainda, a
possibilidade de estudo no IPEN-CNEN, dos modelos de fundação existentes em
instituições públicas, os quais funcionam perfeitamente no Instituo Butantan
(Fundação Butantan), no Instituto do Coração do HC-FMUSP (Fundação Zerbini) e
no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos
(Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz);
6) Há
possibilidade de autonomia na produção de radioisótopos com a construção e
operação do RMB. Com o novo Modelo de Gestão ao Centro de Radiofarmácia do
IPEN-CNEN, juntamente com a produção nacional de radioisótopos no RMB,
possibilitará ampliar os procedimentos de diagnósticos e terapias, a preços
muito mais acessíveis aos pacientes do SUS, democratizando-se a Medicina
Nuclear no País. Atualmente, dos próximos de 2 milhões de procedimentos por
ano, somente 25% são destinados à população mais carente, a qual mais necessita
de Política Pública do Estado;
7) Os países com maior
número de procedimentos (diagnósticos e terapias) em Medicina Nuclear possuem
seus próprios reatores nucleares de pesquisa, para produção dos radioisótopos
localmente, tais como, Estados Unidos e Argentina, dentre outros. Além disso, o
RMB evitará o principal fator que provoca a interrupção na produção dos
radiofármacos no IPEN-CNEN, que é a falta dos radioisótopos. Em acordo a ser
firmado entre o Brasil e Argentina, o Reator Nuclear de Pesquisa RA-10 em
construção avançada e o RMB atuarão como backup mútuo, na
produção e fornecimento de radioisótopos aos dois países, além da possibilidade
de exportação do excedente produzido. Atualmente, o Instituto importa 400Curies
em molibdênio-99, para produção de geradores de 99Mo/99mTc por semana. O RMB terá
capacidade inicial para produção de 1.000Curies, semanalmente, com
possibilidade de exportação do excedente;
8) O IPEN-CNEN
possui um Plano de Ação firmado com a ANVISA e vem trabalhando na modernizar de
suas instalações de produção dos radiofármacos e geradores de 99Mo/99mTc no
Centro de Radiofarmácia, até 2025. Dessa forma, produzirá no conceito de Boas
Práticas de Fabricação (BPF), e registrará seus 24 produtos atuais não mais na
RDC 263/2019 (radiofármacos de uso consagrado) e sim na RDC 451/2020, a qual
dispõe sobre o registro, notificação, importação e controle de qualidade de
radiofármacos e substitui a RDC 64/2009, que criou esta classe de medicamentos
no Brasil. O Centro de Radiofarmácia terá capacidade para duplicar sua
produção, preparando-se, principalmente, para a entra em operação do RMB. Os
radioisótopos hoje importados da Rússia, África do Sul e Holanda, serão
produzidos em Iperó-SP, a 100 quilómetros do IPEN-CNEN. Nessa futura logística,
o ganho em atividade radioativa será expressivo, pois o RMB está, no máximo, a
2 horas de distância do Instituto;
9) Dentre os 24 produtos
fabricados atualmente no IPEN-CNEN, 21 radiofármacos incluindo o gerador de
99Mo/99mTc possuem registro na ANVISA, por meio da RDC 263/2019 (uso
consagrado, decorrente da marca superior a 50 milhões de procedimentos médicos
realizados com produtos fornecidos pelo Instituto). A iniciativa privada ao
registrar na ANVISA seus produtos na RDC 64/2009 e RDC 451/2020 (Boas Práticas
de Fabricação), poderá provocar a interrupção no IPEN-CNEN, fato já sucedido
com alguns reagentes liofilizados e fontes seladas para aferição de ativímetros
em Medicina Nuclear;
10) O principal fator que provoca a interrupção na
produção dos radiofármacos, incluindo os geradores de 99Mo/99mTc no IPEN-CNEN é
a falta dos radioisótopos. Os produtos distribuídos pelo Instituto representam
mais de 50 milhões de procedimentos (diagnósticos e terapias) realizados em
Medicina Nuclear no País. As únicas interrupções de maior impacto e/ou ameaças
às produções dos radiofármacos fornecidos pelo Instituto ocorreram: a) Na
parada do grande produtor mundial de radioisótopos, o Reator Nuclear NRU no Canadá,
em 2009; b) Na pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2), causador
do Covid-19, impossibilitando a logística de voos internacionais,
principalmente, dos produtores de radioisótopos na Rússia, África do Sul e
Holanda, em 2020 – recorreu-se até a voo de repatriação de brasileiros, para
transporte de radioisótopos; e c) O corte na LOA 2021 de 44,8% nos recursos
orçamentários à CNEN e ao Instituto em 2021. Há casos pontuais em que o
rigoroso controle de qualidade no IPEN-CNEN, não aprova algumas matérias primas
importadas (radioisótopos e moléculas para marcação) e, consequente, suspende o
fornecimento do lote de radiofármaco específico na semana. Tratam-se de
produtos injetáveis e o rigor da ANVISA e a saúde dos pacientes são
prioritários;
11) Há necessidade de manutenção da infraestrutura de
produção, pesquisa, desenvolvimento, ensino e inovação com recursos
orçamentários do governo federal. Destaca-se ainda a obrigação premente de
recomposição no quadro de servidores. Na P&D de novos radiofármacos,
conta-se com os imprescindíveis financiamentos da FINEP, FAPESP, CNPq e AIEA.
Destaca-se o recente projeto “Programa multicêntrico utilizando radioligantes
de PSMA para o diagnóstico e terapia de pacientes com câncer de próstata”,
aprovado no Processo FAPESP nº 2020/07065-4, com investidos dos setores público
e privado, próximo de R$ 20 milhões, em 5 anos. Atualmente, o preço do
radiofármaco 177Lu-PSMA comercializado pela iniciativa privada é R$35.000,00.
Com o projeto financiado pela FAPESP, a proposta é de produção desse
radiofármaco no IPEN-CNEN, no valor próximo a 1/3 do praticado no mercado
nacional; e
12) Modelos de Gestão sustentáveis praticados na Austrália
(ANSTO), África do Sul (NECSA), Argentina (CNEA) e Polônia (POLATOM) podem ser
aplicados ao IPEN-CNEN. Nessas instituições, os radioisótopos são produzidos em
reatores nucleares de pesquisa pertencentes ao Estado, a exemplo do RMB. A
produção dos radiofármacos e geradores de 99Mo/99mTc é realizada por
Instituições de Excelência, com vocação em P&D, Ensino, Inovação e Serviços
Tecnológicos, tal como o IPEN-CNEN. A comercialização dos radioisótopos e
radiofármacos é realizada por Empresa Estatal Não Dependente do Estado,
Fundação ou Iniciativa Privada, em comum acordo com a ANSTO, NECSA, CNEA ou
POLATOM. Permaneço à disposição para maiores informações e colaborar no que for
preciso. Atenciosamente, Wilson Calvo” –
FOTO: Senador Álvaro Dias.
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