Milhares de pacientes que dependem de radiofármacos (medicamentos ligados a radioisótopos – materiais radioativos) para combater e diagnosticar doenças graves como o câncer e enfermidades raras correm o risco de interrupção do tratamento nos próximos dias, diante da iminência de desabastecimento do produto em 485 serviços de medicina nuclear no país, que atendem tanto o Sistema Único de Saúde (SUS), quanto o sistema privado. A informação é da presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SBMN), Elba Etchebehere, doutora em Ciências Médicas pela UNICAMP, com pós-doutorado no MD Anderson Câncer Center (EUA).
“É critico o cenário enfrentado pela Medicina Nuclear no país”, afirmou. “O envolvimento de Rússia e Israel em conflitos regionais tem dificultado ainda mais a importação de radioisótopos pelo IPEN, devido a sanções e fechamento do espaço aéreo. O Brasil necessita abrir o mercado e viabilizar o acesso a outros países produtores, já que há mais de vinte fornecedores no mundo”, informou.
Os problemas gerados pelo ataque cibernético sofridos pelo IPEN no dia 28 de março deste ano, que paralisaram a produção de diversos radiofármacos, ainda não foram completamente resolvidos. “Embora o IPEN/CNEN tenha agido com rapidez e eficiência, qualquer paralisação prejudica os pacientes em última instância, especialmente porque a Medicina Nuclear cresce 11% ao ano. Devido à intermitência, houve a abertura para que a iniciativa privada também importasse”. O monopólio foi quebrado, mas o mercado, continua travado, como informa a presidente da SBMN.
O que dará soberania ao país na produção é a entrada em operação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), idealizado em 2009, que somente agora está saindo do papel. O RMB vai abastecer o IPEN/CNEN, que poderá sair da condição de importador para seguir como potencial exportador em um cenário global. Cerca de dois milhões de procedimentos médicos utilizando radioisótopos são realizados anualmente, nas 485 clinicas de Medicina Nuclear.
Transcrição da carta publicada no site da SBMN: DESABASTECIMENTO CRÔNICO DE RADIOISÓTOPOS E RADIOFÁRMACOS DE MEDICINA NUCLEAR E SEU IMPACTO NA SAÚDE DA POPULAÇÃO DO BRASIL
“Paciente com câncer perguntou ao médico se o atraso na sua terapia, por falta do produto (iodo-131), pode impactar na evolução do seu câncer. Como responder?” Médico Nuclear, em palestra em São Paulo, no dia 04/04/2025 Exmo. Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
"É com enorme preocupação que nos dirigimos a esta Casa para abordar um tema de extrema relevância para a saúde pública do Brasil: o desabastecimento crônico de radioisótopos e radiofármacos e suas consequências diretas na saúde da população do Brasil.
A Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SBMN), em colaboração com demais associações de alcance nacional, como a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares – ABDAN e a Associação Nacional de Empresas de Medicina Nuclear – ANAEMN, entre outras relevantes que apoiam este documento - entidades de profissionais e pacientes - vem por meio desta solicitar ações urgentes diante da gravidade da situação em que se encontra a Medicina Nuclear Brasileira.
A Medicina Nuclear desempenha um papel fundamental no diagnóstico e tratamento de diversas doenças graves, incluindo vários tipos de cânceres, sendo amplamente reconhecido que os procedimentos dessa especialidade médica reduzem drasticamente as taxas de morbimortalidade, otimizando os gastos com saúde pública. Lamentavelmente, sua utilização no Brasil se encontra 60% inferior à de países desenvolvidos e em desenvolvimento (Índia, África do Sul, Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, México etc.) devido aos desafios significativos que impactam diretamente a qualidade e o acesso a serviços de saúde essenciais para a população brasileira.
Buscamos externar a preocupação de todo o setor com a grave crise que há tempos é percebida sobre o fornecimento e abastecimento no mercado interno de radiofármacos e radioisótopos - essenciais ao tratamento de pacientes acometidos de doenças graves.
O principal gargalo enfrentado é a instabilidade no fornecimento de insumos radioativos e radiofármacos por parte do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN). O IPEN/CNEN ainda é o único distribuidor dos principais insumos utilizados em mais de 80% dos exames de Medicina Nuclear no Brasil, exercendo um papel relevante no acesso dos brasileiros à Medicina Nuclear.
O exemplo mais emblemático na distribuição dos insumos radioativos é a importação do radionuclídeo molibdênio-99 pelo IPEN/CNEN para a produção do gerador de Tecnécio-99m, distribuído semanalmente para os 485 serviços de Medicina Nuclear do país, que possibilita a realização de procedimentos diagnósticos em cerca de 40.000 pacientes por semana. Infelizmente, ao longo dos anos, houve uma redução drástica na entrega dos geradores de tecnécio-99m. Em 2024, o fornecimento intermitente resultou em 560.000 pacientes sem acesso a procedimentos essenciais, agravando filas de espera e gerando um impacto significativo na saúde pública, com aumento de custos desnecessários para o sistema.
