quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Direção do IPEN/CNEN aponta disparidade de preços de radiofármacos e alerta parlamentares

 


O superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN-CNEN), Wilson Calvo, enviou carta aos parlamentares da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, manifestando a sua preocupação em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), 517/10, de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). A PEC visa à privatização da produção dos radioisótopos (insumos) para a obtenção de radiofármacos (medicamentos que emitem radiação) utilizados no tratamento contra o câncer, de responsabilidade do IPEN, um dos mais importantes institutos de pesquisa da América Latina, com 60 anos de existência. 

“Atualmente, o preço do gerador de 2.000mCi (radiofarmaco) produzido pelo IPEN-CNEN é de R$ 6.835,00 e o praticado pela iniciativa privada é de R$17.200,00. Mesmo com a correção pela variação cambial do radioisótopo (99Mo), o preço desse gerador praticado pelo instituto passaria a R$8.885,50. Tratam-se de produtos injetáveis e o rigor da ANVISA e a saúde dos pacientes são prioritários”, informa Wilson Calvo. 

 O texto-base da PEC, do relator, deputado General Peternelli (PSL-SP) já foi aprovado na semana passada. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), tenta impedir a aprovação da PEC, afirmando que a produção é questão de “soberania nacional” e será equacionada com a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em São Paulo. O reator poderá produzir os radioisótopos importados pelo IPEN. O tratamento é feito em cerca de 440 clinicas privadas e do Sistema Único de Saúde (SUS).

 Nesta quarta-feira (8/12) a votação de mais uma etapa da PEC-517 foi adiada e ainda não tem data marcada para acontecer. Eis a carta do superintendente do IPEN: 

Participei de duas audiências públicas, nos dias 19 e 26/10/2021, e informo que não apoio a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição n° 517-A de 2010. Nas audiências e na visita técnica das autoridades do MCTI (Ministro Substituto, Secretário de Articulação e Promoção da Ciência Substituto, Diretor de Administração), da CNEN (Presidente, Diretor da DPD) e dos Deputados Federais (Dr. Zacharias Calil, General Peternelli e Dr. Alexandre Padilha) ao IPEN-CNEN, em 22/10/2021, sempre externei a enorme preocupação no caso dos parlamentares aprovarem a referida proposta. 

Os principais motivos que apresentei às autoridades e aos senhores parlamentares, nas audiências públicas e na visita técnica ao Instituto são: 

1)    O monopólio da União em vigor restringe-se apenas à importação de molibdênio-99 (99Mo) para industrialização dos geradores de 99Mo/99mTc em território nacional, papel exclusivo e desempenhado pelo IPEN-CNEN. Nesse sentido, as instituições públicas e privadas podem produzir e comercializar os demais radiofármacos no País, desde que registrados na ANVISA; 

2)    Os geradores de 99Mo/99mTc são responsáveis por 85% dos diagnósticos de doenças em Medicina Nuclear. Principalmente, representam 72,8% do faturamento/arrecadação anual no Instituto, no total de R$ 120 milhões em 2019. Os radiofármacos de iodo-131 (131I), lutécio-177(177Lu) e gálio-67 (67Ga) respondem, respectivamente, por 13,18%, 4,38% e 2,71%. Assim, dos 24 produtos distribuídos pelo IPEN-CNEN apenas esses 4 (quatro) têm grande interesse comercial pelo setor privado; 

3)    O Instituto, juntamente com a CNEN e MCTI exercem a política de preços dos radiofármacos no mercado, incluindo os geradores de 99Mo/99mTc, com o propósito de se manter o fornecimento ao SUS. Atualmente, o preço do gerador de 2.000mCi produzido pelo IPEN-CNEN é de R$ 6.835,00 e o praticado pela iniciativa privada é de R$17.200,00. Mesmo com a correção pela variação cambial do radioisótopo (99Mo), o preço desse gerador praticado pelo instituto passaria a R$8.885,50; 

