sexta-feira, 13 de maio de 2022

Formados em Engenharia Nuclear, sem mercado de trabalho no Brasil, estudantes buscam outras alternativas

 


Recém formado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudante Erik Hisahara, 24 anos, já está de malas prontas para embarcar para os Estados Unidos. Lá, foi aprovado para cursar doutorado na Universidade Estadual da Pensilvânia. Aqui, as oportunidades praticamente não existem. A Eletronuclear, uma das maiores empresas do setor, disponibilizou uma vaga para Engenheiro Nuclear em recente concurso. Já outra grande empresa, a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em concurso de 2018, não contemplou sequer uma vaga.  Esse “banho de água fria” na área está levando estudantes a buscar o futuro em outras partes do mundo.  Eis a primeira entrevista da série: 

BLOG: Conte um pouco de sua história.

 ERIK HISAHARA: Sou brasileiro nato, apesar de ter nascido no Japão, pois meus pais são brasileiros. Nasci e cresci no Japão até os 13 anos. Vim para o Rio de Janeiro um mês antes dos tsunamis que causaram o acidente de Fukushima, e aqui permaneci desde então. Minha mãe é consultora de planos de saúde e meu pai é operário no Japão. 

BLOG:  Como foi a descoberta da Engenharia Nuclear da UFRJ? 

ERIK: O meu primeiro contato com o curso foi no ano de vestibular, quando me vi diante da notícia sobre uma aluna do curso vencendo a Olímpiada Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Acabei optando por cursar a graduação em Licenciatura em Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), porém logo decidi mudar de curso. 

BLOG: Como foi a mudança? 

ERIK: Durante o processo decisório me deparei com a Engenharia Nuclear, e nesse momento relembrei da notícia da aluna, e passei a buscar mais sobre a história da energia nuclear no Brasil e no mundo. Optei por trocar de curso, saindo da Licenciatura em Física na UFRJ, e realizando a prova de transferência para a Engenharia Nuclear, onde encontrei a minha vocação. 

BLOG: Conte sobre a vocação? 

ERIK:  Sempre busquei unir as minhas paixões com as atividades que desempenhava na faculdade, durante os últimos três anos da graduação fui bolsista de iniciação científica na área de Engenharia de Reatores, e também fui professor voluntário de Física no pré-vestibular social Samora Machel. Desde que entrei no curso, tentei sempre participar ativamente dos eventos acadêmicos, atuando como staff e membro da Seção Estudantil de Engenharia Nuclear, e no último ano da graduação me tornei representante discente. 

BLOG: O que mais o motivou? 

ERIK: Foi o desejo do setor nuclear como um todo de desenvolver novas tecnologias que sejam mais seguras para prover uma fonte de energia limpa. 

BLOG: Acertou a escolha? 

ERIK: Com certeza fiz a escolha certa. O curso enfrenta diversas barreiras com relação à inserção no mercado de engenharia, mas para mim é extremamente gratificante aprender sobre engenharia nuclear e me especializar cada vez mais. 

BLOG: Qual o maior atrativo? 

ERIK: Uma das coisas que mais me atrai na área é a vontade que todos os profissionais têm em mostrar para a sociedade que a energia nuclear é benéfica quando usada de forma segura. No momento não me vejo seguindo outra carreira. 

BLOG: A Eletronuclear abriu edital. O que achou? Tem perspectiva? 

ERIK: A Eletronuclear é uma das principais empresas do nosso setor e desde a criação da graduação em Engenharia Nuclear em 2010 comenta-se sobre a renovação do quadro de profissionais da empresa. O concurso da Eletronuclear era algo muito aguardado pelos estudantes. No entanto, foi uma surpresa o edital constar apenas uma única vaga para engenheiros nucleares. 

BLOG: Foi um balde de água fria? 

ERIK: Me preocupou bastante o fato de a Eletronuclear não considerar ofertar mais vagas, uma vez que somos profissionais preparados desde o início da graduação para trabalhar no setor. 

BLOG: Como está mercado de trabalho brasileiro na área nuclear? 

