“É necessário se espantar, se
indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade” -Nise
da Silveira (médica psiquiatra) - "
"Tem se tornado lugar comum a participação ativa de
grupos lobistas pró-energia nuclear na mídia, com campanhas publicitárias e
esforços de relações públicas destinados a melhorar a imagem da fonte de
energia e influenciar a opinião pública e decisões políticas. Manipulações
retóricas, desinformações, falta de transparência, omissão de dados,
negacionismo, táticas de intimidação e mesmo de ameaças, fazem parte desta
agressiva atuação. Recusam intencionalmente em admitir fatos e evidências
técnico-científicas comprovadas sobre a insegurança e a inviabilidade das
usinas nucleares, frequentemente com o objetivo de distorcer a realidade para
interesses específicos.
Estão convencidos de que na última reunião de 2025 do
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de assessoramento da
presidência sobre questões energéticas, será aprovado a continuidade da
construção da usina nuclear de Angra 3, obra iniciada há mais de 40 anos, e
consequentemente “abrir a porteira” para a nuclearização do país.
Foi criada
uma grande expectativa nas três últimas reuniões do CNPE para que fosse pautado
este tema, defendido arduamente pelo ministro das “boas ideias”, Alexandre
Silveira, de Minas e Energia. O mesmo defende proliferação de usinas nucleares
de pequeno porte na Amazônia, o uso do petróleo “até a última gota”, os
combustíveis fósseis como carvão mineral e o gás natural em termelétricas, além
do avanço na exploração do urânio e de sua cadeia produtiva, para reforçar a
segurança nacional, ou seja, construir uma defesa nuclear para o país.
Além da
população ser contra usinas nucleares, setores do próprio governo federal, como
o Ministério da Fazenda e Ministério de Meio Ambiente questionam esta
insanidade. Pois além de neutralizar os esforços de barateamento dos custos da
energia elétrica perseguido pelo governo federal, atenta gravemente o meio
ambiente e as pessoas, com a possibilidade de vazamento e liberação de
radioatividade na extração do urânio. Maior quantidade de usinas e atividades
nucleares espalhadas no território nacional, maior probabilidade de ocorrências
de desastres. O
s argumentos repetidos à exaustão pelos lobistas chegam ao
extremo da chantagem, ao afirmar que os minérios estratégicos (urânio incluído)
e o petróleo é que garantirão os recursos para financiar a transição
energética. Infelizmente entendem a transição, como mera transação,
privilegiando o balcão de negócios bilionários em torno da expansão das
desnecessárias usinas.
Os mais tresloucados colocam a energia nuclear como
uma salvação do clima, como se fosse mais sustentável que as fontes renováveis
(sol, vento, água, biomassa), cujo potencial no Brasil é extraordinário,
chegando ao disparate de denominar a nucleoeletricidade de energia limpa.
Não
existe nenhuma base científica na afirmação de que as usinas nucleares garantem
a segurança energética, outro mote utilizado com frequência. Definida como “a
capacidade de um país ou região garantir o fornecimento ininterrupto, confiável
e a preços acessíveis de energia para atender às necessidades da população e da
economia”. Nem em relação à capacidade instalada, nem a preços acessíveis vale
esta afirmação em relação ao nuclear. Muito menos a hilária afirmativa de que
novas usinas nucleares evitarão os apagões.
Atualmente o pais dispõe de menos
de 2% de eletricidade nuclear injetada na matriz elétrica, e mesmo com o
término de Angra 3, e de mais 10.000 MW até 2050, como propõe o Plano Nacional
de Energia, a contribuição nuclear não vai ultrapassar 4% da potência total
instalada, valor extremamente irrisório de capacidade para garantir segurança
do setor energético. E em relação aos custos da energia nuclear estes valores
são comparáveis aos das termelétricas a combustíveis fósseis, em torno de quatro a seis vezes maior que o das fontes solar e eólica. Valores estes apresentados
em recente estudo (mencionado na mídia, mas não disponibilizado publicamente)
realizado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social),
sob encomenda do CNPE.