4)  Há possibilidade de mudança no Modelo de Gestão ao IPEN-CNEN, no qual a retenção dos recursos financeiros gerados com a comercialização dos produtos e serviços tecnológicos no próprios instituto, seriam reinvestimento em infraestrutura, na contratação de profissionais qualificados e na aquisição de materiais primas para produção de radiofármacos, geradores de 99Mo/99mTc, fontes radioativas seladas para indústria, medicina e Braquiterapia, dentre outros. Em 2019, antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2), causador do Covid-19, o Instituto recebeu recursos orçamentários próximos de R$ 160 milhões. Com a comercialização de produtos radiofármacos, geradores de geradores de 99Mo/99mTc, fontes radioativas seladas para indústria, medicina e Braquiterapia) e serviços tecnológicos (processamento de materiais por radiação gama/feixe de elétrons/prótons/nêutrons, calibração de detectores e sensores de radiação, trabalhos em Engenharia Nuclear), dentre outros, retornou-se à União cerca de R$ 120 milhões. Contudo, esse valor faturado e arrecadado não é garantia orçamentaria para o exercício seguinte; 

5)  A Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a AMAZUL, a CNEN e o IPEN estudaram um modelo autossustentável na operação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), no qual os recursos da comercialização dos radioisótopos a serem produzidos e dos futuros serviços tecnológicos prestados fossem revertidos ao próprio empreendimento. A proposta sustentável da FGV seria a criação de uma Empresa Estatal Não Dependente do Estado. Por analogia, esse modelo seria plenamente aplicável de imediato ao Centro de Radiofarmacia do Instituto. Há ainda, a possibilidade de estudo no IPEN-CNEN, dos modelos de fundação existentes em instituições públicas, os quais funcionam perfeitamente no Instituo Butantan (Fundação Butantan), no Instituto do Coração do HC-FMUSP (Fundação Zerbini) e no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz);

 6)    Há possibilidade de autonomia na produção de radioisótopos com a construção e operação do RMB. Com o novo Modelo de Gestão ao Centro de Radiofarmácia do IPEN-CNEN, juntamente com a produção nacional de radioisótopos no RMB, possibilitará ampliar os procedimentos de diagnósticos e terapias, a preços muito mais acessíveis aos pacientes do SUS, democratizando-se a Medicina Nuclear no País. Atualmente, dos próximos de 2 milhões de procedimentos por ano, somente 25% são destinados à população mais carente, a qual mais necessita de Política Pública do Estado; 

7)    Os países com maior número de procedimentos (diagnósticos e terapias) em Medicina Nuclear possuem seus próprios reatores nucleares de pesquisa, para produção dos radioisótopos localmente, tais como, Estados Unidos e Argentina, dentre outros. Além disso, o RMB evitará o principal fator que provoca a interrupção na produção dos radiofármacos no IPEN-CNEN, que é a falta dos radioisótopos. Em acordo a ser firmado entre o Brasil e Argentina, o Reator Nuclear de Pesquisa RA-10 em construção avançada e o RMB atuarão como backup mútuo, na produção e fornecimento de radioisótopos aos dois países, além da possibilidade de exportação do excedente produzido. Atualmente, o Instituto importa 400Curies em molibdênio-99, para produção de geradores de 99Mo/99mTc por semana. O RMB terá capacidade inicial para produção de 1.000Curies, semanalmente, com possibilidade de exportação do excedente;

 8)    O IPEN-CNEN possui um Plano de Ação firmado com a ANVISA e vem trabalhando na modernizar de suas instalações de produção dos radiofármacos e geradores de 99Mo/99mTc no Centro de Radiofarmácia, até 2025. Dessa forma, produzirá no conceito de Boas Práticas de Fabricação (BPF), e registrará seus 24 produtos atuais não mais na RDC 263/2019 (radiofármacos de uso consagrado) e sim na RDC 451/2020, a qual dispõe sobre o registro, notificação, importação e controle de qualidade de radiofármacos e substitui a RDC 64/2009, que criou esta classe de medicamentos no Brasil. O Centro de Radiofarmácia terá capacidade para duplicar sua produção, preparando-se, principalmente, para a entra em operação do RMB. Os radioisótopos hoje importados da Rússia, África do Sul e Holanda, serão produzidos em Iperó-SP, a 100 quilómetros do IPEN-CNEN. Nessa futura logística, o ganho em atividade radioativa será expressivo, pois o RMB está, no máximo, a 2 horas de distância do Instituto; 