ERIK: O setor nuclear é bem diverso e vai além da geração de energia, existem também aplicações industriais e na medicina; porém, é uma indústria bastante restrita e a maior parte das contratações tem sido realizada através de concursos públicos.  Nós do curso de Engenharia Nuclear da UFRJ possuímos uma grande preocupação com relação a essa dependência de concursos, pois quase nenhuma empresa do setor privado nos oferece oportunidades, e os editais de concurso surgem depois de vários anos, sendo que muitas vezes não somos contemplados nas vagas. Exemplos disso são os editais para concurso da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), de 2018, que não possuía vagas para engenheiro nuclear, e o edital deste ano da Eletronuclear com apenas uma vaga. 

BLOG: Há perspectivas? 

ERIK: Atualmente o setor nuclear passa por um momento forte de inovação, com desenvolvimento de novas tecnologias e principalmente dos reatores modulares pequenos, que são mais competitivos no mercado de energia, além disso, o setor tem se alinhado bastante com o movimento ecológico por apresentar uma fonte limpa de energia. O Brasil por outro lado tem adotado nos últimos anos uma postura mais conservadora, porém acredito que com a conclusão das obras de Angra 3, do desenvolvimento do submarino nuclear da Marinha e também do Reator Multipropósito Brasileiro, o mercado de trabalho como um todo irá alavancar, porque será necessário ter uma mão de obra especializada e que tenha enraizada, desde o início de sua formação, a cultura de segurança que é tão importante nesses empreendimentos. 

BLOG:  Com as exigências mundiais de novos conhecimentos, mudanças tecnológicas, etc, acredita que o estudante de Engenharia Nuclear possa apostar nesse mercado brasileiro nos próximos anos? 

ERIK: O setor nuclear possui um grande foco principalmente em Pesquisa e Desenvolvimento; com isso, o estudante que quiser seguir a carreira acadêmica terá bastante espaço no futuro. No entanto, tenho minhas preocupações sobre a inserção no mercado de trabalho do aluno que não quiser seguir na pesquisa, e sim atuar diretamente na indústria. 

BLOG: O curso é bem divulgado? 

ERIK: Como a graduação em Engenharia Nuclear da UFRJ é a única do país, e temos pouco mais de uma década desde a sua criação, muitas das empresas ou departamentos não possuem conhecimento de que nós existimos e quais são as nossas capacidades técnicas. Isso se reflete não só no momento de o estudante buscar oportunidades de emprego, mas também na hora de procurarmos estágio na área, que são bem pouco ofertados. 

BLOG: Pode exemplificar? 

ERIK: Um exemplo disso está presente no próprio site da Eletronuclear, na página de Estágio consta uma lista com a relação dos cursos que a empresa oferece vagas, porém não há Engenharia Nuclear dentro dessa lista. Certa vez quando estava buscando estágio, liguei para o setor responsável e quando informei esse fato à pessoa que me atendia, a resposta foi de surpresa também, “Como não consta Engenharia Nuclear? Afinal é nuclear, deveria estar ali”. 

BLOG: Melhoras no futuro? 

ERIK: Eu acredito bastante no potencial dos estudantes que são formados no curso da UFRJ e torço que nos próximos cinco ou dez anos, nossos engenheiros formados tenham mais oportunidades no setor. Temos uma formação multidisciplinar e completa, porém, além das barreiras que impedem o setor, também existem aquelas que o próprio setor nos impõe. Na minha opinião, as empresas precisam dar uma atenção maior a essa nova mão de obra que está sendo formada. 

BLOG: Que mensagem mandaria para quem sonha com o curso? 

ERIK: O curso possui as suas dificuldades, mas se você é uma pessoa empolgada por energia nuclear e suas aplicações, dê o seu melhor e aproveite tudo que o curso e a UFRJ têm a lhe oferecer. Um dia as oportunidades irão aparecer e você será recompensado. 

BLOG: Como está agora? 

ERIK: Agora estou me formando e o próximo passo é começar o doutorado na Universidade Estadual da Pensilvânia, e agosto. Um dos meus grandes sonhos é um dia retornar ao Brasil e atuar como professor no Programa de Engenharia Nuclear da UFRJ, afinal nesse departamento fui bem recebido, e tratado pelos professores mais como um futuro colega do que como um aluno. Sou muito grato por todas as experiências que vivi e gostaria de um dia retribuir à comunidade.

 NOTA: Eletronuclear e INB - A Eletronuclear não respondeu às perguntas ao Blog. A INB respondeu admitindo que o último concurso em 2018 não contemplou vagas para Engenheiro Nuclear. 

FOTO: Arquivo pessoal Erik Hisahara – 

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