Este estudo, segundo fragmentos divulgados, indica que
concluir a construção da usina nuclear Angra 3 é a opção mais econômica (?) e
benéfica (?) para o Brasil, em comparação com o abandono do empreendimento. O
estudo oculto conclui que o custo do cancelamento da obra seria de R$ 22
bilhões a R$ 25,97 bilhões, enquanto o valor estimado para finalizar seria de
R$ 23,9 bilhões, levando a mídia, em particular a da extrema direita, a
antecipar que é mais vantajoso terminar Angra 3, do que abandonar o projeto.
Estes números carecem de uma análise técnico-econômica isenta, onde as
premissas, as hipóteses sejam apresentadas claramente. Da forma que foi
divulgada é mais uma estratégia propagandista, utilizando para tal a
credibilidade dos técnicos do BNDES.
É apontado também pelo estudo-fantasma que
a energia gerada para cobrir os custos e garantir retorno ao investimento deve
variar entre R$ 778 a R$ 817 por MWh. Valores inverossímeis, que devem passar
pelo crivo da isenção, para que sejam realmente verificados, e como se chegou a
estes números.
A falta de transparência é utilizada como arma para credibilizar
os negócios nucleares no Brasil, como solução ao aquecimento global e para
atender a demanda crescente por energia elétrica, em particular dos “data
centers” que processam informações para a inteligência artificial. São os
mesmos países que causaram a crise climática que agora expandem suas
infraestruturas destrutivas nos territórios do Sul Global, transferindo custos socioambientais.
Não se deve esquecer dos episódios controversos que atestam a falta de
credibilidade do setor nuclear brasileiro. Mais recentemente o desgaste da
Eletronuclear, responsável pelas usinas, ficou bem evidenciado, diante de sua
crise financeira. Com um rombo em suas contas no final
de outubro de 2025, a Eletronuclear (sempre o sumidouro do dinheiro público)
solicitou um aporte de R$ 1,4 bilhão ao governo federal para cobrir suas
contas. Neste mesmo mês a Eletrobrás (atual, Axia Energia) concordou em vender sua
participação de 68% da Eletronuclear para a Âmbar Energia, empresa do grupo
J&F, por R$ 535 milhões, em uma operação ainda não esclarecida totalmente, e
que levou a participação de um grupo econômico que não tem nada a ver com
energia, a entrar em um negócio de tamanho risco e incerteza
econômico-financeiro. O passado e presente das empresas dos irmãos bilionários donos da
J&F holding estão repletos de notícias nas páginas policiais.
Estes e outros episódios
aprofundaram perante a opinião pública o crescente descrédito sobre o
desempenho da indústria nuclear, e de seus gestores, privilegiados com
supersalários. O desgaste da Eletronuclear (responsável pelas usinas) fica mais
evidenciado, diante de sua crise financeira e uma política de demissões, que
acabaram levando à greve, trabalhadores das usinas e da parte administrativa.
Mesmo
diante da contradição governamental entre o discurso e a ação quando o assunto
é energia, se espera que o programa de construção de usinas nucleares e a
expansão da mineração do urânio seja interrompido. Que se torne efetivo o que
disse o presidente Lula na 4a Cúpula da Celac-EU (Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos e da União Europeia) realizada em Santa
Marta, na Colômbia em 9/11 que “a América Latina é uma região de paz que quer
permanecer desta maneira”.
Neste contexto a não nuclearização do Brasil deve
acontecer, e servir de exemplo para toda América Latina. Não prosseguir com a
construção de usinas nucleares, muito menos desenvolver a cadeia nuclear visando
à construção de artefatos atômicos para defesa, como pregou o ministro de Minas
e Energia, é um ato concreto de que somos efetivamente pela paz".
ARTIGO EXCLUSIVO -
Heitor
Scalambrini Costa- Professor associado aposentado da Universidade Federal
de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade
Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de
Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França. Integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
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