Diversos outros insumos importados e distribuídos pelo IPEN/CNEN enfrentam recorrentes interrupções ou bloqueios, como o Iodo-131 e Guan-Ipen131MIBG (para tratamento de câncer de tireoide e neuroblastoma - câncer infantil) e Lutécio-177 (para tratamento de câncer de próstata e cânceres neuroendócrinos). Até 2015 o IPEN/CNEN distribuía doses terapêuticas de iodo-131 para cerca de 1.400 pacientes por semana. Esse número foi reduzido drasticamente para ¼ dessa capacidade. Atualmente, as interrupções no fornecimento semanal de lutécio-177 resultaram em cerca de 250 pacientes sem acesso a esse tratamento em 2024.
Ao longo dos anos o IPEN/CNEN também deixou de comercializar inúmeros radiofármacos antes amplamente disponíveis para os serviços de medicina nuclear no país. Em consequência, houve uma estagnação no desenvolvimento da especialidade, com enormes prejuízos para a população que necessita de diagnóstico preciso e terapias curadoras. A situação de distribuição de radiofármacos para Medicina Nuclear continua errática, incerta, com rupturas constantes.
A interrupção de procedimentos diagnósticos e o adiamento de tratamentos oncológicos essenciais tem provocado aumento de filas, grande sofrimento aos pacientes e familiares, riscos de progressão da doença e ações judiciais recorrentes contra os serviços de Medicina Nuclear, afetando a credibilidade do setor. A falha no fornecimento regular destes insumos configura um risco sanitário de grandes proporções.
Diante da gravidade da situação em que se encontra a Medicina Nuclear brasileira, as entidades representadas solicitam a adoção das medidas emergenciais a seguir expostas. As propostas incluem:
1 - Autorização para importação emergencial em caráter excepcional, por parte da ANVISA, de todos os itens da Instrução Normativa - IN nº 081, de 16/12/2020 (inclui radiofármacos pronto para uso, componentes não radioativos para marcação de componentes radioativos e precursores radionuclídeos, incluindo eluato de geradores de radionuclídeos (geradores de tecnécio-99m)) por serviços de Medicina Nuclear e indústrias radiofarmacêuticas nacionais, por fornecedores com certificados de BPF, a exemplo da RDC no 567/2021, permitindo o abastecimento contínuo, evitando interrupções no atendimento dos pacientes e reduzindo o impacto negativo no sistema de saúde.
2 - Investimento no IPEN/CNEN para expandir a produção e importação de radiofármacos.
3 - Apoio a Iniciativas Públicas e Privadas para garantir fontes alternativas de fornecimento de radioisótopos e radiofármacos com boas práticas de fabricação (BPF);
4. Autorização pela ANAC de transporte de radioisótopos por aeronaves de pequeno porte, observados os devidos procedimentos de segurança e controle;
5. Atualização dos valores aplicados pela Tabela SUS.
São urgentes as soluções rápidas e tecnicamente fundamentadas para garantir o pleno funcionamento da Medicina Nuclear em todo o território nacional, uma especialidade médica que tem o potencial de salvar vidas e melhorar a qualidade de vida. Contamos com o vosso comprometimento e liderança para garantir que nossas propostas sejam ouvidas e que medidas efetivas sejam adotadas para assegurar que todos os brasileiros tenham acesso a diagnósticos e tratamentos essenciais. O diálogo construtivo, aberto e propositivo com os órgãos que formulam as políticas em saúde é fundamental para construir e promover acessos a serviços de Medicina Nuclear de qualidade e em tempo oportuno para a população brasileira.
Permanecemos à disposição para colaborar com as autoridades na construção de soluções sustentáveis e eficazes. Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN) Associação Brasileira de Física Médica (ABFM) Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE) Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) Associação Nacional de Empresas de Medicina Nuclear (ANAEMN) Instituto Vencer o Câncer Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC) Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN) Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SBMN)".
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20/09/2021 – Falta de verba na medicina nuclear começa a paralisar o diagnóstico e tratamento contra o câncer. Ricos só terão atendimento em outros países;
22/09/2021 – Governo libera R$ 19 milhões para a compra de insumos destinados à medicina nuclear. Valor é considerado insuficiente para o tratamento de pacientes com câncer até o final do ano;
28/09/2021 – Ministro alerta sobre urgência de liberação de recursos para produção de radiosótopos;
15/10/2021 – Medicina Nuclear: pacientes com câncer podem ficar novamente sem tratamento semana que vem. Recursos para a produção de radiofármacos ainda não foram liberados para o IPEN/CNEN.
01/12/2021 – Câmara vota quebra do monopólio da produção de medicamentos contra o câncer. SBPC alerta sobre irremediáveis prejuízos para a população e ciência.
02/12/2021 – Medicina Nuclear: aberto o caminho à quebra do monopólio para a produção de radioisótopos, pacientes com câncer em risco;
15/12/2021 – Medicina nuclear: produção de medicamentos para combater o câncer nas mãos da iniciativa privada;
16/12/2021 – PEC-517/2010: proposta macabra. Facada no projeto do reator multipropósito. Por Alexandre Padilha. Exclusiva para o BLOG.
31/01/2022 - Medicina Nuclear: reator para salvar vidas, verbas ficam nas promessas.
FOTOS: IPEN/CNEN - SBMN -
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