9)   Dentre os 24 produtos fabricados atualmente no IPEN-CNEN, 21 radiofármacos incluindo o gerador de 99Mo/99mTc possuem registro na ANVISA, por meio da RDC 263/2019 (uso consagrado, decorrente da marca superior a 50 milhões de procedimentos médicos realizados com produtos fornecidos pelo Instituto). A iniciativa privada ao registrar na ANVISA seus produtos na RDC 64/2009 e RDC 451/2020 (Boas Práticas de Fabricação), poderá provocar a interrupção no IPEN-CNEN, fato já sucedido com alguns reagentes liofilizados e fontes seladas para aferição de ativímetros em Medicina Nuclear; 

10) O principal fator que provoca a interrupção na produção dos radiofármacos, incluindo os geradores de 99Mo/99mTc no IPEN-CNEN é a falta dos radioisótopos. Os produtos distribuídos pelo Instituto representam mais de 50 milhões de procedimentos (diagnósticos e terapias) realizados em Medicina Nuclear no País. As únicas interrupções de maior impacto e/ou ameaças às produções dos radiofármacos fornecidos pelo Instituto ocorreram: a) Na parada do grande produtor mundial de radioisótopos, o Reator Nuclear NRU no Canadá, em 2009; b) Na pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-Cov-2), causador do Covid-19, impossibilitando a logística de voos internacionais, principalmente, dos produtores de radioisótopos na Rússia, África do Sul e Holanda, em 2020 – recorreu-se até a voo de repatriação de brasileiros, para transporte de radioisótopos; e c) O corte na LOA 2021 de 44,8% nos recursos orçamentários à CNEN e ao Instituto em 2021. Há casos pontuais em que o rigoroso controle de qualidade no IPEN-CNEN, não aprova algumas matérias primas importadas (radioisótopos e moléculas para marcação) e, consequente, suspende o fornecimento do lote de radiofármaco específico na semana. Tratam-se de produtos injetáveis e o rigor da ANVISA e a saúde dos pacientes são prioritários; 

11) Há necessidade de manutenção da infraestrutura de produção, pesquisa, desenvolvimento, ensino e inovação com recursos orçamentários do governo federal. Destaca-se ainda a obrigação premente de recomposição no quadro de servidores. Na P&D de novos radiofármacos, conta-se com os imprescindíveis financiamentos da FINEP, FAPESP, CNPq e AIEA. Destaca-se o recente projeto “Programa multicêntrico utilizando radioligantes de PSMA para o diagnóstico e terapia de pacientes com câncer de próstata”, aprovado no Processo FAPESP nº 2020/07065-4, com investidos dos setores público e privado, próximo de R$ 20 milhões, em 5 anos. Atualmente, o preço do radiofármaco 177Lu-PSMA comercializado pela iniciativa privada é R$35.000,00. Com o projeto financiado pela FAPESP, a proposta é de produção desse radiofármaco no IPEN-CNEN, no valor próximo a 1/3 do praticado no mercado nacional; e 

12) Modelos de Gestão sustentáveis praticados na Austrália (ANSTO), África do Sul (NECSA), Argentina (CNEA) e Polônia (POLATOM) podem ser aplicados ao IPEN-CNEN. Nessas instituições, os radioisótopos são produzidos em reatores nucleares de pesquisa pertencentes ao Estado, a exemplo do RMB. A produção dos radiofármacos e geradores de 99Mo/99mTc é realizada por Instituições de Excelência, com vocação em P&D, Ensino, Inovação e Serviços Tecnológicos, tal como o IPEN-CNEN. A comercialização dos radioisótopos e radiofármacos é realizada por Empresa Estatal Não Dependente do Estado, Fundação ou Iniciativa Privada, em comum acordo com a ANSTO, NECSA, CNEA ou POLATOM. Permaneço à disposição para maiores informações e colaborar no que for preciso. Atenciosamente, Wilson Calvo” –

 FOTO: Senador Álvaro Dias. 

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